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Breno Bringel, José Maurício Domingues

TEORIA SOCIAL, EXTROVERSÃO E AUTONOMIA: impasses e

DOSSIÊ
horizontes da sociologia (semi)periférica contemporânea

Breno Bringel*
José Maurício Domingues**

Este artigo analisa a produção de teoria social na periferia em diferentes eras geopolíticas e fases da mo-
dernidade, com ênfase especial para a sociologia semi(periférica) contemporânea. Argumenta-se que a
agenda de pesquisa atual gira ao redor de um movimento intelectual de crítica destituinte do eurocentris-
mo e da modernidade, sem conseguir, no entanto, criar formulações teórico-metodológicas sistemáticas,
como ocorreu a meados do século XX. Busca-se, portanto, avançar nas bases para a construção de um
movimento instituinte mais propositivo a partir de duas direções: por um lado, recuperando a centrali-
dade de campos autônomos e circuitos agregadores que superem a extroversão intelectual; e, por outro,
analisando, em diálogo com Guerreiro Ramos, as possibilidades de construção de teoria na (semi)periferia
como uma das principais chaves para deslocar, de maneira mais permanente, a hegemonia das teorias dos
países centrais e seu uso habitualmente protocolar fora de seu solo original.
Palavras-chave: Teoria sociológica. Semi(periferia). Modernidade global. Guerreiro Ramos. Epistemologia.

INTRODUÇÃO termos de modalidades, práticas, alcances e


gramáticas da disciplina.
Existe uma relação intrínseca entre as A origem e a formação da sociologia na
“eras geopolíticas” (Agnew e Corbridge, 1995; Europa constituem uma mostra disso e refle-
Cairo, 2008) e a emergência de “geopolíticas tem como a “imaginação geopolítica” moderna
do conhecimento” (Mignolo, 2002), que con- está entrelaçada com a “imaginação sociológi-
figuram um olhar das ciências sociais, e parti- ca” emergente no continente, impregnada de
cularmente da sociologia, para lugares e temas noções como civilização, progresso, razão ou
específicos. Em outras palavras, a existência, nação. Se a sociologia, considerada como um
em diferentes momentos históricos, de suces- produto histórico e especializado, era um pri-
sivas ordens geopolíticas, com suas respecti- vilégio dos países centrais nessa primeira fase

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vas regras, instituições, rotinas e relações de da modernidade, marcada por um caráter libe-
poder, guarda uma estreita relação com o de- ral limitado e pela expansão colonial ocidental
senvolvimento da sociologia no mundo em para além das Américas (Domingues, 2009),
tudo o que se produzia na América Latina era
* Doutor em Ciência Política e Sociologia. Professor-pes- qualificado como ensaísmo, pensamento pré-
quisador do IESP-UERJ. Bolsista de Produtividade do
CNPq e Jovem Cientista do Nosso Estado – FAPERJ. sociológico ou “protossociologia” – em alguns
Rua da Matriz, 82. Cep: 22260100. Botafogo - Rio de Ja-
neiro – Rio de Janeiro – Brasil. brenobringel@iesp.uerj.br casos de forma depreciativa ou, por outro lado,
** PhD em sociologia pela London School of Economi- acompanhado de uma exigência de supera-
cs and Political Science. Professor-pesquisador do IESP
-UERJ. Bolsista de Produtividade do CNPq 1B e Cientista ção (Germani, 1959). Embora a recepção da
do Nosso Estado – FAPERJ.
Rua da Matriz, 82. Cep: 22260100. Botafogo - Rio de Janei- sociologia europeia e, posteriormente, norte
ro – Rio de Janeiro – Brasil. jmdomingues@iesp.uerj.br
1
Este artigo é parte de um esforço intelectual mais am- -americana, durante boa parte do século XIX
plo de discussão sobre a sociologia latino-americana e e, principalmente, primeira metade do século
a construção de teoria na periferia, realizado no Núcleo
de Estudos de Teoria Social e América Latina (NETSAL), XX, nunca tenha sido totalmente passiva ou
coordenado por nós no IESP-UERJ (http://netsal.iesp.uerj.
br/). Agradecemos o diálogo dos pesquisadores do NET- acrítica nos países periféricos, nota-se uma
SAL, conquanto a responsabilidade do texto seja exclusi-
vamente nossa. importante guinada durante a década de 1950

http://dx.doi.org/10.1590/S0103-49792015000100005 59
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e 1960, que já vinha se construindo de maneira sentações do espaço homogeneizantes, várias


paulatina, ao menos desde os anos 1930. foram as resistências e os padrões de contes-
O início de uma nova ordem geopolítica tação globalmente orientados, conquanto com
marcada pela Guerra Fria, em meados do sécu- força e inspiração fortemente enraizadas em
lo XX, se dá, de fato, de forma concomitante a lugares e países da periferia mundial (Bringel,
uma aposta crescente pelo descentramento do 2015). Imersos já na terceira fase da moderni-
pensamento sociológico. A emergência de um dade – mais descentrada, heterogênea e com-
“Bandung intelectual”, na segunda fase da mo- plexa que as anteriores –, vemos como a crise
dernidade, fortemente organizada pelo Estado, das ciências sociais e da intelectualidade, de
produziu-se vis-à-vis às lutas anticoloniais na maneira mais geral ocupada em dar respostas
África e na Ásia, aos movimentos revolucio- ao agravamento dos problemas sociais, políti-
nários na América Latina e à difusão dos na- cos e econômicos, acontece de forma paralela
cionalismos periféricos e da narrativa desen- à crescente crítica aos centros hegemônicos de
volvimentista. O desejo de emancipação fren- poder e saber e à afluência de atores políticos e
te a uma ordem dominante e discriminadora sociais que buscam incidir no debate público.
orientava esses esforços. A articulação entre A emergência de novos governos progressistas
teoria e prática, o questionamento dos limites na América Latina, a centralidade das lutas
do eurocentrismo, a recepção e a assimilação dos movimentos sociais e as novas formas de
crítica da sociologia central, a autonomização solidariedade e práticas articulatórias “Sul–
da sociologia como disciplina e a necessidade Sul”, institucionais e não institucionais, dão
de construir instituições e debates próprios lugar a inovadores, embora ainda precários e
dos contextos periféricos foram somente al- fragmentados, espaços transnacionais de expe-
guns dos principais leitmotivs da sociologia rimentação, troca e pensamento coletivo.
terceiro-mundista em sua busca por uma ciên- De forma paralela a essa guinada geopo-
cia autóctone, autônoma e nacional. Circuitos lítica, com a emergência de novos movimen-
nacionais e regionais de produção e circulação tos populares e, em parte, de uma nova semi-
do conhecimento foram criados e houve um periferia global, a discussão sobre o “Sul” e a
considerável avanço em termos de teorizações “(semi)periferia” volta a ganhar centralidade
abrangentes, processuais e globais da socieda- nas últimas décadas em todo o mundo (reves-
de, que geraram, inclusive, um novo repertó- tida agora, como veremos, de novas etiquetas
rio conceitual associado à mudança social e ao como a de “Sul Global”). E vai chegando aos
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debate sobre o colonialismo, o imperialismo, o poucos ao Brasil. A despeito da convergência


desenvolvimento, a dependência, a estratifica- de alguns denominadores comuns relacio-
ção social e o Estado. nados à produção e à circulação assimétrica
As ditaduras na América Latina e o de- do pensamento sociológico e à centralidade
senlace pouco alentador das revoluções afri- do colonialismo no descentramento da disci-
canas e asiáticas (tanto as vitoriosas como as plina, trata-se de um movimento intelectual
derrotadas) coincidiram, no plano global, com bastante heterogêneo. As etiquetas utilizadas
a queda do muro de Berlim e a emergência de (teorias ou epistemologias do Sul; sociologia
uma nova ordem geopolítica de uma globali- periférica; sociologia global; teorias pós-colo-
zação neoliberal militarizada, e com o retorno niais, etc.) também são diversas e partem de
da hegemonia dos circuitos de produção e cir- pressupostos teórico-metodológicos distintos
culação do conhecimento das ciências sociais. que projetam interpretações diferentes sobre
Embora as forças hegemônicas, circunscritas a modernidade, o legado do colonialismo e o
à narrativa do there is no alternative, tendes- papel da sociologia.
sem a reproduzir práticas, discursos e repre- Dentro dessa ampla gama de propostas,

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é importante reforçar que a emergência das sociologia central e na sociologia periférica da


“agendas pós-coloniais” contemporâneas está segunda metade do século XX, que permitam
profundamente associada a uma possível tran- progredir na construção de circuitos autôno-
sição global das ciências sociais (Patel, 2015) mos e perspectivas próprias de um movimento
e à reconfiguração dos processos globais de intelectual instituinte. À diferença de outros
desenvolvimento, às novas alianças geocultu- textos deste mesmo dossiê sobre Guerreiro Ra-
rais e geoestratégicas, às práticas e políticas de mos, que também tratam essa questão a partir
cooperação internacional, à crítica ao eurocen- de uma discussão meticulosa dos aportes do
trismo, ao realinhamento dos blocos de inte- autor baiano – seja para inscrevê-lo no cam-
gração regional e às novas gramáticas sociais po da dita sociologia periférica1 seja para re-
emergentes. construir sua proposta de teoria da sociedade
Em trabalhos prévios, analisamos cri- brasileira –, optamos aqui por um movimento
ticamente as possibilidades e limites dessas mais abrangente, em cujo seio Ramos apare-
agendas pós-coloniais e periféricas na geração cerá mais pontualmente, principalmente na
de novos quadros interpretativos para o estu- segunda metade do texto, como provocador de
do da teoria social (Domingues, 2003, 2011 e discussões ainda altamente vivas e instigantes.
2013), dos movimentos sociais (Bringel, 2011) O artigo está dividido em quatro partes,
e das imbricações entre modernidade e con- além desta introdução. Em primeiro lugar, na
testações sociais (Bringel e Domingues, 2012 seção seguinte, situaremos, de maneira geral,
e 2015). De maneira sintética, pode-se afirmar algumas das principais propostas associadas
que boa parte dessa agenda de pesquisa emer- à reconstrução da sociologia periférica e se-
gente, embora realize uma pertinente crítica miperiférica contemporânea, ressaltando suas
epistemológica à produção e circulação de co- particularidades, potencialidades e limitações.
nhecimento, não consegue sugerir alternativas Em segundo lugar, retoma-se a clássica discus-
ao eurocentrismo em termos de formulações são sobre heteronomia, campos e extroversão
teórico-metodológicas, tal como ocorreu na pe- intelectual para problematizar os condicionan-
riferia em meados do século XX. A crítica ao tes estruturais e as bases necessárias para a ge-
provincianismo mascarado de universalismo ração de um campo ou movimento intelectual
é fundamental, mas igualmente importante é de caráter autônomo, propositivo e agregador.
avançar para além da denúncia, rumo a uma te- Como consequência, discutem-se, em tercei-
orização sistemática que permita gerar marcos ro lugar, as complexidades e contradições dos

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mais robustos e abrangentes de interpretação circuitos intelectuais periféricos e semiperi-
das realidades periféricas e semiperiféricas a féricos, particularmente sua constituição em
partir de uma perspectiva totalizante que trans- “comunidades imaginadas” que mobilizam o
cenda o empirismo localizado. nacionalismo como narrativa política e como
Sob esse pano de fundo, este artigo pre- dispositivo metodológico circunstancial. Fi-
tende contribuir para o debate sobre os impas- nalmente, analisamos as possibilidades de
ses e os horizontes da sociologia (semi)perifé- construção de teoria na (semi)periferia como
rica contemporânea sugerindo que é preciso uma das principais chaves para deslocar, de
dar um passo além do que aqui denominare- maneira mais permanente, a hegemonia das
mos como pensamento destituinte, ou seja, teorias dos países centrais e seu uso habitual-
aquelas correntes intelectuais cujo foco cen- mente protocolar fora de seu solo original.
tral é a crítica ao eurocentrismo e a destitui-
ção de suas bases epistemológicas, limitadas
em sua dimensão propositiva. Busca-se aqui 1
Para esforços nessa direção, ver os artigos recentes de
resgatar elementos presentes na tradição da João Marcelo Maia, tais como Maia (2012).

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O pensamento pós-colonial e a so- dirigem exclusivamente aos Estados Unidos e


ciologia periférica contemporânea à Europa, salvo quando se engajam de forma
como crítica destituinte instrumental com o restante da semiperiferia e
a periferia, a própria validade do termo se põe
Os estudos pós-coloniais, assim como em cheque, demandando conceituações mais
outras propostas de sociologia “indígena” precisas (Wang, 2011).
(Akiwowo, 1988; Adesina, 2002), “global” À diferença dos circuitos intelectuais
(Turner, 1989; Bhambra, 2013), “do Sul” (Con- relativamente integrados, existentes na perife-
nell, 2007; Santos, 2009) e outros rótulos, ria mundial entre as décadas de 1950 e 1970,
como “cosmopolita”, “endógena” e “autôno- esses processos de articulação contemporâne-
ma”, têm chamado crescentemente a atenção os apresentam-se mais como verdadeiros ar-
das ciências sociais contemporâneas pelas quipélagos, ou seja, como conjuntos de ilhas
suas propostas de descentramento da sociolo- próximas, mas que não por isso se conectam
gia e da modernidade. Trata-se de um movi- realmente. Em vez de uma agenda de pesquisa
mento intelectual bastante amplo, heterogêneo compartilhada, que permita uma base comum
e diferente daquele que, ao calor das lutas po- de construção teórico-metodológica passível
líticas de meados do século XX, consagrou um de geração de novos conceitos, temos uma
dos momentos mais criativos do pensamento multiplicidade de propostas fragmentadas,
latino-americano e fixou bases fundamentais geralmente de caráter destituinte mais que
para uma sociologia crítica na África e na Ásia. instituinte, que colocam em questão o caráter
As noções de Terceiro Mundo e de peri- emancipatório da modernidade, e junto com
feria, tão fortes naquele momento, dão lugar, ela, o da própria sociologia. Não se pode con-
hoje, a outras como a de “Sul Global” que, na fundir a sociologia (semi)periférica – entendi-
maioria dos casos, não é mais que um sinônimo da aqui como a estruturação de um pensamen-
aggiornato das anteriores, referindo-se, assim, to sociológico metódico, orientado a pensar as
a “um conjunto mais ou menos heterogêneo, sociedades e a modernidade global a partir da
do ponto de vista cultural e político, de países, (semi)periferia (Domingues, 2011 e 2013; Brin-
que, no entanto, compartilham uma posição gel e Domingues, 2015) –, com sociologia na
estrutural de periferia ou semiperiferia no sis- periferia. O que há, na atualidade, de maneira
tema mundial” (Cairo e Bringel, 2010, p. 43). mais expressiva, são tentativas de “periferia-
lização sociológica”, marcadas por buscas de
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Diante de um Sul Global, haveria sempre um


Norte Global, o que nos leva não a um terreno “descolonização” da sociologia europeia (Boa-
de uma geografia física, mas de uma geografia tca, Costa e Gutiérrez-Rodríguez, 2010) e sua
moral e estrutural que tem sido ampliada, para “provincialização” no seio de uma história glo-
além dos processos sociopolíticos, à divisão bal e conectada (Chakrabarty, 2000). É impor-
internacional do trabalho acadêmico. Como tante notar que a noção de “periferia” não tem
também sugeriram Cairo e Bringel (ibidem), sido mobilizada em seu potencial analítico,
o Sul Global não está constituído como tal na como outrora fizeram autores como Raul Pre-
atualidade. Existem somente processos de arti- bisch, Celso Furtado, Cardoso e Faletto, Johan
culação, que não se produzem aleatoriamente Galtung, Giovani Arrigui, Immanuel Wallers-
nem em abstrato, mas em função de campos tein e, inclusive, Niklas Luhmann. O próprio
de proximidade geográfica, afinidades geo- Guerreiro Ramos contribuiu para esse debate
culturais e eixos de convergência, sejam eles (1995 [1958], p.65 e 260). Por um lado, alertou,
teóricos, políticos ou epistêmicos. Ademais, apropriando-se de Weber, que toda sociedade
se consideramos países como a China, cujos pode se distinguir entre centro e periferia, sen-
olhares e desejos – e o de seus intelectuais – se do o primeiro a região a partir da qual se logra

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conformar o complexo social e estabelecer as des de construção de uma sociologia periférica


pautas da sociedade, embora seja preciso mati- mais articulada e instituinte na atualidade.2
zar que nem a periferia é passiva nem o centro Vale mencionar, de qualquer modo, em
homogêneo. Por outro, sugere que a centralida- primeiro lugar, uma corrente que tem como
de da diferenciação entre centro e periferia não foco a realidade latino-americana. Trata-se de
pode nos coibir de buscar uma teoria globalis- autores como Aníbal Quijano, Walter Mignolo,
ta da sociedade e de nossa época. Edgardo Lander, entre outros, que consideram
Outrossim, a sociologia periférica não que, após o colonialismo, regiões como a Amé-
deveria se basear em certidões de nascimento, rica “Latina” continuaram expostas à colonia-
mas sim no compromisso com a elaboração de lidade do poder (da política e da economia),
determinados debates e agendas intelectuais. do saber (em termos epistêmicos, filosóficos e
Autores de origem europeia, como José Medi- científicos) e do ser (afetando a sexualidade ou
na Echevarría, ou Andre Gunder Frank, entre as subjetividades). Dentro da perspectiva da
muitos outros, contribuíram enormemente, colonialidade do saber, há uma relação intrín-
em meados do século XX, para o avanço da so- seca entre lugar de enunciação e a produção
ciologia latino-americana e periférica, de ma- de conhecimentos.3 Sua contribuição tem se
neira geral. Por outro lado, muitos autores aqui fragmentando como programa coletivo nos úl-
nascidos, baseados dentro ou fora da América timos anos, devido a divisões internas e a sua
Latina, pouco contribuem para a estruturação própria heterogeneidade.
de uma teorização crítica sobre a sociedade Esta é, aliás, uma característica comum
na região. De fato, inclusive vários dos afilia- dos estudos pós-coloniais contemporâneos, o
dos às correntes pós-coloniais, embora prove- que lhes tem impedido a construção de deba-
nientes do Sul, acabam sucumbindo às lógicas tes convergentes no médio e no longo prazo.
impostas pelos debates existentes do Norte, É o caso da denominada escola de “estudos
mesmo que sua intenção fosse descolonizar as subalternos” indiana, estimulada inicialmente
ciências sociais. Como sugere Burawoy (2015), por Ranajit Guha e dentro da qual inserem-se
quando as teorias viajam, seus significados autores tão diversos como Dipesh Chakrabar-
podem ser radicalmente transformados, de- ty, Gayatri Spivak, Partha Chatterjee e Sumit
pendendo não somente da teoria em si, mas Sarkar. Iniciando-se no marxismo, alguns de
do contexto de recepção. Isso tem levado a que seus componentes, ao migrarem para os Es-
muitas das “teorias do Sul”, quando chegam tados Unidos, adotaram, em larga medida, o

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ao norte, percam seu potencial original e crí- pós-estruturalismo, ao passo que outros, em
tico, sendo inseridas em debates mais amplos geral ainda baseados na Índia, mantiveram sua
da academia do centro, a partir de dinâmicas inspiração marxista original (ver Sarkar, 1997;
constantes de canonização e legitimação. Lal, 2001). Importa aqui não somente o lócus
Poder-se-iam diferenciar, em termos es- de onde se produz conhecimento como tam-
tritamente analíticos, as tentativas de recons- bém quem o produz, com ênfase para os atores
truir a sociologia na periferia e na semiperiferia subalternizados que impulsionam processos
contemporânea, tanto por critérios geográficos de transformação social.
e temáticos como por alinhamentos a matrizes No caso do continente africano, a des-
político-ideológicas e tradições intelectuais. peito dos intelectuais vinculados à negritu-
Foge do escopo deste artigo realizar uma aná- 2
Ver, de maneira geral, Devés-Valdés, 2014, que realiza,
lise detida dos autores e escolas, mas faz-se de fato, um painel comparado do “pensamento periférico”,
considerado de uma perspectiva “eidética”, isto é, fenome-
importante situar alguns pontos convergentes nológica e descritiva
e divergentes dessas correntes, com o objetivo 3
Ver Domingues, 2011, cap. 2, para uma discussão crítica
dessa corrente, em especial da obra de Mignolo, marcan-
de localizar possíveis sinergias e possibilida- do, porém, suas diferenças internas, inclusive geracionais

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de e ao pan-africanismo (incluindo nomes diversas para tentar compor e elaborar um


como os de Franz Fanon, Mario de Andrade, mapa mais complexo do que seria a produção
Cheikh Anta Diop, Léopold Sédar Senghor, teórica para além dos países centrais. Linha si-
Chinweizu, Nkrumah, Aimé Césaire), não é milar é seguida pelas propostas de uma “socio-
possível falar de um “grupo” ou “movimento logia global”, conquanto não pareça suficiente
intelectual” relativamente delimitado ou estru- simplesmente construir um mosaico de socio-
turado que articule as vozes da sociologia afri- logias nacionais para falar de uma sociologia
cana em termos de sociologia periférica, com desse tipo (Burawoy, 2005).
a exceção, talvez, do Conselho para o Desen- Em perspectiva comparada, algumas
volvimento da Pesquisa em Ciências Sociais contribuições convergentes e fios condutores
na África (CODESRIA), criado em 1973 com o aparecem: o questionamento dos diferentes
intuito de combater a fragmentação de conhe- “legados” do colonialismo (culturais, históri-
cimento sociológico na África. Uma das con- cos, geográficos) e de suas formas de persis-
tribuições mais importantes dos intelectuais tência na atualidade; o horizonte normativo
africanos tem sido a discussão sobre o racismo de construção de “epistemologias alternativas”
como uma característica constitutiva da “razão que questionam o caráter patriarcal, racista,
helênica” que, com sua visão universal, leva- capitalista e eurocêntrico da modernidade e
ria à construção de oposições binárias entre o suas formas de conhecimento; a recuperação
moderno e o tradicional, nublando o potencial e visibilização de experiências silenciadas; o
epistêmico de configurações locais de pensa- restabelecimento de uma fronteira mais tênue
mento, tanto na produção como na circulação entre o objeto e o sujeito de estudo; a abertura
de conhecimento, difundido, no caso africano, a outros lócus de produção de conhecimento,
principalmente por meio da oralidade. É jus- exterior às universidades, e a legitimação des-
tamente esse ponto que leva a que Akiwowo ses atores e espaços.
(1988) proponha uma reconstrução da sociolo- Embora essas sejam questões funda-
gia africana a partir da literatura oral, buscando mentais, vários problemas também parecem
construir conceitos e teorias que permitam cap- ser recorrentes nessas propostas: um primeiro
tar as visões de mundo, as condições de exis- problema é a geração de novas canonizações e
tência, a unidade da vida em comunidade e os etiquetas. Dentro dos esforços recentes do pen-
problemas sociais da região. Com sua proposta samento pós-colonial, corre-se o risco de criar
o autor influenciou enormemente a construção etiquetas rígidas e novos referenciais obrigató-
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de uma “sociologia indígena” com pretensões rios e de legitimação que acabam nublando a
teóricas e universalistas, visão bem diferente busca de novas articulações teóricas e episte-
à de certa “sociologia endógena”, nativa, parti- mológicas, além de, em alguns casos, descon-
cularista e com uma compreensão baseada em textualizar os aportes de autores periféricos que
espaços de exterioridade da modernidade. são (re)canonizados pelo centro. Uma segunda
De forma paralela a esse levantamento questão é o tratamento pouco rigoroso da noção
tectônico do Sul, emergem várias outras pro- de epistemologia e de sua relação com a teoria e
postas, algumas das quais situadas no Norte a construção de inovações para o entendimento
geográfico e que dialogam com a sociologia da vida social (adiante voltaremos a isso).
central contemporânea, especialmente a partir Ainda assim, contrariando a proposta de
das guinadas (turns) culturalistas, discursi- dar voz aos oprimidos e subalternos, em mui-
vistas, pós-estruturalistas e pós-modernas. As tos casos, há uma leitura pouco indutiva de
teorias do Sul (Connel, 2007; Santos, 2009), práticas, experiências e realidades sociais que
por exemplo, recuperam a sociologia do co- não são estudadas a fundo, mas são utilizadas
nhecimento e tradições sociológicas nacionais e (ou) apropriadas para justificações epistemo-

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lógicas mais amplas. Tal como sugeriu Bringel fragmentada de vozes ao Sul continua sendo a
(2011), é habitual ver como os zapatistas ou o escassez de circuitos regionalizados e de cam-
MST converteram-se, no mundo, em exemplos pos intelectuais relativamente autônomos que
quase obrigatórios para um amplo número de permitam a troca sistemática, a pesquisa con-
autores que se autoidentificam com as inter- junta sobre temas convergentes e o contraste
pretações pós-coloniais e consideram, de ma- de ideias.
neira superficial, esses movimentos como ge-
radores de “outros conhecimentos” e “outras
racionalidades”, ainda que não se aprofunde Autonomia, campos e extroversão:
a análise de como ocorre esse processo, nem bases para um movimento intelectu-
se debata a agência e as contradições. Final- al instituinte
mente, o entendimento limitado, por parte de
alguns desses autores, dos lugares periféricos Na teoria de Pierre Bourdieu (1992), os
como espaços praticamente exteriores à mo- “campos”, embora cada um deles sempre em
dernidade e a rejeição de tudo que provém do comunicação com outros campos e em relações
Norte implicam não reconhecimento do outro e de disputa com eles, são ou devem ser, para
potencialidade das conexões e articulações glo- serem assim adequadamente caracterizados,
bais. Isso acaba gerando, em alguns casos, um capazes de manter sua autonomia de maneira
abandono de qualquer pretensão universalista mais ou menos clara e intensa. Isso significa
e uma criação de novos provincianismos, bem a existência de parâmetros internos próprios.
como de propostas muito orientadas para a prá- Tendo isso em vista, pode-se sugerir a hipótese
tica, que acabam descurando da análise teórica. de que, em contrapartida, em países periféri-
Seja como for, a sociologia (semi)perifé- cos e semiperiféricos, bem como dependen-
rica contemporânea – independentemente de tes, isso é muito mais difícil e improvável, ao
suas vertentes temáticas e geográficas, hetero- menos em certas áreas da vida social. Pode-
geneidade e fragmentação – tem contribuído se sugerir ainda que, nesse sentido, o campo
bastante para a negação e a problematização intelectual e acadêmico teria problemas para
de certos consensos e convenções. No entanto, desenvolver uma lógica interna (Miceli, 2005,
em geral, ainda é bastante reativa e destituinte, p.132ss). Trata-se de velho – mas nem por isso
posto que o objetivo último, em muitos casos, desimportante – tema do pensamento latino-
é a crítica ao eurocentrismo, entendida como americano, que se repõe de maneiras sutis e

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um fim em si mesmo, e não como um meio variadas hoje em dia, por razões “estruturais”
para alcançar, por exemplo, outras formas de de dependência acadêmica (Beigel, 2013).
construção do pensamento sociológico. A nos- Isso não quer dizer que não haja – em
so ver, esse papel de denúncia e crítica deve, graus diversos – a “tradução” ou assimilação
no entanto, ser acompanhado de uma agenda crítica das teorias e programas de pesquisa de-
mais proativa na construção de teoria. Além senvolvidos no centro nessas periferias e semi-
disso, apesar da multiplicidade de propostas periferias, nem que seus problemas não sejam
periféricas intelectuais circulando na atualida- tematizados, ao menos a partir do momento em
de, ainda não temos nada parecido a um “Ban- que certo grau de amadurecimento da vida in-
dung intelectual do século XXI”. Isto não se telectual e acadêmica é alcançado nos países
deve, no entanto, somente à heterogeneidade que as compõem, como é o caso dos latino-a-
de perspectivas aqui apontadas, pois, afinal, mericanos. Aquela dificuldade de construção
a pluralidade e a diversidade são elementos de autonomia ocorreria em função exatamente
positivos para a construção do pensamento da inserção do país de maneira desfavorável,
crítico. O motivo principal dessa polissemia internacionalmente – isto é, de forma depen-

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dente. Isso significa que o campo seria funda- de pesquisa e de debates internos. Na discus-
mentalmente, ou em grande medida, heterôno- são, apareceram, com destaque, Guerreiro Ra-
mo, com o prestígio que se confere à produção mos, Florestan Fernandes, Gino Germani, Ro-
intelectual e científica ainda em larga medida dolfo Stavenhagen, Pablo González Casanova,
concentrado nos principais circuitos de produ- entre outros. Curiosamente, com o desmonte
ção e publicação europeus e estadunidenses,4 do campo intelectual e do intercâmbio da so-
não obstante esforços para, aqui e ali, romper ciologia latino-americana a partir da ascensão
com essa desigualdade de poder, específica da das ditaduras, a questão retrocedeu na prática,
geopolítica do conhecimento. com algumas exceções.5
Uma vertente francesa de interpretação A relação entre as ditaduras e o desmon-
da África, em oposição a teorias simplistas da te intelectual é, no entanto, ambivalente: por
dependência – que a definem como se exercen- um lado, os regimes militares perseguiram e
do basicamente de fora para dentro, como, no cassaram muitos intelectuais, obrigando-os,
caso, de um modo geral, nas teorias da depen- não poucas vezes, a deixarem seus respectivos
dência, dos poderes ocidentais –, propôs outra países. Alguns dos principais centros regionais
solução para esse tipo de problema (Bayart, de produção da sociologia na América Latina
1989). Fala-se, assim, de extroversão, conceito se mantiveram com dificuldades ou inclusive
por meio do qual se buscou acentuar os ele- fecharam (caso do Centro Latino-americano de
mentos internos que fazem com que um país Pesquisa em Ciências Sociais, CLAPCS, com
esteja voltado para o exterior. Não nos parece sede no Rio de Janeiro6). Por outro lado, de for-
que seja o caso de opor essas duas perspecti- ma paradoxal, o exílio serviu não somente como
vas. Se tomarmos os melhores exemplos das um espaço de luta internacionalista, mas tam-
teorias da dependência e a pensarmos como bém como espaço de convergência intelectual,
sendo, em grande medida, articulada por for- o que rendeu, em alguns casos, colaborações
ças internas (Cardoso e Faletto, 1970), isso se intelectuais importantes, embora sempre pre-
faz compatível com a ideia de extroversão, que sas na fronteira instável da condição do exilado.
não deve descurar, por outro lado, do exercí- Desse modo, a heteronomia – dependên-
cio real das forças externas na determinação cia e extroversão – do campo intelectual lati-
– heterônoma por parte daqueles que as sofrem no-americano aumentou novamente. Embora
– dos países submetidos ao domínio de pode- haja esforços, hoje, para diminuí-la, no Brasil,
res coloniais, imperialistas ou algo do gênero. isso continua sendo forte e o debate intelectual,
Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 73, p. 59-76, Jan./Abr. 2015

Seus campos seriam assim, ao mesmo tempo e bastante débil. Pouco parece fazer por ele a in-
em função das mesmas relações, dependentes trodução de certas correntes que curiosamente
e extrovertidos, em parte como resultados de se difundem do exterior para cá, mesmo se ca-
processos que têm seu polo dinâmico fora des- pitaneadas por intelectuais latino-americanos,
ses países, em parte pela forma como se estru- na criação de um ambiente intelectual relati-
tura a vida intelectual dentro deles próprios. vamente autônomo, o que, obviamente, não
Em algum momento da segunda metade prescinde de um diálogo intenso com o exterior,
do século XX, esse tema foi visto como pos- em particular com outros espaços periféricos.
sivelmente superado pela institucionalização
das ciências sociais nos diversos países da 5
Para discussão suplementar e uma seleção dessas exce-
ções ver, por exemplo, Domingues e Maneiro, 2006
América Latina e pela formação de um campo
6
O NETSAL está realizando, com apoio financeiro da
4
Um exemplo claro disso hoje, no Brasil, mas também em FAPERJ, uma grande pesquisa sobre o CLAPCS e os estu-
boa parte dos países latino-americanos, é o fomento de dos latino-americanos no Brasil. Para um panorama inicial
uma política de internacionalização que não problematiza da pesquisa, cf. Dossiê Temático NETSAL “Sociologia la-
como, para que e para onde se internacionalizar, assumin- tino-americana: originalidade e difusão”, no. 4, dezembro
do os grandes centros e as publicações em inglês como de 2014. Disponível em: http://netsal.iesp.uerj.br/images/
modelo. dossie/Dossie-Netsal_04.pdf

66
Breno Bringel, José Maurício Domingues

Como já vimos, tampouco problematiza- específico,7 capaz de levar mais longe o debate
ções em torno de “epistemologias do Sul” pa- próprio ao “mundo das ideias”, que se centra
recem ajudar muito nesse sentido, sobretudo hoje na universidade, e estendê-lo no plano da
quando o próprio significado do termo perma- “esfera pública” e em outras conexões.
nece indefinido (equivocadamente tendendo, Torna-se, portanto, fundamental uma
hoje, a significar conteúdos substantivos em capacidade de dinamização interna mais acen-
que o não ocidental é negativizado, antes que tuada – que pouco tem a ver com os critérios
se referindo a operações lógicas do pensamen- de avaliação, burocratização e normatização
to e aos processos de construção do conhe- das agências governamentais, mas sim com o
cimento). No primeiro caso, pode-se mesmo, próprio debate intelectual –, ainda que sejam
de maneira sutil, reafirmar a heteronomia; no importantes também a permeabilidade às de-
segundo, ou se esquece, ou se desconhece, o mandas da sociedade em geral e a conforma-
que apareceu, por exemplo, nos escritos de ção de redes mais amplas com agentes exter-
Houtondji (1977) sobre a pluralidade das abor- nos ao mundo universitário (com movimentos
dagens fora do Ocidente e, sobretudo, que o sociais, partidos, imprensa – hoje um nó ex-
que importa é a capacidade dos investigadores tremamente problemático –, editoras, etc.). Há
fora do centro de pensarem por conta própria, vários tipos de intelectual, sem dúvida; mas,
produzindo teorias de forma mais ou menos embora haja inúmeros “sistemas peritos” e
autônoma, apropriando-se do que a moderni- aqueles que são “intelectuais orgânicos” dos
dade, de modo geral, produziu, aí incluídas a mais diversos tipos de organizações e movi-
filosofia e as ciências sociais modernas. mentos, essa é uma atividade que tem seus re-
Isso, obviamente, não nos dispensa de quisitos e lógica própria.
pensar epistemologicamente nossas teorias As especificidades das áreas de pensa-
e conceitos e a relação que nossas próprias mento e pesquisa precisam ser preservadas e
realidades – latino-americanas ou de qualquer valorizadas, tendo hoje o mundo intelectual
outra parte do mundo – mantêm com as teorias seu centro na própria universidade. Inevita-
e conceitos surgidos na Europa ou nos Estados velmente isso ocorre em seu âmbito e num
Unidos. Mas parece ser na capacidade de au- momento em que a desvalorização do pen-
todeterminação intelectual que se jogam hoje, samento crítico – afora em suas versões mais
em grande parte, os destinos das ciências so- pragmáticas – parece ser uma prioridade da
ciais brasileiras. Em outras palavras, em nossa “racionalização” dos sistemas políticos (inclu-

Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 73, p. 59-76, Jan./Abr. 2015


capacidade de criar uma esfera própria de pro- ídos aí os partidos) e do capitalismo. O contrá-
dução teórica – em diversos planos – e de de- rio hoje caracteriza, em grande medida, nossa
bates propriamente intelectuais que recusem vida universitária, altamente institucionaliza-
o culto excessivo de autores estrangeiros (nem da, relativamente internacionalizada (de forma
se, por modismo, forem agora indianos ou mo- subalterna) e pouco afeita ao debate intelectu-
çambicanos), sem, por outro lado, apostar na al propriamente dito.
afirmação de particularismos que falsificam a Há tradições nacionais diversas e não
inserção do Brasil na trajetória humana e, em caberia pensar em uma autonomia do campo
particular, seu pertencimento à modernidade. intelectual ao estilo da França do século XX,
Essas seriam formas de se manter, de 7
Esse conceito de sistema social, desenvolvido por Do-
fato, na subalternidade e de se mostrar incapaz mingues alhures, nos parece permitir uma construção
mais flexível que as de “espaço social” e “campo” de Bour-
de construir o que seria decisivo: a conforma- dieu, que se mostram algo rígidas e pré-determinadas. No
ção de uma teia intelectual, um movimento ins- segundo caso, evidencia, ademais, tendencialmente, um
fechamento excessivo sobre si mesmo, além dos proble-
tituinte e uma “subjetividade coletiva” de tipo mas relativos à própria definição de agente que se encon-
tra em sua teoria, demasiadamente determinado pelo ha-
bitus, cujas origens são, porém, obscuras.

67
TEORIA SOCIAL, EXTROVERSÃO E AUTONOMIA....

cujo legado, de todo modo, não é desprezível.8 gia, em diversos contextos nacionais, sempre
Isso hoje, talvez, seja um imperativo das ciên- apelou para um campo ou circuito “interno”
cias sociais brasileiras, em particular se um (lido, em geral, como sinônimo de nacional) de
campo de debate é mais bem estruturado do produção e circulação das ideias e dos deba-
que o que temos presentemente, não obstante tes. Essas comunidades científicas nacionais
as múltiplas atividades das associações cientí- imaginadas baseiam-se, em primeiro lugar, na
ficas das áreas de ciências humanas. Isso é o língua, embora a existência de uma mesma lín-
que nos facultaria melhor inserção, inclusive gua não implique necessariamente um diálogo
nas discussões públicas. Mas, sobretudo, é im- sistemático entre duas comunidades nacionais
portante ser capaz de, nessa nossa particular (casos, por exemplo, de Brasil e Portugal, ou
situação brasileira de semiperiferia, avançar do Chile e da Espanha). Para além do idioma,
intelectualmente em termos de uma relação importam também a canonização de autores e
mais equilibrada tanto com o centro como com de referências nacionais, as tradições acadêmi-
os demais países semiperiféricos e os propria- cas, as diferentes formas de inserção e relação
mente periféricos. Não se trata apenas de pro- com outras “comunidades imaginadas nacio-
duzir profissionalmente, senão de gerar uma nais”, bem como os circuitos de divulgação
discussão mais ampla sobre nossa trajetória, próprios, como é o caso das revistas e periódi-
inserida em um mundo cada vez mais comple- cos científicos.
xo. Como é sabido, esse é problema que se re- São “imaginadas” pelo caráter de sua
põe. Daí a importância de, por um lado, atuali- construção, mas também pela relativa fragili-
zar, como faremos a seguir, a reiterada discus- dade dos elos de suas cadeias e de sua escassa
são sobre os circuitos internos. E, por outro, coesão interna. Associações científicas e con-
de construir, cumulativamente, nosso próprio gressos nacionais foram criados também para
espaço de debate, em vez de nos rendermos à permitir a socialização, o debate e a divulga-
extroversão ou à dependência, em suas mais ção entre os cientistas sociais desses países,
diversas e inclusive disfarçadas manifestações. conquanto, na atualidade, apresentem-se mais
como uma soma de agendas individuais que
como espaço de debates orientados por uma
Os circuitos internos como comuni- agenda coletiva.
dades nacionais imaginadas Duas observações devem ser feitas so-
bre a criação dessas comunidades científicas
Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 73, p. 59-76, Jan./Abr. 2015

Como criar um debate intelectual pró- nacionais. Em primeiro lugar, essa delimitação
prio? É possível gerar um circuito interno na ocorreu, muitas vezes, em contato direto com a
sociologia periférica? Ele deveria ser neces- reconfiguração das associações internacionais,
sariamente nacional? Essas são questões cen- ou seja, a partir de demarcações sobre o cará-
trais do debate latino-americano de meados de ter nacional e internacional das disciplinas. A
século XX que ainda ressoam na atualidade. Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), por
A despeito da circulação regional e global, as exemplo, foi criada em 1950, sob forte influên-
ciências sociais foram sendo forjadas nacional- cia de um convite feito em 1949 pela Associa-
mente, desde seus inícios, como “comunidades ção Internacional de Sociologia (ISA) ao então
imaginadas”. A analogia que aqui fazemos ao presidente da Sociedade Paulista de Sociologia
já clássico livro de Benedict Anderson (1991) (SPS), Fernando de Azevedo. A criação dos es-
deve-se ao fato de que a institucionalização de tatutos da ISA em 1949, após sua fundação no
disciplinas como a sociologia ou a antropolo- mesmo ano, sob os auspícios da UNESCO, no
I Congresso Internacional, realizado em Oslo,
8
(Bourdieu, 2012, p. 348-51) com referência ao embuste
dos “novos filósofos”. estimulava a afiliação e a criação de associa-

68
Breno Bringel, José Maurício Domingues

ções nacionais. Reunido no dia 19 de janeiro em termos de autonomia não pode se con-
de 1950, um grupo de sociólogos pertencentes fundir com um “nacionalismo metodológico”
à SPS decide pela criação da SBS para permitir (Beck, 2003; Chernilo, 2007). Em segundo lu-
o “estabelecimento de contatos entre sociólo- gar, a adoção do nacionalismo como ideologia
gos brasileiros e estrangeiros, bem como dos seria um imperativo sempre contextual (na-
sociólogos brasileiros dentre si”.9Em segundo quele momento conduzido pela primazia da
lugar, o caráter do “nacional” varia muito de lógica populista e desenvolvimentista).
acordo com a posição dos países na divisão No tocante ao primeiro elemento, pode-
internacional dos sistemas científicos e do se dizer que, a despeito de seu nacionalismo
trabalho intelectual. Por um lado, a “depen- radical, que tem consequências sérias, inclusi-
dência acadêmica” (reforçada com frequência, ve em sua proposta de “redução sociológica”,
internamente, pelas políticas educativas, pelas Ramos buscou, reconhecendo o caráter con-
instituições de pesquisa e pelo próprio Estado) creto da nação e depois, retrospectivamente,
não pode ser negligenciada em sua capacidade de modo sistemático, não naturalizar o Esta-
de reproduzir assimetrias na produção e difu- do-nação como uma unidade analítica dada,
são da sociologia entre os diversos países (Sa- procurando, ao contrário, observar sua histori-
bea e Beigel, 2014). Por outro, torna-se impor- cidade e sua espacialidade, pois a escala nacio-
tante distinguir, no terreno político, os nacio- nal (assim como qualquer outra escala, seja ela
nalismos do centro dos nacionalismos periféri- local, regional ou global) é uma construção só-
cos, bem como examinar suas implicações em cio-histórica. Por outro lado, deve-se reforçar o
termos intelectuais. Quando o nacionalismo se caráter situacional e instrumental do naciona-
constitui como “identidade periférica”, seja de lismo de Ramos. O próprio autor deixou claro,
uma comunidade política (Beigel, 2004), seja em entrevista concedida a Lucia Lippi, poucos
de uma comunidade científica (Ramos, 1957), meses antes de seu falecimento, que seu na-
as consequências são marcantes. cionalismo era um “nacionalismo de ocasião”
Isso não significa que um circuito inter- (Oliveira, 1995, p.157).
no ou um campo autônomo seja necessaria- Uma consequência interessante disso
mente sinônimo de uma sociologia nacional; é que, embora Ramos (1957) não negasse o
mas tão importante como examinar a posi- caráter universal da sociologia, sugeria que
cionalidade do pesquisador e de seu lugar de a sociologia deveria refletir as circunstâncias
enunciação é analisar as situações específicas (nacionais) de sua produção. Seus argumen-

Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 73, p. 59-76, Jan./Abr. 2015


envolvidas nesse processo. Guerreiro Ramos, tos são ricos, mas contraditórios. Por um lado,
por exemplo, era consciente da importância de sua perspectiva “brasileira” não se restringe à
considerar tanto o caráter periférico do Brasil defesa da associação entre cultura nacional e
como nação, como o cunho “circunstancial” uma perspectiva particular. Por outro, sua crí-
do nacionalismo. Isso tem duas implicações tica ao internacionalismo proletário e ao mar-
diretas: em primeiro lugar, a busca da constru- xismo-leninismo a partir da qual construía, em
ção de uma sociologia brasileira (e isso valeria Mito e Verdade da Revolução Brasileira, uma
para qualquer sociologia nacional periférica) defesa do revisionismo, era mais problemáti-
9
Informação retirada da Ata de Fundação da SBS, dis-
ca. Isso porque, embora Ramos (1963) fosse
ponibilizada pela própria sociedade. Além de Fernando cuidadoso com os perigos do isolacionismo e
de Azevedo, participaram da reunião de fundação Maria
Isaura Pereira de Queiroz (responsável por lavrar a ata), da exaltação romântica e ingênua do nacional,
Antônio Candido, Florestan Fernandes, Octavio da Costa
Eduardo, Herbert Baldus, Azis Simão, Donald Pierson, acabou construindo uma fronteira algo rígida
Antônio Rubbo Muller, Juarez Lopes, Levi Cruz, Oracy entre o nacionalismo e o internacionalismo, o
Nogueira, Sergio Buarque de Hollanda, Mauro Brandão
Lopes, Maurício Segall, Lucula Herrmann, Gioconda Mus- que impediu uma maior aproximação com o
solini, Mário Wagner Vieira da Cunha, Egon Schaden e
Roger Bastide. pensamento sociológico regional.

69
TEORIA SOCIAL, EXTROVERSÃO E AUTONOMIA....

É verdade que A Redução Sociológica Esse é o caso paradigmático do peruano


foi traduzida para o espanhol de forma qua- José Carlos Mariátegui, que, em 1928, escrevera
se imediata (1959) no México, que Ramos foi seu emblemático livro Sete ensaios de interpre-
nome polêmico e de destaque no II Congresso tação da realidade peruana. Exemplar por sua
Latino-americano de Sociologia de 1953,10 que apropriação crítica do marxismo para a análise
o pensamento cepalino influenciou fortemen- nacional peruana, Mariátegui foi capaz, como
te o autor; e que ele alude, em vários de seus poucos, de analisar a formação econômico-so-
escritos, à “sociologia latino-americana”. No cial latino-americana dentro de seu particular
entanto, faz isso como ressonância dos proble- desenvolvimento histórico, desvinculando-se
mas brasileiros e sem dialogar com a produ- de olhares eurocêntricos. Assim como Ramos,
ção sociológica regional.11Isso não deixa de ser e a despeito das diferenças de enfoques, Mariá-
curioso pela proximidade de algumas de suas tegui não se contentava em criticar o eurocen-
propostas com a de outros autores latino-ame- trismo, buscando formular uma teoria social
ricanos. Rodolfo Stavenhagen, por exemplo, alternativa, ao menos substantivamente, pois
um dos principais sociólogos mexicanos, sem- se mantinha firmemente nos quadros do mar-
pre buscou emoldurar suas interpretações em xismo (qualquer que fosse sua compreensão
um escopo latino-americano. Foi diretor geral dele em plano mais filosófico), afim à realida-
do CLAPCS no Rio de Janeiro, entre 1962 e de peruana e latino-americana. Perica (2010),
1964, período em que viveu no Brasil, e buscou em interessante estudo sobre a recepção tar-
combinar uma crítica epistemológica e a visão dia e tímida de Mariátegui no Brasil, assinala
da descolonização da sociologia (Stavenhagen, que o primeiro a mencionar o autor peruano
1971) com uma sólida construção teórica sobre no Brasil foi justamente Ramos, em 1941, que
“colonialismo interno”, questão agrária e de- reivindicara seu “método”.
senvolvimento (Stavenhagen, 1963). Sua apro-
ximação processual para entender as matrizes
de relações sociais e das classes sociais, seu A (re)construção de teoria na periferia
método totalizante e a defesa de uma socio-
logia militante, através da teorização indutiva Em uma mística de encerramento de
orientada empiricamente pela ação (Stavenha- um curso de formação política com lideranças
gen, 1965) são elementos cruciais de sua obra de movimentos sociais latino-americanos, um
que o aproximam de Ramos. Outras semelhan- militante boliviano grita, após várias palavras
Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 73, p. 59-76, Jan./Abr. 2015

ças podem ser encontradas com aportes de ou- de ordem contra o imperialismo e pela uni-
tros destacados sociólogos latino-americanos dade da luta social na América Latina: ¡Por la
dos anos 1950 e 1960 (como o também mexica- descolonización! ¡Abajo el eurocentrismo! Es-
no Pablo González Casanova ou o colombiano cuta-se, logo em seguida, um sussurro irônico
Orlando Fals Borda), e, inclusive, com nomes em português: E vamos colocar o que no lugar?
anteriores do pensamento crítico na região. Com essa anedota, iniciamos esta última parte
10
Dentro da atual revitalização do pensamento de Ramos, do presente artigo, indagando sobre as possibi-
uma interessante agenda de pesquisa que se abre seria a lidades de avançar com uma agenda instituin-
análise da recepção do autor na América Latina e, parti-
cularmente, no México, onde influenciou, entre outros, te do pensamento crítico que busque formular
os teóricos da dependência, alguns dos quais haviam sido
seus alunos no Brasil, como foram os casos de Ruy Mauro novas concepções teórico-metodológicas acor-
Marini e Theotônio dos Santos.
des com a realidade dos países periféricos.
11
Ramos manteve, no entanto, uma proximidade bastante
mais forte com a intelectualidade africana, sendo a negri- Não há consenso entre as diversas cor-
tude e a mobilização instrumental do discurso nacionalis- rentes coexistentes nas sociologias que con-
ta (caso de Nyerere na Tanzânia, entre outros), e ao mesmo
tempo pan-africanista (Nkrumah, 1965) elementos funda- temporaneamente questionam o entendimento
mentais desses vínculos, que acabaram aproximando-o
também, como é sabido, do movimento negro. do que é teoria, nucleada nos países centrais, e

70
Breno Bringel, José Maurício Domingues

nem mesmo de como produzi-la. Para Connell mico”. De resto, vale indagar, o que entender
(2007, capítulo 2; 2012), teoria é aquilo que se por epistemologia? Para muitos aparece como
produz no Norte. Para além desse fundamen- algo concreto; nesse sentido há uma resposta
tal reconhecimento de quem produz e quem clara sobre o que seria uma nova epistemolo-
consume teoria, a autora avança, no entanto, gia nas ciências sociais, alterando-se, então,
na problematização de que a produção de uma os sinais da desvalorização do colonial ou pe-
teoria geral nas metrópoles está vinculada a riférico ante o colonizador ou central (Patel,
certos pressupostos e posicionamentos geopo- 2015). Mas o que importa aqui realmente são
líticos. Se a teoria geral busca propor uma in- as operações lógicas que subjazem à produção
terpretação abrangente da sociedade e oferece do conteúdo, não ele mesmo, embora haja, ine-
conceitos que transcendem uma sociedade es- vitavelmente, uma dialética entre esses dois
pecífica no tempo e no espaço, é, de fato, cru- aspectos: destacam-se, nisso, o papel das “re-
cial avaliar, em sua elaboração, a contingência, presentações” e como se constroem, a relação
a unidade analítica ponderada pela diversida- entre sujeito e objeto, a operação das analogias
de social, o dinamismo, os entrelaçamentos e e das categorias de análise no processo de pro-
correlações de forças e uma perspectiva mais dução do conhecimento, a relação entre con-
relacional das coordenadas espaço-temporais. creto e abstrato, empírico e teórico, explicação
Criar novas fórmulas para pensar a teo- e compreensão, etc. Nesse sentido, é verdade:
ria social, e particularmente a teoria crítica, é a sociologia, embora possa aprender de outras
algo crucial. No entanto, com algumas exce- fontes e possa querer superar a própria moder-
ções, esse não parece ser o propósito central da nidade nas versões radicais da teoria crítica,
maioria das formulações pós-coloniais, muitas segue sendo uma ciência moderna. Mesmo
das quais, de fato, negam a possibilidade de antropólogos ansiosos por aprender com seus
qualquer teoria geral. Por exemplo, Boaventura “objetos” de pesquisa ou sua reconstrução her-
de Sousa Santos, ainda que sociólogo e prati- menêutica terminam por aceitar, com certa
cante da disciplina, de fato, há décadas, nega a torção de seu projeto íntimo, sua inserção no
relevância de construir uma nova teoria geral, universo científico da modernidade.12 Mas, de-
ou, inclusive, outro tipo de ciência social, pois ve-se frisar: ser uma disciplina moderna não
considera que, “sem uma crítica ao modelo de implica, de maneira alguma, uma aliança com
racionalidade ocidental dominante [...], todas um cartesianismo ultrapassado e caricatural,
as propostas apresentadas pelas novas análises pois a modernidade é muito mais plural que

Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 73, p. 59-76, Jan./Abr. 2015


sociais, por mais alternativas que se conside- isso; nem a apologia da ciência sem mais nem
rem, tenderão a reproduzir o mesmo efeito de menos, nem a celebração acrítica da moderni-
ocultação e descrédito” (Santos, 2002, p.238). dade. Tampouco significa uma recusa a reco-
Sua proposta de uma “razão cosmopolita” e da nhecer outras formas de conhecimento, basea-
tradução, como alternativa à teoria geral, ter- das em outras epistemologias, como aquelas
mina por ser mais retórica do que concreta. que talvez se calcassem algo próximo ao que
A tradução e a busca de inteligibilida- consistia o pensamento selvagem, a “ciência
de global constituem, em nosso entendimento, do concreto”, para Lévi-Strauss (1962).
um elemento importante para a reconstrução Ramos não discutiu essas questões,
de uma teoria social crítica, e não uma alter- nesta chave, mas não estava desatento para
nativa à teoria geral. É preciso estar atento, problemas semelhantes.13 Diferentemente da-
nesse sentido, ao perigo político e teórico de 12
Como Viveiros de Castro, 2009, que tem, por outro lado,
que algumas visões da periferia, limitadas e o mérito de pôr, de maneira correta, a questão das episte-
mologias, a partir da tradição lévi-straussiana e ideias de
circunscritas a determinadas lógicas sociais e Foucault
culturais, virem a mesa do “privilégio epistê- 13
As reflexões a seguir estão baseadas, particularmente,

71
TEORIA SOCIAL, EXTROVERSÃO E AUTONOMIA....

queles que falam de uma “sociologia indígena” pre perspectiva e situacional, pois o homem é
como referência a uma lógica particular de um “ser em situação”, como costumava dizer
pensamento autóctone, ele utilizava a noção o autor.
de “sociologia indígena” como sinônimo de A construção de uma sociologia crítica
sociologia brasileira que, como toda ciência das sociedades periféricas, deveria fugir de al-
nacional, seria universal, pois acreditava que guns problemas recorrentes da sociologia na
a “universalidade da ciência não impede que periferia: (a) o olhar simétrico e sincrético com
a sociologia se diferencie nacionalmente” (Ra- a produção europeia e norte-americana; b) o
mos, 1995, p.38 e p. 44-45). Segundo Ramos, dogmatismo e a utilização de argumentos de
a teoria social deve estar sempre enraizada no autoridade a partir da justaposição de textos
espaço e no tempo, sendo fundamental o ma- de autores prestigiosos dos países centrais; c)
nejo das teorias estrangeiras, embora não como o dedutivismo, calcado na cópia e na abstra-
norma, critério ou fim em si mesmo, mas como ção da contingência histórica; d) a alienação,
subsídio, ou seja, “como meros pontos de par- carregada de um tom pejorativo, derivada da
tida para novas formulações mais consentâne- ausência de esforços em promover a autodeter-
as com os fatores reais” (Ramos, 1995, p.126). minação das sociedades periféricas; e) a inau-
A relação entre teoria e prática e entre tenticidade, derivada da utilização de marcos
o momento político e a teorização da socieda- pré-fabricados e de conceitos, métodos e técni-
de foi algo eminente para Ramos, motivo pelo cas desenraizadas (Ramos, 1995, p. 38-44). Por
qual, embora sua “sociologia em mangas de ca- trás desses “nãos” há muitos “sins”: contra a
misa” tenha sido frequentemente subestimada coisificação dos fatos sociais, propõe-se a aná-
devido a seu caráter ideológico, sugeriu distin- lise de processos; contra a “transplantação”,
guir entre dois tipos de teorização da realidade tema por excelência da sociologia na periferia,
social: a “teorização ideológica” e a “teorização sugere-se o procedimento crítico-assimilativo
sociológica” (Ramos, 1995, p. 61-64). Enquan- da experiência estrangeira; contra o dedutivis-
to a primeira seria sempre sectária, por expres- mo eurocentrado, apresenta-se o método em-
sar e justificar os interesses particulares de um pírico-indutivo que busque partir da situação
grupo ou de uma classe, a segunda resultaria concreta para o plano teórico.
de uma atitude crítica e autocrítica, nuançada, Há, em Guerreiro Ramos, tanto uma “ati-
que busca sempre, a partir de um condiciona- tude sociológica” como uma proposta de trans-
mento histórico-social, formular uma concep- portar, para o plano abstrato dos conceitos, as
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ção de sociedade atenta a todas suas tendên- realidades históricas efetivas. Essa proposta
cias constitutivas. intelectual se cristaliza, posteriormente, em A
Isso não significa que o engajamento Redução Sociológica, em que ele busca conci-
militante não seja possível entre os sociólogos, liar a crítica epistemológica e a construção teó-
mas simplesmente que há uma diferenciação rico-metodológica. A Redução é uma das mais
interna na concepção de teoria, de acordo com conhecidas contribuições de Ramos no tocante
seus métodos, modalidades e fins. Ramos cul- à construção de uma teoria na periferia. Embo-
tiva apreço pelo método na estruturação do ra existam várias leituras possíveis dessa obra,
pensamento cientifico, mas, para ele, objeto e pode-se afirmar que ela contêm não somente
sujeito se compenetram e a objetividade é sem- uma dimensão político-epistêmica, como
também uma proposta teórico-metodológica.
nos textos Tema da transplantação na sociologia brasileira
(1954), Cartilha brasileira do aprendiz de Sociólogo (1954), Em outras palavras, ele estava preocupado
Enteléquias na interpretação (1954) e Crítica da sociologia com um duplo movimento: por um lado, um
brasileira (1957), presentes em seu livro Introdução crítica
à sociologia brasileira. Utilizamos tanto a versão original movimento destituinte, de crítica à assimilação
de 1957 como a versão reeditada pela Editora da UFRJ em
1995, com prefácio de Clóvis Brigagão. acrítica do “pensamento sociológico alieníge-

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Breno Bringel, José Maurício Domingues

na”, que assumia a premissa, política e norma- NOTAS FINAIS


tiva, da necessidade de uma “descolonização
da mentalidade” (Chinweizu, 1987); por outro, Guerreiro Ramos foi sociólogo brasilei-
um movimento instituinte de reconstrução teó- ro, polêmico e inovador, ainda que haja limites
rica, baseado em uma proposta metodológica claros em sua obra, em particular de um ponto
preocupada com a construção de um método de vista substantivo. Embora tenha aberto ca-
de assimilação crítica para abordar a transpo- minhos instigantes, não deixou efetivamente
sição de conhecimentos de um contexto social um caudal de análises sistemáticas e duráveis
para outros. sobre a sociedade brasileira, ao contrário de
Na verdade, deve-se assinalar que a obra Florestan Fernandes, por exemplo, com quem
não está isenta de problemas, entre os quais se sustentou polêmica memorável em relação à
destaca sua formulação epistemológica – emi- produção da sociologia e de teoria sociológica
nentemente moderna –, calcada na fenomeno- no Brasil (Ramos, 1965; Fernandes, 1958), esti-
logia (que se seguiu, ainda que se mantendo lo de debate que hoje muito nos faz falta e que,
em parte em seus quadros, à crise do cartesia- por isso mesmo, merece figurar na conclusão
nismo). Sem dúvida, a formulação de Ramos deste artigo. Mas, sobretudo nos termos das
é ambígua, mas se expressa basicamente na discussões a respeito de uma sociologia global
ideia de que é preciso que o sociólogo se livre e seu significado hoje, sua posição não pode
de suas pressuposições, mediante uma “redu- ser ignorada.
ção” que limpe sua mente de pré-noções, de Foi exatamente para inseri-lo nos qua-
modo que possa inserir sua consciência direta- dros desse debate que este artigo se dedicou,
mente na realidade nacional. Completa a ideia reivindicando – em consonância com Ramos,
a tese de que à sociologia importada estaria re- não obstante quaisquer limites e divergências
servado papel “subsidiário”, sem que se diga substantivas que se tenha assinalado – seu
exatamente qual e sem que sua reconstrução, nome como um daqueles que, em meados do
em especial no que diz respeito à ampla baga- século passado, tinha clareza de nossos pro-
gem que dela inevitavelmente herdamos, seja blemas, necessidades e potencialidades. Ou
discutida realmente (Ramos, 1965). seja, trata-se de contribuição fundamental na
Obviamente, Ramos não é o primeiro a direção da construção de uma sociologia de
pensar essa questão, que está, como vimos, no inspiração global, ainda que moldada a partir
cerne da sociologia latino-americana de meados

Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 73, p. 59-76, Jan./Abr. 2015


de quadros nacionais (e exatamente por isso,
do século XX. Acontece que aquela sociologia decerto diria ele). Muito mudou no debate des-
periférica vinha acompanhada de um momen- de então. Sua sofisticação aumentou conside-
to histórico e geopolítico no qual a decadência ravelmente, conquanto, por outro lado, tenha
do colonialismo e a crítica ao imperialismo ti- oferecido pouco recentemente no que se refere
veram um poder agregador em termos políticos à prática concreta da sociologia. Nesse senti-
e intelectuais. Hoje, a geopolítica das resistên- do, além de reconstruir a situação da sociolo-
cias é muito mais fragmentada, a modernidade gia global e reivindicar o nome de Ramos como
mais complexa e as propostas de alternativas seu aliado, este texto é também uma demanda
políticas e intelectuais têm menor capacidade, para que avancemos para além da retórica e da
a despeito da maior facilidade de difusão, de teoria abstrata e ornamentalmente concebida,
gerar agendas e circuitos coletivos em uma so- sem recusar a teoria, há que sublinhar, mais
ciologia cada vez mais especializada. robustamente do que ele próprio admitiria.
Além disso, é mais do que evidente que
uma das preocupações suas era exatamente
criar um “campo” intelectual autônomo, pre-

73
TEORIA SOCIAL, EXTROVERSÃO E AUTONOMIA....

nhe de compromissos com a situação brasilei- BOATCA, Manuela; COSTA, Sérgio; GUTIÉRREZ-
RODRÍGUEZ, Encarnarción (Orgs.) Decolonizing European
ra, ainda que, por outro lado seu nacionalismo, Sociology: trans-disciplinary approaches. Aldershot,
Ashgate, 2010.
até certo ponto justificado para a época, possa
BOURDIEU, Pierre. Le Règles de l’art. Genèse et structure
ser facilmente considerado excessivo. A extro- du champ litéraire. Paris: Seuil, 1992.
versão continua viva, embora o tema de nossa _____. Sur L’État. Cours au College de France, 1989-1992.
Paris: Raison d’agir e Seuil, 2012.
capacidade e desejo de pensar por nós mesmos
BRINGEL, Breno. Ativismo transnacional, o estudo dos
e avançar para além da posição de consumido- movimentos sociais e as novas geografias pós-coloniais.
res intelectuais, especialmente de teorias, ten- Estudos de Sociologia, Recife, v. 16, p. 185-215, 2011.

sione essa localização e essa atitude problemá- _____. Social movements and contemporary modernity:
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ticas. Eis esforço em que cumpre perseverar. BRINGEL, Breno; DOMINGUES, José Maurício (Orgs.)
Global modernity and social contestation. Londres e Nova
O engajamento conceitual na realidade Déli: Sage, p. 122-138, 2015.
em que vivemos e a interpretação dessa reali- _____; DOMINGUES, José Maurício. Movimentos sociais
e teoria crítica: interseções, impasses e alternativas.
dade pela teoria são imprescindíveis, se qui- In: BRINGEL, Breno; GOHN, Maria da Glória (Orgs.)
sermos atualizar a sociologia em termos glo- Movimentos sociais na era global. Rio de Janeiro/Petrópolis:
Vozes, p. 57-75, 2012.
bais e críticos, científicos e emancipatórios. _____; _____. (Orgs.) Global Modernity and Social
Queremos crer que Guerreiro Ramos, apesar Contestation. Londres e Nova Déli: Sage, 2015.
de prováveis discordâncias e da polêmica que BURAWOY, Michael. For Public Sociology. American
Sociological Review, Washington D.C., v. 70, n. 1, p. 4-28,
inevitavelmente o seduziria, estaria de acordo, 2005.
no fundamental, com essa concepção. _____. Travelling theory, openMovements (openDemocracy),
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TEORIA SOCIAL, EXTROVERSÃO E AUTONOMIA....

SOCIAL THEORY, EXTROVERSION AND THÉORIE SOCIALE, EXTROVERSION ET


AUTONOMY: impasses and horizons of (semi) AUTONOMIE: les impasses et les horizons de la
peripheral contemporary sociology sociologie (semi)périphérique contemporaine

Breno Bringel Breno Bringel


José Maurício Domingues José Maurício Domingues

This article analyzes the production of peripheral Cet article analyse la production de la théorie
social theory in different geopolitical eras and sociale dans la périphérie au sein de différentes
stages of modernity, with a special focus on (semi) ères géopolitiques et phases de la modernité,
peripheral contemporary sociology. We argue en mettant tout particulièrement l’accent sur la
that the current research agenda is focused on an sociologie semi(périphérique) contemporaine.
intellectual movement of a criticism that fights On y argumente que la recherche actuelle tourne
Eurocentrism and modernity, however without autour d’un mouvement intellectuel de critique
being able to create systematic theoretical- libre de l’eurocentrisme et de la modernité mais
methodological formulations, as it had occurred in qui n’arrive cependant pas à créer des formules
the middle of the twentieth century. We, therefore, théoriques et méthodologiques systématiques
seek to improve the basis for a more propositional comme ce fut le cas au milieu du XXe siècle. On
instituting movement from two directions: on cherche donc à avancer au niveau de la base pour
the one hand, by recovering the centrality of la construction d’un mouvement instituant qui
autonomous fields and aggregator circuits that may propose plus à partir de deux tendances : d’une part,
overcome intellectual extroversion; on the other en récupérant la centralité de champs autonomes et
hand, by analyzing, in a dialogue with Guerreiro de circuits adjoignants qui dépassent l’extroversion
Ramos, the possibilities of creating a theory in intellectuelle, et, d’autre part, en analysant, à partir
(semi)periphery as one of the main ways to undo d’un dialogue avec Guerreiro Ramos, les possibilités
more permanently the hegemony of theories from de construction d’une théorie dans la (semi)
central countries and its customary use outside its périphérie considérée comme l’une des principales
original place. clés pour déplacer, de manière plus permanente,
l’hégémonie des théories des pays centraux et leur
utilisation habituellement protocolaire en dehors
de leur pays d’origine.

Keywords: Sociological theory. (Semi)periphery. Mots-clés: Théorie sociologique. Semi(périphérie).


Global modernity. Guerreiro Ramos. Epistemology. Modernité mondiale. Guerreiro Ramos. Épistémologie.
Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 73, p. 59-76, Jan./Abr. 2015

Breno Bringel - Doutor pela Faculdade de Ciência Política e Sociologia da Universidade Complutense
de Madri, onde foi professor. Professor Adjunto do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Coordenador, juntamente com José Mauricio
Domingues, do Núcleo de Estudos de Teoria Social e América Latina (NETSAL). Editor de DADOS -
Revista de Ciências Sociais e de openMovements, novo projeto de openDemocracy (www.opendemocracy.
net/openmovements). Bolsista PROCIÊNCIA (UERJ), Jovem Cientista do Nosso Estado (FAPERJ) e bolsista
de Produtividade em Pesquisa do CNPq. Publicações recentes: Global modernity and social contestation,
editado com José Maurício Domingues. Sage, 2015; O MST e o internacionalismo contemporâneo (Eduerj,
no prelo); Les mobilisations de 2013 au Brésil: vers une reconfiguration de la contestation. Bresil(s), v. 7,
p. 7-18, 2015; Movimientos sociales y gobiernos en América Latina: nuevos escenarios, ejes de conflicto
y tipología de relaciones. Cadernos de Trabalho NETSAL, v. 2, p. 1-21, 2014.
José Maurício Domingues - PhD em Sociologia pela London School of Economics and Political Science.
Professor-pesquisador do IESP-UERJ. Bolsista de Produtividade do CNPq 1B e Cientista do Nosso Estado
– FAPERJ. Suas áreas principais de pesquisa são teoria social, sociológica e crítica, e modernidade global.
Publicações recentes: Modernidade global e civilização contemporânea. Para uma renovação da teoria
crítica. UFMG, 2013; O Brasil entre o presente e o futuro. Mauad, 2013; Global modernity and social
contestation, editado com Breno Bringel. Sage, 2015).

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