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Resumo
O presente artigo busca apresentar a teoria da interdependência complexa no contexto das relações in-
ternacionais, que surge a partir da análise das mudanças verificadas a partir da década de 70 do século
passado, com o surgimento de empresas transnacionais e o papel crescente da economia nas relações
internacionais e estabelecer uma relação desta com o direito internacional dos direitos humanos.
Palavras-chave: Interdependência complexa. Relações internacionais. Direitos humanos.
alusão à importância dos direitos humanos nas os trabalhos de Robert. O. Keohane e Joseph S.
decisões de poder no plano internacional, assu- Nye Jr., notadamente na obra conjunta “Poder e
miu-se a hipótese de que esses direitos podem interdependência: a política mundial em transi-
ser determinantes na política internacional sob a ção” a qual trata a interdependência complexa
perspectiva da interdependência complexa. como uma nova percepção da política mundial, e
Para isso o trabalho se estruturou em cima também posteriormente nas obras “Cooperação e
de dois eixos centrais: primeiramente na expo- conflito nas relações internacionais”, de Nye e na
sição e análise da teoria da interdependência obra “After Hegemony”, de Keohane.
complexa e num segundo momento na exposição As mudanças verificadas à época com o
da construção dos direitos humanos e a sua im- surgimento de empresas transnacionais e o pa-
portância para a teoria da interdependência. Em pel cada vez mais em destaque da economia nas
termos metodológicos deve ser classificado como relações internacionais não eram mais explicadas
qualitativo e descritivo. Como método de coleta satisfatoriamente pelas teorias realista e idealista
de dados, foi utilizada exclusivamente a pesquisa das relações internacionais, de modo que os auto-
bibliográfica. res procuraram desenvolver uma teoria que bus-
cava integrar realismo e liberalismo suplemen-
tando-os, usando o conceito de interdependência
2 A interdependência nos processos de barganha.1
Conforme Nye a interdependência refere-
A ciência política enfrenta um desafio ao se a “situações nas quais os protagonistas ou os
tentar operacionalizar conceitos tradicionais de acontecimentos em diferentes partes de um sis-
soberania, cidadania e democracia, em virtude tema afetam-se mutuamente”. (NYE JR., 2009,
dos efeitos provocados, de um lado, pelos pro- p. 250-251). Isto é, interdependência significa de-
cessos políticos transnacionais e pela emergência pendência mútua entre os estados.
de uma regulação transnacional, e de outro pela Quando se fala em dependência mútua, esta
diferenciação crescente da sociedade civil em ter- pode se referir ao plano militar, econômico, so-
mos culturais. cial, político, etc. A interdependência pode gerar
A intensificação das relações de interdepen- benefícios, mas também refere-se à existência de
dência tornam esses conceitos com nuances dife- custos elevados recíprocos, não necessariamente
rentes do século XVIII, XIX ou XX. O problema simétricos, nas transações. Os benefícios podem
reside na tensão entre uma lógica territorial de significar o ganho de um estado em cima da per-
soberania ilimitada para uma lógica progressiva- da de outro, ou de ganho de dois ou mais estados.
mente desterritorializada e transnacional de uma Os custos envolvem a sensibilidade a curto prazo
agenda crescente de questões políticas que exige ou uma vulnerabilidade a longo prazo de cada es-
uma regulação que somente será eficaz se houver tado. (KEOHANE; NYE JR., 1988).
uma coordenação de esforços entre os estados e A sensibilidade refere-se à quantidade e ao
outros atores internacionais. Problemas como o ritmo dos efeitos da dependência, isto é, com que
da degradação ambiental, correntes migratórias, rapidez as mudanças numa parte do sistema pro-
refugiados, terrorismo, proliferação de armas, duzem mudanças em outra parte, ou seja, o grau
pandemias, instabilidade financeira, entre ou- de resposta a uma mudança no contexto político.
tros, são só alguns desafios que se colocam para Já a vulnerabilidade diz respeito aos custos relati-
os estados contemporâneos. vos de mudar a estrutura de um sistema de inter-
Essa coordenação de esforços entre estados dependência, isto é, a mudança na política ou nas
e atores internacionais, ou seja, a cooperação e regras do jogo.
a capacidade de geração de ganhos e vantagens Para exemplificar o que a interdependência
mútuas por meio da criação e manutenção de envolve, Nye Jr. traz exemplos históricos, como
instituições e regimes internacionais passa a ser por exemplo, a preocupação no início da década
o elemento central na análise das relações inter- de 1970, de que a população mundial sobrepujas-
nacionais. 1 A interdependência complexa busca suplementar
o realismo, não substiuí-lo. Não se afirma que os
Na década de 70 as proposições realistas estados não podem usar a força, apenas que pre-
das relações internacionais passaram por um ferirão não fazê-lo em certas condições, pelo alto
processo de contestação que tiveram início com custo ou por porque há outros meios mais efetivos.
(KEOHANE; NYE JR., 1988).
se a oferta de alimentos. Vários países compra- Como seria o mundo se três pressupostos básicos
vam os cereais americanos, o que aumentava o do realismo fossem invertidos. Esses pressupos-
preço dos alimentos nos supermercados america- tos são que os estados são os únicos protagonis-
nos. Os EUA numa tentativa de impedir que os tas importantes, a força militar é o instrumento
dominante e a segurança é a meta dominante.
preços subissem internamente decidiram parar
Ao contrário, podemos postular uma política
de exportar soja para o Japão, que em consequên- mundial muito diferente: 1) os estados não são os
cia disso, investiu na produção de soja no Brasil. únicos protagonistas importantes – protagonis-
Posteriormente, quando a oferta e a demanda es- tas transnacionais atuando através das fronteiras
tavam equilibradas os EUA se arrependeram do de estados são os maiores agentes; 2) a força não
embargo porque os japoneses estavam compran- é o único instrumento importante – a manipu-
do sua soja de uma fonte mais barata no Brasil. lação econômica e o uso de instituições interna-
(NYE JR., 2009). cionais são os instrumentos dominantes; e 3) a
segurança não é a meta dominante – a guerra é
Outra questão pertinente à interdependên-
a meta dominante. Podemos rotular esse mun-
cia diz respeito às relações simétricas e assimétri- do antirrealista de interdependência complexa.
cas entre os estados. Existe dependência relativa- (KEOHANE; NYE JR., 1988, p. 264).
mente equilibrada e também desequilibrada. “Ser
menos dependente pode ser uma fonte de poder. Outros tipos ideais estão presentes na in-
Se duas partes são interdependentes, mas uma é terdependência complexa, suas características se
menos dependente que outra, a parte menos de- resumem no menor emprego da força militar; na
pendente tem uma fonte de poder desde que as ausência de temas ordenados hierarquicamente; e
duas partes valorizem a relação interdependente. nos múltiplos canais de contato entre as socieda-
(NYE JR., 2009, p. 256). A manipulação dessas des, aplicando-se as situações concretas.
assimetrias podem ser uma fonte de poder na po- Para os autores quando prevalece a inter-
lítica internacional. dependência complexa não se usa a força militar
Essas características próprias da interdepen- por governos contra outros governos, haja vista a
dência os autores chamarão de interdependência força militar ser irrelevante para resolver dispu-
complexa. A interdependência complexa aparece tas entre os membros de uma aliança. Ademais,
como alternativa à teoria realista das relações in- a oposição à ação militar prolongada é forte nas
ternacionais e como política mundial viável aos democracias.
estados. Tampouco, a agenda das relações internacio-
nais está organizada hierarquicamente, a seguran-
ça não domina consistentemente os demais itens,
3 A interdependência complexa até mesmo porque várias questões surgem a partir
e o realismo da política doméstica e a distinção entre política
externa e doméstica não são tão claras. Há, por-
tanto, questões rivais em política internacional
Segundo Keohane e Nye para os realistas como energia, recursos, meio-ambiente, popula-
políticos, a política internacional, como toda po- ção, uso de espaços e mares. Ademais, os departa-
lítica é uma luta pelo poder, mas ao contrário da mentos – agricultura, comércio, defesa, saúde,
política doméstica, a luta é dominada pela violên- educação, etc. – têm ramificações internacionais e
cia organizada. (KEOHANE; NYE JR., 1988). essas múltiplas questões estão sobrepostas. Quan-
São três as premissas da visão realista, a pri- do existem múltiplas questões na agenda, muitas
meira é a de que os estados, como unidades coeren- das quais ameaçam interesses de grupos domésti-
tes são os atores dominantes na política internacio- cos, mas não claramente a nação como um todo,
nal; a segunda é a de que a força é um instrumento há problemas na formulação de políticas externas
útil e o mais efetivo de política e, finalmente, em coerentes e consistentes.
razão disso há uma hierarquia de questões em polí- Ademais os múltiplos canais de comunica-
tica internacional embasada pela segurança nacio- ção entre as sociedades, comunicação interestatal,
nal: a alta política da segurança domina a baixa po- transgovernamental e transnacional, sendo for-
lítica da economia e da organização social. Atores mais e informais, entre governos, elites e organi-
internacionais não existem como força ou não são zações transnacionais, acabam por desafiar as pre-
importantes. Esses seriam os tipos ideais para os missas do realismo de que os estados são unidades
realistas. (KEOHANE; NYE JR., 1988). coerentes e de que são os únicos atores estatais.
Sob a interdependência complexa a agenda Contudo, o mais significativo à luz das fu-
política é afetada por problemas internacionais e turas tendências foi o emprego da força por par-
domésticos criados pelo crescimento econômico te das potências navais mais fracas em conflitos
e crescente aumento da sensibilidade decorrente com a Grã-Bretanha e os EUA. O Canadá apreen-
da interdependência. Nesse contexto, as organi- deu quatro barcos pesqueiros norte-americanos
zações internacionais agem como lugar de poten- e o Equador impôs multas a um barco norte-a-
cial cooperação. mericano.
Assim, mudanças tecnológicas e aumentos Após a 2ª Guerra Mundial em geral as gran-
na interdependência econômica tornam os regi- des potências não empregaram a força nos confli-
mes internacionais2 obsoletos, pois são insufi- tos com estados pequenos. Em 1968 os EUA não
cientes para suportar o aumento no volume das respondeu com força a apreensão por parte da Co-
transações. De outra parte os governos também réia do Norte de um navio de espionagem, contu-
se tornam altamente sensíveis à pressão políti- do em 1975 respondeu com força a apreensão de
ca doméstica pelo aumento do padrão de vida. um cargueiro pelo Camboja. As especiais circuns-
Desse modo os benefícios do movimento inter- tâncias desse caso ilustram tanto os limites como
nacional de capitais, bens e trabalho dão aos go- a possibilidade do emprego da força para defender
vernos incentivos para que modifiquem os regi- direitos de navegação. A força foi empregada por
mes internacionais para manter sua efetividade. uma grande potência que se negava a reconhecer
(KEOHANE; NYE JR., 1988). a extensão territorial reclamada por um pequeno
Os autores se utilizam da análise de ques- estado, porque os custos políticos foram claramen-
tões marítimas e monetárias para demonstrar te baixos. EUA não mantinha relações diplomáti-
as condições necessárias para a interdependên- cas e de nenhum outro tipo com o novo governo
cia complexa – a questão da força, a ausência de cambojano, porque amplos segmentos da opinião
hierarquia entre as questões e os múltiplos canais pública interna americana, a par da derrota do
de contato - e ao mesmo tempo demonstrar a in- Vietnam estavam dispostos a apoiar medidas de
suficiência do realismo para explicar as relações represália. Nesse caso a força foi empregada menos
internacionais. para defender a marinha mercante norte-america-
na em alto mar que para indicar que continuava a
3.1 A questão da força determinação dos EUA de defender seus interesses
apesar da derrota no Vietnam.
Na área dos espaços e recursos marítimos Em contraste, os estados pequenos têm re-
os autores sustentam que o emprego da força tem corrido frequentemente à força para ampliar seus
sido diferente conforme se trate de grandes ou direitos de pesca em águas cada vez mais afastadas
pequenos Estados. da costa ou para afirmar uma jurisdição extensiva
No começo do século passado a força não era sobre amplas zonas oceânicas adjacentes com fins
empregada frequentemente por parte das grandes econômicos ou de proteção ao meio ambiente.
potências, particularmente pelos Estados Unidos Desse modo o papel da força tem apresentado
e Gra-Bretanha, para dissuadir estados pequenos mudanças na área das questões oceânicas, é menos
que manifestavam intenções de questionar o re- central e já não reforça o predomínio dos estados
gime de liberdade dos mares. poderosos. Os pequenos estados tem apresentado
Durante o período do entreguerras, surgi- certa liberdade de ação para o emprego da força
ram conflitos entre as duas principais potências e também têm trazido questões adicionais sobre
navais quando os EUA empregaram a força para a exploração dos recursos naturais, as mudanças
reduzir o contrabando transnacional. Algumas ve- tecnológicas tem contribuído ao desenvolvimento
zes as grandes potências empregaram a força naval de outras questões que tem a ver com a recupe-
contra outras menores, como o caso da Grã-Bre- ração de minerais do leito marinho, perfurações
tanha que empregou para assegurar a passagem offshore e a proteção do meio ambiente marinho,
de navios carregados de alimentos através do blo- nenhuma das quais resulta mediante força.
queio espanhol durante a guerra civil espanhola. Assim para os autores a área de questões ma-
2 Para os autores regimes internacionais são o con- rítimas repousa em certa medida entre a interde-
junto de arranjos que afetam as relações de in- pendência complexa e o realismo: a força é útil em
terdependência, que podem ser explícitos como algumas questões particulares, mas não é o fator
GATT, Bretton Woods, OMC, ou implícitos como
a relação dos EUA com o Canadá). predominante na determinação dos resultados.
De outro modo o emprego da força nas ques- alta política, ou seja, volta-se a um predomínio da
tões monetárias sempre foram menos evidentes do questão da segurança militar a dominar a política
que nas questões marítimas, o agressivo emprego exterior, entretanto quando as crises passam e se
da força, isto é, a ameaça de atacar um país se este inventam novos regimes ou novas políticas na-
não seguir determinadas regras monetárias inter- cionais, a proeminência dessa questão diminui.
nacionais é excepcionalmente raro, razão pela qual Desse modo, os modelos de hierarquia entre as
se aproximam mais da interdependência complexa. questões mudam na medida em que os períodos
No entanto, as políticas monetárias não se de crise vão e vem.
encontram completamente isoladas das políticas
militares. Os instrumentos monetários ocasio- 3.3 Múltiplos canais de contato
nalmente têm sido empregados para lograr metas
políticas e de segurança.
A partir de 1920 tanto as áreas das ques-
Frequentemente os instrumentos políticos
tões monetárias como marítimas aumentaram
usados na negociação das questões monetárias
as oportunidades de interação dos governos em
internacionais provêm da própria área em questão
distintos níveis. Na década de 20 a maior parte
ou estritamente vinculada com a política comercial.
das relações nestas áreas era bilateral. Poucos
Os autores analisam nos dois casos um período de
funcionários dos principais países se conheciam
56 anos que vai de 1920 a 1976, e verificam que os
bem e nem se frequentavam com assiduidade.
instrumentos econômicos foram empregados com
Nos 50 anos seguintes os laços multilaterais pro-
maior utilidade do que a força nos assuntos mone-
liferaram através de organizações internacionais,
tários internacionais. (KEOHANE, NYE JR., 1988).
as burocracias aplicadas ao exercício dessas ques-
tões cresceram muito mais. Portanto os canais de
3.2 A ausência de hierarquia entre contato intergovernamentais se incrementaram
as questões notavelmente.
Os canais de contato não governamentais
A área de questões marítimas não tem mos- também aumentaram em ambos os campos. Há
trado uma consistente hierarquia de questões. Os uma tendência do aumento da importância de
interesses vinculados às zonas costeiras foram po- grandes e sofisticadas organizações na atividade
derosos no período entre ambas as guerras e se- transnacional. Antes de 1945 os principais inte-
guiram presentes durante a guerra fria, entretan- resses não governamentais em questões maríti-
to a hierarquia de metas foi desafiada por novas mas eram os dos pescadores e das companhias de
questões que diferentes organizações ou grupos navegação, a partir de 1945 as companhias petro-
consideravam como mais importantes. A aspi- leiras multinacionais e as dedicadas a extração de
ração das forças navais de uma liberdade total de minerais, assim como os grupos transnacionais
ação, nem sempre teve a mesma prioridade que os dedicados a ciência, a ecologia e a ordem mundial
interesses econômicos que participavam na explo- se somaram aos pescadores e companhias de na-
ração dos recursos oceânicos ou que as preocupa- vegação no uso dos mares e na formulação políti-
ções ecológicas acerca da contaminação. ca dos governos. Do mesmo modo nas questões
A crescente complexidade das questões vin- monetárias os bancos e as corporações multina-
culadas aos espaços e recursos marítimos se re- cionais se tornaram significativas na execução de
flete nas agendas das conferências internacionais políticas pelo governo.
do último meio século. Nos últimos anos várias Os tipos ideais presentes na interdependência
questões foram inseridas na discussão interna- complexa, quais sejam, o menor emprego da força
cional sobre o regime dos espaços marítimos, militar, a ausência de temas ordenados hierarqui-
questões como pesca, navegação, contaminação, camente e os múltiplos canais de contato entre as
ciência, petróleo, minerais, produziram uma sociedades permitem que os atores internacionais
maior compreensão da política dos espaços ma- cooperem mutuamente. A interdependência não
rinhos na medida em que maior quantidade de afirma que o cenário internacional seja um am-
organismos se envolveram com o tema. biente apenas de cooperação, mas que o resultado
Quanto a questão monetária esta oscila, em dependerá da manipulação dos fatores da interde-
tempos de decisões importantes e de crise a po- pendência pelos atores internacionais, o que im-
lítica monetária internacional sempre se refere a plica em custos e redução da autonomia.
Pactos, Declarações de Direitos que visam garan- nacionais que aprofundaram cada vez mais os
tir um mínimo de dignidade ao ser humano. Em direitos já proclamados, bem como criaram ou-
suma, pode-se afirmar que se entende os direitos tros direitos antes não dispostos, como alguns
humanos como o Direito Internacional dos Direi- direitos civis, culturais, políticos, econômicos e
tos Humanos3 e o Direito Nacional dos Direitos sociais. Esses direitos, comumente chamados de
Humanos, este proclamando os Direitos interna- direitos de segunda geração ou dimensão, resul-
cionalmente previstos em âmbito nacional, por tam das consequências geradas pela industriali-
meio dos chamados Direitos Fundamentais, que zação: os graves problemas sociais e econômicos.
nada mais são do que Direitos Humanos previstos Constatou-se, à época, que a consagração formal
constitucionalmente, que detém abrangência ter- das liberdades e da igualdade não conduziram a
ritorial ou geográfica dentro de um Estado-Nação. uma liberdade de todos, nem tampouco à igual-
Foi no século XX, após as duas Guerras dade substancial.
Mundiais e em meio a Guerra Fria, com a criação Distinguem-se esses novos direitos em razão
da Organização das Nações Unidas (ONU), a ní- de sua dimensão positiva: não mais havia tanta
vel mundial, que se pode falar do surgimento do necessidade de evitar a intervenção do Estado na
conceito de direitos humanos que se conhece hoje esfera da liberdade, quanto de requerer uma li-
em dia. Logo após a Segunda Guerra Mundial, no berdade por intermédio do Estado, além de uma
preâmbulo ao Estatuto das Nações Unidas, houve prestação do Estado para a efetivação dos direitos.
um comprometimento com a defesa dos direitos Existe uma transição, portanto, das liberda-
humanos, para além das bases territoriais dos Es- des formalmente abstratas para as liberdades ma-
tados. Em 1948, três anos após o Estatuto, é apro- terialmente concretas e, além disso, de liberdades
vada pela Assembleia Geral das Nações Unidas meramente individuais para abranger também
a Declaração Universal dos Direitos Humanos, liberdades sociais, como o direito de greve e a li-
vinculada a um caráter individualista dos direi- mitação da jornada de trabalho. (SARLET, 2010).
tos e de pretensão universal, estabelecendo como O início da terceira fase coincide com o fim
seu fundamento a dignidade intrínseca e os direi- da Guerra Fria, com a vitória do capital transna-
tos iguais e inalienáveis a todos os seres humanos. cional e a expansão do modo de produção capita-
lista, aliada à queda do socialismo real, à Conven-
A partir da Declaração Universal, a ONU,
ção de Viena de 1993 e, sobretudo, à globalização
proclamou diversos outros instrumentos inter-
da ideologia centrada no capital.
3 Não existe uma codificação do Direito Internacio- Apesar das imposições e vedações capitalis-
nal dos Direitos Humanos em um único instru- tas que garantem a primazia dos direitos indivi-
mento, mas suas regras e princípios encontram-se duais sobre a efetividade dos direitos sociais, se
em diversas fontes, tais como as Declarações, as
Convenções Internacionais, etc. Alguns instru- começou a reivindicar a equivalência entre am-
mentos legais, como a Declaração Universal dos bas as classes de direitos. Passou a reivindicar-se,
Direitos humanos de 1948, tem seu âmbito espacial a interdependência entre os direitos humanos e as
de validade universalizado, e outras, como a Con-
venção Americana de Direitos Humanos de 1969, políticas democráticas representativas.
valem somente em territórios especificamente de- Os direitos positivados, originários da ideo-
terminados, detendo âmbito espacial de validade logia liberal-burguesa, que se constituiram em
regional. Além desses instrumentos que versam
especificamente sobre direitos humanos, existem direitos de proteção dos indivíduos em relação
outros que versam sobre temas diversos, mas que ao poder do Estado se concretizaram principal-
contém disposições especificas para a proteção da mente nos direitos à igualdade formal, à vida,
dignidade humana. Nesse sentido menciona-se al-
guns: Convenção Europeia para a Proteção dos Di- à propriedade e à liberdade, direitos de cunho
reitos do Homem e das Liberdades Fundamentais eminentemente negativo uma vez que visam uma
(Conselho da Europa, 1950), Pacto Internacional abstenção e não uma conduta positiva do Estado.
dos Direitos Civis e Políticos (ONU, 1966), Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e (ANNONI, 2008).
Culturais (ONU, 1966), Convenção Internacional Contudo, as consequências socioeconômi-
sobre a Eliminação de todas as formas de Discri- cas resultantes do processo de acumulação capi-
minação Racional (ONU, 1968), Convenção Ame- talista no século XIX, notadamente em razão do
ricana de Direitos Humanos (OEA, 1969), Conven-
ção Internacional sobre a Eliminação de todas as processo de industrialização, fizeram com que se
formas de Discriminação contra a Mulher (ONU, iniciasse a luta humana por direitos de bem-estar
1979), Convenção contra a Tortura e outros trata- social, direitos que exigem comprometimento e
mentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradan-
tes (ONU, 1984), dentre outras. responsabilidade do Estado.
dos outros, o poder brando é enaltecido. Quando complexa. Primeiro, o menor emprego da força
você conquista a admiração dos outros e faz com militar; segundo, a ausência de temas ordenados
que eles passem a desejar aquilo que você quer, hierarquicamente e, finalmente, os múltiplos ca-
você não precisa fazer uso da força física ou econô- nais de contato entre as sociedades.
mica para conseguir seus objetivos. Direitos Hu- Partindo-se do pressuposto de que para a
manos, democracia e oportunidades individuais interdependência complexa há outros instru-
são valores muito sedutores. Entretanto, atração mentos importantes para a política internacional
se torna rapidamente repulsão quando você age além da força, os direitos humanos surgem como
de forma arrogante destruindo a real mensagem instrumento determinante na escolha da política
que tais valores pretendem transmitir. Funciona internacional. Os direitos humanos surgem em
como a analogia da credibilidade, muito difícil de última análise para a proteção do ser humano e
construir, mas que desaparece ao menor desvio. apesar de difícil conceituação, ao longo dos sé-
Como já mencionado anteriormente os múl- culos foram se consolidando e se traduzindo em
tiplos canais de contato aumentam os pontos de textos jurídicos de cunho universal.
conflito, mas também favorecem a cooperação Os múltiplos canais de contato que emergem
entre os estados. Sob a ótica da interdependência entre as sociedades, em múltiplas e não hierarqui-
complexa os estados passam exercer o poder não zadas questões, aumenta as oportunidades de in-
pela força, mas pela ótica da reciprocidade no sen- fluência dos Estados, permitindo que o respeito
tido de cooperar para gerar ganhos para todos. aos direitos humanos acabem sendo um instru-
Contrariamente da ótica realista e diferen- mento importante na política internacional.
temente da ótica idealista, sob o prisma da inter-
dependência complexa é possível conciliar a de-
fesa dos direitos humanos como uma opção não Referências
só viável, mas necessária na eleição das questões
pelos atores internacionais à vista dos próprios ANDRADE, José H. Fichel de. Direitos Humanos e
processos de interdependência entre estados, or- democracia: considerações sobre sua interdependên-
ganizações e grupos humanos. cia no âmbito do direito internacional. In: ANNONI,
Danielle (Org.). Os novos conceitos do novo direito in-
ternacional: cidadania, democracia e direitos humanos.
5 Conclusão Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002. p. 351-360.
ANGELL, Norman. A grande ilusão. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2002.
A interdependência complexa surge a par-
tir da análise das mudanças verificadas notada- ANNONI, Danielle. O direito humano de acesso à
mente a partir da década de 70 do século passado, justiça no Brasil. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
com o surgimento de empresas transnacionais e Editor, 2008.
o papel crescente da economia nas relações inter- BEDIN, Gilmar Antonio; OLIVEIRA, Odete Maria
nacionais. Interdependência significa dependên- de; SANTOS JÚNIOR, Raimundo Batista dos. Para-
cia mútua entre os Estados, seja de ordem militar, digmas das Relações Internacionais: idealismo-realis-
mo-dependência-interdependência. Ijuí: Unijuí, 2000.
econômica, social, política, etc.
Estabelecem-se relações simétricas ou as- CARR, Edward Hallet. Vinte anos de crise: 1919 –
simétricas e as interações sob a perspectiva da 1939. Uma introdução ao estudo das relações inter-
interdependência podem gerar benefícios, mas nacionais. Trad. Luiz Alberto Figueiredo Machado.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, Instituto
também custos elevados recíprocos, que são me-
de Pesquisa de Relações Internacionais, Imprensa
didos pela sensibilidade e vulnerabilidade. Oficial do Estado de São Paulo, 2001.
A interdependência complexa procura refu-
DUROSELLE, Jean-Baptiste. Todo império perecerá.
tar as três premissas realistas, de que os estados
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000.
são os únicos atores na política internacional,
de que a força é o instrumento mais efetivo da FERNANDES, José Pedro T. Teorias das Relações
política e de que há uma hierarquia de questões Internacionais: da abordagem clássica ao debate pós-
-positivista. Coimbra: Almedina, 2004.
na política internacional encimada na seguran-
ça nacional, para isso propõe outros três pressu- HOBBES, Thomas. Do cidadão. São Paulo: Martin
postos básicos ou condições da interdependência Claret, 2009.
Abstract
This article aims to present the complex interdependence theory in the context of international rela-
tions, which comes from the analysis of the changes that occur from the 70s of last century, with the
emergence of transnational corporations and the growing of the economy into the international rela-
tions and also to establish a relationship with the international human rights.
Keywords: Complex interdependence. International relations. Human rights.