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TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA DE VITÓRIA, GRAZI E KLÉBER (OCUPA

BARBOSA LIMA)

Soraia: Entrevista com Grazi, Vitória e Kléber, da ocupação do Barbosa Lima. Hoje é dia
16?

Equipe técnica: 17

Soraia: 17 de setembro de 2017. Vamos lá, o que a gente queria saber de vocês, primeiro, é
como é que surgiu a ideia da ocupação, a gente tá aqui nessa praça que tem um significado
também... então contar pra quem não conhece essa história né.

Kléber: Então, a ideia de ocupar surgiu durante um protesto onde, a gente que fazia parte do
3º ano, participou, e aconteceu aqui no Derby, na Avenida Agamenon Magalhães.

Grazi: Aí os meninos ficaram muito instigados né, pra ocupar, porque tinha começado a
acontecer as ocupações da universidade, só que ainda não tinha nenhuma escola ocupada,
nenhuma escola secundarista. Aí os meninos ficaram muito animados e todo mundo
gritando "bora ocupar, bora ocupar", e eu "minha gente, tem calma". *risos* E aí foi
quando a gente veio pra praça, a gente sentou no banco e... apareceu uma galera
perguntando como é que tava a mobilização na escola e se a gente tinha interesse de ocupar
a escola da gente. E aí foi quando a gente realmente instigou e começou a organizar isso,
pra ocupar.

Kléber: E a instigação de ocupar começou por coisas pequenas, assim, que a gente podia
fazer, com medidas que a gente podiam debater e trazer pra sala de aula; pra os alunos
começarem a ver a realidade, como, o que tava acontecendo num plano nacional, e
passarem a ser mais críticos perante a própria escola que estava totalmente entregue, com
cadeiras jogadas na quadra, com problemas... enfim, eu acho que todos os colégios públicos
têm muito desses problemas, de laboratórios que não tavam funcionando, de pautas
internas, e essas pautas, eu acho que nacionais, que eu acho que é o que mais repercute na
mídia, é o que mais o jovem escuta, é o que mais se detate em sala de aula, sobre
Bolsonaro, sobre a PEC, que na época era uma pauta bem forte, a MP do Ensino Médio
também, que era uma pauta bem forte que a gente falava em sala, e as próprias ocupações,
o que era, a gente não falou no primeiro momento em sala. Como lá no Barbosa não tinha
um movimento estudantil criado, nenhum grêmio estudantil, onde tinha a gente tinha esse
espaço pra falar, a gente era totalmente sonegado esse espaço, não havia nenhum espaço de
fala pros alunos, a gente começou a passar de sala em sala pra falar sobre isso, sobre a PEC
e tal.

Vitória: Começou com, tipo, conscientização, num foi!? Tipo, explicar à galera basicamente
o que era. Aí como Kleber falou, a gente pas... a gente não, eles né... *risos* passavam de
sala em sala e expli... tipo, chavamam a galera pra ir pra assembléia e tal e, tipo, era
totalmente livre você querer ir ou não, tanto que isso também não era justificativa pra falar
tipo "ninguém me chamou", porque todas as salas eles passavam e todas as salas, pelo
menos uma pessoa, às vezes ia. E isso era massa, de tipo, terem outras pessoas interessadas,
não só eles.

Soraia: O que vocês começaram a pensar em ocupação até a ocupação, quais foram os
passos?

Grazi: A gente... o pessoal que tava no ato se reuniu e começou a pensar como é que a gente
faria pra chegar com esse diálogo na escola né. A gente foi conversando e a gente se tocou
que muita gente não sabia nem o que era PEC, nem nada o que tava acontecendo. Tanto que
teve turma que a gente chegou e *risos* a gente fez "vocês sabem o que é a PEC?", a gente
fazia essa pergunta, eles respondiam, e depois a gente explicava né. Aí teve uma menina
que fez "sei", a gente "o que é?", ela fez "né o negócio de João Paulo né?" *risos* "...aquele
negócio do PT", aí a gente "não amiga, você tá confundindo". Aí a gente começou a ter essa
conversa, passando de sala em sala, pra pod... explicando o que era, e depois foi quando a
gente decidiu começar a fazer as assembléias.

Soraia: E como vocês explicaram, assim, pra eles "o que é que é PEC, o que é que é
Reforma do Ensino Médio"

Kléber: Eu teria que estar mais preparado pra essa pergunta. *risos* Mas vamos lá. Enfim,
a gente parte do pressuposto que a PEC e uma Proposta de Emenda Constitucional e de que
na verdade essa... a PEC, que não me falhe a memória era 241, 241, e... ela queria congelar
os gastos da saúde, educação em 40 anos, com previsão pra revisão de 10 em 10 anos; eu
acho que era algo assim. Só que... a PEC tem seus lados bons e seus lados ruins né. O lado
bom é que a economia iria... iria de uma certa forma estabilizar colocando um teto de
gastos nessas áreas. Só que aonde a gente vai cortar gastos? A gente vai cortar gastos da
educação, da saúde, enquanto a gente tem o Senado gastando milhões e milhões com água
de coco, com que mais... champagne. Fazendo jantares, de que eu ainda me lembro que na
época o Temer promoveu um jantar pra debater a PEC com seus ministros e gastaram
milhões, assim, pra fazer um jantar.

Soraia: E você Vitória, como é que você explica o que era a PEC, assim, quando o pessoal
perguntava.

Vitória: Parcialmente como Kléber, assim, a gente tentava explicar, tipo, literalmente passar
o conhecimento pra eles disso, tipo, dessa... literalmente, desse significado dessa Emenda
que... ao meu ver, tipo, Kléber falou do lado positivo, mas pra mim, assim, falando do lado
negativo, como é que eles querem congelar algo que é totalmente necessário e totalmente
abandonado ao mesmo tempo? É tipo uma hipocrisia querer colocar um teto em um lugar
que mais precisa, por que eles não colocam um teto, tipo, no salário deles, vamos dizer
assim? É muito fácil desvalorizar a população em aspectos que é o que eles mais precisam
né, porque é isso.

Soraia: E do momento da ocupação, assim, dos dias antes, do dia que aconteceu... como é
que foi? Que a Grazi podia contar um pra gente um pouco, assim, qual que era o clima da
escola e como que aconteceu.

Grazi: É... a gente antes do dia que a gente faria assembléia pra decidir se a gente ia ocupar
ou não, a gente tinha feito uma oficina de cartazes, e daí o diretor já tava ten... teve uma
palestra também, e daí o diretor já tava tentando boicotar a gente né. Tava rolando isso
porque, no dia do negócio do cartaz, ele liberou a galera, po. A gente tava lá, todo mundo
coisando, ele largou todo mundo da escola e a gente ficou "ué, por que largou? ele nunca
larga ninguém", aí largou todo mundo, e no dia da... que a gente ia fazer assembleia, rolou
um passeio pra todos os primeiros anos. Aí eu "sim, e agora?" *risos* "metade da escola
não tá aqui", aí a galera "não, mas vai rolar, mas vai rolar!", a gente passou nas salas
chamando pra assembleia, foi uma galera lá falando. Na hora da assembleia, eu consegui
pegar um sozinho de um professor e um microfone e fui chamando a galera que tava no
pátio, que tava jogando dominó, e a galera tava tipo *expressão de quem não estavam
interessados*.

Vitória: Nem aí...

Grazi: Aí a gente fez "tá... a gente vai fazer assembleia do mesmo jeito", a gente foi lá pro
pátio e começou a ter várias discussões, quando surgiu... e tipo, e o tempo todo que a gente
tava fazendo discussão, alguém fazia "sim, e ocupa logo"... *risos* os que não tinham nada
a ver.

Kléber: Foi... os que não tinham nada a ver.

Vitória: Só as indiretinhas, assim sabe, jogando lá.

Grazi: "Mas vai ocupar?". E a gente "calma, menino", aí a gente ficava falando e, quando
finalmente chegou na pauta da ocupação, todo mundo votou que sim né, foi a maioria que
tava no pátio. Porque, se a gente chamou todo mundo, a gente entende que quem não quis ir
não estava interessado né.

Kléber: E Adilson chegou lá... chegou lá, disse que não era um processo democrático, disse
que nunca ia assinar uma pauta.

Vitória: Adilson foi o diretor.

Grazi: A gente fez outra votação na frente dele...

Kléber: Foi tenso.


Grazi Logo depois puxou o "ocupar, resistir".

Kléber: Foi, porque ele chegou, tipo... houve muita resistência do diretor sair né, ele saiu de
lá de 10h, não foi?

Vitória: 9:30, foi. Ocupou em si, fez a assembléia de 16h...

Kléber 15h

Vitória: ... Que foi na hora do intervalo.

Kléber: Foi.

Vitória: Aí a gente fez a votação, aí como ele ouviu que tava tipo muita gritaria, ele
simplesmente saiu da sala dele tipo "o que é que tá acontecendo aí?", aí Klebér
simplesmente entregou o papel, assim, "o colégio tá ocupado", aí ele tipo "como assim!?" e
num sei quê, e começou lá a discutir não foi? Saiu depois, aí lá dentro fez uma reunião com
outros alunos, que era tipo, quem era contra a ocupação. Que era tipo...

Grazi: E eles nem desceram, ficaram... tavam numa sala... Não, eles desceram, e tipo, a
gente tinha falado que tinha ocupado, quando a gente menos espera, tava subindo tudinho
de novo pra sala , pra assistir aula.

Vitória: Pra dizer que não ia ocupar...

Grazi: E tinha professora pra dar aula né, que também aí já foi outros quinhentos. Aí tava
rolando todo aquele processo de segurar as grades e tal, pra não fechar e a gente ter mais
acesso pela escola. Aí... o diretor chamou todo mundo dessa turma, que era uma turma bem
uó, turma uó o nome da turma *risos*

Kléber: Bolsominion... tudo bolso...

Grazi: Ele pegou essa galera, levou pra sala dele, fez uma reunião com eles onde a gente
não podia escutar o que ele tava falando com eles. Só que aí eles já tavam organizando...

Vitória: Basicamente já tava o diretor, essa sala e alguns professores, e a gente tudo lá fora,
assim, tipo, ninguém da gente podia entrar, tipo, pra falar qualquer coisa, porque eram eles
e eles.

Grazi: E já tava policial na frente da escola.

Kléber: Já tinha polícia, é verdade.

Soraia: Ele falou a assembleia não era democrática, a gestão dele era democrática?

Todos: *risos*
Kléber: Nem um pouco.

Soraia: Como é que era?

Kléber: Médio, médio...

Soraia: É?

Kléber: A gente conseguia muita voz, mas ele era um diretor que pagava de bonzinho, que
pagava de amiguinho da galera

Grazi: "Muita voz" né, era aquilo "eu vou reunior os alunos pra gente debater alguma
coisa", ele dava a ideia dele, e era a ideia dele. Essa era a democracia dele.

Soraia: E aí quando vocês decidiram né, e aí aprovou, como é que foi o andamento da
assemble... da ocupação? Por que quem começou ficou com essa carga, assim, de ser líder,
como que vocês lidavam com isso né?

*Corte da gravação*

Vitória: Quando começaram a acontecer as assembleias, aí a gente sempre se organizava,


assim, e nelas, muita gente começa a falar, tipo, antes de ocupar, vamos dizer assim,
"vamos tentar fazer um ato", vamos fazer uma coisa mais fixa, mas tipo "a gente tá aqui, a
gente não tá acalado e a gente quer fazer alguma coisa". Mesmo que isso não seja tão
radical, entre aspas, pra ocupar logo de cara; mas vamos fazer alguma coisa. Aí o que foi
sugerido? um ato. Aonde? aqui.

Grazi: Bem leve né... *tom de ironia*

Vitória: Né, super *risos*. Aí todo mundo concordou, e a gente "tá.". Marcamos um dia,
não lembro data, mas foi um dia antes da ocupação da escola Barbosa Lima. E foi aí que a
gente se organizou e a escola em peso foi. E isso foi muito massa, porque a gente não tinha
noção dessa grandeza que isso tinha se tornado. Muita gente podia estar até ali porque "ah,
meu amiguinho tá indo, e tá ali", mas muita gente foi e sabia o que era aquilo de verdade. E
foi muito massa, porque eu nunca vi uma escola tão unida como a gente tava daquele jeito.
Eu não esperava de jeito nenhum, tanto que a gente, em si, ficou muito feliz, e deu muito
certo. Gente de outras escolas veio, a galera do Liceu...

Kléber: Do ETE...

Vitória: Muita gente mesmo. E...

Grazi: Nesse ato, foi quando eu percebi a diferença, assim, porque eu tinha frequentado
outros atos com universitários e tal só que... tinha aquela pressão vinda de fora? tinha; só
que com a gente, aluno secundarista, de farda, foi bem mais pesado, assim, eu não esperava
que fosse daquele jeito, foi tipo, gente apertando braço de alunos, machucou uma menina,
cara botando moto por cima. Eu esperava que seria mais leve já por isso né, por ver que é
um bocado de gente nova ali, com farda da escola, todo mundo tinha largado e da escola
tinha vindo pra cá, e foi muito pesado. Foi massa, foi lindo, mas foi pesado também.
Porque também a gente passou muito tempo fechando...

Vitória: A gente passou uma hora e meia eu acho, porque a gente fechou logo a Agamenon,
assim, tipo, "super de boa" *tom de ironia*.

Kléber: A gente fechou as quatro faixas, amiga.

Grazi: Pegando a via vindo da Boa Vista...

Vitória: De Olinda, e de Boa Viagem.

Grazi: A gente pegou pesado.

Vitória: Foi. A gente já chegou assim, dando a voadora, tá ligado?! *risos*

Kléber: E... Antes disso né, basicamente nesse processo de assembléia pra constituir o ato,
pra começar a fazer o ato, a gente passava nas salas, tipo, de manhã... Como o Barbosa
Lima é uma escola que funciona da manhã até a noite, então tinha turmas que a gente não
passava assim né, aí a gente criou essa preocupação, de tipo, estar em contato com a galera
da manhã e estar em contato com a galera da noite. E como era uma escola especil também,
tinha os surdos, que também era uma pauta nossa, que a gente abordava, e e tinha muitos
surdos no ato também.

Grazi: Sim.

Vitória: E na ocupação em si também.

Grazi: No processo de ocupação eles participaram muito.

Vitória: Porque meio que a escola é "de referência" pra surdos, porque não é qualquer
escola que tem, mas mesmo assim não tinha nenhuma estrutura pra isso. E foi muito massa
a interação, tanto que a gente aprendeu muita coisa com eles, eles dormiam com a gente,
fazia tudo. Foi muito massa.

Kléber: E no dia desse ato, depois que rolou o ato, que foi super pesado assim, com
agressão, com xingamento com aluno sendo agredido, com até motoqueiro sendo agredido,
depois a gente viu que realmente o rolê ia ficar muito trash porque a polícia tava
começando a cercar a gente. A gente resolveu se reunir e vir pro coreto. Aí aqui a gente
começou a debater "amanhã a gente vai debater a pauta da ocupação. E aí, vai rolar ou não
vai rolar?", porque tipo a gente queria fazer esse protesto antes pra saber a força que o
movimento tinha, não era? Pra saber realmente "e aí, vai ou não vai? É agora".
Vitória: Tinha gente que queria ocupar na hora, depois do ato, lembra?

Kléber: É, era...

Grazi: E a gente quis ser bem discreto nesse negócio de ocupação, só que Kléber não foi
nada discreto *risos*.

Vitória: Uma pessoa que não sabe ser discreto *risos*.

Grazi: A gente tava tentando levar as coisas tudo guardadinho, escondido na bolsa né, e...
quando a gente menos espera chega Kléber com umas três bolsas, com um travesseiro na
escola, " 'ô' amigo, tu não entendeu a parte de ser discreto?"

Todos: *risos*

Grazi: Aí... mas foi tudo certo né?

Vitória: A gente pagando de doido, só a mochila tava cheia assim, a gente super assim,
fingindo que nada tava acontecendo.

Grazi: A gente lá sentado, bem bolados.

Soraia: Vocês não assistiram aula esse dia?

Kléber: Assistiu.

Grazi: Assistiu, as três primeiras.

Soraia: E qual a sensação assistindo a aula?

Vitória: Tava agoniada, ansiosa, querendo que sair da sala logo.

Grazi: Eu não tava conseguindo prestar atenção.

Kléber: Também não. Tava assim "intervalo, intervalo, intervalo, intervalo, intervalo"

Grazi: Eu tava conversando com as meninas e tentando não falar muito alto né, pra não
estragar a surpresa da assembléia.

Vitória: Fora os sub-nomes que a gente botava no ocupa, né?

Kléber: Era, "o bolo"... *risos*

Vitória: Porque a gente não falava na ocupação, porque a galera já ia ficar olhando daquele
jeito né, aí tinha que ter os 'sub-nomes', aí a gente inventou que era "bolo". Aí no dia que a
gente ocupou, a gente começava a gritar isso...

Kléber: Pega a farinha ali, pra fazer o bolo *risos*


Vitória: "Bora fazer o bolo, vamos começar", num sei quê, aí o povo jurava que a gente ia
fazer bolo de verdade. Foi muito engraçado, na moral.

Kléber: O bolo foi bem mais legal.

Soraia: E na ocupação, assim, o funcionamento... como é que foi essa relação né, com todo
mundo que tava ali, também essa coisa de liderança, queria que vocês contassem um
pouquinho desse dia a dia.

Kléber: Na real a gente tava bem preocupado pra não criar isso, porque tipo, algumas
pessoas no começo tava muito com um peso, assim, de responsabilidade de mobilização, de
comunicação. A galera que iniciou o processo em si tinha esse peso e a gente queria tirar
esse peso e distribuir entre a galera. Daí a gente participou e foi em outras ocupações ver
como era a dinâmica deles, eu me lembro que eu fui no CFCH, no CAC, na Católica, no
GP... foi.

Grazi: No GP a gente... foi aquela escola que a gente pegou pra não levar o exemplo pra
gente.

Soraia: Mas assim, o que é, de práticas que você não achava legal?

Grazi: A questão de liderança, porque a gente desde quando tava passando nas salas, a
gente fala... repetia muito isso, de tipo, "tu quer falar? tu fala. a gente tá passando nas salas,
mas se... tu tá escutando a gente, mas se tu quiser se juntar com a gente, falar também, tu
pode", tinha umas meninas que ficavam até com receio, ficavam meio assim *expressão de
timidez*, e aí a gente "não, mulher, pode falar, fale". E na ocupação rolou muito disso,
tinha gente que tava muito sobrecarregada, e tinha gente que tava querendo ter algumas
responsabilidades, porém tava com medo, porém ficava "Grazi, eu posso fazer isso?", e eu
"mulher, você pode fazer o que você quiser aqui". Aí a gente foi muito isso né, de todo
mundo poder participar de tudo, separou as comissões, e... na outra escola, tava tendo meio
que um líder né, tinha um grupinho de umas cinco pessoas que ficavam mandando nisso e
nisso, tanto que isso foi bastante cobrado até por eles lá. E, depois disso, o menino, ele saiu
da ocupação... na verdade, esse grupinho saiu da ocupação e a galera se organizou melhor;
pelo menos foi o que eu vi né.

*acordo para não colocar o nome da escola na edição do documentário*

Kléber: Eu me lembro que quando eu fui no CFCH e no CAC pra saber, assim, como
funciona, porque é diferente você pegar um documentário, pegar um material e você viver
aquilo. De você ver ali a coisa acontecer, como era o nível das comissões, como era, tipo, a
comissão de comunicação, o que eles tavam ali, os contatos pra tipo advogado, pra
palestrante, entrar em contato com essa galera. Porque na ocupação a escola para no sentido
pedagógico, mas a escola não para no sentido na aprendizagem. Você tá ali aprendendo
outras coisas, você tá aprendendo sobre movimento negro, sobre feminismo...
Vitória: Coisas que não tem espaço numa escola, basicamente.

Kléber: Sobre LGBTfobia, sobre essas coisas.

Grazi: E essas pautas a gente sempre tentou discutir na escola. Não foi uma coisa que tipo
"ah, durante a ocupação a gente decidiu falar sobre essas coisas", a gente... muitos alunos
vinham desde antes propondo pra professores de português, de sociologia, esses debates né,
em sala, só que era uma coisa muito "não, depois, depois, depois", e não rolou né, só rolou
durante a ocupação.

Vitória: Não, tipo, eu queria tamém falar da repressão do diretor em si. Porque como a
gente tava falando, a gente ocupou a escola de 16h, o diretor foi sair de 21:30. Então, tipo, a
gente já tinha pego as chaves de tudo, a gente já tava com tudo, já tinha chegado alimento,
a gente já... já tinha se organizado, basicamente, dentro da escola de que quem ia ficar, já ia
começar uma assembléia, e o diretor tava lá. Tipo, achando que aquilo não ia acontecer pra
valer, e que ele ia conseguir reprimir a gente e a gente ia sair dali. Mas tipo, a gente ficou
até o final sabe, isso foi muito massa também. A polícia chegou, um monte de gente
chegou, isso de 18h da noite tava chegando comida, a gente super passando, assim, com
comida já indo pra cozinha e e ele tava lá querendo, de alguma forma, combater aquilo,
vamos dizer assim. E, mesmo com toda a pressão da polícia, tipo dois carros da polícia; na
primeira noite a gente dormiu com carro da polícia dentro da escola.

Grazi: Mas teve uma hora que até o policial virou assim e fez "você não já ocuparam, não
foi?", a gente "foi", "e por que ele ainda tá aí?". O policial falou isso, nem ele tava
entendendo porque o diretor tava lá. *risos*

Kléber: O que é proibido né, policial militar dentro da escola da forma com quem foi feito
né. Porque só quem pode circular, policial assim, é a patrulha escolar dentro da escola né,
quando é solicitado. Não, não era o policial da patrulha escolar, era policial militar mesmo,
que tava com arma. Enfim.

Vitória: Dormindo...

Kléber: Ficou dormindo lá...

Grazi: E as coisas, assim, só ficaram mais tranquilas depois que um certo certo cara aí, da
política, chegou lá - ele tava chegando em todas as ocupações né, vai ver que em todas as
escolas ele passou. E, tipo, a pressão lá dos policiais, do jeito que tava, toda a gritaria,
melhorou depois que ele tava lá; não foi nem por a gente estar falando, foi depois que um
cara "maior" chegou lá.

Vitória: Ele não chegou nem a entrar na ocupação da gente em si, tipo, da porta ele já saiu,
assim, porque a galera pediu. Mas foi ele que falou com a polícia, não foi?
Grazi: Foi. E o diretor ainda fez um discursinho nesse dia. Ele queria falar de todo jeito,
mas ninguém queria escutar o que ele tinha pra falar. Não escutou ele o ano todinho. Aí ele
foi lá e decidiu, queria falar, aí sentou todo mundo, o pessoal que tava do lado de fora
tentando entrar também ficou olhando, ele ficou lá falando no microfone - rolou microfone
pra ele -, e ele falando que não era contra, que ele já tinha participado de movimento
estudantil, e que eele tava ali pra ajudar gente e tal, só que ele tava fazendo a 'falsinha do
rolê', que ele tava com esse papo pra gente, só que tava com outro papo organizando o
desocupa, ele, do outro lado. Tava rolando esses dois negócios, tanto, que a galera do
desocupa ficou com raiva dele porque ele tava com essas duas conversas.

Soraia: Como é que foi, assim, dessa interação com as outras escolas ocupadas, rolaram os
encontros também, com, enfim, vocês sentiram falta no início, depois rolou, assim, como é
que foi isso?

Kléber: São muitas perguntas *risos*

Soraia: Vocês já vão vendo e aí vocês desenvolvem

Kléber: Uma grande preocupação da gente, assim no começo, como a gente era militantes
novos né, era de saber quem estava ali; "tu é de tal movimento, mas e aí, esse movimento
aí, como é?". Surgiram entidades, omo Grazil falou, 'Adilson Silva', que eu acho que uma
grande parte da ocupação...

Grazi: É Edilson, menino!

Vitória: 'Adilson', Deus me livre

Todos: *risos*

Kléber: Edilson Silva... e eu acho que a maioria, assim, da galera da ocupação tinha um
sentimento apartidário. Tipo, a maioria da galera não fechava com partido nenhum, e nem
gostava, tipo, não sentia empatia por PT, por PSOL, PSDB; ninguém gostava assim. E eu
acho que era muito dessa coisa, assim, de a gente não querer, em primeira instância, que
outras organizações entrassem dentro da ocupação. Depois que a gente começou, assim, ter
uma noção das coisas, de qual galera tava ali pra nos ajudar no nosso próprio protagonismo,
e não roubar espaço de fala da gente, a gente começou a somar essa galera. Daí foi quando
começou realmente, deu aquele 'boom' das oficinas, das palestras, dos debates, dos cine-
debates também

Grazi: Só que a gente tava com muito medo de acontecer de a gente abrir es... deixar essa
galera entrar lá, e eles querer tomar o protagonismo, deles querer só ta aí, usando e falado
"ah, eu tô fazendo isso" e tal, não por querer realmente ajudar a gente, e sim pra eles
quererem brilhar.
Vitória: Querer colocar o movimento deles no meio do da gente.

Grazi: Sim

Kléber: Fazer palco político, né, pra eles.

Vitória e Grazi: É!

Grazi: E quando a gente se tocou que dá pra gente ter uma balança né, de quem poderia
fazer isso, de quem não, a gente conseguiu, tipo, as oficinas como ele falou, palestra, tudo;
foi massa, até a arrecadação, tudo, a gente conseguiu mais.

Soraia: E com as outras escola, como é que era?

Vitória: Eu acho que foi muito aos poucos, assim...

Kléber: Foi muito aos poucos.

Vitória: De cara, foram muitas pessoas de outras escolas lá, sendo que a gente fez uma
assembléia com eles pra... como eles já tinha ocupado, eles deram muita informação pra
gente, que ajudou de mais, tipo, tanto em segurança, quanto em alimentação, comunicação,
contato pra gente chamar pra os debates, pras palestras. E, tipo, esse basicamente foi o
primeiro contato. Mas tipo, de todo dia, no começo não tinha. Tipo, eu lembro que não foi
tipo "ah, muito forte". Teve essa reunião e às vezes alguém ia e tal. Começou a ser mais
frequente depois dos encontros.

Grazi: Foi, mas eu lembro que, assim que a gente ocupou, uma galera que eu não lembro
qual era a escola, eles chegaram com comida pra gente...

Kléber: Foi.

Vitória: Foi do...

Grazi: Eles chegaram com uma sacola bem grande, eu achei massa.

Vitória: Foi, eu não tô lembrando o nome da escola. Mas rolou.

Kléber: Foi do ETE da Caxangá, não foi?

Grazi: Foi.

Kléber: Foi do ETE da Caxangá, que a galera até tirou foto.

Grazi: Da menina do 'black'. Eu achei massa. E a gente ficou tentando fazer isso. Quando a
gente soube que ia rolar o desocupa, a gente convocou né a galera pra poder ir lá pra escola.
Porque tava indo... a gente tava deixando a escola aberta, tipo, você não tá participando da
ocupação mas você pode entrar na escola, principalmente pra ver que a gente não tava
quebrando nada, nem...

Vitória: Pelo contrário, tava cuidando.

Grazi: Tava cuidando. Só que aí já teve outro problema, porque tinha gente querendo entrar
pra quebrar e a culpa ser da gente. Então foi muito difícil encontrar um meio termo, assim,
quem é que vai entrar, "por que eu vou deixar ele entrar e ele não?" Foi muito difícil essa
parte.

Vitória: Aí a gente chamou meio que as escolas que era mais próximas, tipo, teve os
meninos do Joaquim Távora que vieram...

Grazi: Foi

Vitória: Teve gente, acho que do ETE, que veio também...

Kléber: Uhum

Vitória: ... não lembro direito.

Kléber: Inclusive teve o encontro né, que foi... eu me lembro que tinha uma escola, era o
Sizenando, que eles tavam muito a fim de ocupar. Só que o terceiro ano era contra, e o resto
era tipo muito a favor. Porque o terceiro ano não queria...

Vitória: Ficha 19, essas coisas...

Kléber: ... é, queria acabar logo, faculdade e tal. Mas a galera queria participar porque a
escola tava em mau estado e tal. E eu me lembro que teve uma reunião com todas as
escolas, eles pediram à galera pra ajudar eles nesse processo. Mas eu acho que não
acontecia muito esse engajamento, assim, entre as escolas, acontecia engajamentos dentro
de cada escola. Tipo, o Barbosa Lima, o Barbosa Lima tinha um engajamento, tipo, que era
mais interno assim; acho que todas as escolas eram mais internas, e o que saia era pouca
coisa, assim.

Vitória: Eu acho que, a partir dos encontros que foram feitos...

Grazi e Kléber: Foi

Vitória É... pela comissão da Federal que ajudava os secundaristas, foi se somando mais,
tipo, a gente foi conhecendo a realidade deles, e foi vendo os pontos em comum; foi vendo,
tipo, outras coisas que aconteceram lá que e a gente já podia meio que "se prevenir". E isso
foi massa, porque somou mesmo, e a gente conhecia a outra galera, e a gente marcava de
fazer ato junto; foi massa.

Grazi: Nos atos, a gente ficava junto né.


Vitória: Tinha até o sinal dos secundaristas, que era...

Grazi: Era assim né?

Vitória: É

*Vitória e Grazi fazem sinal do 'hang-loose', o sinal ressignificado para os secundaristas de


Recife*

Grazi: E, depois desses encontros, começou a ter muito... A gente teve muito apego ao Nilo
né? Nosso xodó que era o Nilo. E eu acho que foi muito bonito ver a preocupação não só
entre a gente né, mas ver a preocupação com as outras escolas. De "aconteceu tal coisa em
tal escola, vamos lá", rolava muito disso, "vamos mandar coisa pra lá", tal escola acabou
comida, mandava, a gente tinha muito feijão...

Kléber: Muita galinha...

Vitória: Eu lembro que os meninos do GP uma vez chegaram "lá tá sem comida", pra quê,
po? A gente saiu atolando comida na bolsa deles, os meninos saíram com caixa assim, no
meio da rua, andando com caixas e caixas de comida.

Grazi: Foi.

Kléber: Outra coisa, quando a gente ocupou né, foi essa questão, assim, de coisas que
tavam escondidas na escola dos alunos né. Que tinha, quando a gente abriu lá a biblioteca,
tinha boxes e mais boxes de 'best-sellers', de 'Harry Potter', 'Game of Thrones'. Quando a
gente entrou também na cozinha, tinha tipo, comida boa que não era servida...

Vitória: Que até hoje não é...

Todos: *risos*

Grazi: Que triste.

Kléber: Tinha iogurte, tinha o que mais...?

Vitória: Tinha até requeijão, po!

Kléber: Tinha requeijão...

Grazi: Tipo, o pessoal da noite, principalmente, tinha muito problema com a comida,
porque às vezes era servido pão e iogurte, e tipo, tinha requeijão pra caramba na geladeira,
tinha muito requeijão, não tinha pra que eles estarem comendo o pão seco com o danone só.

Vitória: Às vezes elas só botam banana e tipo, laranja, assim, e joga, e cada um se quiser
vai lá pegar. E tipo, tem feijão, tem arroz, tem cuscuz...
Grazi: Charque...

Vitória: Tem charque...

Kléber: Galinha! *risos*

Vitória: Tinha três 'freezers' cheios de galinha, sério. E tipo, qual o problema você fazer o
feijão, o arroz e uma galinha, e pronto?

Kléber: A gente deu muita galinha, porque tipo, ia passar da validade e a gente saiu...

Grazi: Era

Vitória: E tinha fardos de feijão estragado, tá ligado? Tava cheio de bicho, a gente que teve
que dar um jeito.

Grazi: E quando a gente fala "o freezer cheio de galinha", não é pouco cheio não, é muito
cheio de galinha! *risos*

Vitória: E três, não era nem só um.

Grazi: Era três, cheio, esborrando assim de galinha.

Soraia: O que é que fica pra vocês da ocupação, assim, dessa experiência né, pra cada um.

*pausa para depoimentos finais*

Soraia: Aí vocês podem continuar conversando normal. O que é que fica pra vocês

Vitória: Assim, a gente gosta muito de dizer que a gente era uma pessoa antes da ocupação
e é uma pessoa depois. Isso é um fato. E... uma pessoa assim, um ser humano, sabe; uma
pessoa melhor, uma pessoa que, vamos dizer assim, entende mais o que é o lado do que é o
lado de outra pessoa, o lado do que a outra pessoa vive, sabe!? E tipo, muita gente, até
alguns professores também, que também davam certo "apoio" à gente, falavam "ah, Vitória,
tu era a 'bela, recatada e do lar' da sala e, quando aconteceu a ocupação, era a própria
revolucionária", tipo super tirava onda comigo, porque tipo eu sempre fui uma pessoa
muito tranquila, assim na sala, mas também quando foi na hora de medir esforços, eu não
medi de jeito nenhum, e fui lá e fiz, sabe? Tanto que tem gente que... *risos* tinham alto
apelidos pra mim, tipo "a burguesinha da ocupação"...

Grazi: "Filha do pastor"

Vitória: "Filha do pastor" *risos*, era. E tipo, não é por ter tal aparência ou tal coisa que
você não pode lutar por tal coisa. Até porque a gente é o que é independente de aparência
física ou não, a gente têm que ter o nosso protagonismo, tem que ter a nossa opinião sobre
os fatos, e fazer isso acontecer. E essa foi uma coisa que a gente fez, sabe?
Grazi: Eu acho que o que fica pra mim, principalmente, é esse negócio de ter uma escola
mobilizada, que pode ter esse diálogo de aluno e gestor, que eu achei quer era
importantíssimo. Porque até aí a gente não sabia que podia ter isso, a gente não tinha ideia,
a gente não pensava nem na possibilidade de acontecer o que aconteceu no fim, da gente
estar numa sala com diretor, com professores, decidindo como é que ia repor as aulas. A
gente não pensou nessa possibilidade e, quando isso aconteceu, "minha gente, vocês tão
acreditando nisso? a gente tá aqui decidindo como é que vai ser isso". Eu achei que isso pra
mim já foi um grande passo, já foi uma mudança, assim, sinistra. E boa!

Vitória: Pois é. Tipo, a palavra, assim, que a gente comentava, que definia nossa ocupação
foi união, sabe? Porque era muito um pelo outro, tipo, a gente tinha que fazer o almoço,
"vamos todo mundo, vamos juntas umas pessoas pra cozinha pra fazer", tava precisando de
gente na segurança, "tu pode ir lá pra frente?", ou senão, tipo, a pessoa se disponibilizava e
ia. Era uma coisa muito lou... assim, eu sentia isso, que era muito um pelo outro, assim, e
isso foi massa.

Grazi: A preocupação de onde o outro vai dormir... de conversar com as mães. Teve uma
reunião que foi pra conversar com as mães dos surdos, porque muitas delas não sabia nem o
que tava acontecendo né. Aí a gente fez "não, a reunião a gente chama a mãe deles pra
conversar com eles", aí tinha um menino que sabia libras, e a gente teve essa conversa com
elas, que foi muito massa, que foi quando eles fizeram a pauta deles e entregaram pra gente,
reclamando de material que não tinha pra eles, entre outras coisas.

*pausa por conta da chuva*

Kléber: Então, o que ficou pra mim, assim, de fruto da ocupação, foi um pensamento mais
crítico, foi como lidar com outras pessoas, porque dentro de uma ocupação existem todos
os seus problemas e, você aprender a conversar e conviver com outras pessoas que não têm
uma realidade igual a sua; essa diversidade toda. Me ensinou também a como... ter um
pensamente crítico bem mais forte, assim, em relação a tudo, em relação à gente "ah, a
gente tem essa decisão: a gente vai cortar os gastos da educação", mas "por que a gente vai
cortar os gastos da educação se a gente pode cortar outros gastos?". Me ensinou também a
como digerir esse processo, a como funciona esse processo, a como a gente se articula,
como funciona as articulações. Me ensinou também o que é um coletivo, me ensinou
política, me ensinou arte, me ensino tudo tudo tudo... tudo que eu tenho eu acho que eu
devo a ocupação, eu acho. Até os contatos, assim, a maioria dos meus amigos se formaram
na ocupação, assim, eu não tinha muitos amigos, mas a maioria dos meus amigos se
formaram na ocupação.

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