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Furtado escreveu suas principais obras num dos períodos mais férteis
para a intelectualidade latino-americana: os anos 50 e 60. Período influenciado
pelos “anos de alta teoria” nas décadas de 20 e 30, quando a ortodoxia foi traída
pelo seu fiel escudeiro: o mercado. Foi justamente nesse período que Keynes
produziu abalos sísmicos nas academias, que mais tarde repercutiram nas esferas
governamentais. No pós-45, tanto no centro como na periferia, as políticas
ortodoxas cederam lugar às práticas intervencionistas; os Estados nacionais
passaram a orientar e gerenciar a ordem econômica por meio de políticas fiscais,
monetárias, cambiais, tarifárias e de rendas; após décadas de desordem financeira
causada pela implosão do fictício padrão-ouro, a moeda tornou-se um ativo
gerenciado por órgãos reguladores, ou seja, o mercado estava sendo domado.
Na América Latina pós-30, a industrialização estava na ordem do dia
− industrialização intencionalmente conduzida pelo Estado −, pois, por um lado,
as demandas sociais aumentavam exponencialmente e contentemente se
presenciava estrangulamento na oferta nos setores que demandavam recursos
vultosos; por outro lado, havia uma inércia empresarial. O nacional-
desenvolvimentismo ganhava força, não apenas no Brasil de Vargas e Juscelino,
mas no México de Cárdenas e na Argentina de Perón e, no outro continente, na
Índia de Nehuro e no Egito de Nasser. Nesse bojo, a Cepal (Comissão Econômica
para a América Latina e Caribe) se apresentava como órgão fornecedor de quadros
e idéias desenvolvimentistas aos governos latinos. Foi o momento em que
“estávamos pensando com nossas cabeças”, dizia Prebisch a Furtado.
No meio desse ambiente efervescente, Furtado desenvolveu suas idéias.
Para definir as bases do pensamento de Celso Furtado, primeiro deve-se ter em
mente o cenário propício às transformações estruturais, para depois centrar o
foco na sua carreira de político e de cientista social. Celso Furtado − leitor de O
catecismo positivista na adolescência − formou-se em Direito em 1944, pela
Faculdade Nacional de Direito − Universidade do Brasil −, mas logo voltou seus
estudos para a economia quando começou a ler os New Dealers. Em 1948, obteve
o título de doutor em economia pela Universidade de Paris com a tese L’Économie
coloniale brésilienne. Entre 1949 e 1953, trabalhou na Cepal juntamente com
Prebisch na elaboração das teses cepalinas e em diagnósticos e projetos de
desenvolvimento. Em 1954 e 1955, trabalhou no Grupo Misto Cepal/BNDE
(Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico) e, em 1957 e 1958, chefiou o
GTDN (Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste), trabalho que
deu origem à Sudene (Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste),
órgão que presidiu de 1959 a 1962. Deixou a Sudene para assumir o Ministério
Extraordinário para o Planejamento do governo João Goulart, permanecendo no
cargo até 1963, quando retornou à Sudene. Em abril de 1964, na calada da noite,
seus direitos políticos foram cassados pela ditadura militar. Retornou ao Brasil
no início dos anos 80 e, no governo José Sarney, assumiu o Ministério da Cultura.
Do cargo na Cepal (em 1949), passando pelo Ministério (em 1963) até Brasil: a
construção interrompida (1992), Furtado conjugou a sua vida prática com a
para conter o êxodo rural, pois este pressionava os salários urbanos para baixo,
concentrando ainda mais a renda. Ambas, industrialização e reforma agrária,
deveriam ser comandadas pelo Estado, o único ente com recursos financeiros
capaz de alavancar o desenvolvimento.
Claramente pode-se perceber a crença que Furtado tinha na técnica. A
industrialização seria a “tábua salvadora” da periferia, onde uma população
considerável estava à margem da sociedade, sem acesso ao mercado de consumo
e sem o mínimo de proteção social.
Após um período no exílio, fazendo novas reflexões, Celso Furtado
voltou ao Brasil no final dos anos 60 para proferir algumas palestras e se deparou
com os primeiros resultados concretos da industrialização dos anos 50, das
reformas monetárias e fiscais de 1965/1966, e com o início de um novo período
expansivo, o “milagre econômico”. Suas crenças transformam-se em ilusões
perdidas. Em 1968, publicou Um projeto para o Brasil, resultado de conferências
proferidas junto à Comissão de Economia da Câmara dos Deputados e ao Instituto
de Estudos Internacionais da Universidade do Chile. Foi um primeiro ensaio em
direção às mudanças que Furtado assumiria mais tarde em Análise e em O mito.
Nesse livro, Furtado começou a rever suas crenças em relação às possibilidades
de reverter os quadro desolador de subdesenvolvimento na periferia e incorporou
questões subjetivas e políticas. Foi o início das desilusões. Segundo o autor, “o
desenvolvimento não é uma simples questão de aumento de oferta de bens ou de
acumulação de capital, possui ele um sentido, é um conjunto de respostas a um
projeto de autotransformação de uma coletividade humana.” No entanto, nesse
momento Furtado ainda acreditava na possibilidade de reversão do
subdesenvolvimento mediante reformas na estrutura social e econômica, que
proporcionariam à camada menos favorecida entrada no mercado de consumo,
ou seja, o consumismo popular. Reformas como: mudança da estrutura da renda,
reorientação do processo produtivo, reforma agrária, solucionar a insuficiência
da capacidade para importar e rever o poder de comando das empresas
transnacionais. Suas desilusões estão mais explícitas em Análise do “modelo”
brasileiro, publicado em 1972, e tomam forma acabada em O mito do
desenvolvimento econômico, 1974, discutindo em ambos o problema da
dependência cultural e do consumismo.
Em Análise, Furtado começou com um vôo panorâmico sobre o Brasil
e apontou as seguintes características: a) economia subdesenvolvida; b) agricultura
com baixa produtividade; c) setor manufatureiro moderno com tecnologias
importadas e controladas por grupos estrangeiros; d) Estado como fonte principal
de acumulação. O principal problema que o país enfrenta, segundo o autor, é o de
“gerar fontes de emprego para sua numerosa e crescente população, grande parte
da qual vegeta em setores urbanos marginalizados ou na agricultura de
EQUÍVOCOS E DESLIZES
Um dos erros de Furtado foi não ver o vínculo orgânico que havia − e
há − entre o Estado e o capital privado interno e externo. De 1930 a 1964, a
chamada crise de hegemonia e de transição acomodava os interesses díspares no
seio do Estado, relativizando a sua “autonomia”. No capitalismo, não há Estado
autônomo, há sim Estado burguês, aparelho de hegemonia da burguesia, seja ela
nacional ou estrangeira. O caráter social do Estado dependerá do sentimento
nacional da burguesia e do compromisso que ela tem para a formação de um
sistema nacional de economia com inclusão social. Se esta burguesia for entreguista
e cosmopolita, a formação do sistema fica comprometida. Furtado não via este
vínculo orgânico porque, até 1964, fazia parte da estrutura estatal. Somente quando
ele se afastou do Estado, começou a desenvolver a idéia de dependência cultural
das elites.
Segundo Oliveira, nas bases da teoria do subdesenvolvimento há um
distanciamento político das análises econômicas, o que a aproxima dos neoclássicos:
“seu distanciamento político explícito procura apresentar uma teoria ‘econômica’
da economia, mas não da maneira de Marx, em que as relações de produção
constróem a sociabilidade geral; a rigor, a política na teoria do subdesenvolvimento
é um epifenômeno”. Ora, esta crítica serve a qualquer autor não-marxista que faz
análise do desenvolvimento e do subdesenvolvimento econômico.
Outro erro de Furtado foi acreditar que a reversão das estruturas
tecnológicas heterogêneas e a incorporação nos salários dos ganhos de
CONCLUSÃO
RESUMO
ABSTRACT
REFERÊNCIAS