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Arquitetura do comércio varejista em Ribeirão Preto

a emergência e expansão dos shopping centers

1.1 Mercados públicos, galerias e lojas de departamento

A constituição de lugares de troca e comércio é algo


inerente à própria natureza da cidade. De acordo com Richard
Nelson, várias cidades se desenvolveram a partir de primitivos postos
de comércio e troca de mercadorias, antecedendo nesses casos aos
edifícios religiosos e governamentais como elemento regulador do
traçado urbano1. Embora, na maioria dos casos, o centro da cidade
fosse configurado pelo conjunto desses edifícios, a atividade
comercial progressivamente foi se tornando determinante no cenário
das localidades centrais urbanas. Na Idade Média, em grande parte
das cidades européias, o centro era demarcado pela chamada
“praça do mercado”, que além da feira concentrava, muitas vezes,
edifícios como a catedral e os prédios governamentais. Foi, entretanto,
o poder de atração do mercado que fez consagrar sua
denominação.

Ao longo da história os edifícios comerciais adotaram diversas


tipologias, que variavam de acordo com as condições econômicas,
tecnológicas e sociais do local. No oriente, por exemplo, floresceram
os bazares, que em alguns casos eram constituídos por grandes tendas
onde se vendia e trocava toda a sorte de mercadorias. Os bazares
legaram ao mundo ocidental o hábito de realizar espetáculos cênicos
nos espaços comerciais, criando uma atmosfera de entretenimento e
de movimento constante, que viria a ser incorporada aos shopping
centers atuais2.

1 NELSON, Richard L. The selection of retail location. New York, F.W. Dodge Corporation, 1985, p.4.
2 Id.

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Shopping center: gênese e consolidação

Na Europa, durante a Idade


Média difundiram-se tipologias
monumentais, que quase sempre
misturavam entretenimento e
comércio. Este é o caso do mercado
de Bruges, importante porto
comercial da época. O mercado ali
1. O mercado
monumental de existente desenvolve-se em um
Bruges.
Fonte: Pevsner, 1979. grande edifício de dois pavimentos,
abrigando bancas de mercadorias
diversas e um salão para celebrações
festivas, além de um tribunal e uma
prisão3. Durante o Renascimento,
surgiram na Itália, as “Loggia dei
mercati”, galerias em arcadas, cuja
forma remete ao antigo Forum de
Trajano. Deste último, herdarm alguns
2. A loggia dei mercati, na espaços complementares aos de
Itália.
Fonte: Pevsner, 1979. compra, tais como a Casa di venere
(prostíbulo), a Casa di Bacco
(taberna) e a Casa d’usura (banco)4.

A intensificação do comércio, correlata ao mercantilismo,


haveria de provocar grandes alterações nas transações comerciais e
nos espaços de compra a elas destinadas. Paolo Sicca escreve que ”

3 PEVSNER,Nikolaus. Historia de las tipologias arquitetônicas. Barcelona, Gustavo Gilli, 1979, p. 285.
4 Id.

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(...) quando as maiores cidades da Europa, com o fenômeno do


mercantilistmo e a aceitação do comércio com as colônias, se
convertem em centros de distribuição e comércio de produtos raros,
seu aparato distributivo se transforma, tornando superado o tipo de
mercado tradicional onde se resolvia a relação recíproca de
produção-consumo entre cidade e campo”5.

Geist observa que apesar das inúmeras tipologias de edifícios


comerciais surgidas ao longo da história, foi à partir do século XIX que
se revolucionou a atividade comercial, tanto em função de novas
tipologias emergentes, quanto do surgimento de novas técnicas de
comercialização, circulação e transporte. O autor argumenta, que
embora já houvesse na antigüidade, tipologias parecidas com as
surgidas no século XIX - como o caso dos mercados públicos -, seria
difícil concluir que as últimas sejam fruto de uma evolução natural das
primeiras, dado o conjunto de circunstâncias diferentes que se
apresentaram naquele século6.

As mudanças que atingiram a atividade comercial no século


XIX, começaram a se gestar no século anterior, tendo como alavanca
o acentuado processo de industrialização iniciado na Inglaterra e as
transformações político-sociais advindas da ascensão da burguesia. A
Revolução Industrial, possibilitou uma mudança nos padrões de
comercialização dos séculos anteriores. De um lado, colocou em
circulação uma quantidade e variedade de mercadorias
manufaturadas nunca antes observadas. De outro, disponibilizou novos
materiais de construção - como o ferro fundido -, que permitiram a
5 SICCA, Paolo. História do urbanismo: el siglo XIX. Madrid, Estudio de Administracion Local, 1981. p.
1035.
6 GEIST, Johann Friedrich. Arcades: the history of a building type. Cambridge, The MIT Press, 1975,

p.13.

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composição de espaços de compra mais amplos. Além disso, a


população urbana européia no século XIX, sofreu um acréscimo
acentuado, motivado, entre outras coisas, pela mecanização da
agricultura e pela demanda por mão de obra nas fábricas7.
Simultaneamente, verificou-se uma ampliação do mercado de
consumo, ao qual se integram trabalhadores, que embora em sua
maioria vivessem em condições miseráveis, podiam receber seus
salários em dinheiro. A combinação do avanço industrial com o
aumento da aglomeração urbana, segundo Richard Sennett, fez com
que o comércio se tornasse uma atividade altamente lucrativa, pois
havia cada vez mais mercadorias disponíveis, bem como cada vez
mais pessoas aptas a comprá-las8.

Daniels salienta que, no século XIX, o aumento na produção de


mercadorias associa-se à necessidade de desenvolvimento dos meios
de transporte para o seu deslocamento, tanto intra-urbano quanto
interurbano, buscando garantir maior agilidade nos fluxos. Esses novos
métodos de deslocamento permitiram vantagens de acessibilidade a
várias zonas urbanas e estimularam a segregação social e a divisão
funcional dos usos do solo” 9. Por outro lado, o constante avanço
tecnológico e econômico possibilitou a criação de extensa malha
ferroviária que responderia à demanda pelo transporte de
mercadorias e, também, de pessoas. A França, na segunda metade

7 Paris, por exemplo, vê sua população aumentar de cerca de 500 mil, em 1801, para 2,5 milhões
de habitantes em 1896. Londres, por sua vez, no mesmo período, tem sua população aumentada
de 900 mil para 4,2 milhões. (SENNETT, Richard 1998: 167).
8 SENNETT, Richard. O declínio do homem público. As tiranias da intimidade. São Paulo, Cia. das

Letras, 1998, p. 168.


9 DANIELS, P. W. e WARNE, A. M. Movimiento en ciudads – transporte y trafego urbanos. Nuevo

Urbanismo, n. 37, 1983, p.25.

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do século XIX, vê sua malha ferroviária saltar, em pouco tempo, de


3500, para 9000 quilômetros de extensão10.

Se por um lado a Revolução Industrial iniciada na Inglaterra, foi


responsável pelo avanço da industrialização no continente europeu,
com impactos significativos na estrutura urbana, nos modos de
produção e comercialização de mercadorias, por outro, a Revolução
Francesa em 1789, através de uma burguesia triunfante, contribuiu
para uma mudança nos modos de vida, consubstanciada pelo
surgimento da indústria de mercadorias de luxo e dos ateliers da alta
costura. O clima surgido com a Revolução era supostamente liberal,
principalmente após a edição da lei de 17 de março de 1791, que
reconhecia a todas as pessoas o direito de “faire tel negoce ou
d’exercer telle profession, art ou mètier quélle trouvera bom”11. Assim
foram lançados os fundamentos do exercício da atividade econômica
dentro do quadro do liberalismo: a liberdade de instalação e a livre
concorrência12.

Neste quadro, surgiu em Paris, o Grand Palais, o primeiro


equipamento voltado para o comércio e o lazer isolado do intenso
fluxo das ruas. Tratava-se de um equipamento de uso público,
controlado por um investidor privado. Edificado pelo Duc d’Orléans, o
Grand Palais foi descrito por Balzac como um mundo auto suficiente
com suas galerias sem fim, pátios, jardins, cafés, teatros e
apartamentos. Em seus espaços, conviviam pessoas de todas as
classes sociais, embora nem todos pudessem efetuar compras nas
10 BOUILLON, J. et. al. 1848 –1914. Paris, Bordas, 1978, p. 154. Citado por: TRAMONTANO, M. Novos
Modos de Vida, Novos Espaços de Morar: Uma reflexão sobre a habitação contemporânea. Tese
de Doutorado. São Paulo, FAU-USP, 1998, p. 69.
11 VARGAS, Heliana Comin. Comércio: Localização estratégica ou estratégia da localização?

Tese de Doutorado. São Paulo, FAU-USP, 1992. P. 207.


12 Id.

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luxuosas lojas ali existentes13. Posteriormente, a magnificência dos


ambientes do Grand Palais e seu modelo inovador iria inspirar
tipologias como as galerias e o Grand Magasin. Se de um lado, novos
espaços de comércio surgiam, de outro, inovações importantes foram
introduzidas nos mercados públicos.

Sem dúvida, foi o uso do ferro como material de construção,


que proporcionou as maiores mudanças no padrão construtivo dos
mercados públicos no século XIX. A emergência da grande indústria,
favoreceu a criação de elementos de ferro pré-fabricados para a
construção civil, os quais foram mobilizados na edificação de
mercados mais limpos, ventilados e iluminados. O uso do ferro pareceu
ideal para suprir essas demandas, pois propiciava espaços mais
amplos, com grandes vãos. Tais vãos podiam ser amplamente
ventilados e iluminados pelos vidros e venezianas, elementos cujo uso
também estava em ascensão.

O mais notável exemplo de mercado em ferro, foi o mercado


de Les Halles, em Paris. Construído sob o império de Napoleão III, e sob
a égide do “embelezamento estratégico” de Haussman, Les Halles foi
erguido tendo em vista a construção de uma imagem moderna de
cidade idealizada pelo Imperador francês e, rapidamente, se impôs
como um gosto em moda. O mercado serviu como modelo para
edifícios em diferentes países. Seu projeto em módulos tornava a
adaptação de seu sistema construtivo possível às mais variadas
necessidades e escalas. Sua construção foi curiosa. Encarregado por
Haussman do projeto de um novo mercado para Paris, o arquiteto

13 GEIST, Johann Friedrich. Op. Cit., p. 62.

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Victor Baltard - descrito por Michel Ragon14 como um restaurador de


igrejas católicas e membro do movimento antimoderno liderado por
Ingres – não hesitou em fazer à sua maneira, ou seja, em alvenaria de
pedra. “O primeiro pavilhão construído era tão pesado, que logo
passou a ser conhecido como Fort de la Halle e Napoleão III, vendo-o,
não hesitou em ordenar sua demolição imediata”15. Em seguida,
Baltard teve nova chance de se reabilitar perante o Imperador, mas
desta vez, com ordens do próprio para que o mercado fosse
construído em ferro e vidro.

O projeto consistia de 14 pavilhões, interligados por ruas


cobertas por arcos de meio ponto. Cada pavilhão era destinado a um
tipo de produto diverso, principalmente gêneros alimentícios. Houve
um cuidado especial com a ventilação do recinto, liberando-se o ar
quente por meio de lanternins existentes nos pavilhões e nas ruas
cobertas. Embora se propagandeasse a eficiência do ferro, sua
construção percorreu longos anos até estar completa: se iniciou em
1853 e foi inaugurada parcialmente em 1858. Até 1870, apenas dez
pavilhões estavam completos. Pevsner afirma que tal tipologia se
derivou principalmente das exposições da indústria, citando como
exemplos o Palácio de Cristal londrino, de Joseph Paxton, de 1850, o
projeto de Hector Horeau para a exposição de Paris, de 1849 e o
mercado de peixe projetado por Charles Fowler em 1835, constituído
apenas por uma curiosa cobertura em forma de maripousa e aberto
por todos os lados16.

14 RAGON, Michel. Citado por SILVA, Geraldo Gomes. Arquitetura do ferro no Brasil, São Paulo,
Nobel, 1986. p. 37.
15 SILVA, Geraldo Gomes. op. cit., p. 37.
16 PEVSNER, Nikolaus. op. cit., p. 290.

17 Citados por PEVSNER, Nikolaus. Op. Cit., p. 292.

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3. O mercado
Halles, em Pa
Fonte: Pevsn

Pevsner descreve o furor


provocado pelo Les Halles: “Uns trinta
anos mais tarde , Huysmans chamou
Les Halles de uma das glórias da
moderna Paris. Zola era da mesma 4. Vista inter
mercado de L
opinião, alegando que o futuro, se Fonte: Pevsn

embasa em cristal e ferro. Claude


Lantier vai ainda mais
longe: “... o ferro acabará com a pedra, está próximo o momento,
sendo Les Halles, com a sua elegância e sua potência de motor
mecânico, um revelação do século XX”17.

Surgidas na década de 1830, as passages francesas e as


arcades inglesas, situavam-se entre as novas formas de
comercialização de produtos oriundas do capitalismo industrial. A
grande vantagem desses novos aparatos - os quais eram constituídos
principalmente por sequências de lojas, cobertas por galerias de vidro
- , era sua capacidade de proteção contra as intempéries. As galerias

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foram cenário das primeiras iluminações a gás, que permitiam seu


funcionamento durante à noite. Rapidamente, algumas se tornaram
ponto de encontro da sociedade burguesa, onde se poderia comprar
com “estilo”18.

Walter Benjamin em sua leitura sobre Paris no século XIX , vincula


o sucesso das galerias ao incremento do setor têxtil e as coloca como
precursoras das grandes casas comerciais. “As galerias são centros
comerciais de mercadorias de luxo. Em sua decoração , a arte põem-
se a serviço do comerciante. Os contemporâneos não se cansam de
admirá-las”19. Cita um Guia Ilustrado de Paris acrescentando: “Estas
galerias são uma nova invenção do luxo industrial, são vias cobertas
por vidro e com piso de mármore, passando por blocos de prédios,
cujos proprietários se reuniram para tais especulações. Dos dois lados
dessa rua, cuja iluminação vem do alto, exibem-se as lojas mais
elegantes, de modo tal que cada uma dessas passagens é uma
cidade em miniatura, até mesmo um mundo em miniatura”20. E esse
mundo em miniatura, também apareceu em outras cidades da
Europa e nos EUA. Na Itália, o exemplo mais notável foi a Galeria
Vittorio Emanuelle II, em Milão. Construída em 1865, era composta por
duas “ruas” perpendiculares que se cruzam, tendo ao centro, uma
grande cúpula de vidro. Segundo Pevsner, sua construção formal
lembra o cinquecento na Lombardia. Seus caminhos acomodavam

18 BENJAMIN, Walter. Paris, Capital do Século XIX. in: KOTHE, Flávio R. (org.) Sociologia. São Paulo,
Ática, 1962, p. 34.
19 Id.

20 Citado por BENJAMIN, Walter. Op. Cit., p. 31.

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“carros” e pedestres, mas os primeiros só podiam circular depois das


nove da noite21.

Em Cleveland, nos EUA,


havia uma tipologia diferente de
galeria. Inaugurada em 1890,
possuía 5 andares com
corredores cuja estrutura
metálica se projetava sobre a 5. A galeria V
Emanuelle II, em
passagem. Tais corredores eram Fonte: Compan
Italiana de Turi
acessíveis através de uma
escadaria monumental situada
no centro do passeio.

Os EUA assistiram ainda


no século XIX, à implantação de
muitas galerias. Em Paris, havia
em 1880, cerca de 80 centros
comerciais em forma de galeria,
alguns dos quais ofereciam 6. Galeria Pro
em Cleveland.
atividades como cafés, Fonte: Pevsner,
restaurantes e antiquários22.
Em Londres, entre os diversos estabelecimentos desse tipo, destaca-se
um projeto inovador. Tratava-se de uma galeria interligada a linhas de
trem, chamada Passeio de Cristal, cujo desenho foi desenvolvido por
Willian Moseley. O projeto previa uma galeria de dois andares, com o
pavimento inferior destinado às linhas de trem e o superior - coberto
por arcos envidraçados - aos pedestres e às lojas. Tal projeto parece

21 PEVSNER, Nikolaus. op. cit., p.290.


22 SICCA, Paolo. Op. Cit., p. 1035.

22
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ter nascido de uma reflexão do autor sobre a importância que os


transportes passaram a ter, à partir das décadas finais do século XIX,
para a atividade comercial. Uma rede de transportes, onde milhares
de passageiros circulariam diariamente, se configuraria como um
ótimo local para exibição e venda de mercadorias. A idéia de
Moseley, considerava a importância que o tempo tomaria na vida das
pessoas, antecipando demandas que se acentuaram somente no
desenrolar do século XX.

Ainda no século XIX, “o aumento


em número e diversidade de produtos
exigia maior concentração do
comércio, que passou a ocupar as
áreas centrais da cidade, dividindo seu
espaço com entidades representativas
e governamentais. Por outro lado, o
público consumidor também se
modificou na medida em que deixou
derepresentar uma clientela estável,
típica do comércio pré-industrial,
ganhando características heterogênias
eio de Cristal, de
Willian Moseley. flutuantes. Nasceu daí a necessidade
: Pevsner, 1979.
de publicidade e exposição dos
produtos em vitrines”23. Estas últimas
haveriam de se tornar um dos componentes arquitetônicos básicos de
grandes e luxuosas lojas que se expandiram a partir do século XIX.

23MASANO, Francisco Tadeu. Shopping centers: aspectos físico-territoriais e socio-negociais em


São Paulo. Tese de Doutorado. São Paulo, FAU-USP, 1993, p. 21.

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O grand magasin, surgido em Paris ainda no século XIX, foi


considerado o mais completo aparato comercial daquele século,
posteriormente se difundindo em outros centros como a Bélgica, a
Inglaterra e os EUA, onde passou a ser chamado de “Departament
Store”. O embrião do grand magasin, foi um equipamento
denominado magasin de noveauté, que surgiu em Paris já na segunda
década do século XIX. Tais equipamentos se destacavam por vincular
a manufatura de produtos de consumo em grande escala a uma
organização empresarial concentrada. La Belle Jardiniere em Paris, foi
um dos primeiros equipamentos desse tipo, inaugurado em 1824.
Apesar do sucesso imediato desses aparatos, seus edifícios ainda eram
adaptados e não possuíam as dimensões e equipamentos que
surgiriam pouco tempo depois no grand magasin.

Para Hillberseimer, o
grand magasin requeria a
maior iluminação possível
nos espaços de venda e
trabalho, a possibilidade de
poder trocar
constantemente sua forma e
8. La Belle Jardin
dimensão, além de uma o magasin de
noveauté de Paris
circulação sem entraves e Fonte: Pevsner, 1
um máximo aproveitamento
da área construída.

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a emergência e expansão dos shopping centers

A organização desses requisitos, gerou um tipo de construção onde as


habituais paredes portantes se viram reduzidas a pilares e o edifício de
muro de cargas perimetrais a um esqueleto portante 24.

Pevsner classifica o grand


magasin, como uma grande loja,
formada por múltiplas seções, onde se
vende de tudo, “desde uma agulha
até um elefante”25. O primeiro
equipamento deste porte, foi o Bon
Marché, inaugurado em 1852 em Paris.
O estabelecimento, ocupava um
enorme edifício de 3 pavimentos, feito
exclusivamente para ele, e que
ostentava uma estrutura de ferro,
escondida por pesadas colunas de
9. O Bom Marché,
em Paris. pedra. A loja apresentava algumas
Fonte: Pevsner,
1979. novidades que logo caíram no gosto
do consumidor, como o preço exposto
e a possibilidade de troca das
mercadorias.

Richard Sennet escreve que: “Num mercado onde os preços do


varejo flutuam, vendedores e compradores fazem todo o tipo de
encenação para aumentarem ou diminuírem os preços.(...) Nas feiras
de alimentos parisienses do século XVIII, poder-se-ia perder horas
fazendo manobras para baixar o preço de uma fatia de bife em

24 HILLBERSEIMER, Ludwig. La arquitectura de la grand ciudad. Barcelona, Gustavo Gilli, 1999, p. 58.
25 PEVSNER, Nikolaus. op. cit., p.319.

25
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alguns centavos” 26. Essa barganha requeria uma arte de negociação,


além de uma certa disponibilidade de tempo. Entretanto, não fazer
parte deste jogo significava perder dinheiro na hora das compras. O
preço exposto junto ao produto desmontou esse jogo e habilitou muita
gente que se sentia constrangida em ir às compras por não ter
habilidade de negociação. Por outro lado, nas grandes casas
comerciais, como fazer com que um funcionário exercesse o papel de
negociador atribuído ao dono? O sistema de preço afixado acabava
também com esse problema, pois tornava desnecessária a presença
do comerciante nas negociações e ampliava bastante o número de
clientes atendidos. Além disso, o sistema de preço exposto e pré-
determinado ainda tinha a vantagem de oferecer uma compra mais
rápida, dispensando demoradas negociações.

O famoso magazine
Printemps, abriu suas portas algum
tempo depois do Bon Marché,
ganhando fama pelo seu ambiente
sofisticado. Nesse período, em Paris,
os grand magasins difundiram-se,
conciliando uma estética eclética
com uma estrutura moderna,
propiciada pelo uso do ferro e do
concreto armado. A ambientação
variava de acordo com os estilos
históricos, afinal a tecnologia assim o
permitia e o ferro ainda era
10. O Magasin P
considerado um material “mais em Paris.
Fonte: Pevsner, 1

26 SENNET, Richard. O Declínio do homem público. São Paulo, Companhia das letras, 1998. p.180.

26
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a emergência e expansão dos shopping centers

adequado à indústria, com seu ar


um tanto despojado 27.

Mas houve aqueles que ousaram,


como Adolf Loos em seu projeto para a
casa comercial Goldman & Salatch em
Viena, com suas grelhas de concreto,
despojadas de outros ornamentos. Erich
A casa comercial Mendelsohn também projetou uma
man & Salatch, de
Aldof Loos. casa comercial, as lojas Schocken, em
: Frampton, 1997.
Nuremberg, dotada de volumes
prismáticos e de um tratamento formal
inovador. Tanto interiores, quanto
exteriores eram despojados de
ornamentos, o que a diferenciava dos
rebuscados interiores dos magazines
franceses. Hillberseimer em sua leitura
dos projetos de diversos magazines,
Magazine Shocken
ich Mendelson, em colocou como ponto em comum, a
Nuremberg.
nte: Hillberseimer, ordenação horizontal dos elementos
1999.
arquitetônicos, reconhecendo,
entretanto, particularidades na
concepção romântica dos magazines
franceses 28.
Nos EUA, a idéia do grand magasin foi aprimorada com a
combinação de técnicas comeriais – especialização por setores,

27 HILLBERSEIMER, Ludwig. Op. Cit., p.56.

27
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oferta de serviços variados e publicidade – que transformaram os


grandes armazéns nas Departament Store 29.

Apesar de eliminarem a possibilidade de um atendimento mais


personalizado, as lojas de departamento introduziram técnicas de
venda que obtiveram grande aceitação entre os consumidores. O
grande trunfo das lojas de departamento foi perceber o novo papel
da mulher na sociedade, e preparar seus estabelecimentos a recebê-
las. Como esclarece Fieden: “Departament stores prospered by
recognizing the changing place of women in society. By the mid-
nineteenth century women were takinging greater responsability for
managing family budgets and deciding on mayors purchases.
Departament store owners treated women as their major costumers
and tried to make them confortable. They kept their stores clean,
orderly, and hospitable. They offered special services designed for
women, such as lounges, restaurants, reading and writing roons,
nurseries, and even club rooms. And they hired women for most sale
jobs.”30

As lojas de departamento também tiveram sucesso na busca


por associar os hábitos de compra a divertimento e magnificência.
Seus edifícios eram ricamente ornamentados, com ênfase na higiene,
na iluminação e na exposição de grande quantidade de produtos
que as fazia parecer uma exposição, onde tudo estava à venda.
Tiveram êxito também na tentativa de captar as demandas de uma
classe média ascendente, ansiosa em assmilar o gosto das elites.
Como escreve Frieden: “For people just climbing into the midle class,

29MASANO, Tadeu Francisco. Op. Cit., p. 23.


30FRIEDEN, Bernard & SAGALYN, Lyne. Down Town inc. How America rebuilds cities. Cambridge,
The MIT. Press, 1992, p. 235.

28
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shopping was a problem. Clothing and home furnishing were important


for status , yet it was hard to know what to buy”31.

Outra mudança trazida por estes equipamentos nas técnicas de


comercialização de produtos foi a especialização por setores e o
preço previamente estabelecido. O cliente escolhia o produto na
seção especializada, onde o preço ficava claramente exposto; em
seguida
recebia a nota do vendedor e passava no caixa para pagar; de posse
da nota, o vendedor entregava a mercadoria. Com a expansão
destes empreendimentos e a consequente concorrência entre eles, se
intensificaram os artifícios de atração do consumidor. A loja A. T.
Stewart de Nova York, por exemplo, entretinha seus fregueses com a
música de um órgão e shows de moda. A Marshall Field, de Chicago,
construiu uma enorme árvore de natal em seus interiores. A Jordan
Marsh, de Boston,
montou uma grande máquina
de vento em uma plataforma
com um tanque aquático,
para demonstrações de seus
barcos à vela. Esses
estabelecimentos se tornaram
grandes empregadores. A
Macy’s, em Nova York,
empregava 3.000 pessoas, a
Jordan Marsh, em Boston, era o
quarto maior empregador do
as Marshall Field,
em Chicago. estado, a Marshall Field em
nte: Hillberseimer,
1999.

31 Id.

29
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Shopping center: gênese e consolidação

Chicago, contava com 8.000


funcionários 32.

1.2 Os novos equipamentos comerciais:


Supermercados e Shopping Centers

No início do século XX, o centro das grandes cidades era um


grande complexo comercial, onde floresciam as lojas de
departamento, de especialidades, restaurantes e locais de
entretenimento. Ao longo deste século, entretanto, muitas cidades
haveriam de assistir a uma descentralização comercial, que envolveu
inclusive a migração de lojas voltadas às elites da área. Tal migração
inseriu-se em um processo de eleição dos subúrbios como áreas
preferenciais de moradia, inclusive pela população de renda mais
alta, havendo se mostrado particularmente profundo em países como
os Estados Unidos e o Brasil. O centro da cidade tal como se
configurava no início do século XX concentrava equipamentos
comerciais e de serviços e, além disso, estava investido de um forte
caráter simbólico. A partir do século XIX, com a configuração da rua
comercial como local de encontro e footing, o centro da cidade

32 Id., p. 236.

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a emergência e expansão dos shopping centers

abrigou novas formas de sociabilidade. Era local de fácil


acessibilidade, configurado pela confluência de transportes coletivos
e individuais.

Durante o século XX, essa confluência de veículos em direção


ao centro gerou graves problemas, pois na maioria dos casos, a
estrutura viária não estava preparada para o grande número de
automóveis e atividades simultâneas oriundas das operações de
carga e descarga de mercadorias, estacionamento e circulação de
pedestres e carros. Simultaneamente, espaços alternativos foram
buscados por lojistas e prestadores de serviço. Entre esses espaços
estão os eixos principais de ligação bairro-centro, que se converteram
progressivamente em corredores comerciais. Esses corredores
comerciais muitas vezes eram constituídos por atividades comerciais
que se agrupavam por setor, aumentando seu poder de atração de
consumidores. Entretanto, também foram afetados por problemas
advindos da circulação simultânea de carros e pedestres. Alguns
arquitetos ligados ao Movimento Moderno criticaram duramente essa
disposição, entre os quais Le Corbusier que decretou o fim da “rua
corredor” e propôs um sistema viário que separasse pedestres e
automóveis e os diversos tipos de tráfego33.

O movimento de descentralização comercial foi favorecido


pelo processo simultâneo de expansão de subúrbios. Durante o século
XIX, a resistência de setores das elites ao ambiente das grandes
cidades se acentuou. Problemas sanitários, congestionamentos,
poluição e concentração de pobres, eram algumas das
características das grandes aglomerações, que levaram estes setores

33 LE CORBUSIER. Urbanismo. São Paulo, Martins Fontes, 1992.

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a concebê-las como ambientes desfavoráveis a uma existência


saudável. A busca de uma vida em maior contato com a natureza –
recomendada por vários médicos e celebrada em romances –
conduziria a um progressivo deslocamento da residência das elites das
áreas centrais das cidades para os subúrbios. Possuir renda suficiente
para fugir à cidade era marca de êxito, como salienta Lewis Munford:
“Muito antes que a cidade industrial houvesse tomado forma, a idéia
de se deixarem para trás as complexidades da civilização tinha se
tornado atraente...” 34.

O desenvolvimento suburbano foi correlato à difusão de novas


técnicas de produção e comercialização de mercadorias, novos
aparatos comerciais, bem como novas maneiras de consumo e
apropriação dos espaços públicos. No século XX, as mudanças
avançaram rapidamente. Primeiro veio a geladeira, onde podia-se
estocar comida, reduzindo a necessidade de idas diárias às
tradicionais feiras e mercados públicos. Depois o automóvel, que
permitiu transportar grandes volumes de compras por longas
distâncias. Com isso, ampliavam-se as possibilidades de escolha de
mercadorias. Não era mais necessário fazer as compras em locais
próximos de casa. Podia-se ir em busca de alternativas em locais mais
distantes. Por outro lado, havia uma crescente população habitando
os subúrbios, nos quais se criava uma grande demanda por
equipamentos comerciais. Havia ainda havia todo um sistema de vias
que ligavam os subúrbios às cidades, ao longo dos quais, abriram-se
diversos estabelecimentos voltados à população motorizada e a
usuários de transportes coletivos35. A difusão do comércio suburbano

MUNFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, desenvolvimento e perspectivas. São Paulo,
34

Martins Fontes, 1982, p. 615.

32
Arquitetura do comércio varejista em Ribeirão Preto
a emergência e expansão dos shopping centers

foi correlata à transformação do setor nas áreas centrais. Além da


concorrência com o emergente comércio suburbano, os centros de
cidade sofreram com o acúmulo de carros em suas vias, as quais
muitas vezes não estavam preparadas para o grande fluxo de
automóveis. Os congestionamentos limitavam a comodidade do
transporte ponto a ponto atribuída ao automóvel. Os centros
persistiam como lugares de compras e lazer da população, mas
dificilmente podiam suportar a grande massa de automóveis em suas -
muitas vezes estreitas e tortuosas - vias.

No segundo pós-guerra, algumas atividades e empregos


começaram a se deslocar dos centros tradicionais de muitas cidades
americanas36. Os comerciantes não demoraram a sentir a tendência
descentralizante e a demanda por vagas de estacionamento junto a
seus estabelecimentos. Muitas lojas de departamento, magazines e
outros estabelecimentos comerciais começaram a marcha em
direção ao subúrbio. Para elas, como mostram Frieden e Sagalyn, o
subúrbio propiciava ainda preço da terra mais barato, legislação de
uso do solo mais branda e opção de acesso rápido através das novas
rodovias.

Na Europa, o fenômeno de suburbanização foi bem mais


brando e tardio que nos Estados Unidos. Segundo Bruna, em alguns
países europeus, como a Inglaterra, a descentralização se inseriu em
um processo planejado que visava organizar a expansão urbana face
à reconstrução de cidades destruídas pela guerra37. Tal processo se

36 “In the top forty metropolitan areas central cities lost an average of 26.000 manufacturing jobs
between 1954 and 1963, and the central city share of manufacturing work slipped from two thirds
in the early 1950s to less than half by 1963”. (FRIEDEN, Bernard & SAGALYN, Lyne. Op. Cit., p.122).
37 BRUNA, Gilda Collet. A problemática do dimensionamento de áreas comerciais para uso no

planejamento territorial. Tese de Doutorado. São Paulo, FAU-USP, 1972.

33
C a p í t u l o 1
Shopping center: gênese e consolidação

diferenciara do ocorrido entre os americanos, onde a suburbanização


inseria-se em um contexto que envolvia, por um lado a demanda
habitacional de uma emergente classe média e por outro,
especuladores imobiliários ávidos por contemplar tais demandas.

A descentralização das atividades comerciais, foi correlata à


deterioração de antigos centros urbanos, principalmente nos Estados
Unidos. O declínio de centros tradicionais de muitas cidades
americanas revelou-se irreversível após o final da Segunda Guerra. Dal
Co associa esse declínio também à descentralização gerada pelos
esforços industrializantes do New Deal38. Nas décadas seguintes esta
tendência se acentuaria. Rybczynski assim descreve o centro de
Plattsburgh, sua terra natal, na década de 1980. “Não há lugares
vistosos ou elegantes, os letreiros das lojas parecem artesanais, as
vitrines não mudam, empoeiradas. Merkel´s é uma loja de
departamentos que descende de uma tabacaria inaugurada há mais
de um século por Isaac Merkel. A loja mal parece se aguentar em pé.
Uma lanchonete do outro lado da rua continua mudando de donos e
de cardápios, agora, se transformou em uma sorveteria, mas daqui a
um ano, quem sabe?”39. Neste movimento de descentralização,
muitas lojas de departamento localizadas em áreas centrais,
acabaram fechando suas portas e se transferindo para shopping
centers suburbanos40.

38 DAL CO et alii. La ciudad americana: De la Guerra civil al New Deal. Barcelona, Gustavo Gili,
1989.
39 RYBCZYNSKI, Witold. Vida nas cidades: expectativas urbanas no novo mundo. Rio de Janeiro,

Record,1996. p.179.
40 “Retail executives with stores in the largest cities saw the results and begun to act, opening

branches in the suburbs and cutting their downtown operation . wanamaker’s, a fixture on lower
Broadway for fifty years , close its downtown store in the mid-1950 to go to the suburbs. Sears
moved from New Haven into a suburban shopping center about the same time. By the early 1960s
departament stores across the country were closing their doors downtown” .(FRIEDEN & SAGALYN.
Op. Cit., p.121).

34
Arquitetura do comércio varejista em Ribeirão Preto
a emergência e expansão dos shopping centers

Na Europa, os centros de cidade tenderam a preservar seu


prestígio e a criação de centros periféricos tendeu a ser mais
controlada e regulada pelo Estado. Na Inglaterra, graças às ações do
Gretater London Council, desde 1969, a implantação de centros
comerciais periféricos ficou condicionada à aprovação por aquele
órgão, que vinculava a atividade varejista à política de planejamento
territorial. Estudos realizados por esse Conselho, concluíram que “a
ascenção do uso do automóvel na Grande Londres tornara os centros
localizados no “outer London” mais acessíveis, levando a um
desinteresse pelas áreas tradicionais, suscitando pressões para
modernização e renovação de alguns pontos focais de Londres”41. As
exigências impostas pelo Greater London Council dificultaram a
implantação de centros comerciais periféricos. Um exemplo nesse
sentido é o caso de um shopping center localizado no subúrbio
londrino de Brent Cross, que foi aberto em 1976, depois de quase dez
anos de discussões para a sua aprovação.

Na França, no segundo pós guerra, o impacto decorrente da


implantação de novos centros periféricos e da crescente motorização
da população, fez emergir a noção da necessidade de se planificar a
implantação de novos centros comerciais periféricos e de amenizar
seus impactos nos centros tradicionais. Vargas escreve que este
processo só conseguiu ser implementado na década de 1980, quando
conforme Johan Borchert “... a política do governo para o
desenvolvimento varejista em grande escala, enfatizava a
necessidade das autoridades locais serem criteriosas no fornecimento
de licenças para operações varejistas de grande porte. Estas

41 VARGAS, Heliana Comin. Op. Cit., p. 210.

35
C a p í t u l o 1
Shopping center: gênese e consolidação

permissões tinham caráter seletivo devendo limitar-se apenas às


mercadorias não desejáveis no interior das áreas mais densas”42.
Apesar dessa relativa descentralização comercial, os centros das
grandes cidades européias preservam um dinamismo funcional,
favorecido, entre outras coisas, pela atividade do turismo.

Os supermercados foram uma das primeiras tipologias


comerciais decorrentes do modo de vida e da descentralização
advinda do processo de suburbanização americanos. O modelo de
armazéns do tipo “self-service” que caracterizaram os supermercados,
surgiu antes do uso disseminado do carro particular e emergiu em
áreas centrais de cidade. Entretanto, tal modelo teve grande difusão
junto aos subúrbios. Trata-se de um modelo essencialmente suburbano,
pois necessita de grandes espaços, tanto para alojar todo o programa
em um só pavimento, quanto para acomodar os automóveis da
clientela motorizada. No centro, este modelo encontrou dificuldades
na terra cara e escassa.

No início do século XX, três fatores foram preponderantes para o


surgimento dos supermercados: as novas técnicas de comercialização
- desenvolvidas a partir das lojas de departamento e ampliadas nos
supermercados; a demanda crescente da população suburbana por
locais de compra facilmente acessíveis aos carros; e a crescente
industrialização – criando novos produtos e substituindo hábitos.

As técnicas de comercialização empregadas pelos


supermercados surgiram do aprimoramento das utilizadas pelas lojas

42 BORCHERT, Johan G. Planning for retail changing in the Netherlands. Built environment, v. 14, n.1,

22-37, 1988. Citado por: VARGAS, Heliana Comin. Op. Cit., p. 300.

36
Arquitetura do comércio varejista em Ribeirão Preto
a emergência e expansão dos shopping centers

de departamento, como preço pré-estabelecido, espaços de compra


limpos, bem iluminados e ordenados. Também surgiram novidades,
como o método de compras “self-service”, que reduzia custos
operacionais, propiciava a venda de mercadorias a um custo menor e
favorecia a venda de bens duráveis e não duráveis numa quantidade
sem precedentes.

Os supermercados adotaram uma tipologia que privilegiava o


isolamento em relação ao exterior, aos quais se ligavam, geralmente
por minúsculas portas de entrada. Fidela Frutos e Jaume Valor incluem
essa tipologia entre as que definem como “containers”, construções
amplas e dotadas de grande autonomia em relação ao exterior,
muitas vezes configuradas como “caixas”43. Nos seus interiores uma
paisagem autônoma emerge com espaços geralmente climatizados e
uso de iluminação artificial. Nesse ambiente, a atenção do consumidor
estaria submetida a técnicas de comercialização votadas para deter
o consumidor e estimular o consumo. Tais técnicas envolvem desde a
localização de artigos essenciais em locais distanciados - obrigando o
consumidor a circular pela loja - até artifícios psicológicos, como a
adoção de determinadas cores e números nas etiquetas de preço.
Como observam Fidela Frutos e Jaume Valor: “En la definición de los
estímulos que recibe el visitante hay pocos aspectos casuales. Se sabe
que el crepúsculo o una tormenta precipitan la salida de los
compradores, por ello, la luz artificial, por ejemplo, está pensada para
compensar las variaciones de la luz natural manteniendo nun nivel
constante. (...) Al mismo tiempo, la entrada obligada por lo extremo
derecho del patio de ventas y la distribuición de las estranerías están
pensadas para forzar un recorrido hacia la izquierda que obliga a

43 FRUTOS, Fidela & VALOR, Jaume. Contenedores. In: Revista Quaderns D´arquitecture y
urbanisme, n. 214, Barcelona, 1995, p. 157.

37
C a p í t u l o 1
Shopping center: gênese e consolidação

recorrer la totalidad del estabelecimiento. (...)En el campo visual, las


etiquetas escritas a mano dan la sensación de más barato que las
impresas y aumentan las ventas. Lo mismo sucede com las cifras
acabadas en cinco o siete y com el uso de determinadas colores (azul
celeste y rosa en higiene corporal y confitería, rojo y amarillo en
novedades)” 44.

Os supermercados também primam pela liberdade que


oferecem aos consumidores, que podem escolher livremente suas
mercadorias, sem a interferência de vendedores. Essa fantasia do
consumo sem restrições surge em fábula de Ítalo Calvino, onde o
protagonista passa uma tarde de domingo com a família dentro de
um supermercado, enchendo carrinhos de compras para em seguida
abandoná-las, uma vez que não dispõem de dinheiro45. Os
supermercados também se adequam às necessidades de uma
crescente população motorizada, que necessita de espaços de
compra rapidamente acessíveis aos carros. E essa comodidade é
ampliada devido ao amplo número de produtos à disposição do
cliente. A cada ano, novos produtos são introduzidas pela indústria e
os supermercados passaram a ser um local privilegiado para comprá-
los numa atmosfera de conforto.

Nos EUA, o supermercado Piggly Wiggly, que foi inaugurado em


Menphis em 1916, integrou a primeira rede de armazéns “self service”,
prestando-se de modelo para outros supermercados46. Entretanto, era
localizado numa área central, o que o diferenciava dos
supermercados fundados posteriormente em áreas suburbanas como

44 Id., p. 159.
45 CALVINO, Ítalo. Marcovaldo ou as estações na cidade. São Paulo, Cia das Letras, 1994.
46 RYBCZYNSKI, Witold. Op. Cit., p. 159.

38
Arquitetura do comércio varejista em Ribeirão Preto
a emergência e expansão dos shopping centers

o King Kullen, que abriu suas portas em Queens em 1930 e possuía


vasta área de estacionamento.

Com o sucesso alcançado,


os supermercados foram
ampliando seu rol de produtos.
Incluíram os eletrodomésticos, as
peças de vestuário, os utensílios
domésticos, entre outras coisas. 14. Vista interna do
supermercado Luky Stores, na
Nos EUA, por volta de 1940, muitos Califórnia, instalado no início
da década de 1950.
supermercados já haviam Fonte: Hierl, 1968.

diversificado bastante as
mercadorias vendidas,
constituindo-se em
hipermercados, que começavam
a competir com as lojas de
departamento47. Na Europa, o
primeiro hipermercado foi aberto 15. Vista externa de um
supermercado localizado em
na Bélgica, em 1961, e foi seguido Zurich, Suíça. Também no
início da década de 1950.
pelo Carrefour, inaugurado na Fonte: Hierl, 1968.
França, em 1963, e pelo
Westbridgeford na Inglaterra, em
196448.

Muitos supermercados e lojas de departamento haveriam de ser


absorvidos por estruturas comerciais maiores – os shopping centers – as
quais também recuperaram alguns de seus componentes espaciais.
47 PEGLER, Martin M. (org.) Market, Supermarket & Hypermarket Design. New York, Retail Reporting
Corporation, 1990, p.106.
48 JEFFERS, James B. Prospective commerciale en Léurope 1970-1980. Urbanisme, v. 108-109, p.84-

89, 1988.

39
C a p í t u l o 1
Shopping center: gênese e consolidação

Os supermercados e hipermercados integraram-se nestas estruturas


comerciais maiores, convertendo-se muitas vezes em suas “âncoras”49.
Nos shopping centers, algumas lojas de grande porte –
supermercados, lojas de departamento e magazines – vão conviver
com lojas e serviços mais especializados, com as quais estabelecem
uma relação de complementaridade ou concorrência limitada.

De acordo com Richard Nelson, o shopping center é um


estabelecimento típico do segundo pós guerra, caracterizado por um
edifício ou um conjunto bem coordenado de edifícios sob um único
dono ou controlador, contendo variado número de lojas, de forma
que se maximize o efeito atrativo do empreendimento como um todo.
Possui, na maioria das vezes, locação suburbana, fácil acesso –
normalmente são implantados junto aos eixos viários - e grande
número de vagas de estacionamento50.

Embora seja considerado um aparato típico das cidades


americanas do segundo pós guerra, o surgimento dos shopping
centers se confunde com a própria marcha em direção aos subúrbios,
iniciada ainda no século XIX. Em Pullman, um subúrbio de Chicago
edificado pela Pullman Palace Car Company em 1886, foi construído o
que pode ser considerado o precursor dos shopping centes. The
Arcade, como foi chamado, era constituído por diversas lojas,
ancoradas por equipamentos como teatro, livraria, sala de reuniões e

49 A palavra âncora é utilizada entre pesquisadores, planejadores e administradores de shopping

centers para designar lojas de grande poder de atração, as quais são elementos centrais na
composição dos espaços dos shopping centers. Normalmente, em um shopping center, o papel
da loja âncora é desempenhado pelas lojas de departamento e hipermercados. Todavia, na
década de 1990, emergiram outros tipos de âncoras: os equipamentos voltados ao lazer,
entretenimento e alimentação.
50 NELSON, Richard L. Op. Cit., p.174.

40
Arquitetura do comércio varejista em Ribeirão Preto
a emergência e expansão dos shopping centers

bancos, reunidos sob o mesmo edifício51. A diferença básica entre The


Arcade e seus sucessores é a ausência das enormes áreas de
estacionamento, características dos empreendimentos da “era
automobilística”.

Os primeiros shopping
centers - como passaram a ser
chamados no final da década
de 1940 - , tentavam incorporar
aspectos das ruas tradicionais
de comércio. Este é o caso de
Northgate, um shopping
construído nos arredores de 16. Esquema de
implantação de
Seattle. Seus corredores de Northland: “mall”
descoberto.
compra eram descobertos, Fonte: Hierl, 1968.
como numa rua tradicional. Era
facilmente acessível e possuía
quatro mil vagas de
estacionamento. Da mesma
época, podem ser citados
também o Mashpee
Commons, em Mashpee,
Massachusetts, e o Heights
17. Vista do “mall”
Plaza Shopping center em de Northland.
Fonte: Hierl, 1968.
Pitsburgh, Pennsylvania, ambos
com a mesma tipologia do
Northgate.

51LILLIBRIDGE, Robert M. Pullman: Town development in the era of eclecticism. In: Journal of the
society of architectural historians. v12, n3, 1953, p. 18.

41
C a p í t u l o 1
Shopping center: gênese e consolidação

Estes primeiros shopping centers procuravam imitar os centros


tradicionais de cidade, dispondo ruas descobertas como as dos
centros e vitrines abertas para essas ruas. Dispunham ainda, bancos,
jardins e fontes, como nas praças tradicionais. Como observaram
Baker e Funaro, um dos
fatores que levou a esse
modelo, pode ser visto na
desconfiança dos comerciantes
em relação à abertura de suas
vitrines voltadas para ambientes
fechados52. Todavia, a diferença
18. Masshpee Commons: entre esses shopping centers
exemplo de shopping
center com “mal” pioneiros e os centros
descoberto.
Fonte: Rathbun: 1990. tradicionais - além da
diversidade de mercadorias e
serviços, que continuava sendo
muito maior nestes últimos –
estava no fato das ruas de
19. Heights Plaza, outro compra dos shopping centers
exemplo de shopping
center com “mal” serem espaços reservados
aberto.
Fonte: Rathbun: 1990. somente ao pedestre.

Neste primeiro momento começou a se delinear a divisão dos


shopping centers em classes, de acordo com a localização e o poder
de atração do empreendimento. Uma das classificações possíveis, os
divide em três categorias: centros de vizinhança, centros comunitários
e centros regionais, conforme seu porte e área de influência. De

BAKER, Geoffrey & FUNARO. Shopping centers: design and operation. New York, Reinhold Publish
52

Corporation, 1963, p. 219

42
Arquitetura do comércio varejista em Ribeirão Preto
a emergência e expansão dos shopping centers

acordo com esse tipo de hierarquia funcional, era fixada a área e o


“mix” do empreendimento. Podiam ter 15 ha., no caso dos grandes
shopping centers regionais, ou entre 4 a 10 ha., no caso dos shoppings
de centro de bairros ou comunitários. Nos shopping centers criados no
período de 1940 a 1950, o “mix” era composto quase sempre por uma
única loja de departamento de pequeno porte, além de um
supermercado e pequenas lojas de artigos variados. Os
estacionamentos geralmente possuíam entre 1.000 e 3.000 vagas no
caso dos centros comunitários e até 10.000 no caso dos regionais53.
Apesar de serem implantados em locais de fácil acesso, tais centros
comerciais não tinham ainda adotado a prática de realizar estudos de
mercado que norteassem essa implantação.

Na década de 1950, houve significativo avanço no número de


shoppings centers instalados nos Estados Unidos, que saltou de 100 no
início da década, para 3700 dez anos depois54. Além da ampliação no
número de empreendimentos, os shoppings se tornavam cada vez
maiores. Possuíam, em média, duas grandes lojas de departamento e
imensos estacionamentos. Normalmente, o acesso até eles era feito
por auto-estradas55.

Em 1957, foi inaugurado o Shopping Center Southdale, em um


subúrbio de Minneapolis. Neste shopping center, Victor Gruen, autor
do projeto, optou por um modelo de shopping totalmente fechado e
climatizado artificialmente. O conforto propiciado pela possibilidade
de um espaço protegido das intempéries, se tornaria, dali por diante,

53 A análise da evolução dos shoppings centers nos EUA, foi baseada em BRUNA, Gilda Collet.

Setor comercial da grande São Paulo. São Paulo, FAU-USP, 1975.


54 GRUEN, Victor and SMITH, Larry. Shopping Towns USA: The planning of shopping centers. New

York, Reinhold, 1960, p. 123.


55 BRUNA, Gilda Collet. Op. Cit.

43
C a p í t u l o 1
Shopping center: gênese e consolidação

um dos trunfos principais destes equipamentos. Para Rybczynski, ” Os


shoppings fechados são agradáveis em qualquer lugar onde o clima
seja de verões quentes e úmidos e invernos rigorosos, ou onde chova
muito, daí os shoppings terem surgido tanto no frio Meio-Oeste e
Nordeste quanto no Sul e Sudoeste, no quente sul da Califórnia e no
chuvoso Nordeste – ou seja, em toda parte”56. Southdale se tornou um
modelo para os shopping centers edificados posteriormente.

Entre as décadas de 1960 a 1970, alguns shopping centers foram


classificados, como “centros periféricos regionais”. Tais centros
definem-se pelo grande poder de atração que exercem. Podiam
reunir prestadores de serviços como agências de bancos, imobiliárias e
consultórios médicos. Muitas vezes, incluíam um hipermercado. Eram
de grandes dimensões e dispunham de reservas de áreas para futuras
expansões. Suas lojas de departamento geralmente ocupavam em
média 50% de sua área total. Costumavam possuir estacionamentos
em diferentes níveis com circulação vertical para pedestre. Sua
localização era baseada em acurada análise de mercado, zonas de
atração, possibilidades de concorrência e existência de infra-estrutura.
Nessa época, se difunde também a prática de funcionamento
comercial durante as primeiras horas da noite 57.
A partir da década de 1980, os shoppings norte-americanos
ampliaram progressivamente seu tamanho. Ribczynski observa que
enquanto os shoppings das décadas de 1960 e 1970 tinham em média
150 mil metros quadrados, entre 1980 e 1990 eles extrapolaram todas
as previsões, chegando, como no caso do shopping center West

56 RYBCZYNSKI, Witold. Op. Cit., p. 188.


57 BRUNA, Gilda Collet. Op. Cit.

44
Arquitetura do comércio varejista em Ribeirão Preto
a emergência e expansão dos shopping centers

Edmonton . localizado em Alberta, no Canadá, a 1,5 milhão de metros


quadrados58.

Nesse período, as lojas de departamento continuaram


funcionando como “âncoras” de shopping centers, mas cederam
gradativamente espaço a outros tipos de “âncoras”, como
prestadores de serviços e aparatos de lazer e entretenimento, entre os
quais, academias de ginástica, escolas, bancos e centros médicos.

A concorrência entre os shoppings se acirrou após a década de


1980. Se anteriormente, para a implantação de um shopping center se
levava em conta a proximidade de outros shoppings e as
possibilidades de concorrência futura, nos anos 80 tais fatores
passaram a ser secundários. A localização estratégica cede lugar à
estratégia dos negócios59. Os shopping centers passam a se
especializar por setor e a oferecer aos consumidores, além de um
número grande produtos, uma grande variedade de serviços.

Com relação à forma, adotam forte apelo visual, sendo


ricamente ornamentados interna e às vezes, em casos mais recentes,
também externamente. Muitas vezes, se distribuem em vários níveis,
acessíveis por uma circulação vertical marcada por escadas rolantes
e elevadores panorâmicos. Utilizam intensivamente iluminação zenital,
frequentemente por meio de grandes cúpulas envidraçadas.
Koolhaas, referindo-se a Atlanta interpreta esta recriação do atrium
como uma invenção pós-moderna60. Entretanto, em galerias do século

58 RYBCZYNSKI, Witold. Op. Cit., p. 188.


59 Sobre o assunto ver: VARGAS, Heliana Comin. Comercio: localização estratégica ou estratégia
da localização. Tese de doutorado. São Paulo, FAU-USP, 1992.
60 KOOLHAAS, Rem. Atlanta. in: KOOLHAAS, Rem & MAU, Bruce. S,M,L,XL, Small, Medium, Large,

Extra-Large. New York, Monacelli Press, 1995. pp: 1239-1264.

45
C a p í t u l o 1
Shopping center: gênese e consolidação

XIX, como a galeria Victório Emanuelle em Milão, o atrium foi


amplamente utilizado. Os shoppings da década de 1990 se apropriam
de marcos visuais urbanos como fontes, chafarizes, bancos de praça e
vendedores de pipoca. A relação com o entorno, entretanto,
continuou limitada nos anos 90, embora os “containers” definidos por
cegas empenas venham a ceder lugar, em muitos projetos, a peles de
vidro. Nestes casos, a transparência visual, está longe de significar uma
fluidez entre interior e exterior.

Nesta década se intensificaram as reformas e ampliações nos


shopping centers americanos que haviam se implantado nas décadas
anteriores. Este é o caso do South Valley em Virginia, do Montgmery
Mall, em Alabama e do Miller Hill Mall em Indiana, entre muitos outros.
Difundiram-
se também os shopping centers
voltados às classes sociais mais baixas
como o Arsenal Shopping Center, em
Boston.

Uma outra tendência observada


à partir da década de 1980, foi a
implantação de shopping centers nos
centros de cidades e em áreas
urbanas previamente adensadas,
normalmente vinculados a projetos de
20. Praça central do
revitalização daquelas áreas. Este é o
Miller Hill Mall,
antes e depois da
caso do Rivercenter, localizado no
reforma de 1988.
Fonte: Rathbun,
centro de San Antonio, do New
1990.

46
Arquitetura do comércio varejista em Ribeirão Preto
a emergência e expansão dos shopping centers

Orleans Centre, em New Orleans e o


Arcade Shopps em Pitsburgh.

. À direita, Arcade
opps, localizado no
ntro de Pittsburgh.
te: Rathbun, 1990.

22. À esquerda,
Rivercenter:
plantação em meio
a área previamente
adensada.
Fonte: Rathbun,
1990.

Na Europa, os shopping centers tenderam a se proliferar nos


centros de cidade, principalmente devido às restrições impostas por
países como a França e a Inglaterra à implantação de centros
comerciais periféricos. Ao contrário do ocorrido nos EUA, onde na
maioria dos casos, a relação com o meio urbano é desprezada pelos
empreendedores, nos centros comerciais implantados em países
europeus, houve, com maior frequência, uma
preocupação com a inserção urbana
destes equipamentos. Um exemplo
desta preocupação foi a execução
do Forum de Les Halles, um complexo
comercial erguido no início da
década de 1980, no local onde antes
existira o antigo Mercado Municipal
de Paris. Sua implantação, revela o
extremo cuidado com seu denso
entorno. Ao contrário dos típicos
caixotes norte-americanos, o que se
23. Forum de Les
Halles: preocupação
com a inserção urbana.
Fonte: Ferré, 1993.

47
C a p í t u l o 1
Shopping center: gênese e consolidação

vê no local é uma praça, a partir da


qual se integra o edifício. As cotas de
nível utilizadas seguem quase sempre
abaixo do nível da rua, liberando a
vista da paisagem urbana. Outro
exemplo neste sentido é o shopping
center The Glades em Bromley, na
Inglaterra, cujo gabarito e a tipologia
arquitetônica empreendida se
integram ao entorno, constituído por
edifícios de tijolo à vista. Seu “mall”
de compras se integra a uma praça
previamente existente.

Uma outra tendência observada nos shopping centers europeus


é a busca na integração dos espaços de compra com estações de
tranportes coletivos. Um exemplo nesse sentido é o Euralille, em Lille, na
França, projetado pelo arquiteto Jean Nouvel. Seu edifício faz
conexão com duas importantes estações de transportes coletivos: a
Gare SNCF Lile-Flandres e a Gare TGV, Lile Europe. Seu programa inclui
além de equipamentos comerciais, edifícios de escritório, hotel e um
edifício do World Trade Center. Outro exemplo neste sentido, é o
Victoria Island, um centro comercial implantado dentro da estação
oitocentista Victoria Station, no setor oeste de Londres.

A proliferação de shopping
centers por várias partes do mundo
culminou, na metade década de
1990, com a discussão sobre a

48
25. Euralille: projeto de
Jean Nouvel.
Fonte: Muto, 1994.
Arquitetura do comércio varejista em Ribeirão Preto
a emergência e expansão dos shopping centers

artificialidade dos interiores destes


equipamentos e a repetição das
mesmas formas e padrões de
acabamento que contribuíam, de
uma certa forma, para o
esgotamento do modelo até então
empregado.

ia Island: centro
as implantado no
uma estação de
rem em Londres.
nte: Muto, 1994.

O jornal Financial Times, vinculou o declínio de vários shopping centers


norte-americanos ao “cansaço” do público em relação aos ambientes
artificiais e à mesmice dos shopping centers naquele país61. Alguns
críticos como Michael Sorkin, alertavam para a artificialidade do modo
de vida que consagrava os shopping centers e o subúrbio62. A resposta
à essas críticas e ao que parecia indicar uma saturação do modelo de
shopping centers, surgiu em alguns projetos recentes de shopping
centers, os quais têm buscado novos modelos espaciais.

61GRIFFITH, Victoria. Americanos abandonam Shoppings. Gazeta Mercantil, 3/11/1999, p. 2.


62SORKIN, Michael. Variations on a park theme. The american city and the public space. New
York, Noonday Press, 1992.

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Shopping center: gênese e consolidação

Este é o caso do britânico Bluwater Park, um shopping center


construído no final da década de 1990 junto a Londres, reunindo 320
lojas, creche com capacidade para 200 crianças, restaurantes, bares,
cinemas, capela, posto policial, jardins externos com lago e 13 mil
vagas de estacionamento. Quando inaugurado era o maior shopping
center da Europa. Uma inovação do empreendimento é o empenho
em buscar superar a imagem do shopping como espaço fechado e
artificial, simulando luz e ventilação naturais, através de mecanismo
eletrônicos que filtram e transformam a luminosidade externa e de
ventiladores gigantes instalados no teto. No mesmo sentido, algumas
áreas são dotadas de grandes superfícies envidraçadas, pelas quais se
vislumbra árvores e lago. “Estes recursos são coerentes com a
crescente valorização do ambiente natural pelos consumidores. Os
limites desta nova relação com o exterior são restritos, mantendo-se o
esquema básico de lojas dispostas em “ruas” fechadas e climatizadas
artificialmente”63.

Embora os shoppings centers tenham adotado recursos


projetuais visando superar sua imagem de ambientes fechados e
artificiais, a negação do meio urbano persiste como uma das
características básicas destes equipamentos. “Atores sociais
indesejáveis como marreteiros, mendigos, trombadinhas, prostitutas,
travestis, gangs rebeldes, loucos e mesmo tipos exóticos são banidos
através de um rígido esquema de segurança” 64. Neste movimento,
toda a complexidade do espaço público é desfeita, substituída por
um simulacro de cidade, inteiramente pensado para favorecer a

63 CORREIA, Telma de Barros. A intensificação do consumo e o ambiente urbano. A construção e


o desmonte de modernos centros comerciais. São Carlos, EESC-USP, 2000. P.12.
64 FRÚGOLI, Heitor Jr. Os shopping de São Paulo e a trama do urbano: um olhar antropológico. In:

PINTAUDI, S.M. & FRÚGOLI, HEITOR Jr. (org.). Shopping centers: espaço, cultura e modernidade nas
cidades brasileiras. São Paulo, UNESP, 1992, p. 74.

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Arquitetura do comércio varejista em Ribeirão Preto
a emergência e expansão dos shopping centers

atividade das compras. Condições de conforto e segurança atuam no


sentido de aumentar tempo de permanência do comprador no
interior e, em conseqüência, as vendas. A inexorável passagem do
tempo é mascarada: o fechamento e a luz artificial evitam que se
perceba mudanças no tempo externo - uma tempestade ou o
anoitecer - que podem apressar o término das compras. No seu interior
o tempo parece parar: os relógios de parede são abolidos e a luz e
temperatura são constantes.

Os shopping centers são espaços solidários com a embriagues


das compras, pensada como terapia - fonte de prazer e realização
pessoal - e como esporte - corrida e disputa pelas ofertas e pela posse
de novidades exclusivas. “Félix Guatarri mostra como os shopping
centers são empreendimentos condicionados pela busca de
segurança e de fabricação de subjetividades. Um dos traços
essenciais dessa subjetividade consiste, segundo o autor, na
infantilização do usuário pela idéia de proteção contra todos os
perigos e ameaças que o ambiente sugere. Outro componente
sugerido por Guatarri é o sentimento de grande diversidade, produzido
pela profusão de luzes, ação e movimento e pela impressão de se
estar vivendo intensamente. Um terceiro elemento é localizado em um
sentimento de onipotência, associado à infantilização, pela ilusão de
que tudo ali encontra-se ao alcance do comprado”65. Longe de
configurar-se como espaços públicos, suas “ruas”e “praças” são
modelos de espaços privados coletivos, onde seguranças atentos
interferem ao menor sinal de comportamento “desviante”, desde o
uso de uma máquina fotográfica a uma pequena concentração de
adolescentes. Heitor Frúgoli acrescenta: “Chegamos portanto à

65 CORREIA, Telma de Barros. Op. Cit., p.12.


77 FRÚGOLI, Heitor Jr. Op. Cit., p. 77.

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Shopping center: gênese e consolidação

interpretação de que simbolicamente, os shopping centers aspiram a


traduzir, num espaço fechado, a utopia que o capitalismo não realizou
para o conjunto da sociedade: uma cidade ideal, repleta apenas de
cidadãos consumidores, sem vestígio de pobreza e deterioração...”66.

Ribczynski argumenta que: “Os proprietários dos shoppings não


estavam muito interessados que grupos a favor ou contra o aborto
fizessem passeata em suas praças de alimentação, ou de ter seus
consumidores presenciando uma violenta discussão entre membros do
Ku Klux Klan e seus adversários (...) Por outro lado, se os grandes
shoppings queriam fazer parte da comunidade e atrair grande
parcela da população, era do interesse deles permitir a entrada do
maior número possível de pessoas, inclusive os diversos grupos de
comunidade “67.

Nos EUA, essa discussão está em pauta desde 1976, quando a


Suprema Corte decretou não haver direito de liberdade de expressão
nos shoppings, cedendo ao argumento dos proprietários de que
aqueles eram apenas espaços comerciais e, acima de tudo, privados.
Entretanto, nas décadas de 1980 e 1990, diversos tribunais começaram
a dar ganho de causa à associações como a União das Liberdades
Civis Americanas, que se opunham às restrições de uso das áreas
coletivas destes equipamentos. Cedendo parcialmente aos anseios
destes grupos, alguns shopping centers acabaram permitindo que
manifestações como panfletagens e campanhas políticas fossem
feitas em seus corredores, desde que não perturbassem a atividade
comercial. “À parte os aspectos legais, é pouco hábil da parte dos
investidores de shoppings argumentar que eles são apenas

67 RYBCZYNSKI, Witold. Op. Cit., p. 190.

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Arquitetura do comércio varejista em Ribeirão Preto
a emergência e expansão dos shopping centers

comerciantes. Eles são os construtores de novas cidades, e por isso


deveriam estar preparados para enfrentar o lado ruim – ou pelo
menos, desagradável – tanto quanto o bom” 68.

Entre as críticas feitas aos shopping centers, situam-se seus


impactos sobre os centros tradicionais das cidades. Com seu grande
poder de atração, os enormes shoppings centers periféricos, desviam
parte das atividades, dos usuários e dos investimentos das áreas
centrais, contribuindo para a deterioração destas. Esse efeito
devastador sobre os centros tradicionais, foi notado nos EUA entre as
décadas de 1960 e 1970, quando se iniciaram diversas tentativas de se
revitalizar tais áreas. As propostas normalmente se centraram na
implantação de calçadões, já que um dos problemas detectados
situava-se no automóvel, que roubava espaço ao pedestre e gerava
congestionamentos e acidentes. Nas críticas aos shopping centers,
“salienta-se seu papel na intensificação da dependência do homem
urbano em relação ao automóvel particular, com conseqüências
danosas à vida urbana em termos de poluição, de obstrução do
sistema viário e de acidentes. Enfatiza-se o aspecto segregador de seu
ambiente, do qual busca-se afastar os não consumidores através de
estratégias várias de intimidação, que incluem vigilância ostensiva aos
mal vestidos e desinteresse em ligar o equipamento a bairros populares
via transporte coletivo”69.

Diante destas críticas, pode-se estranhar o fato dos shoppings


terem se proliferado em todo o mundo. A força do modelo reside
basicamente no padrão de conforto que estabeleceu. Contrapondo-

68 Id.
69 CORREIA, Telma de Barros. Op. Cit., p.13.

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Shopping center: gênese e consolidação

se à noção do shopping como espaço que impõe restrições à


liberdade individual, Rybczinski defende a idéia de que “(...) o que
atrai as pessoas para o shopping é que eles são espaços públicos
onde a liberdade individual é respeitada. Em outras palavras, são
como eram as ruas antes que a indiferença da polícia e os
superzelosos defensores de direitos individuais permitissem que
qualquer comportamento, mesmo que anti-social, seja permitido. É isso
que os shoppings oferecem: um lugar (para a maioria das pessoas)
com um nível razoável de ordem ,com a garantia de que o
consumidor não será importunado por atos bizarros de
comportamento”70.

Número de shopping centers em alguns países do mundo em 2000.


PAÍS Número de Shopping centers
Estados Unidos 43.350
Brasil 200
Austrália 1.425
Canadá 4.520
França 674
Japão 2.480
Fontes: Estados Unidos e Canadá: International Council of Shopping Centers - www.icsc.org ; Brasil
e Austrália: Abrasce (Associação Brasileira de Shopping Centers) – www.abrasce.com.br ; França:
Conseil National des Centres Commerciaux – www.cncc.com ; Japão: Japan Council of Shopping
Centers – www.jcsc.com .

Embora polêmicos, os shopping centers são um inquestionável


sucesso comercial. Firmaram-se como referências espaciais de muitas
cidades. Introduziram e assimilaram alterações nas formas de consumo
e de uso do tempo livre de camadas da população. Tal sucesso,
associa-se ao dinamismo desses equipamentos em constantes

70
RYBCZYNSKI, Witold. Op. Cit., p. 191.

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Arquitetura do comércio varejista em Ribeirão Preto
a emergência e expansão dos shopping centers

mudanças, seja nas estratégias de mercado, ou na constante


renovação de seus ambientes.

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