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M. T.: O macaco amestra o pensamento para mover o cursor através do braço me-
cânico.
M. N.: Exatamente, é um aprendizado de pensar de acordo com os limites. Ele
c o n s e g u e ! N ã o só isso, as células do cérebro dele se modificam dinamicamente.
A sugestão que fizemos no trabalho é de que as células incorporam o robô, c o m o
se o braço mecânico fosse parte do self, fosse parte do corpo dele, do m a c a c o .
M. T.: O senhor diz que o ser humano integra a chave de fenda como se fosse
seu corpo.
Μ. Ν.: A c h a v e de fenda é a e x t e n s ã o da n o s s a m ã o . Q u a l q u e r u m a d e s s a s
ferramentas - o carro, por exemplo, é mais que um objeto inanimado; quando
você começa a dirigir o carro, ele se torna uma sua extensão. Pode-se argumentar:
t u d o b e m , e s s a é u m a t e o r i a do p o n t o de v i s t a p s i c o l ó g i c o , m a s q u a l é a
e v i d ê n c i a ? N ó s t e m o s a e v i d ê n c i a fisiológica. Q u a n d o n ó s , seres h u m a n o s ,
u s a m o s u m a ferramenta, temos a concepção teórica, abstraía do que aquilo é.
M a s para o macaco aquilo é algo que não faz sentido nenhum. M e s m o assim,
m o s t r a m o s que as propriedades funcionais, fisiológicas das células neuronais
m u d a m de acordo com as propriedades da ferramenta. Nós m e d i m o s o padrão
espaço-temporal da atividade desse circuito. Vou explicar: quando m o v o a mão
em diferentes direções, as células no córtex motor disparam, elas são direction-
tuned, disparam p r o p o r c i o n a l m e n t e à direção de m o v i m e n t o . H á células que
disparam mais antes do movimento em uma direção do que no movimento em
outra direção. Se você constrói uma curva onde coloca, num eixo, a direção do
m o v i m e n t o : zero grau, cinquenta, oitenta graus, e no outro eixo o n ú m e r o de
sinais elétricos produzidos, resulta uma curva bell shape, u m a curva normal. O
p i c o dela é n u m a certa d i r e ç ã o ; cada célula tem a sua, c h a m a d a de direção
preferencial. Esse pico está relacionado ao movimento da mão, porque a mão é
o que o animal aprendeu a usar. Quando você coloca o robô em vez da mão, o
direction-tune muda, para ficar de acordo com a direção do m o v i m e n t o do braço
mecânico. Mas se o joystick é reconectado, e o cursor volta a se mover com o
m o v i m e n t o da m ã o do macaco, aí aquela célula volta a funcionar de acordo com
a direção do movimento da mão. Ou seja, é como se você tivesse criado caminhos
dentro do cérebro, em cima da representação. Há um mapa do corpo no cérebro.
Ε c o m o se, em cima desse mapa, um outro mapa fosse criado: o das ferramentas
que usamos.
M. T.: Ε isso tem a ver com a sensação y em mutilados, de que o membro perdido
continua presente ?
M. N.: Chama-se síndrome do m e m b r o fantasma. A pessoa perdeu a perna, por
e x e m p l o ; a perna não está lá, mas a pessoa pode sentir durante anos a perna se
m e x e n d o , doendo. Minha explicação é a seguinte: existe um modelo dentro do
cérebro, desde que a gente nasceu, do que é o nosso corpo. Esse modelo está
sendo continuamente checado - sinais vêm do corpo o tempo inteiro, as células
da medula espinhal estão continuamente disparando a cada vez, por exemplo,
que a roupa roça no corpo. Pois bem, você perde a perna. O cérebro está dizendo:
tenho duas pernas, mas da periferia só vem sinal de uma. C o m o isso produz
u m a d i s c r e p â n c i a , o c é r e b r o gera a ilusão q u e a p e r n a está lá - o m e m b r o
fantasma é central, não é periférico. O entendimento dominante é que a falta do
m e m b r o resulta n u m a inflamação do nervo, que geraria uma estimulação peculiar
e então aconteceria a ilusão. Eu e várias outras pessoas acreditamos que essa
estimulação existe, mas é mínima; que o j o g o está sendo decidido aqui [aponta
o crânio], a ilusão do m e m b r o fantasma é criada aqui. U m a prova bonita disso
foi realizada na Califórnia. Um pesquisador reuniu várias pessoas sem braço. Pediu
a elas para colocar os dois braços n u m a caixa de papelão encoberto. Um j o g o
de espelhos refletia a imagem de um dos braços de tal maneira que, quando a
pessoa olhava para a caixa, via dois braços. O m e m b r o fantasma desaparece!
M o s t r a r visualmente para o cérebro dois braços faz a pessoa perder a ilusão.
Ou seja, foi uma demonstração elegante de que a coisa é no cérebro e não na
periferia.
M. T.: Esse modelo linear então fez a pesquisa do seu grupo andar mais depressa...
M. N.: Enquanto as pessoas estavam tentando desenhar um modelo complexo,
c o n s e g u i m o s m o n t a r esse m o d e l o q u e , além de eficiente do p o n t o de vista
computacional, é também maleável para o aprendizado do animal. O animal tentar
entender o modelo linear é muito mais simples do que tentar entender um modelo
não linear, simplesmente porque o grau de dificuldade aumenta.