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TRF-4 aprofunda a conquista do Estado pela Direita

JB, 30-01-2018 Marcus Ianoni

O esperado resultado do julgamento do recurso do ex-presidente Lula pelo TRF-4 não


deixou de ser um golpe de mestre da direita, mesmo que enraizado em golpe baixo, por
fortalecer, em um país dividido pela polarização política, a causa-mor do controle do
poder de Estado pela coalizão das oligarquias posicionadas estrategicamente nos Três
Poderes e na sociedade civil endinheirada. A confirmação da condenação do ex-
presidente, líder inconteste das pesquisas eleitorais, reduz a chance de sustentabilidade
jurídica de sua candidatura e, ainda mais, de sua eventual posse no posto presidencial.
A decisão do TRF-4 dá prosseguimento, em condições ainda mais favoráveis, ao
processo combinado de contrarreformas conservadoras, que reúne, por um lado, a
desconstrução, calculada sob medida, do que há de Direito e de Democracia na
superestrutura jurídico-política e, por outro lado, a construção da ponte para o Estado
mínimo.

A deposição de Dilma foi chamada por alguns de “golpe parlamentar”. Mas o STF
avalizou todo o encaminhamento do casuístico processo de impeachment, desde a
autorização pela Câmara até sua conclusão no Senado, abençoando essa decisão-
chave, de legalidade altamente controversa. O insuspeito ex-presidente da instância
máxima do poder judiciário, Joaquim Barbosa, assim se posicionou ao abordar o
impedimento: “É como se o país estivesse reatando com um passado na qual éramos
considerados uma República de Bananas”. A grande mídia, liberada pelas
Organizações Globo, e o mercado (grandes investidores) também apoiaram o
impedimento, bem como as elites do aparato repressivo (juízes, promotores, delegados
da Polícia Federal) e a maioria da classe média tradicional. Nesse sentido, o golpe
parlamentar inseriu-se em uma ofensiva de reconquista do Estado em condições mais
favoráveis para o conjunto dos socialmente privilegiados, por lhes propiciar os
recursos de poder necessários para redefinir o pacto de dominação à imagem e
semelhança de seus interesses de classe e frações de classe.

A ação política dos três desembargadores do TRF-4 no julgamento do recurso de Lula,


marcado por exemplar nível de organização, união corporativa (aumento unânime da
pena de 9 anos e meio para 12 anos e um mês) e espetacularização midiática, tem o
potencial de praticamente consumar a solução do maior problema que intranquilizava
a coalizão do golpe de Estado, liderada pelos financistas e rentistas: a presença de Lula
na eleição presidencial. Além disso, esse trunfo tende a operar como alavanca para
uma alternativa conservadora segura à sucessão presidencial, preferencialmente
posicionada na direita-do-centro, e não na extrema-direita.

Como tem sido praxe desde a deposição de Dilma, o mercado comemorou a derrota
recursal de Lula da mesma forma que tem comemorado todas as vitórias da direita
contra a esquerda, sejam elas no campo jurídico-político, na competição política ou
nas políticas públicas: valorizando as ações da bolsa e a moeda nacional, o real. Como
nunca antes na história recente do Brasil, as decisões do Estado encarnam o interesse
das oligarquias, a começar pela plutocracia, que abrem seu caminho de poder. A
histérica campanha contra a cleptocracia conduziu ao governo plutocrático, que extrai
a renda dos pobres, por diversas políticas, e a direciona aos ricos.

A tão cara segurança jurídica dos neoliberais se vê realizada por meio da


institucionalização de uma insegurança legal endereçada, acima de tudo, à esquerda,
mediante contorcionismos técnicos vergonhosos, conforme vários profissionais do
Direito, inclusive de outros países, têm apontado. Duas falsas cruzadas santas
sustentam a tragédia política. Uma e outra, a primeira falsa cruzada, a da austeridade
fiscal, e a segunda falsa cruzada, a da austeridade moral, profanam a legitimidade do
Estado, jogam-na pelos esgotos poluentes da sociedade burguesa. Recompõe-se o
equilíbrio entre a força e a legitimidade em benefício da primeira. O Estado torna-se
mais força que consenso, a não ser aquele contido na concertação oligárquica, como se
voltássemos à República Velha.

Não sendo recomendável à disciplina dos mercados o apelo à força especializada na


disciplina da guerra propriamente dita, ela expande seus tentáculos para o Direito,
para a guerra jurídica. O Estado se redefine enquanto conteúdo e forma para servir à
(des)ordem social ultracompetitiva, na qual não cabem o grito organizado contra as
injustiças, lideranças populares carismáticas e partidos de esquerda, sobretudo
quando esses dois últimos não são quimeras, têm CPF e CNPJ claramente
identificáveis, caso de Lula e do PT. A democracia desdemocratiza-se, vira uma
fantasia farsesca, um rei que não governa; e o Direito endurece seletivamente,
transformando-se a toga em uniforme da “força de vanguarda paramilitar” à
disposição para solucionar, em tribunais de exceção, conflitos políticos pululantes na
conjuntura histórica brasileira e, também, de outras nações da América Latina, desde
quando os desdobramentos da crise internacional de 2008 foram ensejando,
gradativamente, a ofensiva contra a Onda Rosa. Golpe branco e guerra jurídica são as
novas armas do velho autoritarismo.
Lula está condenado, mas sua candidatura ao pleito de outubro mantém-se como meio
de resistência. A opção pelo confronto prosseguirá com sua prisão ou prevalecerá uma
posição mais garantista, vista como menos arriscada à já precária estabilidade
política? Mas à oposição de esquerda não resta alternativa a não ser a reconstrução de
suas fileiras. Quem pode representar os pobres e excluídos senão a esquerda política?
Enquanto no Brexit e nos EUA de Trump o estorvo são os imigrantes, aqui quem
incomoda o carnaval do bloco dos privilegiados são os migrantes brasileiros,
retirantes, favelados, negros, aposentados etc. Quem demanda Estado de bem-estar
social estorva quem precisa de Estado mínimo.

Mas, enfim, qual o custo das duas cruzadas da austeridade? Há um país dividido,
perda abissal de legitimidade do Estado, avanço da desigualdade, uma economia fraca,
enfraquecimento da importância do Brasil na cena internacional e por aí vai. Aliás,
cabe um parêntese: fosse mesmo o Poder Judiciário realmente comprometido com a
moralidade pública, e não com seus privilégios de casta, cortaria a própria carne, ao
invés de pleitear a indecente Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), cujo
objetivo é exclusivamente ampliar suas regalias bilionárias de casta parasitária dos
cofres públicos. Arrematando, parece que a polarização veio para ficar, pois as elites e
a maioria da classe média tradicional, mas não o eleitorado, rejeitam sectariamente o
grande líder que, em passado recente, mais avançou na unificação da imensa nação
desigual. Vitória de Pirro!

* Marcus Ianoni é professor do Departamento de Ciência Política da Universidade


Federal Fluminense (UFF), pesquisador do INCT-PPED, realizou estágio de pós-
doutorado na Universidade de Oxford e estuda as relações entre Política e Economia

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