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Histórias de vida de professores

Histórias de vida de professores:


o caso da educação profissional

Suzana Burnier
Regina Mara Ribeiro Cruz
Marina Nunes Durães
Mônica Lana Paz
Adriana Netto Silva
Ivone Maria Mendes Silva
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais

Introdução também em escolas públicas (federais, estaduais e


municipais), e ainda em instituições filantrópicas, in-
Tendo como referência o pensamento de autores teressa-nos conhecer como e por que profissionais de
como Agnes Heller (1992), segundo quem o sujeito diversas áreas de formação técnica (engenheiros, ad-
é, simultaneamente, ser genérico e ser particular, pre- ministradores, economistas, contabilistas, químicos,
tendemos explorar as histórias de vida de professores
da educação profissional, tomando-os como seres
concretos, lançados em determinada cotidianeidade de Aprendizagem Comercial (SENAC) e educação profissional
ao nascer, cotidianeidade esta na qual o sujeito é, a para trabalhadores do setor de comércio e serviços; Serviço So-
um só tempo, produto e produtor. cial do Comércio (SESC), promoção da qualidade de vida dos
Investigamos, em pesquisa desenvolvida no Cen- trabalhadores do setor de comércio e serviços; Serviço Nacional
tro Federal de Educação Tecnológica de Minas Ge- de Aprendizagem Rural (SENAR) e educação profissional para
rais (CEFET-MG), os processos de construção das trabalhadores rurais; Serviço Nacional de Aprendizagem em Trans-
identidades profissionais de 20 professores da educa- portes (SENAT) e educação profissional para trabalhadores do setor
ção profissional, segmento pouco presente nos estu- de transportes; Serviço Social de Transportes (SEST) e promoção
dos acadêmicos até então. Dialogando com docentes da qualidade de vida dos trabalhadores do setor dos transportes;
que atuam em escolas privadas ou do Sistema S,1 ou Serviço Brasileiro de Apoio às Pequenas e Médias Empresas
(SEBRAE) e programas de apoio ao desenvolvimento de peque-
nas e médias empresas; Serviço Nacional de Aprendizagem do
1
O chamado Sistema “S” é formado por organizações cria- Cooperativismo (SESCOOP) e aprimoramento e desenvolvimen-
das pelos setores produtivos (indústria, comércio, agricultura, trans- to das cooperativas e capacitação profissional dos cooperados para
portes e cooperativas) com a finalidade de qualificar e promover o exercerem funções técnicas e administrativas. Disponível em:
bem-estar social de seus trabalhadores, a saber: Serviço Nacional <http://www.senai.br/br/ParaVoce/faq.aspx>.

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enfermeiros, entre outros) se encontram, em algum do ao longo de sua vida; as circunstâncias que ense-
momento de suas trajetórias de vida, exercendo o ofí- jaram seu ingresso no magistério e as situações aí vi-
cio da docência. venciadas e que lá o mantêm.
Colocamo-nos as questões: como se dá sua en-
trada no magistério? Que fator ou fatores pesaram Perspectivas teórico-metodológicas:
positiva ou negativamente para a sua decisão? Que histórias de vida e o campo da educação
marcas, modos, projetos e expectativas de vida os dis-
tinguem, e como podem, de alguma forma, tê-los le- As narrativas ou entrevistas de história de vida
vado a aproximar-se do magistério? Que elementos oferecem o marco teórico-metodológico adotado ao
emergem nas relações construídas no interior da es- investigarmos os percursos pessoais e profissionais
cola e contribuem para que lá permaneçam? O fato de docentes da educação profissional. Além da ade-
de terem, antes da docência, vivenciado o mercado quação desse tipo de abordagem ante a problemática
de trabalho como profissionais de outras áreas técni- e o objeto de estudo em questão, reconhecemos tratar-
cas teria alguma influência sobre suas representações se de um recurso de investigação científica com pro-
e projetos profissionais? Partindo da hipótese de que lífica tradição nas ciências humanas, especialmente
sim, esses docentes apresentariam representações so- nos campos da sociologia, psicologia e história. Na
bre o ofício do magistério distintas daquelas encon- área da educação, o uso cada vez mais disseminado
tradas entre seus colegas da educação básica. das histórias de vida tem contribuído para uma me-
Para responder a essas questões, definiram-se os lhor compreensão da condição docente, na medida em
seguintes objetivos de pesquisa: a) analisar as repre- que renova as teorizações e os dispositivos de pes-
sentações acerca do ofício por professores da educa- quisa e formação profissional.
ção profissional; b) investigar suas histórias de vida e Na literatura internacional, os trabalhos de auto-
os fatores que contribuíram para suas escolhas relati- res como António Nóvoa (1992), Michäel Huberman
vas à carreira: ingresso, permanência, abandono; (1992), Claude Dubar (1997), Ivor F. Goodson (1992),
c) analisar as concepções, subjacentes ou explícitas, Pierre Dominicé (1990), Franco Ferrarotti (1988), en-
de educação de uma maneira geral e de educação pro- tre outros, ilustram bem essa tendência, oferecendo
fissional em particular, que orientam as práticas desses forte respaldo ao emprego da abordagem biográfica e
professores, e apontar pistas para a formação de pro- das histórias de vida na pesquisa educacional. Com
fessores da educação profissional que levem em con- análises ricas, predominantemente voltadas à educa-
sideração as experiências desses docentes, suas de- ção básica, e marcados pela consistência metodoló-
mandas, necessidades e potencialidades. gica, tais trabalhos despertaram interesse, influencia-
Focando nossa atenção no indivíduo – resultado ram a configuração da produção intelectual brasileira
tanto das relações sociais quanto de sua subjetivida- e, para muitos pesquisadores, acabaram tornando-se
de – a opção metodológica da pesquisa direcionou-se uma referência.
para uma abordagem centrada nas narrativas de his- Todavia, segundo Nunes e Cunha (2005), tem-se
tória de vida dos entrevistados, uma vez que assumi- considerado que, somente a partir da década de 1990,
mos, com Dubar (1997), que os complexos processos após o advento das discussões acerca do saber docen-
identitários contemporâneos implicam uma articula- te e do ofício de professor, anuncia-se no Brasil um
ção entre o processo relacional do espaço profissio- período de proliferação dos métodos biográficos, com
nal e a trajetória biográfica dos profissionais, e possi- diversos teóricos e pesquisadores apostando em sua
bilita inúmeras posturas ante o campo profissional. qualidade e valor heurístico. De fato, ao analisarmos
Durante a coleta dos depoimentos, foram obser- as tendências atuais da pesquisa sobre docência e as
vadas três dimensões: as experiências do entrevista- preocupações de investigação, ação e formação nelas

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embutidas, podemos perceber o crescimento dos es- mação, e, por outro eixo, de as dimensões a serem
tudos que focalizam a vida ou desenvolvimento pes- alcançadas referirem-se à pessoa do professor, às prá-
soal dos professores, carreiras e percursos profissio- ticas dos professores ou à profissão do professor. São
nais, profissionalização e identidades docentes, ciclos nove as combinações possíveis a partir dessas dimen-
de vida e experiência docente, memórias, relação en- sões e objetivos, mas isso não significa que devam
tre o universo profissional e outros universos sociocul- ser encaradas como “categorias exclusivas”, confor-
turais (André, 1997). As feições assumidas por esses me afirma o autor.2
estudos sugerem a adoção de um tipo de enfoque que À luz dessa sistematização, assumimos o estudo
alimenta o interesse pelo sujeito professor, e não ape- descrito no presente artigo como sendo de caráter
nas por suas práticas de ensino ou competências téc- eminentemente investigativo, tomando como referên-
nicas, e direciona o olhar para a importância de se cia tanto a pessoa do professor quanto sua profissão e
compreenderem as representações e valores construí- suas práticas, tais como emergem nos discursos pro-
dos pelo professor acerca da profissão docente, na feridos pelos entrevistados. No decurso da pesquisa,
interface entre as dimensões pessoal e profissional. tivemos como objetivo focar a atenção sobre os su-
Numa obra pioneira, hoje considerada clássica, jeitos e as diversas dimensões de suas trajetórias de
Vida de professores (Nóvoa, 1992), alguns dos auto- vida (lazer, família, lugar de trabalho, grupos de refe-
res citados expõem os resultados de suas pesquisas e rência etc.), ao mesmo tempo em que indagamos so-
discutem as especificidades, os desafios e as possibi- bre os projetos e valores que orientaram suas esco-
lidades do trabalho com histórias de vidas. Como aler- lhas ao longo dos percursos profissionais. Nesse
ta Nóvoa (1992), na seção dedicada a considerações sentido, adotamos como pressuposto teórico o fato
sobre sistematização metodológica, o que chama a de que tais dimensões se encontram interligadas, com-
atenção e requer uma problematização atenta no âm- pondo a rica trama das histórias de vida dos professo-
bito da pesquisa em educação nessa nova etapa é “a res, e assim, inscrevendo-as numa materialidade tem-
profusão de interesses, de concepções e de estraté- poral e espacial.
gias que se acomodam sob a designação de histórias Concordamos com Queiroz (1988) quando defi-
de vida. A situação complica-se consideravelmente ne a história de vida como:
quando se menciona a heterogeneidade de modos de
trabalho e de técnicas de investigação” (p. 23). O au- [...] o relato de um narrador sobre sua existência através do
tor conclui que essa diversidade não é, em si, um pro- tempo, tentando reconstituir os acontecimentos que
blema, uma vez que pode ampliar os recursos postos vivenciou e transmitir a experiência que adquiriu. Narrati-
a serviço do trabalho de investigação científica. Em va linear e individual dos acontecimentos que nele consi-
contrapartida, também carregaria a potencialidade de dera significativos, através dela se delineiam as relações
gerar dificuldades e equívocos, caso as construções
metodológicas prescindam, como por vezes ocorre,
do rigor e do exercício da reflexão ética. 2
Os nove tipos de estudos seriam aqueles com: 1) Objetivos
Numa tentativa de sistematização dos tipos de essencialmente teóricos relacionados com a investigação versus
estudos centrados nas histórias de vida de professo- a) pessoa; b) práticas; c) profissão; 2) Objetivos essencialmente
res, e tomando como base os objetivos e as dimen- práticos relacionados com a formação versus a) pessoa; b) práti-
sões que cada um deles privilegia, Nóvoa (1992) pro- cas; c) profissão; 3) Objetivos essencialmente emancipatórios re-
põe uma categorização que agrupa nove tipos de lacionados com a investigação-formação versus a) pessoa; b) prá-
estudos. A variação entre esses tipos depende, por um ticas; c) profissão. Dadas as restrições de espaço neste artigo, li-
eixo de análise, de os objetivos subjacentes remete- mitar-nos-emos a essa rápida menção. Ver detalhes da categoriza-
rem à investigação ou formação ou investigação-for- ção em Nóvoa (1992, p. 21).

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com os membros de seu grupo, de sua profissão, de sua ser um bom professor”; “por que me tornei professor”;
camada social, de sua sociedade global, que cabe ao pes- “como me tornei o professor que sou”, “que valores e
quisador desvendar. (p. 20) perspectivas impregnam minha forma de ensinar”. Tais
reflexões contribuíram para que identificassem práti-
Ouvimos, portanto, o depoimento de 20 profes- cas e valores em seu presente que, situados no conjun-
sores de instituições de educação profissional da Re- to da história de vida, desempenham um papel ativo
gião Metropolitana de Belo Horizonte. A seleção de na construção de suas identidades, especialmente a
tais docentes procurou atender aos seguintes critérios: profissional, considerando as condições de existência
e os contextos específicos em relação aos quais tais
• professores de ambos os sexos. Foram 11 pro- sujeitos puderam estruturar suas experiências. Impor-
fessores e 9 professoras; ta destacar que foi assegurada a todos os depoentes a
• professores com mais e menos tempo de ma- proteção de sua identidade pessoal em todos os pro-
gistério. Nossa intenção inicial era abranger dutos gerados pela pesquisa.
professores em todas as fases do magistério, Acreditamos, portanto, que, a partir das possibi-
ouvindo igualmente professores em início, lidades criadas por esse tipo de metodologia, impor-
meio e final da carreira docente. O tempo de tantes problematizações e intervenções têm emergi-
magistério dos sujeitos da nossa pesquisa va- do. A própria maneira de pensar o diálogo entre o
riou entre 2 e 33 anos de docência; individual e o contexto sociocultural ganha novos con-
• professores das diversas redes de ensino. Nos- tornos, pois o pesquisador, ao debruçar-se sobre os
sos entrevistados lecionavam em escolas da dados obtidos no contexto das narrativas dos sujei-
rede pública (federal, estadual e municipal), tos, se depara com o desafio de compreender tais his-
em escolas particulares e em instituições fi- tórias não apenas a partir de suas especificidades, mas
lantrópicas. também levando em conta o que há de “compartilha-
do” com as histórias de outros sujeitos, conforme de-
Todos os depoimentos, gravados e filmados, acon- marca André (1997, p. 72). Assim, cada história de
teceram nas instalações do CEFET-MG, em espaço pre- vida, ao mesmo tempo em que nos leva a conhecer
viamente preparado para tal. Além dos membros do um percurso ou experiência pessoal, singular, retrata
grupo de pesquisa, também estiveram presente alunos de algum modo o universo social mais amplo, no qual
do Programa de Formação de Professores do CEFET- é inscrito esse percurso.
MG. Sem conhecer os objetivos da pesquisa, o entre-
vistado era orientado a falar, por aproximadamente uma História de vida e construção
hora, sobre sua história de vida, incluindo aspectos de da identidade docente
sua vida pessoal e profissional que considerasse rele-
vantes. Depois dessa primeira etapa, chamada de de- Assumimos aqui, com Agier (2001), Sanchis
poimento, os trabalhos estendiam-se por mais uma (1996) e Hall (1999), a noção de identidade como um
hora, agora com caráter mais de entrevista, com per- jogo de processos de identificação ou processos iden-
guntas dos membros do grupo, estas, sim, direciona- titários, sempre mutáveis, ainda que referenciados no
das pelas questões e objetivos da pesquisa. No con- substrato concreto do campo de possibilidades (Ve-
texto dessa abordagem, os professores entrevistados lho, 1994) – múltiplo e diversificado – em que o su-
tiveram a oportunidade de relembrar fatos passados jeito seleciona, ativamente, esquemas de ação dentre
em suas vidas e refletir sobre aspectos, tais como: “que as várias alternativas que se lhe apresentam. Assina-
experiências me marcaram como aluno e de que for- lamos, ainda, o caráter relacional da identidade, em
ma isso repercute em minha visão atual sobre o que é que se manifesta uma tensão permanente entre iden-

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tidades para si e para o outro (manifestadas em atos na construção de sentidos para a docência. Conforme
de pertença e atos de atribuição). Outra importante afirma Nóvoa (1992, p. 7), “não é possível separar o
tensão nos processos identitários surge entre o insti- eu pessoal do eu profissional”. Nesse processo de re-
tuído e o instituinte, em que poderemos encontrar iden- flexão sobre seu percurso de vida, o indivíduo mani-
tificações momentâneas em curso, carregadas de con- festa sua subjetividade e interpreta suas ações no pla-
tradições, continuidades e rupturas contraditoriamente no individual e coletivo, na busca de significados para
justapostas, assumidas ou descartadas. Essa tensão construção de sua identidade profissional. Nesse sen-
aponta para a permanente possibilidade de constru- tido, o método autobiográfico possibilita ao docente,
ção e reconstrução de novos valores, perspectivas e pelo relato de sua história de vida, revelar seus anseios
projetos, por processos de reinterpretação ou bricola- e expectativas ante a profissão docente e a própria
gem de elementos oriundos de tradições diversas, vida.
articulados sob determinados valores que lhes confe- Em relação à docência, as expectativas são dife-
rem lógica e coerência. Não abandonamos a com- renciadas. A imagem que o professor constrói de si
preensão de que qualquer processo humano exige al- mesmo e perante a sociedade faz parte do processo
guma permanência. Primeiro, porque realidade e constitutivo de sua identidade profissional. Esse
representação se articulam na constituição do objeto processo está em constante transformação, reconstruin-
social, nunca pura representação, nem pura materia- do-se ao longo da vida, de acordo com suas experiên-
lidade. Segundo, porque a história se apresenta com cias sociais e individuais. A maneira como o docente
suas pregnâncias e permanências, carregando para o constrói a sua imagem profissional participa na defi-
presente a tradição – sempre mutável, mas, ainda as- nição de suas ações com os alunos, de suas relações
sim, ponto de partida. Nas palavras de Sanchis (1996): no cotidiano do trabalho e do desenvolvimento de suas
atividades pedagógicas. A construção identitária sub-
[...] [os processos de invenção], uma vez “socialmen- sidiará a maneira como o homem se coloca perante o
te construídos”, pesam de toda a sua “realidade” (relativa e mundo e diante das relações de trabalho (Gatti, 1996).
por sua vez moldável) sobre a história em se fazendo. Nes- O sociólogo francês Claude Dubar (1997) enfa-
se sentido – enfim! – é verdade que uma identidade social é tiza a identidade humana como construção a um só
um projeto, uma estratégia de construção da própria ima- tempo individual e coletiva, associada ao processo de
gem de referência – para si e para os outros. Orientada para intervenção dos indivíduos sobre si mesmos e a di-
o futuro. É verdade que a identidade não é “simplesmente” versos fatores externos, entre eles as visões de mun-
recebida ou herdada. Nenhum grupo humano é condenado do construídas socialmente, de acordo com a cultura
a se reconhecer eternamente referências, interesses ou des- em que vivem. Ainda que utilize uma concepção de
tinos comuns, simplesmente em nome de um passado ou de identidade mais substancialista do que aquela que
um conjunto de traços “naturais” compartilhados. Constan- aqui estamos adotando, queremos resgatar algumas
temente ele se auto-identifica criativamente frente a outros contribuições desse autor, que se dedicou especial-
e no seio de situações determinadas. Mas é também verda- mente à questão da identidade profissional.
de que este projeto não é resposta arbitrária a tais situa- Dubar destaca o caráter dinâmico da identidade
ções. Ele tem que se haver com forças que o enraízam dina- profissional, sempre em mutação em sua relação cons-
micamente na espessura do passado. Ele é “pro-jetado” cria- tante com questões como as taxas de desemprego, os
tivamente, mas “a partir de”. E estas duas dimensões cha- níveis escolares, as origens sociais, as transformações
mam-se para serem articuladamente reconhecidas. (p. 5) tecnológicas, bem como a transição entre a conclu-
são dos estudos e a busca de uma atividade no merca-
Dar voz aos professores pelo relato de sua histó- do de trabalho. O autor observa que o acesso ao em-
ria de vida implica considerar seu percurso pessoal prego tem um caráter instável, pois afeta o profissional

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de formas distintas, e gera confrontos entre aqueles Se a construção da identidade profissional é tam-
que adentram na atividade profissional. Esse confronto bém tarefa individual, ela está, porém, condicionada
promoverá o processo de construção da identidade à estrutura social e histórica de cada contexto. Por-
profissional “que constitui não só uma identidade no tanto, a profissão docente está em constante transfor-
trabalho, mas também e sobretudo uma projecção de mação, associada aos discursos que são apresentados
si no futuro, a antecipação de uma trajetória de em- pela mídia, pelo Estado, pelos movimentos sociais,
prego e o desencadear de uma lógica de aprendiza- pelas políticas públicas, entre outros, e que versam
gem, ou melhor, de formação” (Dubar, 1997, p. 114). sobre a qualidade da escolarização, as novas práticas
Nesse contexto, o indivíduo constrói sua identidade de ensino, as políticas educacionais, as condições de
profissional criando representações sobre si mesmo e trabalho, a função social do professor e os programas
suas funções, interligadas à sua história de vida, for- de formação docente, bem como o processo de pro-
mação e profissionalização. fissionalização. No que diz respeito à construção da
Acerca da profissionalização e suas implicações identidade profissional de docentes, Gatti (1996) alerta
no processo de construção das identidades, Kaddouri para a necessidade de perceber a ação tanto dos sujei-
(2005) reforça as idéias até então apresentadas, defi- tos construtores quanto das circunstâncias em que tal
nindo a profissionalização como um processo em construção ocorre.
movimento, dinâmico, que se constrói basicamente a Enfim, as convicções dos docentes, seus dese-
partir de três projetos: institucional, coletivo e indivi- jos, expectativas diante da atividade profissional, o
dual, que estão mutuamente interligados. O institu- repensar sobre as práticas pedagógicas, a formação
cional refere-se à busca de normas e valores, como docente, sua função social, experiências pessoais,
uma expressão do projeto identitário institucional para constituem-se, também, em elementos que contribuem
as pessoas. A profissionalização é caracterizada como para a construção da identidade profissional. Esses
coletiva quando reivindicada por um grupo profissio- elementos da subjetividade docente, por sua vez, es-
nal na elaboração de estratégias comuns de transfor- tão marcados pelas experiências vividas pelos indiví-
mação da prática. O autor sugere que o projeto insti- duos ao longo de suas vidas, pelos discursos, pelas
tucional, em parceria com o coletivo/individual, pode instituições e grupos aos quais tiveram acesso, parti-
acarretar divergências na relação entre o indivíduo e cipantes também da construção dos significados que
os responsáveis pela instituição. Conseqüentemente, esses docentes irão conferir às suas experiências em
essas relações de tensão conduzirão os indivíduos geral e à docência em particular.
rumo a diferentes estratégias identitárias, nas quais o Uma interessante sistematização da reflexão so-
processo de construção da identidade profissional não bre os processos identitários é oferecida pelo antro-
deverá ser identificado como resultado da soma de pólogo francês radicado no Brasil, Michel Agier, que
experiências individuais e coletivas, mas como um descreve as abordagens da “antropologia das identi-
processo de reformulação e tentativas sucessivas de dades”: a) a abordagem contextual, que aponta para a
integração da atividade profissional. inexistência de identidades em si mesmas, ressaltan-
Inúmeros estudos evidenciam que a profissão do- do seu caráter sempre referenciado em contextos, va-
cente assume hoje, de maneira geral, sinais de precari- lores e interesses específicos que estão em jogo; b) a
zação, gerando crises de identidade profissional asso- abordagem relacional, que busca o “abrigo virtual”
ciadas a péssimas condições de trabalho, a salários da identidade, no sentido de identificar “o outro” com
pouco atraentes, à não-valorização do profissional, além e contra o qual as identidades se afirmam, no sentido
de outros problemas, ocasionando frustrações diante de que relacionamentos entre grupos “trabalham” al-
da atividade exercida, o que implica, certamente, im- terando os referentes dos pertencimentos originais;
pactos sobre as representações sobre a docência. c) a abordagem construtivista, que ressalta a identi-

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dade como algo “inventado”, construído por seleções, semiqualificados da indústria metalúrgica ou da cons-
escolhas e recomposições de elementos diversos (nar- trução civil, barbeiros, militares de baixa patente,
rativas, mitos, valores, projetos), os quais são rearti- boiadeiros, funcionários públicos subalternos, enfer-
culados de forma criativa e dinâmica, num “trabalho” meiros. Quase todas as mães eram donas de casa, ha-
de criação cultural; e, finalmente, d) a abordagem vendo, além dessas, uma babá, uma costureira, uma
situacional das identidades, que conclama o pesqui- comerciante e uma artesã.
sador a atentar para “as interações e situações reais No interior dos projetos familiares de escolariza-
nas quais os atores se engajam [mais] do que nas re- ção dos filhos, os cursos técnicos aparecem como pon-
presentações formuladas a priori das culturas, tradi- to comum. Há vários casos em que a maioria dos ir-
ções ou figuras ancestrais em nome das quais se su- mãos dos entrevistados cursou o ensino técnico e, no
põe que eles agem” (Agier, 2001, p. 12). Somente a caso dos nossos sujeitos, quase todos o fizeram. Isso
análise atenta dos contextos e das questões concretas indica estratégias familiares de inserção dos filhos no
em jogo nas situações de interação permite desven- mercado em condições mais favoráveis, por cursos pro-
dar a lógica que perpassa os processos identitários. fissionalizantes. Mas, mesmo antes de ingressarem no
Nossa investigação sobre a docência na educa- ensino técnico, grande parte desses docentes já contri-
ção profissional traz uma perspectiva interessante buía com a renda familiar desde os seus 10, 12 anos de
sobre tais reflexões, uma vez que permite evidenciar idade, como pequenos vendedores, na maioria das ve-
experiências, instituições, condições de trabalho dos zes, ou como ajudantes dos pais. Muitos ressaltaram,
entrevistados, que, por apresentarem particularidades, de forma incisiva, o quão pobre foi sua infância, as
permitem evidenciar as relações entre estas e a cons- privações e as dificuldades enfrentadas.
trução de representações e identidades docentes, ex-
plicitando valores, projetos e concepções subjacentes Quando eu iniciei o segundo grau, paralelo eu come-
aos significados conferidos à docência. Passamos en- cei a trabalhar. Eu tinha 15 anos, trabalhava numa prestadora
tão a analisar, ainda que de maneira breve, suas traje- de serviços como office-boy e ainda tinha que estudar no
tórias anteriores ao magistério. Colégio B, ali no centro. E eu trabalhava lá na Cidade Jar-
dim, morando em Contagem. [...] E aí, quando eu estava
Trajetórias anteriores ao magistério completando 18 anos foi quando eu mudei totalmente a
minha vida em função do falecimento do meu pai, e aí en-
Praticamente a totalidade de nossos entrevista- tão eu fui para a Marinha, sempre morando em lugares di-
dos é originária de famílias trabalhadoras, muitas de- ferentes e longe de casa. (Professor 4)
las numerosas, constituídas no interior do estado e
que migraram para a Região Metropolitana de Belo Em um dos relatos, a professora afirma, repeti-
Horizonte entre as décadas de 1950 e 1970, acompa- das vezes, o sentimento de exclusão condicionado pela
nhando o movimento econômico-demográfico mais situação de pobreza na infância e pelo fato de ser ne-
geral de urbanização em todo o país. Chefiadas por gra. Esse sentimento a acompanha ao longo de sua
pessoas analfabetas ou semi-alfabetizadas, essas fa- trajetória de vida, só sendo amenizado após a conclu-
mílias já possuíam, então, um projeto de escolariza- são do ensino superior e a inserção no mercado de
ção dos filhos, a maioria das vezes pouco específico, trabalho como professora. Mesmo tendo sido entre-
ainda que algumas delas já vislumbrassem a necessi- vistados outros sujeitos afrodescendentes, essa ques-
dade de qualificação profissional para os novos ra- tão não apareceu em outros depoimentos.
mos em expansão, notadamente o industrial. Apenas As experiências escolares aconteceram em es-
um dos pais ou mães desses professores possuía cur- colas públicas. No geral, esses sujeitos estudaram as
so superior (odontologia), os demais eram operários séries iniciais no interior e concluíram o então giná-

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sio na capital. As memórias do tempo de infância não trabalhar com automóvel, era paixão realmente por mecâ-
são muito detalhadas, os depoimentos não se detêm nica e manutenção de automóvel... (Professor 2)
muito sobre esse aspecto, priorizando a vida profis-
sional. Pode-se perceber, todavia, o significado da Além da paixão pela área técnica, os cursos pro-
infância pobre, com o trabalho já presente desde cedo fissionalizantes também os marcaram pelas experiên-
em seu processo de socialização. Não aparecem me- cias ali vividas:
mórias marcantes sobre professores ou escolas du-
rante a infância, ainda que a maioria afirme que gos- [...] ali mudou o meu caminho, que me tirou da rua, que
tava da escola. Muitos consideram que eram “primeiros com 14 anos eu tava estudando de manhã e à tarde, eu tava
alunos” durante a infância, secundarizando os estu- me mantendo ocupado, eu morei num bairro que eu vi cole-
dos quando do seu ingresso na adolescência, mas sem gas meus, um preso, outro morto, outro ainda traficando,
nunca terem sido maus alunos. A relação com a esco- eu passo e vejo e eu imagino só uma coisa: esta escola me
la, se não é marcante, é positiva, caracterizada pelo tirou dali [...]. (Professor 13)
sucesso – se pode-se chamar assim a baixa ocorrên-
cia de reprovações. Apenas um depoimento dá conta Esses professores apresentam-se como antigos
da presença de um sonho com o magistério desde cedo. bons alunos, destacando-se entre os colegas em suas
A quase totalidade dos entrevistados nunca se havia trajetórias escolares. Alguns afirmam que essa carac-
colocado a possibilidade de seguir esse ofício; a pers- terística é familiar. Há casos de professores que são
pectiva era de inserção numa área técnica e, para tan- os únicos da família a possuir curso superior. De qual-
to, buscam cursos técnicos e, logo depois destes, a quer maneira, os dados demonstram que esses docen-
inserção no mercado de trabalho na área de forma- tes, ao longo de suas vidas, foram pessoas bastante
ção, o que conseguem. disciplinadas, enfrentaram situações adversas, vive-
Mas a escola surge com uma enorme vitalidade ram – e ainda vivem – situações de extrema ocupação
nos depoimentos quando eles se referem aos cursos do tempo, além de terem conseguido gerenciar diver-
técnicos realizados. Alunos de instituições diversas sos reveses e lograr a conclusão de um curso superior
(CEFET, SENAI, Escola Politécnica de Minas Ge- e o ingresso numa profissão mais “leve” e intelectua-
rais – POLIMIG, Colégio Técnico da Universidade lizada que a maioria de seus amigos e irmãos.
Federal de Minas Gerais – COLTEC-UFMG, Rede
Ferroviária Federal), todos ressaltam o valor de sua Eu trabalhava no SENAC de auxiliar de escritório
formação técnica. Há uma maior ênfase a esse fato enquanto eu estudava na POLIMIG. E fiz o curso com mui-
nos casos de sujeitos que fizeram cursos de horário to sacrifício, andando a pé, muitas vezes, do Riacho, em
integral, como os do CEFET e do COLTEC. Os de- Contagem, até o Centro, né? Pegando carona para econo-
poimentos dão conta, então, de vocações para áreas mizar as passagens, andando a pé pelo menos até metade
técnicas, em alguns casos verdadeiras paixões: do caminho pra pegar um ônibus mais barato. Então, com
todas essas dificuldades, eu dando aula particular, fazendo
Eu tinha uma queda para a mecânica, isso era visível unhas, sem saber, eu cortava cabelo de homem e de mulher,
na minha vida, eu consegui perceber isso, a minha voca- então eu consegui formar [no curso técnico]. (Professor 16)
ção, o gosto pela mecânica, eu percebi. [...] eu andava com
a minha régua T, desse tamanho, uma régua gigante, ela ia São comuns as falas que utilizam termos como
sempre comigo. (Professor 4) “sucesso”, “vitorioso”, “consegui”, apontando para
um olhar evolucionista com relação à sua própria his-
Meu pai não aceitava de jeito nenhum que eu traba- tória, ainda que, em termos da distribuição de renda
lhasse com mecânica, mas eu tinha um desejo enorme de nacional, quase todos se situem na faixa de renda abai-

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Histórias de vida de professores

xo de cinco salários mínimos. Veremos, adiante, como no mercado é bem diferente disso. Essas experiên-
esse “olhar” sobre a trajetória de um menino pobre cias terão um papel crucial na constituição futura de
“que teve sucesso na vida” será um dos elementos suas identidades docentes, o que se fará em contrapo-
configuradores de uma identificação positiva com seus sição às experiências na indústria ou em outros tipos
atuais alunos nos cursos técnicos. de empresas.
Mesmo assim, aparecem algumas dificuldades
vividas no âmbito escolar. A mais freqüente e curiosa Na indústria... o reconhecimento do profissional lá
é a avaliação, pelos entrevistados, de si mesmos, como era difícil. O meu salário, de repente o meu salário na in-
extremamente tímidos e com dificuldades de expres- dústria era ruim. (Professor 11)
são oral.
Se você trabalha na indústria, é pressão, é muita coi-
Eu era extremamente tímido, eu não tinha coragem de sa, que você sai depois de nove horas e você sai cansadíssi-
olhar para as pessoas, eu não tinha coragem de conversar mo. Uma pressão que não acaba mais. Eles te dão um pro-
com o público, em apresentações na escola eu tinha dificul- jeto pra fazer com o prazo de um mês pra terminar, chegou
dade demais de falar frente aos outros alunos. (Professor 3) 15 dias e eles já te deixam louco: Como é que é? O projeto
não tá pronto? É correria, mas correria mesmo, e o cara fica
Embora alunos aplicados e bem-sucedidos, pelo quase que nem um feitor, quase dando chicotada no pessoal
menos na educação básica e profissional, não tive- pra poder fazer o projeto, a máquina, a tempo. [...] Você saía
ram na escola oportunidade de desenvolver habilida- de lá mais velho, até! Quando eu saí de lá parece que eu tava
des de comunicação oral, o que demonstra, entre ou- saindo de uma prisão! (Professor 7)
tras possíveis causas, falha significativa dos processos
escolares vividos, em que não lograram superar a dis- As experiências no mundo do trabalho vão, com
tância entre a linguagem popular adquirida na socia- o tempo, dizendo qual o lugar do técnico ali, e este
lização primária e a norma culta adotada pela escola não parece ser muito compensador. Coelho (2003)
e outros espaços sociais. mostra que os técnicos em geral investem na carreira
Outra dificuldade relatada em algumas entrevis- técnica por cerca de cinco anos, quando percebem fi-
tas refere-se ao fato de, sendo de origem popular, pas- nalmente sua limitação, e partem, sempre que possí-
sarem a circular num meio freqüentado por pessoas de vel, para o curso superior, condição mínima exigida
camadas médias. A questão do “choque cultural” é evi- pelo mercado atual para ganhos acima de cinco salá-
dente, e aqueles então estudantes não possuíam refe- rios mínimos. Também os nossos entrevistados, as-
renciais que os ajudassem a lidar com essa questão: sim que aparece oportunidade de complementação de
renda, seja ela qual for, agarram-na imediatamente.
Eu estudei graças à Mendes Pimentel [fundação da Muitos prestavam serviços técnicos como autônomos
Universidade Federal de Minas Gerais de apoio aos estu- informais, desenvolvendo projetos à noite ou aos fi-
dantes carentes]. Mas eu tinha muito problema na escola, nais de semana. Alguns tentaram o comércio, outros
porque eu só convivi com filhinhos de papai, né? Dentro da foram para a pós-graduação e dali, então, para o ma-
Arquitetura, principalmente, então era um lugar que eu não gistério. A maioria ingressou na carreira docente de
me sentia muito bem [...] naquele meio eu me sentia muito forma espontânea.
diferente. (Professor 8) Provenientes de uma das trajetórias típicas nas
camadas populares,3 esses sujeitos pareciam encami-
Nessas condições eles ingressam no mercado de
trabalho, agora como técnicos de nível médio. Depo-
3
sitam esperanças de alcançarem bons salários e de Aqui nos referimos à trajetória de sucesso escolar no ensi-
realizarem-se profissionalmente, mas o que encontram no fundamental, seguida pelo sucesso no ingresso em uma escola

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Suzana Burnier, Regina Mara Ribeiro Cruz, Marina Nunes Durães, Mônica Lana Paz, Adriana Netto Silva e Ivone Maria Mendes Silva

nhar-se para o mundo empresarial como técnicos de gundo afirmam, principalmente pela alegria de ensi-
nível médio ou superior de áreas específicas. Entre- nar – além de outros motivos como a remuneração e
tanto, de forma bastante inesperada, surge a oportu- a flexibilidade de horários.
nidade, não prevista até então, de lecionarem.
Uma trajetória bastante diferenciada dessa é a Concepções sobre educação profissional
daqueles que seguem um caminho acadêmico, ingres-
sando na universidade logo após a conclusão do ensi- Conforme já aponta a literatura, Nóvoa (1992),
no técnico, ou passando muito rapidamente pelo mer- Gatti (1996), Dubar (1997), ficou patente durante o
cado de trabalho e encaminhando-se para a pós- desenvolvimento da pesquisa que a história de vida
graduação logo depois de concluído o curso superior, dos entrevistados influencia na concepção que eles
ingressando no magistério depois disso ou concomi- têm sobre educação e, no nosso caso, mais especifi-
tantemente à pós-graduação. camente sobre educação profissional. Como já vimos
Uma trajetória menos típica foi encontrada em anteriormente, nossos entrevistados têm trajetórias de
três depoimentos em que os entrevistados revelaram vida semelhantes, ou seja, apesar das especificidades
terem ingressado no ofício de professor logo após a da vida pessoal, escolar, acadêmica e profissional de
conclusão do curso técnico. Em todos esses casos eles cada um, a maioria caracteriza-se por ser oriunda de
começaram a lecionar em escolas pequenas: um de- famílias da classe trabalhadora; por ter feito curso téc-
les numa escola privada que oferta cursos de curta ou nico; por ter uma experiência profissional de traba-
média duração, os outros dois em escolas comunitá- lho em empresas ou em indústrias na sua área de for-
rias, sendo uma delas fundada por ex-dirigentes sin- mação inicial; por ter ido para a docência de maneira
dicais, a outra fundada como obra social de um ex- inesperada; por lecionar em cursos da educação pro-
empresário muito bem-sucedido. Os dois últimos fissional; por valorizar e sentir falta, mas nem sem-
foram alunos das instituições onde lecionam e fize- pre procurar uma formação pedagógica específica para
ram lá mesmo estágio, sendo, logo em seguida, con- o magistério. Tais aspectos de suas histórias de vida
vidados a lecionar. Assim como a maioria dos demais, contribuíram para a construção de concepções parti-
esses professores nunca haviam cogitado transformar- culares sobre educação, por eles apresentadas nas
se em docentes, mas, uma vez experimentado o ofí- entrevistas.
cio, nunca mais o deixaram e deixam claro que o Para melhor contextualizarmos o pensamento de
motivo principal para isso é ver a satisfação nos olhos nossos entrevistados em relação à função social da
dos alunos quando aprendem algo novo. educação profissional, adotamos como pano de fundo
Apesar de possuírem experiências diferentes no do nosso referencial teórico os conceitos que a área
que se refere a ter ou não passado por empresas com acadêmica associa às expressões “educação técnica”
atividades técnicas, a grande maioria dirige-se ao e “educação tecnológica”.
magistério de forma inesperada, e ali permanece, se- A literatura4 aponta que os significados desses
termos implicam a presença de fortes concepções re-
lacionadas a orientações político-pedagógicas subja-
profissionalizante e, posteriormente, no mercado de trabalho como centes a distintos modelos de formação. Nesse caso,
trabalhador qualificado. Uma outra trajetória típica nas camadas
populares é a de insucesso escolar, quando os sujeitos abandonam
a escola antes do término do ensino fundamental ou, quando o
4
concluem, o fazem em condições tão precárias que inviabilizam o Para aprofundar no significado dos termos, ver as seguintes

prosseguimento dos estudos em instituições onde haja processo obras: Bastos (1997), Coelho (1997), Grinspun (2001), Laudares,

seletivo para ingresso. Fiúza e Rocha (2005), Manfredi (2002) e Oliveira (2000).

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Histórias de vida de professores

a expressão “educação técnica” estaria relacionada a Porque eu sempre me preocupei com o meu nome.
uma formação ligada ao “saber fazer”, preparando o Porque chega um aluno ruim dentro de uma indústria para
trabalhador para “exercer suas capacidades laborati- executar um trabalho e não sabe resolver nenhum proble-
vas” (Laudares, Fiúza & Rocha, 2005, p. 62), ligada ma técnico, não sabe ler um desenho, não sabe fazer da-
ao treinamento do trabalhador para exercer uma de- dos... “Onde você estudou? Quem foi seu professor?”, eu
terminada profissão. Oliveira (2000, p. 41) aproxima vou ficar morrendo de vergonha. (Professor 2)
o conceito de formação técnica “aos processos de trei-
namento do trabalhador no mero domínio das técni- Mas, ao mesmo tempo em que falam em formar
cas de execução de atividades e tarefas, no setor o aluno para atender às demandas do mundo do tra-
produtivo e de serviços”. Por sua vez, a expressão “edu- balho, nossos entrevistados também valorizam ques-
cação tecnológica” estaria associada a uma concep- tões como: saber pensar, construir atitudes, traba-
ção ampla e universal de formação, buscando o de- lhar a curiosidade, nortear a vida do aluno e trabalhar
senvolvimento integral do trabalhador, priorizando a a auto-suficiência do aluno. Tais aspectos, além de
formação de uma consciência crítica, o domínio de extrapolarem o conceito de educação técnica, ainda
princípios científicos e tecnológicos, o desenvolvi- ultrapassam a formação direcionada apenas para o
mento das habilidades socioafetivas, cognitivas e éti- mercado de trabalho, demonstrando que os professo-
cas. Coelho (1997) observa: res também apresentam uma preocupação com uma
formação mais ampla do aluno.
O conceito de educação tecnológica possui uma abran-
Bom, eu gosto de ser professor, de dar aula. Eu acho
gência maior, implicando uma formação que prevê o de-
que é uma oportunidade muito bacana da gente contribuir...
senvolvimento integral do trabalhador, de suas amplas ha-
a gente acaba influenciando a vida de outras pessoas e é
bilidades cognitivas – que incluem, mas ultrapassam a as-
uma responsabilidade muito grande, né, porque você tem
similação de informações técnicas, enfatizando o domínio
que influenciar positivament333e. [...] Então, é esse tipo de
dos fundamentos científicos subjacentes ao saber fazer, de
conceito que eu gosto de passar pra eles. Alguma coisa que
suas habilidades sócio-afetivas, de sua ética e de uma refle-
está no momento, tipo política, alguma coisa que eu co-
xão sobre valores que incluam o estudo crítico do contexto
mento com eles, alguma coisa assim. (Professor 1)
sociopolítico e econômico em que a ciência e a tecnologia
são produzidas, disseminadas e aplicadas (ou não). (p. 52)
Estamos preparando os alunos do [instituição de tra-
balho da professora entrevistada] pra ser agente transfor-
Tendo tais concepções como referência, perce-
mador, a gente quer que eles tenham idéia, que eles gerem
bemos que os professores entrevistados têm uma vi-
em si, que eles produzam, que eles dêem opinião, que eles
são de educação que ultrapassa o conceito de “educa-
modifiquem. Que eles sejam agentes de melhora do mun-
ção técnica”, mas que também não alcança todos os
do, de alguma forma. (Professor 8)
aspectos da “educação tecnológica”. Muitos relacio-
nam educação profissional à formação para o merca- Entretanto, observamos que aspectos como for-
do de trabalho. Em suas falas, percebemos uma gran- mação política, formação de um pensamento crítico e
de preocupação com questões como “transmissão dos formação de uma consciência acerca das contradições
conteúdos”, “o posicionamento que o aluno enquan- do mundo do trabalho foram abordados por poucos
to profissional deverá ter no mercado de trabalho” e a professores, o que indica um limitado acesso deles a
“transmissão de conhecimentos práticos da profissão” esse tipo de discussão em seus processos de forma-
adquiridos pelos professores durante o trabalho em ção inicial e continuada, e até em suas relações so-
empresas e/ou indústrias. ciais mais amplas (limitada experiência em movimen-
tos sociais e tipos de grupos de sociabilidade).

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Aspectos presentes na história de vida de nossos saberes, como era no passado, mas também com a tecnolo-
entrevistados, como a formação de técnico e a expe- gia e com a complexidade social, o que não existia no pas-
riência de trabalho em empresas e/ou indústrias, além sado. [...] e essa incerteza, muitas vezes, transforma o pro-
do ambiente de trabalho, contribuem fortemente para fessor num profissional que vive numa situação amargura-
a construção de suas concepções sobre educação e para da, que vive numa situação difícil e complicada pela com-
a definição dos aspectos prioritários a serem trabalha- plexidade do seu trabalho, que é maior do que no passado.
dos na sala de aula da educação profissional. O fato de
eles priorizarem a formação de seus alunos para o mer- Um dos problemas desse aumento de exigências
cado de trabalho parece relacionar-se com sua ampla é a limitação de tempo para que o professor invista
experiência como técnicos que mantêm bem vivas as em seus momentos de sociabilidade e lazer, tanto para
exigências feitas pelo mercado a esses profissionais. se refazer do trabalho denso exigido pela profissão
Em contrapartida, também percebem a necessidade de quanto para a sua diversão, participação social e/ou
ir além dessa formação, especialmente aqueles com entretenimento.
uma trajetória mais acadêmica (ingresso na universi- Conforme Dumazedier (2001), o lazer engloba
dade antes dos 30 anos, participação em atividades todas as ocupações que o indivíduo abraça de livre
extracurriculares na universidade, realização de cur- vontade para descanso, diversão, recreação ou forma-
sos de pós-graduação, notadamente stricto sensu). ção desinteressada, incluindo a participação voluntá-
Aqueles com maior experiência no mercado ria em atividades sociais, e ainda a criação livre, in-
como técnicos acreditam que o aluno que sai de um dependente das obrigações profissionais, familiares e
curso técnico precisa dominar as especificidades da sociais.
profissão para a qual se formou, saber adaptar-se e Assumindo o lazer como importante espaço de
“sobreviver” ao ambiente de trabalho na indústria. formação humana e de equilíbrio pessoal do sujeito,
Além disso, eles observam a necessidade de priorizar constatamos, entretanto, que os professores dão pouca
aspectos de formação para a vida pessoal dos alunos, atenção aos momentos de lazer ou à sua ausência. Em
mas esse segundo tipo de abordagem parece-nos ser contrapartida, nota-se uma grande preocupação com
menos recorrente, em virtude do tipo de formação e sua formação profissional. Dedicam o seu tempo livre
da trajetória desses professores. Como a maioria não a leituras técnicas, leituras que irão, segundo eles, agre-
tem formação pedagógica ou humanística, nem parti- gar valor à sua profissão; e mesmo quando realizam
cipou de organizações não-governamentais (ONGs) leituras de textos literários, têm por objetivo a melho-
ou de movimentos sociais, eles não tiveram a oportu- ria de seu desempenho profissional e social, como, por
nidade de se sensibilizar para essa perspectiva mais exemplo, a ampliação do vocabulário.
crítica da educação profissional.
Li poucos livros que não fossem técnicos. A minha preocu-
Outros espaços de socialização pação era a minha formação como profissional mesmo,
sabe? (Professor 5)
O professor, hoje, vê-se mergulhado em uma so-
ciedade extremamente complexa, sendo, portanto, [...] eu sou viciado em coisa técnica [...]. Mas eu preciso ler
cada vez mais exigido em seu trabalho docente. Em romance. Já li alguns romances quando eu era mais jovem.
entrevista ao Salto para o futuro da TVE, Nóvoa [...] Preciso. Você sabe por que que eu preciso? Pra aumen-
(2001) fala das novas atribuições e preocupações do tar minha cultura, é, como que se diz, pra eu falar melhor
professor na atualidade: [risos], né? (Professor 6)

[...] a profissão docente sempre foi de grande complexida- Esse dado sinaliza para a centralidade que o tra-
de. Hoje, os professores têm que lidar não só com alguns balho ocupa na vida desses profissionais e para a de-

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Histórias de vida de professores

dicação permanente ao aprimoramento profissional, vistados, além de originarem-se das classes trabalha-
que limitam as atividades de seu cotidiano. doras, têm suas histórias de vida marcadas por uma
A participação desses professores em grupos so- formação técnica e pelo acúmulo de experiências an-
ciais que extrapolem o mundo escolar ou empresarial teriores no mercado de trabalho, bem típicas desse
é observada apenas em casos isolados. Assim como a grupo. Em função disso, constroem uma auto-imagem
leitura, a prática de esportes, quando é realizada, quase de relativa ascensão social, o que também favorece
sempre em caráter esporádico, atende mais a uma para que confiram um significado todo particular ao
necessidade de cuidados com a saúde do que como ofício da docência.
uma expressão de relaxamento, diversão e prazer. Este estudo permitiu evidenciar que todo esse
Porém, essa limitação das práticas culturais e de lazer, conjunto de experiências mencionadas (a origem po-
conforme Coelho (2003), precisa ser relativizada, pular, a referência no mundo do trabalho, a formação
evitando-se o risco de uma avaliação apressada e etno- técnica, a importância secundária conferida ao lazer,
cêntrica de seu significado, pois pesquisas (Brandão, a identificação com os alunos) possibilita a esses pro-
2002) apontam que tal limitação é também observa- fessores construir uma inserção na docência que é
da em grupos profissionais das camadas médias, não particular, diferente, em muitos aspectos, da observa-
se configurando como característica específica dos da entre docentes da educação geral. Enquanto vários
professores da educação profissional. Contudo, em estudos falam do “mal-estar docente” e apontam para
todos os casos, os professores relataram apreciar ati- o fenômeno do adoecimento, como no caso da doen-
vidades esportivas e culturais, e que não as praticam ça de burnout, entre os docentes da educação básica,
em virtude do fator tempo. no caso da educação profissional os docentes estabe-
lecem uma relação bastante positiva com essa ativi-
Considerações finais dade. Isso repercute de forma marcante na prática
docente, naquilo que tais profissionais concebem
Esse estudo permitiu, entre outros aspectos, res- como importante para a sua formação e a de seus alu-
saltar a história de vida como uma abordagem teórico- nos, além do próprio sentido conferido à docência.
metodológica privilegiada quando se pretende inves- A abordagem de história de vida mostra-se ca-
tigar a relação que os sujeitos estabelecem com o paz de possibilitar o acesso do pesquisador às refe-
ofício – neste caso, a docência. Assim, corrobora-se a rências que orientam os sujeitos em sua construção
literatura que aponta os processos identitários docen- de significados, favorecendo, por exemplo, o desve-
tes como resultado não apenas das experiências no lamento dos aspectos contextuais, relacionais e cons-
campo do magistério, mas também das diversas di- trutivos da elaboração das identidades. Por essa ra-
mensões que perpassam as trajetórias de vida desses zão, a positividade conferida à docência explica-se
sujeitos, os quais, em última instância, são aqueles não pela assunção de um discurso “missionário”, mas
que se apropriam das condições sociais disponíveis e pelos aspectos bem concretos de contextos e relações
criam as múltiplas possibilidades para o que é ser pro- vividos, aos quais esses sujeitos conferem significa-
fessor. Percebemos, no caso desses docentes, que o dos por um “trabalho” ativo de construção de cultura
valor trabalho é referencial básico dessas construções e de realidades. Metodologias de abordagem sincrô-
identitárias, e que a docência permite a permanência nica, ou que focam a investigação num único âmbito
desse valor – trabalho – entre esses trabalhadores qua- da existência, apesar de serem úteis no levantamento,
lificados, por meio de experiências que resgatam sua por exemplo, das representações atuais sobre dada
positividade, aparentemente perdida ou em crise em questão, não permitiriam, como a história de vida,
suas profissões de origem, identificadas como insa- captar o processo de construção de tais representa-
lubres, repetitivas e opressoras. Os educadores entre- ções, e os elementos, nos campos de possibilidades

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Suzana Burnier, Regina Mara Ribeiro Cruz, Marina Nunes Durães, Mônica Lana Paz, Adriana Netto Silva e Ivone Maria Mendes Silva

dos sujeitos, que contribuíram para tais construções. cados, hábitos e valores oriundos dessa diversidade
Ao analisarmos trajetórias de diversos sujeitos que de experiências.
exercem hoje uma mesma atividade profissional, pu- Num momento em que se faz urgente a discus-
demos perceber especificidades em seus relatos, que, são e definição de uma política de formação inicial e
além de falar de cada um deles como sujeitos indivi- continuada de professores para a educação profissio-
duais, evidenciaram experiências curiosamente recor- nal, inexistente no país, acreditamos que os impasses
rentes que permitem captar alguns importantes aspec- e as potencialidades vividas por esses docentes e aqui
tos sociais e culturais dos processos identitários desses apontados possam constituir-se em pistas para a cons-
docentes, explicitando formas particulares de experi- trução de tais políticas. Referimo-nos tanto ao reco-
mentar a condição docente e apontando pistas para nhecimento, por um lado, do importante papel desem-
pensar políticas e práticas para sua formação inicial e penhado pelos saberes do mundo do trabalho em sua
continuada. constituição como docentes quanto, por outro lado,
No caso da educação profissional, ficou eviden- das importantes limitações impostas pela falta de aces-
ciado que as histórias de vida desses docentes consti- so a um debate mais qualificado sobre a função so-
tuem poderosas conexões que os aproximam de seus cial da escola e da educação profissional, informados
alunos. De origens sociais semelhantes, com expe- pelo debate entre educação tecnológica, ensino técni-
riências familiares e de vida bastante próximas, os co e formação humana.
docentes identificam os alunos, assim como a si mes-
mos, como “lutadores”, à procura de uma oportuni- Referências bibliográficas
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onde se originaram), em condições de trabalho me- dez. 1997.
nos insalubres do que na indústria, faz com que esses . Visões de mundo e projetos de técnicos de nível mé-
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356 Revista Brasileira de Educação v. 12 n. 35 maio/ago. 2007


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