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Valdir Steuernagel
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Prefácio
O texto que apresento neste pequeno livro já andou por aí. Ele nasceu como uma
aula inaugural proferida na Faculdade Teológica Evangélica de Curitiba, no Centro de
Pastoral e Missão. Apresentei-o também em forma de conferência numa faculdade
teológica na Europa. Fazê-lo naquela casa me trouxe uma certa apreensão, pois nos
corredores daquela instituição respirava-se o orgulho do que seria “fazer teologia
científica”. A minha palavra iria “brincar” exatamente com isso. Iria mexer com esse
símbolo! O meu temor, no entanto, parece ter sido infundado: a reação foi bastante
bonita e surgiu uma comunhão de alma com vários professores da casa.
Uma noite, fui à casa de um desses professores. Depois do jantar, em conversa
solta, o anfitrião fez uma observação que espelhava a preocupação do seu coração e da
sua tarefa de ensino. Ele havia se identificado profundamente com a minha
apresentação, mas vivia uma agonia. A academia, afinal, diria que o meu texto não era
“crítico”, pois trabalhava com as passagens bíblicas tal como estas se apresentavam,
sem engajamento numa necessária “crítica bíblica”. Eu sabia do que ele estava falando
e entendia o que ele queria dizer. Aliás, até saberia fazer com a Bíblia o “jogo” ao qual
ele se referia. Mas era exatamente isso que eu não queria fazer!
Não é, definitivamente, intenção minha destituir o exercício teológico do seu
rigor acadêmico. Mas é minha intenção dizer que devemos ir além desse rigor. Ou seja,
precisamos colocar o rigor teológico a serviço da missão e devolver a teologia ao seio
comunitário. Devemos submeter o nosso produto teológico ao mesmo rigor ao qual
queremos submeter a própria teologia, e assegurar-nos de que ela está cumprindo
com a sua vocação. Vocação esta que deve ser missionária e comunitária. Pois, no final
do dia, a teologia responde, não à academia, mas à igreja e ao seu desempenho
missionário.
O conteúdo deste livreto não é, certamente, uma resposta a esse desafio. Ele
nada mais é do que “um repente” produzido por um brasileiro de sobrenome
complicado e expressa a busca de uma veia brasileira na pena da caneta teológica.
Levei a conversa daquela noite de jantar para o meu tugúrio e me perguntei de
novo: o que eu queria com esta reflexão? Concluí que a escrevia para mim mesmo.
Alinhavava um texto para a minha alma, aventurando-me a um rabisco teológico que
procurava chegar perto da “lógica” do coração de Deus.
Mas também o escrevia para as tantas “Marias” e os tantos “Josés” que povoam
grande parte das nossas igrejas e que, mesmo se movimentando no apertado espaço
de uma pequena casa, respondem a Deus de uma forma intensa e bonita. E estes a
teologia nunca pode deixar de celebrar, respeitar e com eles aprender.
O texto, no entanto, não deixa de estar em diálogo crítico com essa percepção tão
torta de que não é possível fazer teologia sem andar no leito do rio da teologia
cerebral, com sua linguagem erudita, seus muitos livros, abundantes citações e sua
pose sofisticada. Essa teologia cativa da abstração e que aterrissa com dificuldade na
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conflitividade histórica da nossa inevitável humanidade. Teologia que, tantas vezes,
não vai além de uma enorme suspeita e um grande ceticismo e não consegue esconder
a sua profunda crise de fé e sua intestina incredulidade. Esse leito teológico teima em
ser, sempre novamente, um mero riacho seco. O que aqui apresento se constitui,
então, num chamado à conversão de todos nós. Um chamado à conversão dessa árida
teologia que abandonou o coração, perdeu o foco comunitário e sua paixão
missionária.
O que eu queria mesmo era adicionar jeito, cor e sabor brasileiros a essa dança
da obediência da fé que se expressa na “fazeção” teológica. Afinal, como gostamos
tanto de dizer, “Deus é brasileiro”! Esta é uma brincadeira exagerada que não deveria
excluir ninguém. Agora, que Deus fala português, bem do nosso jeito, isso é difícil de
negar! E que Maria, aquela de Nazaré, bem que poderia ter nascido em Belém do Pará
e que o anjo Gabriel saberia achar o caminho de lá, disso também não se deveria
duvidar...
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Um pouco de autobiografia
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Em terceiro lugar, eu gostaria de ser reconhecido como um espécime da minha
geração. Alguém do meu povo. Da minha terra e do meu lugar. Alguém que sente o
bater do coração, que conhece o ritmo da dança e assobia a música do seu povo.
Alguém que busca saber onde lhes aperta o sapato. Alguém com endereço e
identidade. Afinal, eu não creio na linguagem teológica do “esperanto”. Creio que Deus
falou através de Jesus Cristo e fala conosco na linguagem da encarnação.
Nesse esforço de encontrar linguagem e forma para a minha vocação, eu sempre
acabo voltando uma vez mais à Palavra de Deus. E isso tem sido muito bom. Uma
experiência cativante e apaixonante. Não quero, é óbvio, abandonar a solidez de uma
boa interpretação bíblica. Mas quero, definitivamente, escutar a voz de Deus. E então
escutá-la de novo, tornando-me, assim, numa pálida semelhança de Davi, a quem Deus
se referiu como sendo um “homem segundo o meu coração” (At 13.22). Estou,
inclusive, tentando não me levar demasiadamente a sério e rir no espelho do meu
reciclado alfabeto teológico.
Vez por outra, ao abrir a minha Bíblia, eu me deparo com personagens
fantásticos. Gente que me fala muito, sem falar demais. Aqui eu quero falar de um
desses encontros. Falar de alguém que tem me desafiado muito e por um longo tempo,
especialmente na área da disponibilidade e da simplicidade. Eu a coloco diante de nós,
para que sejamos ministrados por ela. Que ela fale conosco acerca da natureza e do
processo teológico. Da “fazeção” de teologia. Dessa hermenêutica da vida que não
consegue se ver livre de Deus. Dessa indispensável invasão de Deus na nossa vida e
que passa a determinar os nossos passos para sempre. . . se bem que nem sempre na
direção que escolheríamos.
Aqui eu trago à nossa memória a pessoa de Maria, essa teóloga que, como
mulher, entrega a Deus o seu ventre, o lugar mais íntimo de fertilização da vida.
Mulher que luta intensamente para entender o seu filho e não vivenciar a fé como
desespero. Mulher que chora em confusão rebelde, mas não deixa de caminhar para os
pés da cruz daquele que acontece ser o seu filho. Mulher que faz teologia a caminho.
Mulher que não consegue deixar de pensar sua fé a partir da sua vocação e cuja
vocação determina a sua teologia. Mulher cujas opções de vida se constituem nos
melhores capítulos da uma teologia vital.
Maria, a mulher teóloga, vê sua vida à luz da história de Deus com o seu povo.
Por isso ela canta e dança. E disso ela fala no seu belíssimo Magnificat (Lc 1.46-56).
Vamos, pois, recapitular o que aconteceu com ela. Ouvir o que ela diz e procurar
perceber a moldura dentro da qual sua vida se desenrola. Maria que me perdoe se eu
não a captei bem aqui ou acolá. Afinal, fazer interpretação, e interpretação narrativa,
eu sei, é sempre um risco. Mas confesso que só queria ser fiel – a ela e a nós. Pois
ambos temos o privilégio de servir a Deus na nossa geração e na nossa estação.
Vamos, para começar, simplesmente revisitar textos bíblicos que falam dessa
mulher chamada Maria.
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Escutando os textos
No sexto mês foi o anjo Gabriel enviado da parte de Deus, para uma cidade da
Galiléia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com certo homem da casa de Davi,
cujo nome era José; a virgem chamava-se Maria. E, entrando o anjo aonde ela estava,
disse: Alegra-te, muito favorecida! O Senhor é contigo.
Ela, porém, ao ouvir esta palavra, perturbou-se muito e pôs-se a pensar no que
significaria esta saudação. Mas o anjo lhe disse: Maria, não temas; porque achaste graça
diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem chamarás pelo nome
de Jesus. Este será grande e será chamado Filho do Altíssimo; Deus, o Senhor, lhe dará o
trono de Davi, seu pai; ele reinará para sempre sobre a casa de Jacó, e o seu reinado não
terá fim. Então disse Maria ao anjo: Como será isto, pois não tenho relação com homem
algum? Respondeu-lhe o anjo: Descerá sobre ti o Espírito Santo e o poder do Altíssimo te
envolverá com sua sombra; por isso também o ente santo que há de nascer será
chamado Filho de Deus. E Isabel, tua parenta, igualmente concebeu um filho na sua
velhice, sendo este já o sexto mês para aquela que diziam ser estéril. Porque para Deus
não haverá impossíveis em todas as suas promessas. Então disse Maria: Aqui está a serva
do Senhor; que se cumpra em mim conforme a tua palavra. E o anjo se ausentou dela.
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sobre os que o temem. Agiu com seu braço valorosamente; dispersou os que no coração
alimentavam pensamentos soberbos. Derrubou dos seus tronos os poderosos e exaltou os
humildes. Encheu de bens os famintos e despediu vazios os ricos. Amparou a Israel, seu
servo, a fim de lembrar-se da sua misericórdia, a favor de Abraão e sua descendência,
para sempre, como prometera aos nossos pais. Maria permaneceu cerca de três meses
com Isabel e voltou para casa.
Ora, anualmente iam seus pais a Jerusalém, para a festa da páscoa. Quando ele
atingiu os doze anos, subiram, segundo o costume da festa. Terminados os dias da festa,
ao regressarem, permaneceu o menino Jesus em Jerusalém, sem que os seus pais o
soubessem. Pensando, porém, estar ele entre os companheiros de viagem, foram caminho
de um dia, e então passaram a procurá-lo entre os parentes e os conhecidos; e, não o
tendo encontrado, voltaram a Jerusalém à sua procura. Três dias depois o acharam no
templo, assentado no meio dos mestres, ouvindo-os e interrogando-os. E todos os que o
ouviam muito se admiravam da sua inteligência e das suas respostas. Logo que seus pais
o viram, ficaram maravilhados; e sua mãe lhe disse: Filho, por que fizeste assim conosco?
Teu pai e eu, aflitos, estávamos à tua procura. Ele lhes respondeu: Por que me
procuráveis? Não sabíeis que me cumpria estar na casa de meu Pai? Não
compreenderam, porém, as palavras que lhes dissera. E desceu com eles para Nazaré; e
era-lhes submisso. Sua mãe, porém, guardava todas estas cousas no coração. E crescia
Jesus em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e dos homens.
Três dias depois, houve um casamento em Caná da Galiléia, achando-se ali a mãe
de Jesus. Jesus também foi convidado, com os seus discípulos, para o casamento. Tendo
acabado o vinho, a mãe de Jesus lhe disse: Eles não têm mais vinho. Mas Jesus lhe disse:
Mulher, que tenho eu contigo? Ainda não é chegada a minha hora. Então ela falou aos
serventes: Fazei tudo o que ele vos disser. Estavam ali seis talhas de pedra que os judeus
usavam para as purificações, e cada uma levava duas ou três metretas. Jesus lhes disse:
Enchei dágua as talhas. E eles as encheram totalmente. Então lhes determinou: Tirai
agora e levai ao mestre-sala. Eles o fizeram. Tendo o mestre-sala provado a água
transformada em vinho, não sabendo de onde viera, se bem que o sabiam os serventes
que haviam tirado a água, chamou o noivo, e lhe disse: Todos costumam pôr primeiro o
bom vinho e, quando já beberam fartamente, servem o inferior; tu, porém, guardaste o
bom vinho até agora.
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E a confusão de Maria se acentuou
(Marcos 3.31-35)
Nisto chegaram sua mãe e seus irmãos e, tendo ficado do lado de fora, mandaram
chamá-lo. Muita gente estava assentada ao redor dele, e lhe disseram: Olha, tua mãe,
teus irmãos e irmãs estão lá fora à tua procura. Então ele lhes respondeu, dizendo: Quem
é minha mãe e meus irmãos? E, correndo o olhar pelos que estavam assentados ao redor,
disse: Eis minha mãe e meus irmãos. Portanto, qualquer que fizer a vontade de Deus, esse
é meu irmão, irmã e mãe.
E junto à cruz estavam a mãe de Jesus, a irmã dela, e Maria, mulher de Clopas, e
Maria Madalena. Vendo Jesus sua mãe, e junto a ela o discípulo amado, disse: Mulher, eis
aí o teu filho. Depois, disse ao discípulo: Eis aí tua mãe. Dessa hora em diante o discípulo
a tomou para casa.
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Olhando os textos
A Bíblia nem fala muito acerca de Maria. De José, seu esposo, então, se fala
menos ainda. Uma das interpretações é que ele seria bem mais velho que ela e teria
falecido cedo. José desaparece do cenário uma vez feita a referência indireta a ele por
ocasião do episódio no templo quando Jesus tinha doze anos.
O evangelista Mateus se concentra na pessoa de José e deixa-nos ver um pouco
da sua luta em aceitar, tanto a Maria como o que estava acontecendo com ela. Mas
quando o anjo lhe diz para não fugir da raia, ele agüenta firme e monta diante de nós
um bonito quadro de obediência e serviço a Deus: “Despertando José do sono, fez
como lhe ordenara o anjo do Senhor, e recebeu sua mulher” (Mt 1.24).
O que sabemos de Maria é compartilhado de forma mais detalhada pelo
evangelista Lucas. Só ele fala do anúncio do nascimento de Jesus dado diretamente a
ela, do encontro com Isabel, do seu belíssimo canto e do episódio em torno do
adolescente Jesus no templo. É neste material que mais nos concentramos, acrescido
da última referência que se faz a ela no livro de Atos dos Apóstolos, de autoria do
mesmo Lucas; ali a encontramos na companhia dos expectantes seguidores de Jesus.
Também são abordados dois textos exclusivos do evangelista João e que ele
apresenta de um jeito particular. No arranjo do seu Evangelho, o primeiro episódio, o
das bodas em Caná da Galiléia, aparece bem no início do ministério de Jesus. Já no
outro texto, onde as mulheres acompanham a crucificação de Jesus, vamos encontrá-
las aos pés da cruz, onde ouvimos Jesus expressar um carinho especial e uma
preocupação específica com sua mãe.1
O evangelista Marcos quase não fala de Maria. Na única vez em que este autor faz
uma menção direta dela, o panorama é difícil e o contexto deixa transparecer a
dificuldade dos familiares de Jesus em entender e aceitar o que ele estava fazendo e
dizendo.2 No próprio texto vemos Jesus reconfigurando o conceito de vínculo e de
relações familiares. Isto, convenhamos, não é muito fácil para uma mãe aceitar.
É preciso deixar claro que aqui não se faz exegese detalhada de nenhum dos
textos apresentados; trabalha-se com eles assim como são relatados pelos
evangelistas. Mas também não se quer fazer nenhuma “inegese”, inventando ou
acrescentando coisas que não existem.
O estilo que se usa é solto e narrativo, mas os personagens e os eventos que
aparecem nos textos querem e devem ser respeitados. Aliás, estes nos convidam e
desafiam a dar uma boa olhada na nossa caminhada de fé, na perspectiva daqueles
que são chamados a fazer teologia.
Vamos, então, pedir que Maria fale com a gente e nos faça perguntas que vêm de
uma mulher que sabe o que é entrega a Deus, discipulado e sacrifício. De uma mulher
que sabe o que é ser simples, pobre e de uma comunidade de base. Deixemos que ela
avalie o nosso jeito de fazer teologia. Maria, afinal, é uma dessas “nossas mulheres”
que dizem as coisas com graça, mas nem por isso deixam de dizê-las.
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“Pois então vamos fazer teologia”, nos convida Maria. “Mas olha lá o que vão fazer
comigo! Eu não gosto que me coloquem em nenhuma forma. Nem subo em pedestal. Mas
aí, nem a teologia mesma deveria estar, não é verdade? Título eu não tenho, mas não me
importa que outros o tenham. Em biblioteca eu não sei me achar, mas não me incomoda
que outros caminhem entre os livros. Agora, das coisas de Deus eu entendo, e delas eu
posso falar. Do chamado que afeta e modifica toda uma vida eu também sei alguma coisa,
e essas histórias eu posso contar. É só querer me escutar. Vamos começar?”
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A teologia vem só depois.
É coisa da segunda hora.
Foi ali, na cozinha enfumaçada, vestindo um avental surrado e segurando
uma panela de cabo rachado, que ela recebeu a visita de Deus.
A teologia é coisa nossa. Reflete o nosso esforço em conhecer a Deus. O nosso
afã de falar de Deus. A teologia sistematiza o conhecimento acerca de Deus: sua pessoa
em trindade, sua ação criadora e salvífica, seu amor desmedido e sua insistência em
fazer-se presente e em comunicar-se conosco através da sua palavra. A teologia busca
perceber a ação de Deus na história – passado, presente e futuro – e aponta para a
trajetória dessa própria história rumo ao “escatom” de Deus, ao fim de todas as coisas.
A teologia é coisa da igreja. Coisa desse povo de Deus que se sabe tão bagunçado
e complicado, mas tão amado e engajado por Deus. Coisa dessa igreja que tem
experimentado a ação de Deus na sua vida, no decorrer da história, e se sabe canal
privilegiado da vivência e do anúncio da graça de Deus em Cristo Jesus.
O Magnificat nos mostra o que vem a ser teologia. Seu conteúdo e sua
articulação. Seu caráter histórico e sua dimensão messiânica. Mas, ainda assim, a
teologia não deixa de ser coisa da segunda hora, pois na primeira hora o que temos é a
revelação de Deus. A irrupção de Deus. A visitação de Deus. A encarnação de Deus em
Jesus Cristo.
A teologia é coisa da segunda hora – para que a gente “não se meta a besta”,
pensando que pode descobrir algo novo acerca da natureza de Deus. Não se iluda nem
se embrulhe com o manto da ciência quando esta quer fazer de Deus objeto do nosso
conhecimento.
A teologia, para que tenha o gosto das coisas de Deus e o cheiro da
transcendência, precisa nascer no encontro inesperado que ocorre na cozinha
desordenada. Ou não foi assim com Maria?
Foi ali, na cozinha enfumaçada, vestindo um avental surrado e segurando uma
panela de cabo rachado, que ela recebeu a visita de Deus. Foi ali que o anjo a saudou
de forma inesquecível: “Alegra-te, muito favorecida! O Senhor é contigo” (Lc 1.28).
O canteiro da teologia é a revelação de Deus. O berço da teologia são as tripas
reviradas pelo susto da visitação de Deus. O viveiro da teologia é o estado de pasmo,
quando nos percebemos absolutamente perdidos e abundantemente agradecidos pela
visitação de Deus.
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“E que ninguém me venha com essa história de teologia objetivamente neutra!”,
resmunga Maria enquanto procura se desvencilhar do avental que, de repente, parece que
ficou apertado demais. E lá vai ela jogar uma água fria na cara, para ver se se recupera
um pouco do susto que o anjo lhe pregou. “Querer fazer teologia como um exercício
neutro é coisa de quem nunca viu o anjo Gabriel!”, murmura ainda, antes de abrir a
torneira do tanque de lavar roupa em busca de
água fria.
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Só entende de teologia
quem oferta o ventre
Pedir o ventre não é coisa pouca. E ofertar o ventre é coisa grande. É coisa da
Maria que diz: “Aqui está a serva do Senhor; que se cumpra em mim conforme a tua
palavra” (Lc 1.38). E assim a Maria mulher entrega o que ela tem de mais precioso: o
seu ventre virgem. Eu só consigo suspirar o significado dessa entrega. E suspirar é o
que Maria faz. Suspirar a loucura do gesto. Suspirar o custo da imagem. Suspirar
diante do encafifado José. Mas da sua entrega ela não desiste, e o resultado começa,
pouco a pouco, a ser visto em forma de gravidez. A vocação sempre assume contornos
da gravidez da obediência.
Teologia se faz em estado de disponibilização. A resposta à revelação de Deus é
entrega de vida. De ventre. De virgindade. A palavra teológica acerca da natureza, da
ação e da vocação de Deus vai nascendo enquanto a gravidez vai aparecendo. A
gravidez do discipulado. Pois a teologia é coisa de discípulo em estado de espera e em
postura de obediência.
A teologia não pode ser neutra. Ela é tanto mais teologia quanto mais
comprometida com Deus for a sua opção e o seu caminho de vida. Teologia neutra é
contradição arrogante de quem ainda não acordou e pensa que pode entender a Deus
de forma meramente cognitiva. O deus da teologia neutra não tem um Gabriel que lhe
obedeça nem uma Maria que disponibilize o ventre. Esse é um deus com “d”
minúsculo. É o deus das nossas vãs filosofias e que tem o tamanho inflado do nosso
ego.
A Maria teóloga desfila o ventre grávido para nos ajudar a compreender que a
teologia amadurece na espera ativa do cumprimento da ação de Deus. É teologia com
gosto de vocação, vivida na moldura do discipulado que não busca o caminho da
cesariana.
Recuperada do primeiro susto, Maria vai se refugiar no seu aposento. Atirando-
se na cama, ela soluça e ri ao mesmo tempo. O riso da escolha e o soluço do desespero.
O soluço de gratidão e o riso nervoso de quem não sabe o que fazer mas não quer
fazer nada diferente do que voltar a balbuciar ao Senhor: “Que se cumpra em mim...”
(Lc 1.38).
“Esse negócio de teologia como mero conhecimento é coisa de quem parece que não tem
ventre!”, Maria volta a dizer. “É coisa de quem só quer o ventre para suas próprias coisas.
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É coisa de muito blá-blá-blá e pouco ‘tomá lá, Senhor’!” E, balbuciando, ela se dirige à
cozinha, pois “afinal, eu tenho mais o que fazer. Onde foi que joguei meu avental? Eu devo
estar ficando maluca!”, continua, voltando ao trabalho.
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Só entende de teologia
quem sabe visitar
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sustento por um bom tempo, e logo virão outras companhias na caminhada. É só
lembrar do Zacarias, que voltará a falar e a cantar, e do José, que voltará a procurar
Maria oferecendo-lhe um longo abraço de aceitação.
Ao tentar conciliar o sono, naquela noite, Maria repassa o filme destes últimos meses, na
imaginação dos olhos fechados. O filme lhe mostra como teria sido difícil este período sem
essa comunhão de coração e de ventre com Isabel. “E ainda tem gente”, Maria murmura
baixinho, “que pensa que pode entender as coisas de Deus sozinho! Como se a teologia
fosse coisa de gabinete. Teologia é coisa de ventres em comunhão”, pensa uma vez mais,
antes de cair no sono.
O conturbado sono da despedida.
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Fazendo poesia
com a ação histórica de Deus
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fazer-lhe perguntas que ela não quer responder e formulando respostas teológicas
para as perguntas que tanto refletem a incredulidade dos nossos dias, acabamos
fazendo dela um pobre instrumento da ação de Deus. A teologia, assim transformada
no verbo cerebral tão conjugado pelo homem branco, acabou ficando pesada e
cansativa. Expressa em longas frases e articulada em rebuscada linguagem filosófica,
ela perdeu muito do seu encanto.
Façamos a nossa confissão: nós aprisionamos a teologia na academia. A própria
Maria foi deixada de fora, porque não sabia escrever alemão nem sabia dizer
“Heilsgeschichte”. Ela nunca conseguiu ter pinta de intelectual com aqueles óculos de
aro fino. Afinal, ela nunca deixou de ser a mulher do povo que só queria servir a Deus
e que cantava adoidado por ter sido escolhida por Ele. Afinal, ela só queria estar a
serviço da ação de Deus na história do seu povo. Só queria plantar a semente da
esperança, que Deus lhe estava dando, no sofrido solo histórico da caminhada do seu
povo, especialmente do seu povo pobre mas fiel a Deus.
Não há aqui nenhuma apologia da preguiça mental e nenhuma avaliação de
capacidade intelectual. Não me ocorre convidar ninguém para a pobreza de leitura,
como também não ofereço honraria alguma à ignorância. Precisamos ir além disso
para querermos e podermos ouvir Maria estendendo-nos o convite para que nos
atiremos nas mãos de Deus. Para lermos a história da nossa vida, pessoal e
comunitária, a partir da visitação vocacional de Deus. Para percebermos a fidelidade
de Deus no decorrer da história e podermos cantá-la em versos e em prosa. Se a
teologia não fizer isso ela nunca conseguirá ir a Nazaré. E, mesmo que vá, acabará não
vendo nada por lá.
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A teologia
precisa nascer na estrebaria
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E toda boa teologia precisa também dizer “amém”. Aliás, muito mais do que isso,
toda boa teologia deve seguir Maria no obediente caminho do cumprimento da
promessa de Deus e da construção de sua história. Toda boa teologia precisa, por
assim dizer, fazer o caminho que vai de Nazaré a Belém. Da visita do anjo Gabriel à
estrebaria – aquela estrebaria na qual Maria, logo depois, irá colocar o menino.
Para falar a verdade, a teologia não está livre da tensão e do conflito que
emergem no próprio Cântico de Maria. Afinal, ela mesma, a teologia, também tem
procurado um lugar para assentar-se entre os poderosos. Tem se adornado de
pendentes, chapéus e vestes sofisticadas. Ela também tem bebido da água da soberba
– aliás, bebido tanto que chega a ficar de ventre inchado! Esta é a “teologia da barriga
d’água” e não da gravidez da vocação.
A teologia, nos diria Maria, precisa cair do cavalo. Ser derrubada do trono. Cair
em arrependimento e buscar nova companhia. A teologia precisa reaprender a se
deslumbrar, encontrar os pastores e, com eles, fazer o caminho até a estrebaria.
Precisa cantar com eles o que eles aprenderam com os anjos: “Glória a Deus nas
maiores alturas e paz na terra entre os homens a quem ele quer bem” (Lc 2.14) A
teologia precisa cair de joelhos diante da estrebaria e aprender a dizer com Maria:
“Santo é o seu nome” (Lc 2.49).
“Por mais que o tempo passe, não consigo deixar de me assustar com o que eu disse!
Mexer com rico, poderoso e soberbo sempre acaba dando encrenca. Mas, o que eu vou
fazer?,” ela conclui. “Não fui eu que inventei estas coisas. O meu povo já sabia delas antes
dos tempos da minha avó. Mas eu não deixo de me encantar com esses caminhos de Deus,
que põe a gente ajoelhada na estrebaria! Agora, que tinha pastor ajoelhado mas meio
desajeitado diante do menino, lá na estrebaria, isso tinha. A teologia, pois, que se
arrependa e se ponha de joelhos. Pode até parecer desajeitada, mas o que não pode é
teimar em levantar.”
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A teologia
precisa de um toque adolescente
Ao voltarem, ela, em silêncio, conversa com o seu coração, relembrando o
que ouvira acerca do menino...
Maria pegou a cena já no final. Mas o que viu foi suficiente para perceber o que
havia acontecido. Afinal, ela conhecia seu menino. E agora constatava que ele não
falava “dessas coisas sérias” só dentro de casa. E ela, que pensava que ele estivesse
fazendo zoeira com os outros garotos de sua idade na caravana da volta! Não tinha
jeito: com esse menino, volta e meia ela se enganava.
Aproximar-se do templo era coisa séria para essa mulher. Era uma cerimônia.
Ela até procurava botar uma roupa melhor e ficar mais compenetrada. Mas desta vez a
coisa era muito diferente, e o seu coração de mãe batia descontrolado com o sumiço
do filho. O tempo passava e não tinha jeito de eles encontrarem o garoto. Já era o
terceiro dia, e o coração de Maria parecia saltar pela garganta. José e ela até já haviam
discutido, de tão tensos que estavam. O melhor mesmo era continuar procurando,
ficar quieta e não perder as esperanças.
Agora eles já estavam de novo em Jerusalém. A geografia desse lugar sempre a
deixava um pouco mais tensa. Lá em Nazaré as coisas eram mais tranqüilas. Mas agora
não tinha jeito. ”Você vai por ali”, ela diz ao José, “que eu vou dar uma verificada pelas
redondezas do templo.” O que ela nem suspeitava era que iria encontrar o menino
tranqüilamente “instalado”, em profundas conversas, no lugar ao qual iria se referir
como “a casa de meu Pai”. No próprio templo.
Aliás, a coisa aconteceu de um jeito tal que ela se sentiu atrapalhando algo muito
sério. Do jeito que aquelas pessoas olharam para ela, a dúvida logo encontrou
resposta: ela estava sendo inconveniente! O próprio Jesus a fitou como quem pergunta
“Algum problema?”. Aliás, ele foi bastante claro: “Por que me procuráveis? Não sabíeis
que me cumpria estar na casa de meu Pai?” (Lc 2.49). Mas parece que o jeito de Maria
e o seu olhar de mãe falaram mais forte; e as pessoas entenderam o que se passava.
Até porque ela nem conseguiu ficar quieta e já foi falando: “Filho, por que fizeste assim
conosco?” (Lc 2.48).
A coisa acabou por ali mesmo. O menino levantou-se e se aprumou. Entendeu
que era hora de ficar com os pais e voltar para casa. O evangelista Lucas até parece
querer colocar algumas coisas no lugar ao dizer-nos que o menino “era-lhes
submisso”; mas também registra que ele “crescia em sabedoria, estatura e graça,
diante de Deus e dos homens” (Lc 2.51-52).
Maria havia escutado tudo direitinho. Mesmo aquelas coisas que não havia
entendido. Ao voltarem, ela, em silêncio, conversa com o seu coração, relembrando o
que ouvira acerca do menino: “E todos os que o ouviam muito se admiravam da sua
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inteligência e das suas respostas”. Ele, porém, parecia nem se importar com aquele
ambiente. Sentia-se à vontade no meio dos mestres, “ouvindo-os e interrogando-os”
(Lc 2.46-47). “Onde já se viu uma coisa dessas? Aqui só pode ter coisa!”, pensa ela,
quando de repente é interrompida por José dizendo-lhe que ande mais rápido. É que
ela estava tão entretida com essa sua conversa do coração que até havia desacelerado
o passo...
Lá em Jerusalém as coisas não foram muito diferentes. Foi tudo bastante rápido.
A família de Jesus tinha pressa, pois eles já estavam muito atrasados. Deram uma
ajeitada rápida em algumas coisinhas, tomaram água e se despediram das pessoas
para ganhar o caminho da estrada. Enquanto isso os mestres, no templo, voltam a se
assentar. Olham um para o outro com a mesma expressão de pergunta estampada no
rosto. Até que um deles diz: “Eta menino danado! De onde ele sabe tudo isso? Olha que
eu suei para responder as perguntas dele! Ele parece estar vendo coisas que a gente
não está enxergando. Se é que a gente quer vê-las... Se ele tem razão, temos de dar um
jeito em nós mesmos e nessa nossa teologia!” E também eles vão para casa
conversando com seus corações.
A teologia precisa ser assim – ouvir gente nova e escutar perguntas novas. Ter os
olhos e os ouvidos bem abertos para perceber e participar daquilo que Deus está
fazendo. Perceber como as promessas de Deus vão se cumprindo, passo a passo, e
como Ele vai chegando perto do coração de cada geração. Que fique longe da teologia a
idéia e a prática de manter-se no círculo dos mesmos, envelhecer com as perguntas e a
respostas de ontem e não encontrar o caminho constante da atualização, da renovação
e da nova obediência. A teologia precisa ter o cheiro dos hormônios de crescimento da
adolescência.
“Tá bom, José”, diz Maria, “eu vou andar mais rápido.” Mas nem por isso ela deixa de
virar-se para o menino e comentar, com um sorriso maroto: “Mas você, hein? Deixou
aqueles senhores se esfregando na cadeira, com essas suas conversas. Eu só imagino! Até
parece que andou lendo o meu Cântico... Já te falei dele?” E, batendo no ombro do filho,
ela diz sorrindo: “É bom ver Deus fazendo coisa nova e bonita! Os doutores da lei têm de
saber que precisam estar a serviço dessa providência da salvação que vem de Deus. Agora
vamos mais rápido, que o José já está me olhando de cara feia de novo.” E lá se vão eles.
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Fazendo teologia
em constrangida expectativa
23
2.3). A teologia não apenas dá respostas, mas também faz perguntas. Ela traz a
carência da vida para perto do coração de Deus. Perto das possibilidades de Jesus.
Mas perceber a situação não significa controlá-la. Aliás, será que Maria pretendia
fazer isso? Seria ela uma dessas “mulheres definitivas” que procuram dominar tudo ao
seu redor? Não é difícil imaginá-la uma mulher forte. Mas Jesus também sabe quem ele
é e o que ele quer. No jogo da “mandança” ele não entra, e a resposta que ele dá até
parece constrangedora: “Mulher, que tenho eu contigo? Ainda não é chegada a minha
hora” (Jo 2.4). A própria Maria, porém, se apressaria em esclarecer com naturalidade:
“Ele se dirigiu a mim dessa forma também em outras ocasiões. Portanto, não
estranhem o jeito. Na minha língua isso era normal”. Mas que Jesus estava querendo
delimitar os espaços, isso é bastante claro. Maria precisava aprender que não podia
controlar Jesus. Aliás, tampouco a teologia pode controlar a Deus.
São muitas as vezes e ocasiões em que se procura fazer teologia na perspectiva
do poder e do controle. Isso ocorre de vez em quando. Ocorre na atitude arrogante de
quem quer estabelecer como definitiva a sua elocubração teológica, seja esta pessoal
ou até denominacional. Ocorre no grito autoritário daquele que se julga dono da
“verdade de Deus”, no afã louco de querer controlar a ação de Deus hoje, seja lá fora
ou aqui dentro, na própria igreja.
A teologia precisa aprender a dizer que não há mais vinho e então ficar quieta. A
teologia precisa saber dizer que não sabe. Precisa escutar Deus dizendo que é Ele
quem faz a hora. É Ele que dá a resposta, e a dá quando quer.
O leve sorriso no rosto da Maria é indisfarçável. Aliás, a sua rota também não
deixa de ser intrigante. Nada constrangida, ela volta a integrar a cena da carência de
vinho. Vai tomar as devidas providências. Como se fosse a dona da festa, vai falar com
os serventes: “Fazei tudo o que ele vos disser” (Jo 2.5).
Essa Maria é impossível! Ao não desistir, ela nos surpreende. É que ela conhece
Jesus. Lá no coração, sabe que ele também fará esse caminho e irá falar com os
serventes. Sabe também que a palavra de Jesus será bem diferente. Enquanto o que ela
diz é meramente preparatório, a palavra de Jesus será nova. O máximo que a palavra
dela consegue é alinhar as talhas e deixar os serventes preparados. Mas a palavra de
Jesus é que encherá as talhas. A palavra de Jesus colocará os serventes em movimento
e deixará o mâitre de boca aberta ao sentir o vinho escorrer-lhe pela garganta. Dos
donos da festa, então, nem se fala: o semblante deles muda da água para o vinho. Até
um beijo da noiva Jesus ganhou!
O papel da teologia é servir. Preparar. Nada mais, nada menos. Aliás, isso ela não
pode deixar de fazer, por mais que seja tentada a não fazê-lo. Cada vez que a teologia
procura enquadrar Deus ela se torna mais pobre. Sempre que a teologia tenta ser
definitiva ela deixa a festa sem vinho. A teologia precisa aprender com Maria a ir
preparar as talhas, pois a hora de Deus sempre chega. E é a hora de Deus que faz a
diferença.
É importante registrar, então, o que a teologia não pode. Ela não pode querer se
livrar das talhas por não saber o que fazer com elas. Não pode tentar dar uma
explicação barata para as talhas cheias de vinho, numa demonstração cabal de que ela
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é filha de uma festa iluminista. Mas também não pode procurar programar a hora das
talhas e fazer do seu enchimento um ato público que visa atrair os holofotes.
O que a teologia pode é preparar a vinda de Jesus. O que ela pode é testemunhar,
boquiaberta, as talhas serem enchidas de água e esta se transformar em vinho. O que
ela pode é arregalar os olhos junto com o mâitre, que nunca bebeu vinho tão bom. O
que ela pode é fazer fila com a noiva e dar um beijo em Jesus. O que ela pode é sorrir
discretamente com Maria e entesourar mais esta lição, a das talhas cheias de vinho, no
aconchego do seu coração.
E lá vai Maria uma vez mais com seu sorriso enigmático... “Eu sabia, mas não sabia”, ela
balbucia novamente. “Por mais que eu conviva com ele e aprenda a esperar pelo
inesperado, ele nunca deixa de me surpreender! Mas confesso que balancei quando ele
falou comigo daquele jeito. Isso lá é jeito de falar com a mãe? Agora, que esse vinho é
bom, isso é!”
Teologia se faz assim, no caminho da talha vazia para a talha cheia. Em constrangida
expectativa.
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Vai-e-vem, parece
que sempre tem!
Olhando para trás, veremos que as coisas nunca foram fáceis para Maria. Nem é
preciso enumerar os desafios e pintar as dificuldades para se chegar a esta conclusão.
O menino havia nascido e crescido. Os percalços dos anos iniciais passaram e a vida
em Nazaré voltara à normalidade. Até “aquele” avental ela tinha voltado a usar!
Houve, é verdade, aquela experiência no templo, quando o menino falou algumas
coisas de difícil compreensão; mas ao voltarem a Nazaré a rotina voltou a se instalar
na vida familiar. Rotina, em termos, pois isso era difícil com aquele menino por perto.
Depois, com o passar dos anos, o menino virou homem, saiu de casa e ganhou o
mundo. Aliás, às vezes parecia que ele queria fazer isso literalmente. Virou pregador.
Fazedor de milagres. Curador de enfermos. Sempre havia gente ao seu redor e às
vezes era muita gente. E todos pareciam querer alguma coisa. Com as crianças, então,
ele parecia ter um caso especial. Elas se sentiam tão à vontade com ele que não saíam
de perto. Mas ele parecia atrair também os doentes, as mulheres, os pobres... Os
complicados da vida, para falar a verdade.
E a experiência em Caná da Galiléia? Aquilo foi um misto de constrangimento e
alegria. “Naquela ocasião já ficou bem claro que havia limites entres nós”, diria Maria,
“e estes ele queria demarcar bem claramente.” Ela sentiu que podia chegar, mas não
invadir o espaço pessoal e ministerial dele. Havia ocasiões em que as coisas se
tornavam muito confusas. Tensas. Difíceis de administrar no nível pessoal e familiar. O
evangelista Marcos retrata um desses momentos e nem faz questão de esconder que a
família de Jesus toma a decisão de levá-lo para casa, pois, na percepção deles, ele “está
fora de si” (Mc 3.21). Procuremos perceber um pouco da cena descrita por Marcos:
Nisto chegaram sua mãe e seus irmãos, e,
tendo ficado do lado de fora,
mandaram chamá-lo...
Então ele lhes respondeu dizendo:
Quem é minha mãe e meus irmãos?
(Mc 3.31, 33)
Maria, de fato, vivia nessa época uma confusão de sentimentos, percepções e
opiniões. Ela nunca esqueceu como tudo começou. Mas compreender os passos de
Jesus parecia ser demais. Mais difícil até do que aceitar a visita do anjo. Ela, afinal,
sabia quem Jesus era; mas nem sempre entendia o que ele dizia ou fazia. E nem
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sempre aceitava as pessoas com quem ele teimava em conviver. Digerir as opções e as
companhias do filho era, para ela, algo difícil e pesado.
Assim Maria viveu a sua vocação em ambigüidade. Mas nunca deixou de
acompanhar os passos do filho. Seu travesseiro era testemunha da sua luta por
entender e da sua decisão de seguir os passos de Jesus. Seu coração era testemunha da
sua luta com a fé e pela fé. Quantas vezes, ela contaria mais tarde, os seus passos, no
seguimento a Jesus, pareciam bem mais firmes do que o compasso do seu coração!
Outras vezes, era o seu coração que tinha de empurrar os passos que queriam desistir.
E ela suspirava do fundo da alma: “Eu só queria dormir! Dormir para esquecer. Dormir
para descansar”. Mas depois de uma noite de sono ela acordava decidida a continuar
crendo.
O que mais lhe trazia tensão era a questão familiar. A forma e a intensidade com
que “os meninos” discutiam era coisa muito séria. Eles levantavam a voz. Ficavam
agitados. Um ou outro saía da mesa e ficava andando nervoso pelo quarto, e o assunto
parecia ser sempre o mesmo: “Jesus não devia andar por aí dizendo o que ele diz,
fazendo o que ele faz e cercado de gente desse tipo!” Eles achavam que precisavam dar
um jeito nessa história. O fato é que a sua própria família fazia parte do grupo dos
céticos. Dos incrédulos. Críticos do ministério do irmão mais velho. Com isso, ela, que
gostava tanto de ver todo mundo junto e unido, sofria muito.
Naquela ocasião em que a família tomou a decisão de “fazer alguma coisa” e
trazer Jesus à força para casa, Maria quis sumir. Ela se lembra de ter acompanhado os
filhos nessa complicada e doída empreitada. Na sua confusão de alma e angústia de
coração, sentia-se como se fosse um zumbi – estava lá mas não estava lá. E afinal tudo
acabou saindo muito diferente. Jesus tomou conta da situação de tal forma que até
parecia estar se distanciando de sua própria família. Mas o que ele fez foi falar da
família de um outro jeito. Traçou o círculo em torno do que era família seguindo
outros critérios. E eles ficaram ali, meio sem saber o que fazer. Olharam um para o
outro em busca de alguma direção, e acabaram voltando para casa de mãos vazias.
Mas foi bem melhor assim, ela reconheceria mais tarde. Bem melhor!
Este é também o caminho da teologia. Ela segue o caminho de Maria – em sua
luta, ambigüidade e incredulidade. A teologia aprende a andar em compromisso de fé,
dizendo “Eu creio, ajuda-me na minha falta de fé” (Mc 9.24). Ela nunca entende tudo,
mas não deve desistir de querer crer. Ela persegue a fé e decide não desistir do
seguimento a Jesus. Vive da memória da sua vocação e corre atrás da compreensão da
ação de Deus no tempo e na história. Até que, ao final da caminhada da ambigüidade,
se vê aos pés da cruz, ao lado de Maria.
“Há dias e há dias...”, diz Maria à sua amiga. “Havia dias em que eu acordava cantando.
Noutros, no entanto, eu não queria ninguém falando comigo. Já bastava o que eu dizia
para mim mesma. E me sentia tão culpada! Culpada por não conseguir aceitar tudo o que
meu filho dizia e fazia. Culpada por não conseguir juntar a família. Culpada... Mas então,
certo dia, Jesus veio e me abraçou como só ele sabia fazer. Me olhou nos olhos e disse que
sabia das minhas dúvidas e das minhas lutas. Mas sabia também que eu nunca havia
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deixado de me dispor a servir a Deus e a segui-lo com todo o meu coração, e até apesar do
meu coração. E isto, disse, era o mais importante, o fundamental. E então me contou que
não estava em busca das certezas erradas dos fariseus. Esta era a certeza da rejeição. O
que ele buscava era seguimento e consagração. Seguimento de vida e consagração de
ventre.” E disso ele sabia que Maria entendia.
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Caminhando
até os pés da cruz
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panelas de carne do Egito (para usar uma outra imagem)? As mulheres, as Marias, os
discípulos, os outros irmãos de Jesus, o cireneu que entrou nesta história como por
acidente, todos precisam decidir. Você e eu precisamos decidir. E a teologia precisa
dizer a que veio.
Vamos acompanhar Maria ou vamos empreender a rota da fuga, onde também
teremos companhia? Teologia que se faz em rota de fuga é apenas murmúrio ao vento.
É proposta de religiosa gravidez de vento. Não serve para nos engravidar com o
sentido da vida e a clara percepção da nossa vocação histórica. Não serve para nada e
não passa de um grande engano.
A teologia que serve para alguma coisa é gestada aos pés da cruz. Cambaleia e
reluta, mas não sai de debaixo da cruz. Essa teologia é feita ouvindo o convite para
tomarmos a própria cruz no seguimento a Jesus. Sim, porque a teologia não pode fugir
da cruz. Então a Maria, olhando para nós, diria: “Eu sei exatamente o que isso significa.
Essa é a história da minha vida. Mas o peso dessa cruz é leve. Vale a pena!
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Experimentando
o gosto da comunidade
Maria está muito feliz. Jesus está vivo! De forma diferente, mas muito vivo.
Às vezes Maria dava até vontade de se beliscar para certificar-se de que tudo
aquilo que estava acontecendo com ela e ao seu redor era mesmo verdade. Afinal, não
era coisa pouca. Eram coisas rápidas, fortes, intensas e dramáticas.
Era como se estivesse sonhando acordada. Os acontecimentos dos últimos dias
haviam revitalizado sua memória e o filme de sua vida corria bonito diante de seus
olhos internos. Olhos da cabeça e olhos do coração. A verdade é que nos últimos dias
ela até parecia estar sorrindo à toa. Sozinha, feito uma louca. Ela estava muito feliz.
Consoladamente feliz. As imagens da visitação do anjo pareciam ter voltado com força.
Já fazia mais de trinta anos, mas ela ainda se pegava apalpando o ventre como
costumava fazer depois que o anjo a visitou com a mensagem daquela gravidez
estranha e impossível.
Ela não podia nem queria esquecer que houve épocas e acontecimentos
extremamente difíceis, tanto durante a gravidez como depois, com o crescimento do
menino. E quando ele, já adulto, decidiu abandonar a profissão (e, por que não dizer, a
própria família), esta foi outra época de grande tensão. E assim, diante de seus olhos,
passava um outro filme, no qual a questão familiar estava por um fio.
Maria lembrava as ocasiões em que, sentada à mesa, nem comer ela conseguia,
pois o volume das vozes dos outros filhos lhe trancava o estômago. Eles discutiam
muito no intuito de entender o ministério do irmão Jesus; e a suspeita deles era
impossível de esconder. Aliás, ela era pública – eles faziam parte do grupo dos céticos.
Lembram daquela tentativa deles de tirar Jesus do circuito?
Tempos difíceis, aqueles. Maria sentia-se, então, completamente imobilizada e
com muito medo. Ao escutar aquele vaivém de argumentos, ela até parecia concordar
com seus “outros meninos”. Mas, lá dentro, havia uma outra voz que ela sabia ser
melhor escutar. Esta era a voz do anjo. Era a voz da sua própria experiência de vida
com Deus. Era a voz que dizia que o caminho de Jesus era esse mesmo!
Então, não muitos dias atrás, tudo pareceu chegar a um trágico fim. Aquela cruz
maldita e aquela morte tão real de Jesus eram mais do que ela seria capaz de suportar!
Em tom de despedida, ele até parecia estar cuidando dela. Era o filho adulto querendo
zelar pela mãe sozinha.
Mas a reviravolta não demorou, graças a Deus. É verdade que o susto do túmulo
vazio fechou o seu estômago mais uma vez. Mas isso durou pouco, muito pouco. Havia
outra palavra no ar. Havia outra figura em pé. Havia ressurreição a exalar perfume de
vida: “Por que buscais entre os mortos ao que vive? Ele não está aqui, mas
ressuscitou” (Lc 24.5-6). Ele estava vivo! E ela também – claro que noutro sentido.
Ufa! Quanta coisa! E ela solta um profundo suspiro.
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Ela até parece estar acordando de um sonho. Olha ao redor e se percebe meio
assustada. Um dos filhos olha para ela como a dizer “Sonhando de novo, mãe?”. Ela
sorri e decide sair, em busca de um pouco de ar fresco. Sem prestar muita atenção nos
outros que estão orando ao seu redor, levanta-se e vai dar uma voltinha lá fora.
O fato é que Maria está muito feliz. Jesus está vivo! De forma diferente, mas
muito vivo. E tanta coisa havia mudado nestes poucos dias! Sua família era um
exemplo disso. Aqueles irmãos suspeitos de ontem estavam lá dentro orando.
E ela ainda parecia ter ganho uma outra família. Essa família da fé, como eles
começavam a descobrir e experimentar, era alguma coisa muito forte e bonita. Eles até
começaram a se chamar de “irmãos” e “irmãs” e, pelo jeito, tinham muito em comum.
E, como se tudo isso não bastasse, essa pequena comunidade já vivia uma outra
expectativa, baseada em outra promessa. Pois ele, Jesus, tinha dito que eles deveriam
esperar por algo muito especial. Disse que receberiam o Espírito Santo e que este lhes
daria poder para falar “dessas coisas” para todo mundo. Era muita coisa! E lá estava
ela novamente sorrindo e pensando em como tanta coisa, tão bonita e tão intensa,
poderia estar acontecendo com ela, uma simples Maria de Nazaré!
Todos estes perseveravam unânimes em oração,
com as mulheres,
estando entre elas Maria, mãe de Jesus,
e com os irmãos deles.
(At 1.14)
E assim deve acontecer com a teologia. Teologia a ser feita com um sorriso nos
lábios. Teologia a revisitar a história da vida e nela celebrar a história de Deus.
Teologia a ser feita em comunidade de fé – a comunidade nova de irmãos e irmãs que
se descobrem tão unidos e com tanta coisa em comum. Teologia que permanece em
oração expectante. A oração da boca aberta, estupefata com a ressurreição. A oração
da dependência da palavra de Deus que promete algo novo. A teologia que não pode
parar de dizer: “Vem, Espírito Santo. Vem!”
“Faz tão pouco tempo! Uma noite dessas”, ouve-se Maria compartilhar, antes de dormir,
com uma dessas suas novas irmãs na fé, “eu chorei muito. Era o choro de uma mãe
desconsolada, eu sei. Mas era também um estranho choro de paz, pois eu sabia que Jesus
estava cumprindo com a sua missão. Mas hoje à noite”, ela continua, “eu estou muito
feliz. Veja só quanta coisa me aconteceu: Jesus ressuscitou, os meus filhos se converteram,
ganhei uma nova família, estamos aqui esperando pelo Espírito Santo e há uma nova
missão nos esperando. Não é bom viver assim?”
Maria pára de falar, pois a amiga está morrendo de sono. Ela também vai dormir. Antes,
porém, volta os olhos para o templo, como a dizer aos doutores da lei: “Vocês deviam
estar aqui conosco! Vocês precisam fazer parte desta nossa comunidade. Vocês precisam
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participar dessa missão de Deus para o mundo. Pois essa é a vocação da teologia”, Maria
quer ensinar; “teologia comunitária a serviço da missão de Deus no mundo”.
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Aprendendo
coisas do coração
É importante manter a Maria absolutamente humana e perceber a riqueza
da sua vida. Aliás, ela era absolutamente humana. Daí a sua beleza.
Uns últimos rabiscos querem trazer à nossa memória um grande segredo de
vida. Maria já vem vindo para estar conosco mais uma vez, ajudando-nos a montar
este último cenário. Um cenário do coração a exalar o perfume da sabedoria de vida e
a expressar o gosto de uma vida de entrega a Deus.
É importante manter a Maria absolutamente humana e perceber a riqueza da
sua vida. Aliás, ela era absolutamente humana. Daí a sua beleza. Percebendo sua
humanidade e conhecendo a nossa humanidade, pois, quem não iria dizer que a vida
de Maria tenha sido cercada de grandes certezas e grandes dúvidas? Em certos
momentos ela dançava de alegria e parecia contaminar a todos ao seu redor. Mas
também havia aqueles momentos quando ela não queria ver ninguém por perto e,
chorando pelos cantos, mostrava todo o seu desespero.
As coisas tinham sido assim desde o dia em que o anjo pisou em sua casa. Mas
assim também somos nós e assim também acontece conosco, mesmo que em diferente
escala e circunstâncias. E assim é com a nossa teologia, feita em meio a grandes
certezas e profundas dúvidas. Marcada por uma contagiante alegria, mas sem poder
nem querer esconder as suas grandes perguntas. É teologia no compasso da vida a
serviço de Deus.
Havia eventos e momentos nos quais Maria parecia possuída de um grande
discernimento e, sorrindo, sabia estar compartilhando dos segredos de Deus. Mas
sempre houve também aquelas coisas e aqueles acontecimentos que a deixavam
confusa. Coisas que ela não conseguia entender, mas que aprendeu a respeitar. Coisas
que ela aprendeu a carregar e a cultivar em silêncio. Um silêncio fértil de amor a Deus.
Maria às vezes não tinha palavras, mas ela sempre tinha coração.
As cenas que marcaram o nascimento de Jesus foram assim. Absolutamente
simples e fáceis de serem absorvidas; uma manjedoura, animais a incomodar e o
pobre José com uma expressão meio perdida. As suas dores de parto, e o próprio
parto, tão destituído de cuidados e que, no entanto, acabou sendo tão bonito e tão
significativo! A criança, pois, a chorar, o José a coçar a cabeça e ela a sorrir em meio às
dores que estavam indo embora, tudo isso vinha acompanhado dessa paz de quem
sabe o que está acontecendo.
Mas então outras pessoas começaram a chegar e com estas ela não sabia direito
o que fazer. Anjos, visões e promessas faziam parte do vozerio cheio de adrenalina
desses desconhecidos. Tudo isso ia além de sua compreensão e até de sua imaginação.
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Estas coisas, Maria, pasma e grata, guardava no coração. Assim diz o texto: “Maria,
porém, guardava todas estas palavras, meditando-as no coração” (Lc 2.19).
Pulamos alguns anos e chegamos ao templo, onde Maria, com cara de mãe
assustada, não sabe o que dizer ao menino. Aliás, ela nem sabe o que pensar desta
cena tão inusitada. Ele é só um menino querendo entrar na adolescência! Mas o que
ela viu e escutou naquele templo, em tão poucos momentos, parecia coisa de adulto
sabido e preocupado. Coisa de mestres a falar do Reino de Deus. Ela só conseguiu ser
mãe e falar da sua assustada preocupação. Mas ainda assim a resposta do menino era
coisa de gente adulta. Ouvindo o que ele falava, a cabeça dela parecia que ia explodir!
Lucas até diz que eles, como pais, “não compreenderam as palavras que lhes dissera”
(Lc 2.50).
Então o evangelista registra novamente aquelas sábias palavras: “Sua mãe,
porém, guardava todas estas cousas no coração” (Lc 2.51). Assim é uma boa teologia.
Ela até consegue compreender algumas coisas, dizer umas palavras aqui e articular
umas frases ali. Mas precisa ir muito além disso. A teologia precisa ter atitude de
escuta. Coração que rumina. O coração da teologia precisa ser muito maior do que a
sua boca. A boa teologia, portanto, é a teologia do coração grande.
A boa teologia aprende com aquela outra Maria que “quedava-se assentada aos pés do
Senhor a ouvir-lhe os ensinamentos”. Desta, Jesus diz: “Pouco é necessário, ou mesmo
uma só cousa; Maria, pois, escolheu a boa parte e esta não lhe será tirada” (Lc 10.39, 42).
E a teologia responde com humildade: “Eu quero um lugar aí, Senhor. Ajuda-me a querer”.
Jesus olha, sorri e diz: “Segue-me”.
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