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Algumas considerações acerca do controle Judicial sobre a legitimidade nas ações

coletivas.*

Nathália Mariel Ferreira de Souza1

RESUMO

O presente trabalho possui como objetivo traçar uma análise sobre a possibilidade de
uma maior e mais efetiva atuação judicial no sentido de reconhecer a presença ou não da
representação adequada exercida pelo legitimado em uma ação coletiva, utilizando-se da
experiência norte-americana exposta na Rule 23(a), como também das previsões dispostas no
Código Modelo de Processos coletivos para a Ibero - América e no Anteprojeto de Código
Brasileiro de Processos Coletivos. O estudo ainda ressaltará a concretização pelo controle da
representatividade de alguns dos princípios específicos da tutela coletiva, como é o caso do
devido processo legal(social) e principalmente efetividade, justamente pela compreensão
desse ramo como direito fundamental imprescindível para a concretização de garantias
dispostas constitucionalmente.

Palavras-Chave: Controle judicial, legitimação, representação adequada, efetividade e


devido processo legal.

ABSTRACT

This work aims to draw an analysis on the possibility of a greater and more effective
judicial action to recognize the presence or absence of proper representation exercised by a
legitimated in collective action, using the U.S. experience set out in Rule 23 (a), as well as
forecasts prepared in the Process Model Code for the collective Ibero - America and the Draft
of the Brazilian Code of collective processes. The study also highlight some of the specific
principles that will be respected by control of representacy, such as due process of law and
1
Acadêmica de direito do 5º ano do Centro Universitário do Pará.

* Artigo científico apresentado para publicação na Revista Saber jurídico.


especially effective, just by understanding that class as a fundamental right essential to the
fulfillment of constitutional guarantees arranged.

Key Words: Judicial review, legitimacy, adequate representation, effectiveness and due
process.

1 INTRODUÇÃO

O texto legal referente à tutela coletiva faz menção a um rol exaustivo de


legitimados, onde caberia em uma interpretação inicial, apenas a leitura dessa legitimação de
maneira restrita, dessa maneira, a análise de comportamento desse legitimado não seria
possível em razão de sua imposição ope legis.

Contudo, em razão de princípios como o devido processo legal, o acesso à justiça, a


primazia da tutela coletiva adequada e todas as considerações de justiça social e finalidade
exposta do direito, a doutrina vem entendendo pela necessidade de um controle judicial acerca
da representação adequada do legitimado na ação coletiva.

A concepção de processo coletivo como ramo autônomo, como instrumento de


democracia participativa, assumindo o papel de concretização de direitos fundamentais, e por
este papel, convertendo-se em próprio direito fundamental, não pode se perder em um
emaranhado de concepções defasadas acerca do império da lei e da neutralidade do judiciário.

Utilizando ainda a experiência norte-americana acerca do uso da adequacy of


representation da Rule 23(a), demonstrar-se-á a necessidade da importação da concepção do
magistrado como protagonista na ação coletiva, e da responsabilidade do legitimado com a
boa condução do feito, tanto é assim que os próprios modelos de código de processo coletivo
já apontam para a existência em seus textos de dispositivos impondo esta análise para se
alcançar os escopos da tutela metaindividual.

Sendo assim, sem intenções de esgotar o tema, mas apenas objetivando expor as
linhas de argumentação no sentido de favorecer uma leitura social crítica acerca da
legitimidade nas ações coletivas com base em princípios e direitos constitucionalmente
garantidos, o presente estudo se presta a uma reflexão acerca da mudança nos papéis dos
sujeitos do processo e suas responsabilidades dentro de um Estado Democrático de Direito.

2 O CARÁTER OPE LEGIS DA LEGITIMAÇÃO COLETIVA NO


DIREITO BRASILEIRO

Na década de 70 tivemos a promulgação da Lei 6.513, de 20 de dezembro de 1977,


que modificou o § 1º do Art. 1º da Lei da Ação Popular, bem como a Lei nº 7.347 de 24 de
julho de 1985, que institui a Ação Civil Pública completada posteriormente com a
promulgação do Código de Defesa do Consumidor, formando o chamado Microssistema de
Processo coletivo, voltado para aplicação dos direitos transindividuais, confirmados
materialmente com o advento da Constituição Federal, através da imposição das novas
necessidades do Estado e funções voltadas à maior responsabilidade com o social.

Como o processo individual não era capaz de abranger as novas necessidades dos
direitos difusos em juízo, alguns institutos foram repensados e ganharam nova roupagem, é o
caso da legitimidade, requisito de admissibilidade de qualquer ação judicial. A idéia
tradicional definia que para haver legitimidade em uma ação, deveria existir a estrita
correspondência entre o titular da ação e o titular do direito material afirmado, tal regra
encontra-se disposta no artigo 6º do Código de Processo Civil, logo, concluiu-se que ninguém
pode pleitear em juízo direito alheio.

No direito coletivo a legitimidade ganha outros contornos, não é nosso objetivo


analisar as correntes de pensamento acerca dos tipos de legitimidade existentes, por essa razão
resumiremos a legitimidade como disposta pelo legislador através de um rol exaustivo tanto
na Lei da ação civil Pública como no Código de Defesa do Consumidor, assim como a
legitimação de qualquer cidadão na ação popular, configurando uma verdadeira e autêntica
política de liberação dos mecanismos de legitimação ad causam2, sendo caracterizada por ser
autônoma, extraordinária, exclusiva, concorrente e disjuntiva.3

É importante ressalvar algumas das intenções do legislador ao taxar os legitimados


aptos para a propositura de uma ação coletiva, houve uma clara opção de política legislativa
uma vez que a legitimidade se encontra intimamente ligada à extensão da coisa julgada e
MILARÉ, Edis. Tutela “jurisdicional do ambiente”. Justitia: São Paulo, 1992, nº 157, p.66.
2

LENZA, Pedro. Teoria Geral da Ação Civil Pública. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2008, 3ª Ed., p. 180.
3
também a importância conferida aos prováveis direitos materiais difusos tutelados através
destas ações.

Não houve a opção em ampliar demasiadamente o rol de legitimados, em razão do


próprio fracasso da ação popular, que ao determinar a possibilidade de qualquer cidadão
propor esta ação, se viu em face de uma sociedade desorganizada e sem maiores intenções de
concretizar a empatia social necessária em uma democracia participativa, de qualquer forma,
além das instituições mais propensas ao uso das ações coletivas, houve a legitimidade
conferida às associações, justamente para forçar uma organização da sociedade civil que
participasse e cobrasse do poder público, seus direitos e garantias dispostas
constitucionalmente.

Assim, alguma parte da doutrina entende que em razão da exposição taxativa do


legislador, para a análise da legitimação coletiva, bastaria uma leitura do texto legal, não
havendo qualquer outro requisito ou ainda a possibilidade do magistrado interferir nessa
análise, definindo-se que a legitimação é determinada ope legis, ou seja, apenas por força de
lei.

Ainda define-se que abrir a possibilidade ao magistrado para a análise da


representatividade adequada seria autorizar discricionariedades do judiciário, logo, bastaria à
este analisar se o legitimado encontra-se presente no rol disposto legalmente e prosseguir o
feito para seu regular processamento. A representação adequada foi analisada de maneira
abstrata e anterior à ação em caso concreto, ela foi propriamente definida pelo legislador, que
elegeu os entes mais aptos e capazes de exercer em juízo a representação da tutela
metaindividual.

Nesse contexto, cabe analisar algumas problemáticas oriundas dessa concepção


restrita de legitimidade. Primeiramente, apesar da previsão de associações como legitimados à
propor ações coletivas, como forma de aproximação da sociedade civil com o debate e o
contexto decisório de seus direitos coletivos, a realidade aponta para a inexpressividade da
atuação destes entes, que quando atuam são rechaçados pelos tribunais, ferindo a isonomia de
tratamento ao darem preferência aos entes institucionalizados e com maior reconhecimento,
caso do Ministério Público, quando atua como autor em ações coletivas, fazendo com que as
associações encontrem dificuldades em face de sua flagrante hipossuficiência em alguns
casos.
Em segundo lugar, deve-se ressaltar que a análise de representação adequada
realizada de maneira abstrata pelo legislador não alcança as vicissitudes do caso concreto,
uma vez que são pré-estabelecidas e não guardam correspondência em muitos dos casos com
o conceito de legitimidade clássico, já que muitas vezes o ente legitimado sequer tem
proximidade com as necessidades imediatas da situação, não possuem idoneidade para
intentar uma ação bem como não demonstram capacidade para suportar os efeitos da mesma.

Ainda existe alegação no sentido de que não haveria a necessidade de análise da


representação porque a coisa julgada nas ações coletivas é dada apenas para beneficiar os
membros do grupo e não para prejudicá-los, todavia, tal argumentação é facilmente
desarmada em razão da possibilidade da sentença de improcedência na ação coletiva ser
proferida com base em provas suficientes para tanto, fazendo coisa julgada e impedindo a
propositura de nova ação coletiva com o mesmo fundamento.

A legitimidade é um requisito de admissibilidade da ação, porém é muito mais que


isso, trata-se de requisito da própria eficácia do feito, sem o qual não se pode propiciar não
somente um provimento jurisdicional de mérito como não pode conferir àqueles
representados, a justiça social que merecem em face do distanciamento de seus clamores
daquele que deveria lhe escutar com cuidado e carinho, cria-se pseudo-defensores de uma
categoria que, na maioria dos casos, encontra-se desprotegida e sem possibilidade de ação.

Simplesmente não é correto aceitar que não existe saída para o magistrado agir
quando verificar no caso concreto, a incompetência ou até a negligência do representante da
coletividade, arriscando-se a proferir decisão inadequada para a situação e até equivocada em
face da ausência de técnica e probidade no desenrolar da ação, é uma violação não apenas aos
princípios constitucionais e direitos e garantias fundamentais, viola o nosso próprio senso de
virtude e justiça.

3 O CONTROLE SOBRE A REPRESENTAÇÃO ADEQUADA NA


EXPERIÊNCIA AMERICANA

Ao analisarmos os requisitos para as ações de classe no direito norte-americano nos


deparamos com a necessidade de análise pelo magistrado da representação adequada do
legitimado que está substituindo os interesses da classe. Este tipo de legitimação faz com que
o devido processo legal se confirme através da correta e eficaz representação, o que significa
dizer se a classe está ou não presente no julgamento4.

Importante a ressalva de que este controle da representação já era exercido na


Inglaterra, sendo apenas positivado e mais utilizado nos EUA, que atualmente possuem maior
tradição em sua utilização, mas não exclusividade, uma vez que institutos semelhantes são
aplicados no Canadá e Austrália.

No artigo 23 das Federal Rules of Civil Procedure existe o controle judicial da


representatividade adequada como quarto requisito de admissibilidade para toda e qualquer
class action, onde o magistrado analisa e controla a legitimação coletiva, verificando se o
legitimado possui as condições e atributos necessários para qualificá-lo como o mais
adequado para a condução do feito, não apenas mediante a análise dos requisitos gerais mas
também sob a luz do caso concreto.

Essa análise passa por duas fases, inicialmente verifica-se a existência ou não de
autorização legal para que aquele ente possa substituir os interesses da classe e
consequentemente conduzir o processo de maneira eficaz, em caso de resposta afirmativa, o
juiz realiza posteriormente o controle propriamente dito da adequação, sempre
motivadamente, não apenas no início do processo mas em todos os seus momentos, afim de
que, ao final o provimento de mérito seja justo e efetivo.

O autor Antônio Gidi define que existem similaridades no sistema de legitimação do


direito brasileiro e o norte-americano, uma vez que ambos possuem as suas regras de fixação
dispostas legalmente, a diferença é que o conceito de adequacy of representation é aberto e
indeterminado, integrado através de cada caso concreto pelo convencimento motivado do
magistrado, ou seja, possuem caráter subjetivo vinculado, em contraste com nosso sistema
pautado na objetividade ope legis.

A importância do controle de representatividade reside na necessidade de respeito ao


devido processo legal aos membros ausentes que serão vinculados à coisa julgada e ao
interesse jurisdicional no conhecimento do mérito da causa, bem como decorre do papel do
juiz como verdadeiro protagonista nestas ações. O controle é ainda mais efetivo nas chamadas
class actions for damage, ação esta inspiradora da formação de nossa doutrina acerca dos
direitos individuais homogêneos, disposto na alínea “b”, onde além da adequação da
4
DIDIER, Fredie e ZANETI, Hermes. Curso de direito processual civil, processo coletivo. Podium: Bahia,
2008, 3ª ed, p. 216.
representatividade, analisa-se a prevalência ou não das questões de direito e de fato comuns
sobre as questões de direito e de fato individuais, assim como a análise da superioridade da
tutela coletiva sobre a individual, em termos de justiça e eficácia da sentença.5

A questão desta análise da representação é analisada tanto em seu aspecto abstrato


como em seu aspecto concreto, ou seja, analisa-se o grupo como um todo assim como
verifica-se pessoas isoladamente, podendo haver restrições da coisa julgada de acordo com as
conclusões motivadas do magistrado.

Importante a ressalva de que este controle é caracterizado como critério qualitativo e


jamais quantitativo. Logo, não interessa o número de representantes, nem o valor das
pretensões buscadas individualmente, mas a aferição da presença de características como a
credibilidade, a seriedade, o conhecimento técnico-científico, a capacidade econômica, a
possibilidade de produzir uma defesa processual válida, o histórico de atuação e outros.

O direito americano sempre se pautou em uma maior preocupação com os fatos e


com os precedentes, o que não seria diferente para este instrumento tão poderoso e
transformador que são as ações de classe, logo o objetivo da representação adequada é
assegurar tanto quanto possível, que o resultado da tutela não seja diverso do resultado que
seria obtido se todos os membros da coletividade pudessem pessoalmente defender seus
interesses.

Além disso, minimizam-se os riscos de acordos ilícitos e utilização do processo


indevidamente como meio de homologar transações que prejudiquem direitos e garantias
invioláveis e de suma importância, assegurando-se que se traga a baila todos os reais e
concretos interesses das partes com uma conduta e atuação do seu “porta-voz” apto a alcançar
o provimento mais justo.

É óbvio que não se pode internalizar instrumentos e estruturas que, a despeito de


funcionarem bem em seus países de origem, podem comprometer demasiadamente nosso
judiciário, tanto por razões históricas como por razões de cultura e esforços em cada caso
concreto, contudo pode-se realizar o que Gidi definiu como “transplante responsável”,
utilizando ideais e meios jurídicos de sistemas alienígenas adequando-os às características e
objetivos de nosso ordenamento, caso do instituto da representação adequada, que apesar de

5
GRINOVER, Ada Pellegrini. Da Class action for damages à ação de classe brasileira: os requisitos da
admissibilidade. Repro 101/15.
ser justificado por constatações que não coincidem com nossa realidade, com certeza trazem
avanços sociais incomparáveis na efetividade de direitos fundamentais.

4 O PAPEL POLÍTICO DO JUIZ NAS AÇÕES COLETIVAS-


PRINCÍPIO DO ATIVISMO JUDICIAL

A existência e a confiabilidade que as class actions possuem nos Estados Unidos é


garantida em grande parte devido ao posicionamento dos magistrados daquele sistema, que
possuem a consciência do poder e da responsabilidade que é decidir causas que afetam
milhares de indivíduos, que asseguram ou não a aplicabilidade de direitos universalmente
considerados e que compreendem a dimensão da ação coletiva a partir do momento em que
um juiz neutro não conseguiria efetivar a tutela ali pretendida.

É esta consciência que deve ser transportada para o juiz brasileiro, para a mitigação
dos dogmas do processo liberal individualista e a percepção de seu poder de transformação e
intervenção, efetivando-se o acesso à justiça sem desrespeitar o devido processo legal.

Além de propiciar ao processo a textura constitucional necessária, concretiza-se os


ideais de uma sociedade participativa, aumenta-se a crença no judiciário, justamente porque
aquele “magistrado-estátua” perde seu espaço para um juiz consciente de sua função social
que busca a diminuição do abismo que muitas vezes persiste em nossa realidade entre o
direito abstratamente considerado e a sua concretização.

O principal foco de atuação do magistrado deve ser na mitigação do império da lei,


não ao ponto de desconsiderá-la e voltarmos à barbárie, mas sempre atuando na busca de uma
justificação de suas decisões, também não se está pregando a arbitrariedade, mas um
subjetivismo controlado.

A análise da representação adequada ganha força em face dos princípios


constitucionais do processo, adaptados aos escopos dos direitos coletivos, uma vez que suas
linhas políticas direcionam-se para a idéia maior de efetividade, onde o judiciário deve atentar
cada vez mais à realidade sócio-econômica do país, conhecer das necessidades, conectando-se
à vida real, não se limitando à velha representação da figura do juiz idoso dormindo em sua
cadeira no tribunal, inacessível ao homem do povo.
Veja, não se quer também abandonar a necessidade de imparcialidade do magistrado
ao decidir a lide, até porque esta não se confunde com a neutralidade, a intenção é incentivar
uma participação concreta na condução do processo, justamente porque há o interesse do
judiciário em conhecer o mérito das ações coletivas. Logo, se quer obter a realização do
direito substancial, nesse sentido cabe citar o mestre José Carlos Barbosa Moreira:

“Uma coisa, com efeito, é proceder o juiz, movido por interesses ou


sentimentos pessoais, de tal modo que se beneficie o litigante cuja vitória se
lhe afigure desejável; outra coisa é proceder o juiz, movido pela consciência
de sua responsabilidade, de tal modo que o desfecho do pleito corresponda
àquilo que é o direito no caso concreto. A primeira atitude, obviamente,
repugna ao ordenamento jurídico; a segunda só pode ser bem vista por ele.
Ora, não há diferença, para o juiz, entre querer que o processo conduza o
resultado justo e querer que vença a parte(seja qual for) que tenha razão”. 6

Um dos princípios aclamados pelo processo coletivo, importado dos EUA, é o


ativismo judicial, onde existe o que discutimos até aqui, somado ao maior mediatismo do juiz
que abre a possibilidade de diálogo com as partes, e que em razão do forte interesse público
da demanda, flexibiliza a técnica processual para melhor amoldá-la ao caso concreto.

O fato de denominar-se que o papel do juiz nas causas coletivas quase sempre é
político, justifica-se pela decisão que o mesmo profere em casos onde no conflito de dois
interesses relevantes, um deles é eleito passível de proteção jurídica em detrimento de outro,
se em demandas individuais tal fato ocorre, em demandas coletivas esta realidade é ainda
mais nítida, onde noções de interesse público, proporcionalidade e bem comum entregam ao
judiciário função típica de representantes políticos da sociedade.7

Diante dessa nova realidade, desse novo papel do judiciário de além de ater-se ao
conteúdo das normas legais e dos regramentos pátrios, encontrar-se intimamente conectado à
realidade social, o instrumento do controle da representação adequada se mostra essencial
inerente ao próprio texto constitucional, já que a ação como instrumento para alcançar o
direito material correspondente, faz com que o processo coletivo responsável por direitos
fundamentais coletivos ganhe contornos de um direito fundamental, transformando um
amontoado de papéis em meios de concretização de justiça real.

6
BARBOSA MOREIRA, J. C. Sobre a “participação” do juiz no processo civil. In: GRINOVER, Ada
Pellegrini (coord.) et. al. Participação e processo.

ARENHART, Sérgio Cruz. As ações coletivas e o controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário. In:
7

MAZZEI, Rodrigo e NOLASCO, Rita Dias (coord.) et.al. Processo Civil Coletivo.
As correntes contrárias ao controle da legitimidade coletiva possuem como maior
fundamento a inexistência de previsão legal nesse sentindo, contentando-se com a prévia
análise feita pelo legislador que sequer conhece a realidade de cada caso, limitando-se à uma
concepção abstrata de aptidão.

Decisões judiciais que tomam por base tais argumentos são altamente prejudiciais à
justiça, à credibilidade do processo, fato que infelizmente é corrente em nosso judiciário, já
que as ações coletivas são mal interpretadas e por muitas vezes estigmatizadas como
“complicadas”, permanecendo as mesmas sem a merecida efetividade.

Por muitas vezes parece repetitivo informar que a mentalidade liberal dos tribunais
prejudica a efetividade das ações coletivas, mas a meu ver, essa informação ainda não foi
absorvida pelos operadores do direito da maneira que devia, a sensibilidade deve ser unida à
técnica, sem deixar que esta se sobreponha de tal maneira a anular a posição de vanguarda da
tutela metaindividual, mais uma vez cito o professor Barbosa Moreira:

“quando porventura nos pareça que a solução técnica de um problema


elimina ou reduz a efetividade do processo, desconfiemos primeiramente de
nós mesmos. É bem possível que estejamos confundindo com os limites da
técnica os da nossa própria capacidade de dominá-la e de explorar-lhe a
fundo as virtualidades. A preocupação com a efetividade deveria levar-nos
amiúde a lamentar menos as exigências, reais ou supostas, imputadas à
técnica do que a escassa habilidade com que nos servimos dos recursos por
ela mesma colocados a nossa disposição”.8

O juiz não é um burocrata, seu papel não deve se resumir à aplicação da letra da lei
de maneira fria, essa realidade foi superada com a própria superação de dever negativo do
Estado, o juiz é agente político, detentor de importantíssima função social, que deve se ligar à
função social do texto legal e à sensibilidade de cada caso, para nessa união, concretizar
justiça, capaz de alterar a realidade deprimente da sociedade e da efetividade deficiente de
determinados direitos.

5 EFETIVAÇÃO DO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E


A PRIMAZIA DA TUTELA COLETIVA ADEQUADA

Analisar os princípios acima defendidos para ao final concluir-se com sua efetividade
através do controle da legitimidade seria “chover no molhado”(sic), por esta razão, com vistas
a conferir argumentos e não afirmações, faremos o raciocínio inverso. A legitimidade e o

8
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. “Efetividade do processo e técnica processual” in Temas de direito
processual, 6ª série. São Paulo: Saraiva, 1997, p.28.
exercício de controle em seu âmbito, implica, como já afirmado anteriormente, no exercício
pleno dos direitos da coletividade, observando-se a boa técnica e a probidade do agente, assim
como garante a voz efetiva da classe durante o prosseguir do feito.

Além disso, as regras de legitimidade representam o próprio princípio democrático


disposto no texto da Magna Carta, uma vez que, os detentores de fato dos direitos envolvidos,
apesar de não participarem diretamente da ação, são representados por entidades que devem
ser aptas a assegurar a soberania popular, pilar de sustentação de um Estado Democrático de
Direito, que ao mesmo passo que defende o uso da lei, carrega em seu interior os valores
herdados do Estado Social, objetivando justiça material efetiva.

Essas conseqüências demonstram com maior segurança o respeito aos princípios do


processo coletivo, entendendo-se que estes desempenham o papel de demonstração das linhas
políticas de determinado ramo. Dessa feita, a adequada representação é instituto que deve ser
utilizado e aplicado, como forma de se alcançar o acesso á justiça integral e consecução do
devido processo legal substancial. A defesa de direitos fundamentais só ocorrerá se durante a
ação, se perseguir o alcance deste objetivo através do uso de instrumentos aptos a esta
concretização, principalmente no quesito entrada de qualquer feito, que é a legitimidade.

Os princípios conferem a base necessária para o preenchimento das omissões, das


dúvidas assim como das contradições, possuindo teoricamente dupla função. Primeiramente
negativa, impedindo que se atente contra a ordem constitucional, de maneira que todo o
arcabouço normativo referente à legitimidade assim como os entendimentos e interpretações
só podem ser realizados e serem validados, se possuírem conformidade com os ditames da
norma maior, e em segundo lugar os princípios possuem função positiva, permitindo ao
operador do direito a possibilidade de conferir efetividade aos princípios constitucionais
sempre que as regras jurídicas positivadas não alcancem os objetivos do texto constitucional
ou ainda, quando forem insuficientes para atendê-los.

No direito norte americano uma das justificativas da representação adequada é


justamente o respeito ao devido processo legal, cujo principal corolário é o contraditório,
definindo que todos envolvidos devem ser ouvidos e terem a capacidade de influir no julgado,
assim, através do controle da atuação do legitimado, consequentemente atende-se ao
contraditório, pois se cria uma realidade onde o decisum corresponderá ao mesmo que seria
dado para o caso de todos substituídos pessoal defenderem seus interesses pessoalmente na
corte.
O devido processo legal encontra-se positivado em nossa Constituição, no artigo 5º
inciso LIV, derivando do próprio princípio-mor do acesso à justiça. Este princípio define que
o estado deve garantir o acesso formal e material à tutela jurisdicional, adaptando-se sempre
às novas necessidades representadas por uma era de direitos coletivos, definindo ainda que a
jurisprudência e a atuação dos operadores do direito devem se conformar com os objetivos de
justiça das ações coletivas, pautadas na instrumentalidade das formas e na mitigação de
institutos e dogmas liberais.

Mauro Cappelletti9 aponta para a denominação de devido processo social, adaptação


do devido processo legal individual para as feições coletivas da nova era, onde há o direito de
ser citado, ouvido, e defendido através de um representante, mas não de qualquer um, e sim
através do adequado, pregando ainda a desburocratização do judiciário e alterações de leis,
além do abandono efetivo de dogmas liberais e a aceitação da idéia do judiciário como sujeito
responsável pela construção do Estado Democrático, afirmando direitos sociais fundamentais
e atendendo aos fins sociais a que se dirige o processo e ao bem comum.

Logo, ao definir que o devido processo legal (social) exige um instrumento apto a
concretizar os direitos materiais envolvidos de maneira eficaz e efetiva, rapidamente fazemos
uma ligação com a noção de controle da legitimidade, já que o processo que almeje
concretizar direitos fundamentais coletivos necessita de um representante adequado preparado
para representar a grandiosidade desses direitos, admitir o contrário seria violar o processo
legal, limitando-se à sua análise formal de previsão legal e esquecendo os aspectos de
efetividade para a tutela pretendida.

A máxima que podemos retirar dessa compatibilização é de que não adianta a


previsão de procedimentos para a concretização da tutela coletiva, não adianta a mera
previsão legal de institutos e meios, se estes não forem hábeis para serem concretizados na
realidade dos tribunais, se estes não forem aptos a fazer justiça no processo.

Luiz Guilherme Marinoni em muitas de suas obras defende a idéia de um direito


fundamental á técnica processual adequada, onde uma de suas facetas pode ser facilmente
relacionada ao exercício do controle da legitimidade nas ações coletivas, superando a
supervalorização do processo, do instrumento, quando o foco é na concretização do direito
material discutido em juízo, ou seja, deve-se prezar pela primazia da tutela coletiva adequada.
9
CAPPELLETTI, Mauro. The Judicial process in comparative perspective, 1991. p. 304. In GIDI, Antonio. A
class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: as ações coletivas em uma perspectiva comparada.
Editora revista dos tribunais, 2007. p. 135.
O processo não é fim em si mesmo, a lei não pode ser seguida ao extremo, deve ser
sim aliada a outros instrumentos como a sensibilidade ao caso concreto, a observância dos
princípios constitucionais, o acesso à outras fontes do direito, afim de se focar nos objetivos e
na própria justificação da norma, devendo tal ação ser cobrada pela sociedade e pelos
doutrinadores, para evitar o exercício de arbitrariedades e o rigorismo excessivo da lei.

6 CONSEQUÊNCIA DA ANÁLISE DA REPRESENTAÇÃO


ADEQUADA

Após toda essa exposição de princípios, de defesa da análise da representação


adequada do legitimado coletivo em cada caso concreto, vem a pergunta crucial: quais as
conseqüências de uma ausência de aptidão na condução do feito coletivo? Extinção da
demanda sem resolução do mérito? Obviamente que não.

O magistrado ao analisar a ausência ou o comprometimento da representação dos


interesses coletivos no processo deverá substituir o legitimado por outro integrante do rol
exposto legalmente, convocando-o através de edital, propiciando assim uma sucessão
processual e jamais a extinção do feito, apesar desta saída ser defendida por alguns autores.10

O judiciário possui interesse no conhecimento do mérito da ação coletiva, uma vez


que defende direitos materialmente fundamentais de interesse público primário, não podendo
de outra forma ser tratado, além disso, com base nos princípios da economia processual e da
instrumentalidade das formas, reclama o ingresso de legitimado coletivo apto no lugar
daquele que poderá comprometer o mérito da questão litigiosa, ressaltando-se que este
comportamento não é de lege ferenda, mas de lege data.

Mesmo com as restrições da extensão da coisa julgada secundum eventum litis, não
se mostra razoável a extinção de um feito notadamente importante em face dos interesses em
jogo, levantar esta bandeira é se esconder atrás de um formalismo desmedido e não enxergar
as reivindicações de nossa realidade social.

Uma pergunta relevante justifica ainda mais o uso do controle da representação, caso
ao final de uma demanda os membros da coletividade entendam pela inadequação da
representação exercida pelo legitimado abstratamente disposto pelo legislador, os efeitos
GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: as ações coletivas em uma
10

perspectiva comparada. Editora revista dos tribunais, 2007. p. 134.


acarretados poderiam ser os mesmos que os da ausência do contraditório no processo
individual? Ou seja, poderia ser pleiteada a nulidade de uma ação coletiva por ausência de
representação adequada?

Esta resposta merece cautela, o legitimado deve ser aquele capaz de fazer valer a voz
de seus representados, ainda que muitos, uma vez que possui contato com a causa material e
saberá conduzir, argumentar e levar provas suficientes para influenciar o provimento
jurisdicional, contudo, pautando-se pela boa-fé e pela necessidade de provas da parte que
alega representatividade nula ou insuficiente, a nulidade da ação não seria a melhor solução.

A parte que deseja manter a decisão possui o ônus de provar que houve adequada
representação e que a alegação de ausência de um sujeito, não provocaria provimento diverso
assim como não foi prejudicial à conclusão do feito, argumentando o ausente que se houvesse
sido efetivamente representado a decisão poderia ter sido diferente.

Ora, ao invés dos riscos da nulidade de uma ação que em sua maioria das vezes leva
anos para ser concluída, demanda paciência, custos tanto às partes como para o estado, melhor
seria aplicar o controle judicial da representação adequada, que a todo o momento do feito
analisaria as condições de procedibilidade e a aptidão do legitimado ativo, evitando-se futuro
aborrecimentos desmotivados.

Outro ponto relevante acerca das conseqüências da adoção de um controle da


legitimidade coletiva seria a maior aceitação das chamadas ações coletivas passivas
(defendant class actions).

A ação coletiva passiva define-se por ação metaindividual onde um agrupamento


humano de titulares de um direito considerado coletivamente for colocado como sujeito
passivo de uma relação, ou seja, formula-se pedido em face dos interesses de uma
comunidade, podendo haver ainda a caracterização de ações duplamente coletivas.11

O fato é que há intensa divergência doutrinária acerca da utilização ou não das ações
coletivas passivas, sustenta-se essa negativa em três argumentos básicos: primeiramente não
existe permissão legal para tanto, uma vez que o rol de legitimados do artigo 82 do CDC seria
apenas para o pólo ativo de uma relação processual coletiva, coadunando com esta idéia
temos Pedro Dinamarco, Arruda Alvim, Hugo Mazzilli, em segundo lugar há o obstáculo da

DIDIER, Fredie. “O controle jurisdicional da legitimação coletiva e as ações coletivas passivas (o artigo 82
11

do CDC)” In: MAZZEI, Rodrigo e NOLASCO, Rita Dias (coord.) et.al. Processo Civil Coletivo.
coisa julgada que não pode prejudicar os direitos individuais e em último, define-se que
haveria sérios problemas na identificação do representante adequado, já que não há indicação
na norma nesse sentido.

Se a utilização do controle da legitimidade in concreto for devidamente realizada,


este último argumento perde suas forças, uma vez que se o juiz verifica a identidade adequada
da classe e esta verificação legitima a ação tornando-se condição necessária e suficiente para a
vinculação da classe com a decisão, nesse sentido temos GRINOVER, DIDIER e LENZA

O objetivo do presente trabalho não é analisar a questão das ações coletivas passivas,
mas defender a importância do uso do controle de legitimidade, uma vez que este instrumento
em muito ajudaria no avanço da doutrina processual coletiva, este controle como já afirmado
anteriormente, é dever do judiciário, pode ser integrante do pólo passivo, qualquer um dos
legitimados pela lei e em casos de demandas incidentes em outras ações coletivas, a
identificação desse legitimado passa a ser a entidade que promoveu a demanda originária,
sempre havendo a necessidade da constante análise pelo magistrado acerca da atuação do
ente.12

O processo coletivo é meio de efetivação de direitos considerados como pertencentes


a todos, nada mais sendo do que o reflexo da sociedade de massa que força o Estado, detentor
do poder de dizer o direito, a se voltar à estas necessidades, a realização de um controle acerca
da boa condução do feito pelo legitimado coletivo, além das conseqüências expostas, tem um
objetivo maior, que é justamente efetivar as garantias constitucionais, alcançar os objetivos do
estado democrático de direito assim como prestar contas à sociedade, aos jurisdicionados, dos
caminhos do direito e sua concretização.

7 TENDÊNCIAS DO DIREITO BRASILEIRO NO CONTROLE DA


REPRESENTAÇÃO ADEQUADA

Apesar da ausência de referência legal ao controle da legitimidade exercida pelo


magistrado, alguns autores defendem que o próprio legislador inseriu no texto normativo
relacionado ao microssistema de processo coletivo, alguns instrumentos tendenciosos ao uso
da análise da representação adequada.

12
GIDI, Op cit 10.
No artigo 82, § 1º do CDC e no artigo 5º, inciso V, alínea “a” e § 4º da Lei da Ação
Civil Pública definem que:

Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:

[...]

V - a associação que, concomitantemente:

a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;

[...]

§ 4. ° O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz,


quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou
característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.

Percebe-se que a relevância dos direitos envolvidos demanda ao magistrado a


possibilidade de dispensa de um requisito exposto legalmente para a legitimidade, em razão
da maior importância ao conhecimento e prosseguimento do litígio, fundamentado no
manifesto interesse social ou pela relevância do bem jurídico protegido, demonstrando a
preocupação do legislador com o bom e efetivo uso do processo coletivo, por que então não
aceitar uma maior credibilidade da ação e controle através de uma análise constante de
representatividade adequada?

Ainda nesse raciocínio pergunta-se, se é possível e liberado ao magistrado a análise


da capacidade de representação da classe por uma associação constituída em tempo inferior ao
parâmetro estabelecido pela lei, por que não poderia ser analisado e decretada a falta de
capacidade de representação da classe em que o autor coletivo, mesmo que se enquadre nos
requisitos da norma, no caso concreto se mostra incapaz para prosseguir com a ação? A
resposta é simples e não guarda dúvidas.

Outro critério pode aqui ser auferido, exige-se uma afinidade temática entre o
legitimado e o objeto da lide, denomina-se este vínculo de “pertinência temática”, que deve
ser verificada em alguns tipos de ações coletivas, principalmente as de manejo constitucional.
Ora não se estaria diante de um controle, que mesmo sem extensa previsão legal, é aclamado
pela jurisprudência e exercido nos tribunais?

Ainda no texto do Código de Defesa do Consumidor temos os requisitos de


homogeneidade dos direitos individuais homogêneos, que deverá ser controlado pelo juiz
(artigo 81, parágrafo único, inciso III), ou seja, deve verificara prevalência das questões de
direito e de fato comuns sobre interesses individuais bem como a necessidade/superioridade
da tutela coletiva em razão da relevância do bem litigioso.

Além das tendências existentes no próprio texto legal, a jurisprudência vem


demonstrando-se favorável ao uso do controle de representatividade, apesar da timidez, a
seguir julgado no Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AÇÃO COLETIVA.


CARÊNCIA DE AÇÃO. REPRESENTATIVIDADE ADEQUADA.
ILEGITIMIDADE ATIVA. PROIBIÇÃO DE PRODUZIR E
COMERCIALIZAR CIGARROS. RESERVA DO POSSÍVEL.
IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. EXTINÇÃO SEM
RESOLUÇÃO DE MÉRITO.

1. Nada obstante o controle judicial sobre a representatividade adequada se


opere ope legis e de forma objetiva, verifica-se que o sistema se ajusta mais
a uma discricionariedade judicial. O modelo do direito comparado, que
atribui ao juiz o controle da "representatividade adequada" (Estados Unidos
da América, código modelo para ibero-américa, Uruguai e Argentina) pode
ser tranqüilamente adotado no Brasil, na ausência de norma impeditiva.

2. A representação adequada é um conceito juridicamente indeterminado,


aberto, portanto, a ser integrado no caso concreto pelo convencimento
motivado do juiz de acordo com a finalidade da lei. Existem dados sensíveis
que caracterizariam a representatividade idônea e adequada. Segundo a
doutrina, esses dados são: a credibilidade, a seriedade, o conhecimento
técnico-científico, a capacidade econômica, a possibilidade de produzir uma
defesa processual válida. (...) (TJDF - APELACAO CIVEL: APC
20060110359465 DF – Decisão Publica em 18/09/2007).

Como forma de melhor expressar e positivar o controle da aptidão do autor coletivo


alguns projetos de código de processo coletivo já expuseram em seus dispositivos normas
nesse sentido. O primeiro a prever tal disposição e influenciar os estudos pátrios nesse sentido
foi o Código Modelo de Processos Coletivos para a Ibero – América, elaborado com a
participação de alguns juristas brasileiros, fruto das jornadas do Instituto Ibero-Americano de
direito processual ocorridas em 2004 na Venezuela, objetivando a criação de um modelo
harmonioso que trouxesse a positivação interna em cada país.

Este código trouxe em seu conteúdo requisitos da demanda coletiva, quais sejam a
adequada representatividade do legitimado e a relevância social da tutela coletiva,
caracterizada pela natureza do bem jurídico, pelas características e pelo número de pessoas
atingidas. Esta análise da representatividade adequada está expressa no §2º do artigo 2º do
Código, expondo os requisitos a serem auferidos pelo magistrado, a seguir:

Art. 2º. São requisitos da demanda coletiva:


I – a adequada representatividade do legitimado;

[...]

Par. 2º. Na análise de representatividade adequada o juiz deverá analisar


dados como:

a- a credibilidade, capacidade, prestígio e experiência do legitimado;

b- seu histórico na proteção judicial e extrajudicial dos interesses ou direitos


dos membros do grupo, categoria ou classe;

c- sua conduta em outros processos coletivos;

d- sua capacidade financeira para a condução do processo coletivo;

e- a coincidência entre os interesses dos membros do grupo, categoria ou


classe e o objeto da demanda;

f- o tempo de instituição da associação e a representatividade desta ou da


pessoa física perante o grupo, categoria ou classe.

Estes requisitos servem de orientação ao magistrado no momento de analisar a


representatividade adequada, limitar-se a eles ou levá-los ao extremo seria mitigar e realizar
um retrocesso não objetivado pelo legislador, uma vez que se trata de conceito jurídico
indeterminado, preenchido pelo subjetivismo motivado do juiz e não regras fixas que devem
ser observadas, logo, são orientações. Outro dispositivo ainda nesse código modelo que
fortalece a posição do juiz no processo e a verificação da legitimidade é o §4º do artigo 3º,
qual seja:

Art. 3º. São legitimados concorrentemente à ação coletiva:

[...]

Par. 4º. Em caso de inexistência do requisito da representatividade adequada,


de desistência infundada ou abandono da ação por pessoa física ou
associação legitimada, o juiz notificará o Ministério Público e, na medida do
possível, outros legitimados adequados para o caso a fim de que assumam,
querendo, a titularidade da ação.

Ainda nessa esteira temos previsão ainda mais extensa sobre o uso da
representatividade adequada no Código de Processo Coletivo formulado pelo Instituto
Brasileiro de Direito Processual, nos seguintes termos:

Art. 20. Legitimação. São legitimados concorrentemente à ação coletiva


ativa:

I – qualquer pessoa física, para a defesa dos interesses ou direitos difusos,


desde que o juiz reconheça sua representatividade adequada, demonstrada
por dados como:

a – a credibilidade, capacidade e experiência do legitimado;


b – seu histórico na proteção judicial e extrajudicial dos interesses ou
direitos difusos e coletivos;

c – sua conduta em eventuais processos coletivos em que tenha atuado;

II – o membro do grupo, categoria ou classe, para a defesa dos interesses ou


direitos coletivos, e individuais homogêneos, desde que o juiz reconheça sua
representatividade adequada, nos termos do inciso I deste artigo;

[...]

§ 1° Na defesa dos interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais


homogêneos, qualquer legitimado deverá demonstrar a existência do
interesse social e, quando se tratar de direitos coletivos e individuais
homogêneos, a coincidência entre os interesses do grupo, categoria ou classe
e o objeto da demanda;

§ 2º No caso dos incisos I e II deste artigo, o juiz poderá voltar a analisar a


existência do requisito da representatividade adequada em qualquer tempo e
grau de jurisdição, aplicando, se for o caso, o disposto no parágrafo seguinte.

§ 3º Em caso de inexistência do requisito da representatividade adequada


(incisos I e II deste artigo), o juiz notificará o Ministério Público e, na
medida do possível, outros legitimados, a fim de que assumam, querendo, a
titularidade da ação.

§ 4º Em relação às associações civis e às fundações de direito privado, o juiz


poderá dispensar o requisito da pré-constituição, quando haja manifesto
interesse social evidenciado pelas características do dano, pela relevância do
bem jurídico a ser protegido ou pelo reconhecimento de representatividade
adequada (inciso I deste artigo).

§ 5º Os membros do Ministério Público poderão ajuizar a ação coletiva


perante a Justiça federal ou estadual, independentemente da pertinência ao
Ministério Público da União, do Distrito Federal ou dos Estados, e, quando
se tratar da competência da Capital do Estado (artigo 22, inciso III) ou do
Distrito Federal (artigo 22, inciso IV), independentemente de seu âmbito
territorial de atuação.

§ 6º Será admitido o litisconsórcio facultativo entre os legitimados, inclusive


entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados.

§ 7º Em caso de relevante interesse social, cuja avaliação ficará a seu


exclusivo critério, o Ministério Público, se não ajuizar a ação ou não
intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei.

§ 8º Havendo vício de legitimação, desistência infundada ou abandono da


ação, o juiz aplicará o disposto no parágrafo 3º deste artigo.

§ 9º Em caso de inércia do Ministério Público, aplica-se o disposto no


parágrafo único do artigo 8º deste Código.

Percebe-se que em uma primeira leitura houve a limitação da análise da


representatividade adequada apenas às pessoas físicas, dispondo de determinados requisitos
quase que a cópia fiel do modelo para a Ibero-América, o que de fato foi um avanço nesse
código foi a possibilidade do magistrado fixar gratificação para atuação relevante para
alcançar o êxito da ação, nos casos em que o legitimado é pessoa física, sindicato, associação
ou fundação de direito privado, estimulando a participação e a probidade na tutela coletiva,
buscando superar assim o monopólio dessa tutela pelo Ministério Público, fato este que é
realidade em nosso cotidiano forense.

Todas estas previsões só demonstram a tendência e a aceitação do controle da


representação, justamente em razão do interesse público envolvido nesse tipo de lide e a
necessidade de concretização do devido processo legal, garantia constitucional que defende
não apenas a leitura formal, mas a real acerca das garantias processuais, tutelando-se direitos
não através de um representante qualquer, mas um representante adequado.13

8 CONCLUSÃO

É fato que ainda sofremos com a problemática da separação da teoria da prática,


tanto é assim, que nossos tribunais ainda se sentem retraídos para agir em favor de princípios
e em favor da sensibilidade ao caso concreto, justamente pela ausência de preceito legal
expresso nesse sentido.

O raciocínio liberal ainda nos assombra, mas é através de trabalhos acadêmicos,


através de esforços de todos os operadores do direito comprometidos com a mudança da
realidade social que se avança no caminho da efetividade dos preceitos fundamentais, a
despeito do dogmatismo legal.

O direito processual moderno trata seus problemas optando por sua visão como meio,
meio de instrumentalizar, otimizar a consecução de direitos materiais, no caso da tutela
coletiva, direitos que encontram identidade material disposta na Constituição Federal e são
fundamentais à dignidade da pessoa humana, é por esta razão que atrelar-se à teorizações, à
leis abstratas e muitas vezes insuficientes para obter-se justiça, é equivocar-se.

O trabalho não esgotou seu objetivo, uma vez que foi apenas um passo inicial na
discussão do uso do controle da representação adequada do legitimado, porta inicial de
qualquer ação, como maneira de concretizar princípios constitucionais que demonstram as
linhas políticas do direito, contudo para se atingir esses objetivos precisa haver um abandono
de conceitos pré-formados de representação, apurando a atenção para o vínculo existente entre

13
GIDI, Op. Cit 10.
o autor coletivo, sua atuação e a finalidade da tutela difusa, principalmente como palco de
efetivação de interesses públicos primários.

O representante tem o poder de tutelar os interesses do grupo, tal poder corresponde


igualmente ao dever de representá-los adequadamente, logo sua atuação legitima seu papel,
legitima a decisão judicial e confere credibilidade ao processo. Apesar da indeterminação do
conceito, não existem margens para discricionariedades, em razão da motivação necessária
que convalida o clamor por um judiciário atuante, que deve analisar essa representação apenas
no início do feito, ou na fase saneadora, mas sim em todos os momentos da ação, conferindo à
coletividade, a capacidade de ser efetivamente ouvida em um tribunal.

Conclui-se que, em um Estado Democrático de Direito, onde a participação social é


incentivada, onde direitos sociais ganham importância imprescindível ao poder público, onde
a sociedade cada vez mais se torna complexa originando novas demandas, é preciso que o
direito se adeque e abarque em seu conteúdo estas matérias, aplicando princípios e
concedendo maior poder de verificação da atuação daqueles que tem o poder de representar os
direitos coletivos em juízo, alcançando justiça material concreta e encerrando mentalidades
arcaicas que infelizmente ainda rondam os corredores do fórum, burocratizando e bloqueando
o acesso à justiça, garantia maior de nosso sistema.

REFERÊNCIAS

GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: as ações
coletivas em uma perspectiva comparada. Editora revista dos tribunais, 2007

DIDIER E ZANETI, Fredie e Hermes. Curso de Direito Processual Civil, Volume 4,


Processo coletivo,.Editora Podivm, 2008.

ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: Tutela de Direitos Coletivos e Tutela


Coletiva de Direitos. São Paulo: RT, 2006.

MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de conhecimento. São


Paulo: RT, 2006, 6º Edição.
LENZA, Pedro. Teoria Geral da Ação Civil Pública.São Paulo:RT, 2008, 3ª Edição, revista,
atualizada e ampliada.

MILARÉ, Edis. Tutela “jurisdicional do ambiente”. São Paulo: Justitia, 1992, nº 157.

GRINOVER, Ada Pellegrini. Da Class action for damages à ação de classe brasileira: os
requisitos da admissibilidade. São Paulo: Revista de processo Volume 101, ano nº26.

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. “Efetividade do processo e técnica processual” in


Temas de direito processual, 6ª série. São Paulo: Saraiva 1997,

______. Sobre a “participação” do juiz no processo civil. In: GRINOVER, Ada Pellegrini
(coord.) et. al. Participação e processo. São Paulo: RT, 1988.

MAZZEI, Rodrigo e NOLASCO, Rita Dias (coordenadores). Processo Civil Coletivo. São
Paulo: Quartier Latin, 2005.

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