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INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO: teoria & prática Porto Alegre, v.11, n.1, j


an./jun. 2008. ISSN digital 1982 1654
ISSN impresso 1516-084X
Clínica da atividade em uma via deleuzia
na:
por uma psi
cologia do trabalho
Clinic of activityÊs in the Dele
uzeÊs way:
for a work psychology
Resumo: Este texto apresenta a construção de um cami- Mar
ia Elizabeth Barros de Barros
nho conceitual-metolológico para nossas investigações em
análise do trabalho. Buscando alianças potentes, ousa-
Universidade Federal do Espírito Santo
mos fazer conexões entre os instrumentos da Clínica da
Atividade para pensar o real do trabalho e as ferramentas
Ana Paula Louzada
analíticas formuladas por Gilles Deleuze, pois acreditamos
que seus postulados se atravessam, nos ajudando a pensar
Faculdade Salesiana de Vitória
a questão da atividade e da subjetividade no trabalho numa
direção em que não basta protestar, mas a rmar seu movi-
mento. Essa aliança nos auxilia na criação de estratégias de
Dani Vasconcellos
a rmação da potência do trabalho como capacidade da vida
Universidade Federal do Espírito Santo
em diferir, em produzir o novo, em criar sujeitos e mundos.
A rmamos uma Psicologia do Trabalho que, construída na
interlocução com a Clínica da Atividade, busca cartografar Provocações a um e
xercício de
os processos de trabalho; construir novos sentidos; o que
não signi ca descrever-catalogar, mas intervir-transformar. pensamento
Intervenções que tenham como princípio ético-político o
estudo da atividade visando a sua transformação, o que en-
volve mobilização subjetiva. Proposta de uma clínica como present
e artigo é uma tentativa de deli-
um fazer político/coletivo. nea
mento teórico-metolológico a partir
Palavras-chaves: Clínica da Atividade. Ética-Estética-
Política. Psicologia do Trabalho. Ode uma pr
ovocação. Fomos interpeladas
a escre
vê-lo. E aceitamos essa ousadia de
Abstract: This text presents the construction of a concep-
tual-methodological route for our investigations on analysis bom gra
do. O professor e investigador Yves
of the work. Seeking for powerful alliances, we dare mak- Clot, em
um encontro com um grupo de pes-
ing connections between Clinic of Activity’s instruments of
thinking real work and the analytical tools of Gilles Deleuze, quisadore
s brasileiros, em setembro de 2007,
because we believe that both postulates dialogue when help- na Univer
sidade Federal Fluminense, nos con-
ing us think the issue of activity and subjectivity at work in
a direction where it is not enough to protest, but to priori- vocou a
pensar quais os sentidos estamos
tize their movement. This alliance helps us to create strate- atribuind
o a nossas ferramentas conceituais.
gies for assuring work’s power and life’s capacity of becom- Como um anali
sta do trabalho, Clot perguntou
ing different, of producing new ways, creating new subjects
and worlds. We assure a Psychology of Work that, built on insistent
emente: como vocês trabalham?
dialogue with the Clinic of Activity, seeks for carthography- Ness
e artigo, buscamos tomar o nosso
ing work processes; for building new meanings; what does
not mean to describe-catalogue, but intervene-transform. trabalho
de pesquisadoras a partir dessa in-
Interventions that have as ethical principle the study of ac- dagação-provo
cação de Clot: como nós tra-
tivity aiming its transformation, which involves subjective
balhamos?
Como a Clínica da Atividade tem
mobilization. Proposal for a political/collective clinic.
Keywords: Clinic of Activity. Ethics-Aesthetics-Politics. sido ferr
amenta conceitual-metodológica para
Work Psychology
nossas
investigações? Que tecnologias nos
oferece p
ara os trabalhos no campo da educa-
ção? Que acop
lamentos traçamos entre seus
instrumen
tos para analisar o real do trabalho
e as
ferramentas analíticas formuladas por
Gilles De
leuze? De que modo essa aliança nos
BARROS, Maria Elizabeth Barros de; LOUZADA, Ana Paula;
VASCONCELLOS, Dani. Clínica da atividade em uma via instrumenta
liza para analisar o trabalho do-
deleuziana: por uma psicologia do trabalho. Informática na cente? Que
deslocamentos produzimos?
educação: teoria & prática. Porto Alegre, v.11, n.1, p. 14-
27, jan./jun. 2008.

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Assim, ousamos fazer conexões que for- medida de sua abordag
em, que arrasta o ins-
çam os limites da abordagem da Clínica da Ati- tituído para o “vazio do po
rvir” (MAIA, 2006).
vidade, pois os conceitos são vivos e é preciso Por outro lado, percebe
mos que os postulados
reinventá-los. É nesse desafio que nos lança- de Yves Clot, na Clínica da
Atividade e de De-
mos nesse artigo. Que Psicologia do Trabalho leuze se atravessam
, e essa intercessão pode
afirmamos quando operamos como profissio- ser muito interessa
nte no traçado de um outro
nais antenadas com os mundos do trabalho? modo de operar no c
ampo da nomeada psico-
Que Psicologia? Que trabalho? logia do trabalho.
Para início de conversa: não identificamos O próprio Clot (2007)
faz referência a De-
trabalho com assalariamento ou emprego, leuze, retomando um
a afirmação deleuziana:
mas como uma trama, um campo complexo e “sempre existe na
organização do trabalho
instável, uma rede de conexões que se produz mecanismos para
impedir o movimento” e
incessantemente. Postulamos uma compreen- afirma que o propósit
o da Clínica da Ativida-
são do trabalhar como uma atividade inventi- de é se colocar
no movimento para ir além
va, criadora de normas, que transborda uma da organização do traba
lho. Para Clot (2007),
execução mecânica de tarefas, afirmando uma autores como Deleuze e Fo
ucault nos ajudam
concepção de trabalhador que não se reduz a a pensar a questão da ativi
dade e da subjeti-
um autômato reprodutor de normas prescritas vidade no trabalho qu
ando afirmam que não
e técnicas de trabalho predeterminadas. basta protestar, mas
afirmar o movimento. A
Partimos do princípio de que os trabalha- principal crítica que t
em sido feita à organi-
dores para realizarem as tarefas definidas nos zação do trabalho é, exat
amente, uma forma
ambientes laborais, acordadas com a chefia de funcionamento qu
e tenta impedir a passa-
e com os demais companheiros, elaboram, a gem do vivido. Clot
reafirma a importância de
cada situação que se coloca, o melhor modo de considerarmos os trabal
hadores como prota-
trabalhar, improvisam ações, criam um modo gonistas da transformação.
de organizar o trabalho, uma forma específica
de agir, de se relacionar com os colegas e de A psicologia do tra
balho:
estabelecer regras específicas na divisão de práticas adaptativas?
tarefas. Além disso, o trabalho é constituído
por um conjunto de atividades simultâneas, Historicamente, a
psicologia propiciou, no
que possuem características diferentes e são âmbito dos mundos do trab
alho, a consolida-
exercidas por trabalhadores de diversas áre- ção de um modelo gerencia
l que visava excluir
as, com saberes e experiências específicas. A o trabalhador da
concepção do trabalho, na
atividade do trabalho, portanto, é submetida tentativa de efetuar
a separação entre saber/
a uma regulação que se efetiva entre os tra- fazer: à gerência, pl
anejar, e aos operários,
balhadores, numa dinâmica que se realiza a pura “mão-de-obra”, executa
r. Caberia à psi-
partir de diferentes valores. cologia o exercício d
e uma adequação do tra-
A Clínica da Atividade é tomada por nós balhador a um posto de tr
abalho de antemão
como uma importante aliada, uma vez que nos conhecido e demarca
do, como se houvesse um
auxilia na criação de estratégias de afirmação cargo desprovido daquele
que o ocupa. Du-
da potência do trabalho como capacidade da rante o século XX, fora
m desenvolvidas estra-
vida em diferir, em produzir o novo, em criar tégias de recrutament
o, seleção, treinamento,
sujeitos e mundos; e para tal nos apropriamos análise de desempenho
com esse intuito.
dessa abordagem, “sujando-a”. Assim como Dessa maneira,
uma psicologia adaptati-
os humanos “sujam” com suas marcas pes- va contribuiu diretamen
te com a Organização
soais e coletivas as suas atividades laborais, Científica do Trabalh
o, no sentido de produzir
“sujamos” as propostas de Clot, quando não trabalhadores adaptados a
um fazer parcela-
repetimos apenas as suas instruções, quan- do, mecanizado, em uma
tentativa de destituir
do delas nos apropriamos para fazer rizomar o trabalho de senti
dos outros, que não aque-
esses suportes teórico-metodológicos com a les já previstos pelo pla
nejamento do trabalho
perspectiva ética-estética-política de Deleuze. (ATHAYDE, 1999).
A escolha de Deleuze se fez, não só por O trabalho tor
nado mecanizado exigiria
considerá-lo um pensador instigante, que nos um trabalhador também m
ecanizado em seus
força a pensar, mas, principalmente, pela des- devidos códigos profiss
ionais, em suas ações

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ensaiadas/treinadas, em sua cognição minu- novo modo de intervir n
as situações de traba-
ciosamente separada de valores, sentimentos lho, destacando as
tecnologias que nos ofere-
ou outros atravessamentos considerados pe- ce para uma análise d
o trabalho docente.
rigosamente perturbadores de um curso ante-
visto da atividade profissional. Clínica-política:
Os trabalhadores, como engrenagens, de- trabalho e subjetiv
idade
veriam corresponder automaticamente aos
comandos das chefias. Esse trabalho automa- Usualmente, a p
alavra clínica em psicolo-
tizado e padronizado, “sem conteúdo subjeti- gia traz um suposto cenár
io de neutralidade,
vo”, ou sem participação efetiva do trabalha- um palco para os
problemas psíquicos, uma
dor, sem seus afetos e cognição, nunca existiu composição intimista a meia
luz para dar va-
de fato. Nenhum trabalho por mais simples zão aos dramas
individuais. Pensar o traba-
que seja, encontra no corpo do “executante” lho como uma clínica, e u
ma clínica subjetiva,
um autômato. À organização formal, os tra- rompe com essa composição. Ess
lugar qua-
balhadores respondem com uma contra-or- se sagrado, int
ocável, sem cheiro das ruas,
ganização, ao mesmo tempo resistência (no das massas é estilhaçado, faz
endo-se em mil
sentido afirmativo e negativo do termo) e con- pedaços, dando voz a
uma clínica como produ-
traditoriamente com a viabilização das ativi- ção da diferença, como desabi
tando o solo dos
dades prescritas (ATHAYDE, 1999). conflitos “intra-psíq
uicos”, tomando a clínica
Uma psicologia adaptativa, dirigida à pres- como política, entenden
do a política como ex-
crição e ao ajustamento, pretensamente isen- pressão de forças coletivas
que, ao permear a
ta dos processos de históricos e políticos, não vida, produzem os humanos
dessa ou daquela
se abre ao inusitado do trabalho, aos senti- maneira (COIMBRA, 2
005, p. 42).
mentos que ele provoca e mobiliza, aos sen- Ao interrogarmo
s essa dimensão política, o
tidos que cada sujeito atribui ao seu trabalho. lugar em que o psicól
ogo se coloca e é colo-
Uma psicologia que não escuta a pergunta: cado, ou seja, como a
quele autorizado a lidar
qual a função do trabalho para aquele que o com a dimensão subj
etiva do trabalho, nos
exerce? jogamos numa viagem
cartográfica, numa ex-
Certamente, não são tais práticas adapta- perimentação que busca linhas
que recusam
tivas que desejamos. Faz-se urgente, a via- este lugar cristali
zado de especialista do fun-
bilização de uma psicologia do trabalho, di- cionamento dos humanos
em situação de tra-
retamente comprometida com a análise dos balho. Como recusar a
esse “mandato social”
processos de produção de saúde/trabalhador; que atribui ao psicólogo do
trabalho controlar,
uma outra via orientada para a afirmação e docilizar, esse “fator hu
mano”, fator que indi-
expansão da vida. ca a inviabilidade de
considerar homens e mu-
Nesse sentido, vários estudos, com diferen- lheres como máquinas? E
mais, se afirmamos
tes abordagens teóricas e metodológicas, vêm a potência da vida, como in
vestir em práticas
sendo desenvolvidos, principalmente a partir que não nos anestesie
m e nos tornem insensí-
dos anos 80/90, na França, com o intuito de veis ao que se passa
nos mundos do trabalho,
produzir ferramentas teórico-metodológicas insensíveis ao que nos di
zem aqueles que se
para a análise do trabalho. Nessa direção, po- “sujam” cotidianamente nos am
bientes labo-
dem ser citados: a Ergonomia Francesa, a Er- rais. Como nos
diz Maia (2006): “tudo uma
gologia, a Psicodinâmica do Trabalho, e mais urgente questão de impl
icação, pois não fazer
recentemente, a Clínica da Atividade. Essas escolhas, se deixar l
evar pelos acontecimen-
abordagens não se restringem à psicologia, tos, já é ter escolhido”.
não são específicas ao seu “domínio”. Envol- Questionamos os especialis
os, portanto,
vem diferentes áreas, instrumentaliza enge- pela relação interce
ptora que estabelecem
nheiros, administradores, enfermeiros, médi- quando tentam sil
enciar a voz do trabalha-
cos, entre outros. Para a psicologia ressoam dor, quando persegu
em o enfraquecimento da
como possibilidades de reinvenção de nossas força instituinte do sabe
r dos trabalhadores,
práticas. Nesse artigo, especificamente, esta- mesmo quando isso não s
e coloca de forma
mos interessadas em afirmar o quanto a Clí- explícita, mas pela man
eira de conduzir as in-
nica da Atividade, entrecortada pelo viés ana- tervenções. Numa outra di
reção, uma ação in-
lítico deleuziano, nos potencializa a tecer um tercessora, e não inter
ceptora (MAIA, 2006),

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afirma o outro na sua diferença, os processos criativo (clinamen),
que faz do ato clínico uma
de singularização, de tal forma que não seja relação intercessora, co
locando-se no lugar
apenas o critério científico o que vai interferir de passagem, abrin
do-se para o diferir que
ou decidir os impasses presentes na comple- se produz neste en
contro de corpos que, em
xidade dos mundos do trabalho. interferência mútua, c
riam mundos possíveis,
A direção que indicamos para uma Psico- construídos na abertura
do afetar e do se dei-
logia construída na interlocução com a Clínica xar ser afetado por esta e
xperiência.
da Atividade é, assim, a de cartografar os pro-
cessos de trabalho; construir novos sentidos Uma clínica então
que visita o outro em sua di-
ferença, que se
abre para a experiência do con-
que possam se constituir como linhas que fo-
temporâneo, no q
ual se dá o encontro, e opta
gem do modelo hegemônico proposto para os por não reduzir es
ta experiência a um modelo
profissionais Psi, seu mandato social, criando predeterminado
, mas que busca neste não-lugar
outras direções e, nessa construção, efetuar de passagem, que é ao me
smo tempo lugar de
atravessamento
s múltiplos, a aposta na a r-
uma cartografia com os trabalhadores acerca mação da potênci
a criativa dos corpos. Clínica
do trabalhar. nunca dada de
todo, sempre por ser construída,
Para Deleuze (1997), cartografar, traçar aberta à experiência
(MAIA, 2006).
mapas, é delinear modos de expressão ocupa-
dos por afetos, por constelações afetivas, por Partindo dessa con
cepção de clínica postu-
devires. Na analise dos processos do traba- lamos uma psicolog
ia do trabalho como clíni-
lho, trata-se de deixar de tomar as atividades ca do trabalho, qu
e busca deslocar o analista
como expressão de uma subjetividade identi- para este não-lugar. U
ma abordagem clínica
tária ou uma sujeição a priori, já conhecida, do trabalho que produz int
ervenção e cria no-
para ousar cartografar novas configurações vos territórios existenc
iais. Em conseqüência,
afetivas, tomar um trabalho como possibilida- a análise do trabalh
o só se efetivará como um
de de expressão de uma subjetividade em sua espaço de diálogo,
de encontros, de experi-
diferença. Cartografia, então, como um cami- ência compartilhada, afi
rmando-se a insepa-
nho metodológico que se constitui como uma rabilidade do conhec
er e do fazer. Uma clíni-
descrição funcional, o que não significa des- ca do trabalho, po
rtanto, que nos coloca de
crever-catalogar, e, sim, intervir-transformar. passagem, nos colo
ca entre, evitando reduzir
Processo que se constrói na medida em que o trabalho vivo a pa
drões abstratos de conhe-
se põe em marcha, mapeando linhas de for- cimento e de apreensão
de uma realidade já
ças, abrindo-se para a experiência, que tem dada.
o sentido do clinamen, ou seja, de um desvio Portanto, ao a
dotar a expressão clínica não
criador. Portanto, transformar para compre- nos reportamos a q
ualquer teoria do sujeito,
ender, proposta de uma clínica como um fazer mas a esse caráter sem
pre enigmático e sin-
político/coletivo. gular do trabalho. “Um
regime de co-produ-
É nesse ponto que aceitamos o desafio que ção, engajando em um esp
aço de colaboração
nos coloca Clot: desenhar as ferramentas que dos meios de traba
lho/racionalidade da ação
permitam um afastamento deste lugar do es- e o meio cie
ntífico racionalidade/científica”
pecialismo, partindo de uma Clínica Transver- (ATHAYDE; FIGUEIREDO
, 2004, p. 245).
sal; clínica como clinamen, de uma linhagem Clínica do tra
balho, clínica da atividade.
do materialismo epicurista e desenvolvida por Atividade como
algo mais do que a tarefa
Lucrécio, que diz que os átomos, em virtude do realizada, passível de d
escrição para fins de
seu peso e velocidade, e não como interven- análises científicas, ma
s constituída, também,
ção divina, ao caírem no vazio, na sua colisão, pelos conflitos que
o trabalho vivo atualiza,
provoca desvios que, então, engendram tudo realizado entre inte
nções concorrentes. Uma
quanto existe. As coisas e os movimentos se clínica que opera na
interlocução com diferen-
criam por um mecanismo sem qualquer regra tes regimes de
produção de saberes. Assim
de tempo ou de lugar (ATHAYDE; FIGUEIRE- sendo, a atividade
exige a mobilização física
DO, 2004). e psíquica do trabal
hador num meio em cons-
Nessa perspectiva, entendemos que, além tante variação. Para
realizar o seu trabalho,
de uma atitude de acolhimento, expressa no os humanos fazem e
scolhas, tomam decisões,
inclinar-se em direção ao doente (klino), a clí- improvisam, o que só se ef
etiva com desvios
nica porta também esta dimensão de desvio criativos que viabiliz
am a realização da tare-

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fa prescrita. Dessa forma, concordamos com ções que tenham como
princípio ético-político
Maia (2006) quando afirma que a o estudo da ativi
dade visando à sua transfor-
mação, o que envolve
mobilização subjetiva.
[...] atividade, com seus desvios criativos convo- Clínica nesse senti
do, reafirmamos, refere-se
cam a fábrica da subjetividade a entrar em ação, a uma dimensão que atrave
ssa os sujeitos em
como sendo o corpo invisível do trabalho, [...]
ato, e é marc
ada, necessariamente, por um
que a exploração atual incide sobre este corpo
invisível, controlando seu potencial inventivo e, fazer coletivo.
Trata-se de afirmar a impor-
se entendo o trabalho como uma produção de- tância da subjetividade
, seu lugar — ou seu
sejante, entre outras, processada pelas corpo- não-lugar, habita
ndo o entre, o meio — nas
rizações, nome que dou aos agenciamentos, a
análises do trabalh
o. Afirmamos a impossibili-
exploração é a constante tentativa da captura do
desejo, impedindo-o de singularizar, bloqueando dade de um fazer
sem corpo, sem afetos. Mas
sua natureza revolucionária (p. 200). isso não remete de fo
rma alguma a uma clíni-
ca privatista ou
de cuidados individualizados.
Segundo CLOT, o trabalho não é uma ativi- Nunca se trabalha só. A
solidão, ser deixado
dade entre outras, pois ele exerce uma função apenas diante de si n
as atividades laborais, é
psicológica específica. O trabalho é entendido vivida como sofrimento.
como uma atividade dirigida, pois é dirigida
pelo sujeito, para o objeto e para a atividade Dimensões da ativid
ade: planos
dos outros (2006, p. 78). molar e molecular
Para a Clínica da Atividade, temos que con-
siderar a subjetividade como um ponto neces- Diremos que o
conceito de trabalho é en-
sário para se olhar o trabalho, pois nenhuma tendido como uma at
ividade histórica, cons-
atividade é organizada somente pelas pres- truída e reconstruída n
a e em cada situação
crições; ela é organizada por aqueles que o com a qual o trabalhado
r se defronta. A ativi-
realizam. Há necessariamente em cada ato de dade é sempre mais do
que um simples gesto
trabalho, um viés coletivo. realizado que o
bservamos diretamente; en-
Não basta, assim, afirmar que o trabalho volve, também, “além do q
ue foi realizado, o
é atravessado pela subjetividade, mas que que não foi feito, o
que é feito para não fazer,
modos de subjetivação estão em curso. Sem o que se gostaria de fa
zer e o que deveria ser
dúvida, o trabalho no capitalismo é lugar de feito” (CLOT, 2006, p.
28).
sujeição, de individualização, de exploração, Entre o que está prescri
pela organiza-
de marcações identitárias. A isso a psicologia ção do trabalho e o que é ef
tivamente reali-
adaptativa correspondeu e corroborou. No en- zado, há sempre um
deslocamento, uma (re)
tanto, as atividades laborais também escapam criação, o que viabiliz
a a realização da tarefa.
à sujeição, escorrem entre as mãos do poder Os trabalhadores, coletiv
amente, são capazes
instituído, fazem-se como um meio de diferir, de inovações, de produz
ir regras, não se sub-
de resistir às cooptações. metendo inteiramente a
elas. Trata-se de uma
De acordo com Clot (2007), importa inter- negociação permanente
da atividade, negocia-
rogar o sujeito sobre sua atividade, confron- ção com as normas pre
scritas, com os outros
tando-o com seu fazer, reportando aos modos trabalhadores,
com valores, existe sempre,
pelos quais realiza tais ações e deixa de rea- está marcada por situações
conflituosas, mas
lizar tantas outras. Essa interrogação é uma está presente mesmo nas s
ituações de “tra-
intervenção clínica: de que modo aquele su- balho dominado” (SELLIGMA
N-SILVA, 1994).
jeito, no exercício de seu ofício, em meio a um Toda atividade
é um jogo acionado pelos
conjunto de regras e valores, assume fazer de saberes e estratégi
as acionados pelo sujeito
tal modo e não de outro, exige uma análise em ato; ao mesmo temp
o, esse ato é inter-
que remete a fazeres coletivos. Desse modo, pessoal pelo fato
de ser uma atividade dirigida
analisar o trabalho, analisar um fazer, implica para os outros, p
ois “[...] sem destinatário a
em cartografar, em acompanhar seus contor- atividade perde o
seu sentido” (CLOT; LEPLAT,
nos, acompanhar seus desenhos e movimen- 2005, p. 310). Pa
ra Clot (1999), esse processo,
tos, explorar seus meios e trajetos. coletivo e singul
ar, é o que sustenta o sentido
Postulamos, dessa forma, que o psicólogo do trabalho para o
trabalhador. Quando os li-
do trabalho realize intervenções, na qual a clí- mites são tantos que o de
senvolvimento cole-
nica está sempre por ser construída. Interven- tivo e singular fica
impedido, os custos para o

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processo de saúde e doença são altos, poden- intensiva devidamente mol
dada ao ambiente
do entrar em cena o sofrimento patogênico. de trabalho (FONSECA,
2002).
Entretanto, essas duas dimensões são atra- Uma empresa privada
do ensino superior,
vessadas por uma organização do trabalho, por exemplo, convoca os
seus docentes a par-
que independe dos atos individuais e interpes- ticipar intensament
e do ensino, criando uma
soais. Nenhuma atividade é programada ape- ferramenta on-line at
ravés da qual se estru-
nas em termos das necessidades ou decisões tura um segundo ambie
nte de aprendizagem,
daquele que a exerce, nem mesmo em função o antes e o depois da s
ala de aula, estenden-
de seus pares. Há na atividade, uma dimensão do o tempo hora-a
ula; e o argumento é de
“esfriada”, “endurecida” por normas, valores que todo professor planeja
a sua aula, e sabe
sedimentados em um aspecto impessoal. como avaliá-la, trata
ndo-se apenas de tornar
Se tomarmos uma atividade de um profes- essa antes e pós-aula
disponível com antece-
sor, por exemplo, no exercício de uma aula, dência para os alunos.
Convocação intensiva
poderemos perceber o entrelaçamento des- de trabalho. Nessa me
sma empresa, durante
sas dimensões: há um aspecto impessoal, o a implantação desse sistema
de um segundo
que se exige desse professor pela organiza- ambiente de aprendi
zagem, convoca-se a to-
ção espaço-temporal escolar: controle da tur- dos os seus docentes a as
sumir maior carga
ma, não permitir excessos de ruídos, entra- horária de trabalho, aque
les que permanece-
da e saída de alunos, “prender” a atenção da ram após uma drástica redução
ro de
turma, transmitir conhecimentos previstos de docentes, em nome d
e uma sustentabilidade,
antemão, falar de determinado modo, utilizar em face de um mercado
educacional saturado
determinados recursos, entre tantos outros. com a proliferação de v
agas. Convocação in-
Essa dimensão impessoal é preenchida de um tensiva. Dimensão impesso
al, pois é fato que o
modo singular, não há pura repetição. De al- segundo ambiente será criado,
é fato assumir
gum modo, um professor apodera-se dessa maior carga horária.
Mas essa dimensão não
dimensão, imprimindo-lhe uma marca, uma é suficiente para anali
sar como cada docente
certa cadência pessoal. Ao mesmo tempo, redimensiona essa
convocação. A que custo
essa cadência alia-se à do professor na sala decidem como “aliment
ar”, tornar disponível
ao lado. Como ele faria essa aula? Como ele seu planejamento vi
a online, e a convocação a
responderia há uma situação inusitada en- assumir maior carga horária
. Cada um respon-
frentada naquela aula? Quais os sentidos que de as essas convocações
de modo pessoal.
os alunos atribuem ao seu fazer? Nessa dire- Ser deixado
só face a essa convocação
ção, a atividade também é interpessoal. fragiliza esse trabalhador.
Para Clot, importa
Para Clot, entretanto, essas dimensões não pensar como essas duas
dimensões, pessoal e
bastam. Entre a atividade “esfriada”, prescri- impessoal, precisam ser
entrecortadas como
ta, do como se deve executar determinadas suportes para a
ação, e, então intervêm a
tarefas, e entre o fazer “quente”, “do suor na dimensão interpessoal e a t
ranspessoal. Não
camisa” da atividade viva, e a busca de senti- basta inventar, é
necessário que a invenção
do em um outro para o qual se dirige a tarefa, seja uma estratégia c
ompartilhada por um co-
há uma dimensão transpessoal, atravessada letivo. Um coletivo ent
endido como plano de
pela história coletiva do trabalho: a atividade co-engendramento e de
criação, superando a
pessoal resulta (também) dos recursos mobi- dicotomia e uma lógica
que toma os seres e
lizados e transmitidos pelos mais experientes as instituições com
o dados a priori, sem le-
e pela possibilidade de serem transmitidos aos var em conta os pro
cessos que os engendram.
mais novos. Portanto um coletiv
o que parte de uma outra
Os modos de subjetivação contemporâ- lógica - uma lógica atenta ao
engendramento,
neos buscam deixar o sujeito só em face da ao processo que antec
ede, integra e constitui
prescrição do trabalho. Deixando a cada um os seres (ESCOSSIA; KAS
TRUP, 2005).
a definição do agir face à dimensão impes- Os antecedentes da ativ
idade, os compo-
soal da tarefa. Atualmente, o trabalhador é nentes que a p
ré-definem, pré-organizam,
convocado a participar; ser versátil e flexível não se resumem a uma memóri
a pessoal in-
tornou-se o grande lema. Atente-se aos valo- corporada por u
m sujeito em ato. Envolvem
res da organização, afirmam os especialistas. também uma segunda
memória, objetiva e
É exigida desse trabalhador uma participação impessoal,

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que confere uma dada forma à atividade em si- Na direção q
ue tomamos esse conceito,
tuação: maneira de comportar-se, maneira de consideramos que
o gênero nos remete a
exprimir-se, maneiras de começar uma atividade
e acabá-la, maneiras de conduzi-la e cazmente um plano coletivo d
e constituição do trabalho,
a seu objetivo em contanto com os outros (CLOT, ao qual o
trabalhador recorre fazendo frente
2006, p. 49). às variabilidade
s que se apresentem (CLOT,
2006). É o gênero pr
ofissional que permite que
A essa memória, Clot (2006) nomeia de gê- a análise dos coletivo
s de trabalho sejam feitas
nero profissional. Uma memória que precisa considerando esse
dispositivo aberto de regras
ser entendida mais como movimento do que impessoais, his
toricamente construído, ao qual
como estado. É processual. Um gênero nunca os trabalhadores de
uma determinada catego-
se encontra acabado, pois engloba a história ria profissional
se refere nas relações de traba-
de fazeres e saberes compartilhados por su- lho, utilizado
como forma de agir singularizada,
jeitos em atividade dirigida em um local de e que conta a hi
stória do grupo e a memória
trabalho. impessoal dos a
mbientes de trabalho.
Coletivo e
singular não se desvencilham.
O gênero pode ser entendido como um corpo Toda atividade de
trabalho pode então ser en-
intermediário entre os sujeitos, um interposto tendida como encon
tros, encontro de idéias,
social situado entre eles, por um lado, e entre
de experiências
, de corpos, num processo
eles e os objetos de trabalho, por outro. De fato,
um gênero sempre vincula entre si os que parti- complexo de
possibilidades que demandam
cipam de uma situação, como co-atores que co- escolhas, inclui val
ores e é, portanto, ativida-
nhecem, compreendem e avaliam essa situação de de criação. Tem-se as
sim, o trabalho con-
da mesma maneira. A atividade que se realiza
num gênero dado tem uma parte explícita e ou- cebido como obra de
arte; uma afirmação da
tra parte “sub-entendida”. A parte subentendida dimensão estética do tra
balho.
da atividade é aquilo que os trabalhadores de Mais um at
ravessamento da perspectiva
um meio dado conhecem e vêem, esperam e re-
de Clot com as a
firmações deleuzianas, pois
conhecem, apreciam ou temem; é o que lhes é
comum e que os reúne em condições reais de esse processo se efeti
va num plano micropo-
vida; o que eles sabem que devem fazer graças a lítico, conforme co
nceitua Deleuze e Guattari
uma comunidade avaliações pressupostas, sem (1997), e indica um
caminho que ao movimen-
que seja necessário re-especi car a tarefa cada
vez que ela se apresenta. É como uma “senha” tar-se na duração, retira
o caráter aparente-
conhecida apenas por aqueles que pertencem mente estável
das organizações, ampliando
ao mesmo horizonte social e pro ssional. Para suas possibilidade
s de mobilidade, utilizando
serem e cazes, elas são econômicas e, na maio- esse movimento para mo
dificá-las.
ria das vezes, sequer são enunciadas. Entrem
na carne dos pro ssionais, pré-organizam suas O trabalho e o t
rabalhador não se reduzem
operações e seu comportamento (p. 41). ao que Deleuze e Gua
ttari (1997) chamaram
plano molar.
O trabalhador enfocado pela
Assim o gênero é obra aberta, que se cons- Psicologia do Traba
lho toma como referência
titui processualmente, arrasta a memória im- apenas ao plano de
organização, do que está
pessoal, num movimento que é ação transva- constituído. No entanto,
um trabalhador mo-
lorativa posta em execução pelo trabalhador lecular, que se cons
titui no plano micropolítico
que singulariza o gênero com seu estilo e, ao só pode ser consider
ado se, além do plano ma-
mesmo tempo, coletiviza o seu saber-fazer. cropolítico, tom
armos como referência tam-
Em uma singularização e coletivização simul- bém o plano de composição,
constituição
tâneas emerge um novo ser: o corpo invisível das formas. Arriscaría
mos dizer que também
do trabalho. Clot em suas for
mulações não se limita ao tra-
Como inacabado, processual, o gênero não balhador molar, mas
acompanha também um
é um corpus ou uma tábua de leis (CLOT, 2006, trabalhador molecula
r.
p. 47). Ele dá o tom da ação. Permite que um Realçar essa dim
ensão do trabalho, que
trabalhador não erre sozinho, o gênero lhes afeta e contagia
aquele que trabalha, e não
serve de recurso para enfrentar o real. Sem se reduz às tarefa
s prescritas, é falar de um
o gênero o sujeito fica só diante de si mesmo modo de trabalhar q
ue se deixa levar por um
(p. 49). Os gêneros profissionais são modos devir, isto é, um proc
esso sem programa pré-
de apreensão de saberes, recurso para evitar vio, explorando e
deixando-se contagiar pelo
errar por si só diante da extensão das tolices movimento de criação in
erente aos processos
possíveis (p. 47). de trabalho. Para
Deleuze e Guattari o homem

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é uma figura molar, uma forma. Sua entrada plano de organização, ac
olha em seu campo
em devir está na possibilidade de acessar o de investigação os
movimentos involutivos,
plano molecular, que só se faz através de de- dissipativos, de desma
nchamento das formas
vires, ou seja, de velocidades e lentidões que constituídas e que evi
denciam, de maneira às
se encontram no plano de composição. vezes sutil, a dimensão
molecular dos proces-
Encontramos neste ponto uma perspectiva sos de trabalho e
seu enraizamento no plano
que se aproxima da perspectiva da Clínica da de composição (KASTRUP,
2005). Aqui avan-
Atividade, uma possível intercessão. Pensar o çamos na tarefa de ‘sujar’ a
Clínica da Ativi-
devir do trabalho e do trabalhador em lugar dade.
de estudar o trabalho tendo como ponto de O trabalhado
r constitui a atividade e é
chegada e/ou de partida, uma forma traba- constituído por ela,
produtor e produto não se
lho já dada. Eis aí a inversão radical que se divorciam. Territori
alizações, desterritoriali-
evidencia quando confrontamos tal direção de zações, reterritorializaçõe
. Desmachamento
análise com algumas abordagens no campo da de territórios, co
nstituição de outros. Plano
Psicologia do Trabalho. De um plano a outro, molar, plano molec
ular. Então, se a dimensão
as abordagens sobre o trabalho no campo da vivida do trabalho
é sempre uma criação, uma
Psicologia têm adotado, preferencialmente, o novidade, não pode
ser apreendida inteira-
modelo da territorialização. As perturbações mente em palavras e escapa
a qualquer ten-
e instabilidades que têm lugar nos processos tativa de descrição, uma
vez que é da ordem
de trabalho constituem movimentos de des- do inesperado, não c
onsegue se expressar em
territorialização relativa, pois desembocam palavras.
em compensações e apenas ganham sentido
quando constituem um retorno a um equilíbrio. Gêneros e estililizações
Mesmo quando este equilíbrio é considerado,
toma feições de um equilíbrio com ênfase nas De que modo podemos ent
relaçar os apon-
formas territorializadas. Em contrapartida, tamentos de Cl
ot e Deleuze sobre gênero e
o conceito de devir formulado por Deleuze e estilo? Iremos tat
ear uma aproximação, sem
Guattari orienta a investigação nos mundos esquecermos das divergên
cias filosóficas que
do trabalho para um movimento de desterri- afastam esses auto
res. Vejamos alguns exem-
torialização, de fuga e desmanchamento das plos desses processos
de estilização.
formas. Tomá-lo como ponto de partida em Clot (2006) nos a
presenta a experiência de
nossas análises no âmbito da Clínica da Ati- algumas operárias que apre
nderam a conser-
vidade, significa deixar de pensar o processo tar as máquinas, mes
mo burlando as regras
de transformação temporal a partir das for- de segurança, de não se ap
roximar dos pai-
mas que dele resultam, ou seja, o processo néis de controle
, pois isso implicava menos
através do produto, o movimento pela parali- pausa no tempo de pr
odução, e conseqüente-
sia, a invenção pelo invento. A complexidade mente, aumento de prod
ução, com uma me-
dos mundos do trabalho, reafirmamos, advém nor dependência da equ
ipe de manutenção. O
dessas duas dimensões — molar e molecular gênero apóia “os erros colet
ivos”. Para o au-
— que são irredutíveis uma à outra. tor, é como se o gênero disse
se: não é para
Algumas pesquisas em Psicologia do Tra- fazer isso, mas is
so ajuda todo mundo (p. 64).
balho têm priorizado as estruturas ou formas Acordos tácitos compar
tilhados.
molares que correspondem à territorialização Ao relatar o trabalho
dos cortadores de pe-
dos processos. Tais formas dotam o trabalho dra parisiense, D.
Cru, citado por Clot (2006)
de uma estabilidade relativa, e sem elas o de- aponta para re
gras fundamentais implícitas
vir, entendido como movimento de desterrito- na execução das ativid
ades: cada um termi-
rialização, não se efetivaria. É inquestionável na o trabalho que começa; cad
um trabalha
a necessidade de que existam formas, pois com suas própria
s ferramentas; controle do
não há devir senão das formas. No entanto, tempo: nem correr, nem a
dormecer; cada um
os processos de trabalho, por sua complexi- pode circular por
todo o canteiro. E os novos
dade, exigem uma psicologia igualmente com- operários? Cada inic
iante “entra num universo
plexa que, além das formas e estruturas que de signos que deverá a
prender a perceber e a
constituem os mundos do trabalho, acesse o interpretar, às veze
s em detrimento de si, sem
devir que, ao invés de pautarem-se apenas no grande explicação da par
te de quem quer que

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seja” (CLOT, 2006, p. 47). de-se não apenas
com os que o percorrem,
Como já indicamos a flexibilidade do gê- mas, também, com o própri
o meio percorri-
nero depende diretamente de ser realimenta- do na medida em q
ue sujeito e meio se coen-
do por novos fazeres de algum modo pessoal. gendram. Viver-
pensar o mundo a partir de
Outro exemplo que nos ajuda a pensar tal a mapas, e nele
s criar, desmanchar, construir,
flexibilidade como processual, foi vivido em transformar, im
plica paisagens, continentes,
Vitória/ES. Em uma roleta de um ônibus em cor, movimento, acont
ecimento. Esta direção
Vitória, o trocador, portador de deficiência em ético-política de análi
se procura a força dos
uma das mãos, para liberar a roleta prendeu deslocamentos, aval
ia impasses, relações com
o cartão com um elástico, mantendo o cartão outros mapas e situações, e
ntradas e saídas;
fixo no dorso da mão, apenas aproximando-a esta direção de análise t
rabalha com trajetos
do leitor, com isso economizando uma sobre- e devires, preocu
pa-se com a mobilização dos
carga da outra mão, que devido à deficiência, deslocamentos em mapas,
e os trajetos consi-
deveria dar o troco e também liberar a roleta. derados em sua exte
nsão, intensidade, densi-
O uso do elástico inicialmente não estava pre- dade. O que oferece s
ustentação aos trajetos
visto no gênero profissional. Até mesmo por- são os devires. Devires
e trajetos.
que a introdução dessa tecnologia é recente. Os trabalhadores fa
zem, dizem, inventam,
Após algum tempo, vários outros trocadores, estão em devir; exprime
m-se de modos sin-
não deficientes, utilizam o mesmo elástico. gulares nesses trajet
os e devires, criam ma-
Ao definir as fronteiras móveis do aceitá- pas extensivos e inte
nsivos, e o devir na sua
vel e inaceitável no trabalho, ao pré-organizar viagem relâmpago,
não conserva nada de
as ações (CLOT, 2006), o gênero convoca a pessoal nem de ra
cional, mas do que esse
um refazer as regras, exige um estilo pesso- estado de criação ini
nterrupta. É este estado
al, uma cadência. Uma dupla vida do estilo, que garante ao indi
víduo uma possibilidade de
fazer o que há de se fazer — impessoal — e estilo, pela qual se or
ienta, e que lhe permite
ao mesmo tempo imprimir um modo próprio criar. Desse modo,
o estilo é a decomposição
— pessoal. No decurso da ação esses modos e a destruição das formas i
nstituídas de traba-
impessoais e pessoais são impossíveis de se- lhar, como destruição de
uma língua. A tônica
rem delimitados. Quanto mais se conhece o do estilo é o estra
nhamento.
gênero, maior o controle do trabalhador para Em diferentes g
raus de estranhamento po-
libertar-se dele, maior a possibilidade de cria- dem surgir dentro
da língua uma nova língua,
ção estilística. estrangeira e ao mesmo
tempo não estrangei-
ra. Devir não é encon
trar uma fórmula, mas
O estilo retira ou liberta o pro ssional do gênero poder exprimir os
imprevistos, instaurar zo-
não negando este último, não contra ele, mas nas de vizinhanças
com não importa o quê,
graças a ele, usando seus recursos, suas varian-
tes, em outros termos por meio de seu desen- desde que se crie
m estratégias para tal. Por
volvimento, impelindo-o a renovar-se. O conhe- estilizações, trata
-se, então, de se agenciar
cimento dos gêneros pro ssionais mostra-se, um trabalho menor, se
mpre em devir, sempre
portanto indispensável à psicologia do trabalho
inacabado.
e esta deseja ter uma oportunidade de compre-
ender os estilos (CLOT, 2006, p. 41). Criar estil
o é criar sintaxe. Sintaxe que
passa por um
tratamento “deformador, con-
A plasticidade dos gêneros depende dos torcionista”, que faz
com que a língua na qual
estilos. O inverso também é verdadeiro. O gê- se escreve se torne uma
língua estrangeira,
nero retroage sobre os estilos. Pois o gênero é é levar a linguagem a u
m tipo de limite. Em
sempre o mesmo e outro, sempre velho e novo Deleuze, portan
to, produzir/acoplar um esti-
ao mesmo tempo. É assim que ele garante a lo é agenciar uma língu
a menor, um trabalho
continuidade do trabalho. Aqui podemos mais menor, que não é pres
crição dentro da pres-
uma vez fazer derivar a obra de Yves Clot no crição e nos permite
perceber seus pontos de
que poderíamos nomear com Deleuze como ruptura e subversão.
uma “vontade de estilo”. Para CLOT (20
06), somente no momento
Os mapas de trajetos nos processos de em que é perturbado
que o gênero é visto (p.
trabalho se constituem por meio de qualida- 40). Para ele, é pr
eciso cuidar do gênero, pois
des, substâncias, potências e acontecimentos. isso implica na const
ituição das possibilidades
Como diz Deleuze (1997): o trajeto confun- de ação, constituem u
m espaço comum, para

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além das estratégias individuais. A sua “au- O primeiro mome
nto, a produção de um
sência” ou fragilidade expõem o trabalhador, material em vídeo, demand
a uma observação
deixando o só, ou deixando errar sozinho. das situações e d
os meios profissionais por
um determinado pe
ríodo de tempo e, ainda,
A saúde se degrada no ambiente de trabalho a constituição de
um grupo de análise para
sempre que um coletivo pro ssional torna-se participar do proce
sso de co-análise.
uma coleção de indivíduos expostos ao isola-
mento. A saúde se degrada, na verdade, quan- O passo seguint
e, que se efetiva num pro-
do deixa de haver a ação de civilização do real, cesso interativo, pesquis
adores e protagonis-
a qual um coletivo pro ssional deve proceder a tas se reúnem e assis
tem à seqüência filmada
cada vez que o trabalho, por seus imprevistos,
põe esse coletivo a descoberto. Dito de outra e editada pelo
pesquisador. Nesse momen-
forma, a saúde se degrada quando a história do to, demanda-se ao pro
tagonista da atividade
gênero pro ssional se encontra suspensa. Quan- emitir comentários e anál
ises a partir da auto-
do, para dizer ainda de outro modo, a produção
coletiva das expectativas genéricas do ofício é confrontação que estabelece
com as imagens
posta em sofrimento. Cada um individualmente do seu fazer.
se encontra então confrontado às más surpresas Em seguida, reúne
m-se, num outro mo-
de uma organização do trabalho que deixa “sem
mento, o pesquisa
dor, o protagonista que teve
voz” face ao real (CLOT, 2002, s/p).
seus comentários fi
lmados e mais um membro
do coletivo. Este
último, trabalhador que par-
Autoconfrontação cruzada como
ticipa do mesmo gên
ero profissional do pro-
metodologia de análise na Clínica
tagonista das
filmagens, assiste às imagens
da Atividade: cartogra as das
e comentários produ
zidos por seu colega, na
dimensões não-evidentes da
segunda fase
(a autoconfrontação simples),
atividade
emitindo comentár
ios, o que configura uma
autoconfrontação cruz
ada.
As intervenções em situação de trabalho, Na quarta fase, ocorr
e a devolução ao meio
na direção indicada pela Clínica da Atividade,
de trabalho o pro
duzido, que se constitui ma-
buscam criar estratégias que viabilizem que terial relativo às fa
ses de produção, e que tem
o trabalhador seja confrontado com seu tra-
destinos os m
ais variados, de forma que se
balho. Busca vialbilizar uma análise minuciosa
constitua como
suporte de possíveis trocas
da atividade e faz do princípio da confronta- com outros companhe
iros do mesmo gênero
ção um caminho para auxiliar nas complexas profissional, viabi
lizando uma formação per-
análises das situações de trabalho. Com o ob- manente.
jetivo de produzir análises de uma atividade No último mom
ento, o das análises, efe-
laboral, a Clínica da Atividade nos oferece um
tiva-se uma aprop
riação diferenciada desses
dispositivo nomeado Experiência em Autocon-
materiais produ
zidos pela equipe de pesqui-
frontação Cruzada, lançado pelo lingüista Da- sa. Diferenciada uma vez
que são constituídas
niel Faïta. Trata-se de um método de análise
equipes multiprof
issionais e transdisciplinares
da atividade que utiliza a imagem como apoio para analisar um
fenômeno que se efetiva no
principal de observações, para criar um qua- trabalho. Assim, o ma
terial produzido é avalia-
dro que possibilite a um coletivo de trabalho do a partir de vári
os ângulos e perspectivas,
ter sua experiência profissional desenvolvida,
de forma a se faz
er uma revisita ao que foi
por meio de uma prática de co-análise. Con-
produzido nas fas
es anteriores.
forme Clot e colaboradores (2008) é preciso Esse caminho
metodológico foi trilhado
aumentar o poder de agir dos trabalhadores, pelo grupo de
pesquisadores do Núcleo de
sempre presente em situações de trabalho. Estudos e Pesquisas e
m Subjetividade e Polí-
A proposta metodológica segue um cami- cias da Universidad
e Federal do Espírito Santo
nho que perspectiva a direção ético-política
(NEPESP/UFES) n
o ano de 2007, numa pes-
indicada na Clínica da Atividade, que indica-
quisa realizada c
om um grupo de docentes do
mos ao longo do artigo, e se constitui das se- município da Serra/
ES. Tal metodologia surgiu
guintes fases: O filme - A autoconfrontação
como proposta
a partir desse encontro com
simples - A autoconfrontação cruzada - Re- a abordagem da
Clínica da Atividade. Como
torno ao meio de trabalho - Apropriação di- pensar uma Clínica da A
tividade no contexto
ferenciada do objeto pela equipe de pesquisa do trabalho docen
te?
(VIEIRA, 2004). O trabalho te
ve início com a constituição de

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um Grupo Ampliado de Pesquisa que denomi- 3 (autoconfrontação simp
les) e vídeo 4 (auto-
namos CAP (Comunidade Ampliada de Pesqui- confrontação cruzada). A
s autoconfrontações
sa), constituída de pesquisadores do NEPESP/ simples e cruzada fora
m efetivadas no estúdio
UFES e de professores da rede municipal de de gravação do Laboratório
de Aprendizagem
ensino do município da Serra/ES. do Centro de Edu
cação da UFES (LAUFES)
A utilização da autoconfrontação cruzada buscando-se assegurar as con
dições propícias
objetivou colocar em análise a atividade do à gravação que a partir dela
s seriam origina-
trabalhador docente, de forma a pensar com das.
o professor a atividade que desenvolve na es- Com a autoconfron
tação simples, propor-
cola. cionou-se um enc
ontro de cada professora
O primeiro passo foi debater a metodolo- com o seu próprio trab
alho. Deste modo, ao
gia proposta com os professores envolvidos visualizar o que rea
liza no dia-a-dia na escola,
no processo investigativo, uma vez que a co- as professoras passa
m a discutir sobre a ati-
análise é o princípio privilegiado no método vidade desenvolvida, pensar
e analisar o que
em questão, ou seja, a criação de um quadro vem sendo realizado e tran
sformar sua pró-
que permita o desenvolvimento da experiên- pria atividade.
cia profissional do coletivo, sempre engajado A etapa segui
nte foi a realização de um
em um processo permanente de co-análise. encontro das professor
as com o trabalho da
A primeira reunião da CAP (Comunidade colega: produzindo a a
utoconfrontação cruza-
Ampliada de Pesquisa) teve, então, como prin- da. Nesta, o principal
objetivo foi confrontar
cipal objetivo apresentar a proposta da pesqui- as posturas e
práticas capturadas no vídeo.
sa. Ainda nesse encontro, houve a indicação Junto das professora
s estavam mais cinco
da escola e dos professores para participarem pesquisadores do NEP
ESP e o profissional res-
dessa etapa do trabalho. O segundo encontro ponsável pelo LAUFES.
da CAP ocorreu, posteriormente, para escolha As professoras, a
o analisarem sua ativida-
das atividades de trabalho a serem filmadas de, pensam sobre
o seu trabalho, discutem
na escola. com seus pares sobre
aquilo que pode ou não
A partir da escolha da unidade escolar e gerar adoecimento, p
ensam sobre de que ma-
dos professores que participariam da pesqui- neiras é possível minimi
zar ou mesmo evitar
sa, foi estabelecido um acordo com o estabe- o processo de adoeci
mento: “Vi que meu tra-
lecimento escolhido para viabilizar a filmagem balho é cansativo e qu
e eu devo a partir des-
das situações do trabalho docente, conforme se filme procurar um jei
to de melhorar para
pactuado na CAP. mim e para eles. Pen
sar em algo para não me
A primeira ação técnica dirigida à filma- curvar tanto, não falar tanto.
Acho que devo
gem foi a escolha do grupo responsável por mudar a postura um pou
co, sentar mais.”
sua realização, que foi composto por três pes- A socialização do material
filmado sobre as
quisadores do NEPESP e por dois especialis- atividades de trabal
ho ocorreu na própria es-
tas na gravação em vídeo. Esse grupo visitou cola com a presença dos prof
essores dos três
previamente o local da filmagem para evitar turnos de funcioname
nto, a diretora e os pes-
o confronto com determinados imprevistos no quisadores do NEPESP
. Esse momento foi im-
momento da realização da mesma e familiari- portante, pois o grupo d
a escola validaria ou
zar professores e alunos com toda o aparato não o material de pesq
uisa, antes do mesmo
tecnológico necessário para as filmagens. ser divulgado para o res
tante da rede munici-
O período de gravação das atividades de pal de ensino.
cada professora teve duração de aproxima- Algumas semanas d
epois, o material foi
damente 50 minutos, período correspondente exposto para outro
s professores e diretores
a uma aula. Num terceiro foi realizada a edi- de diversas esco
las da rede, num encontro
ção do vídeo, para que fosse exibido para as mediado pela Secretaria de
Educação do mu-
professoras apenas 20 minutos de cada aula. nicípio da Serra. Os p
resentes expressaram o
Essa edição foi validada com o protagonista interesse em terem acess
o ao material produ-
da atividade filmada. zido até o momento pel
o grupo de pesquisa, a
Foram produzidos quatro vídeos denomi- fim de experimentarem
a metodologia utiliza-
nados respectivamente de vídeo 1 (material da no estudo em suas e
scolas.
não editado) , vídeo 2 (material editado), vídeo Então, como a clínica da at
ividade, por meio

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da metodologia da autoconfrontação cruzada, que se coloca para anál
ises do trabalho que
nos ajuda na análise do trabalho docente? O tem como princípio étic
o-político que os hu-
que essa tecnologia viabiliza? A experiência manos são plásticos, di
alógicos e inventivos e,
vivida nos mostra que esse caminho metodo- como nos aponta a
pesquisa realizada, a ver-
lógico, ao não visar a uma simples restituição balização da atividade tem s
do uma excelente
dos dados construídos no curso da investiga- estratégia nessa direção.
ção, produz a experiência. A análise do traba-
lho realizada confere um valor à experiência Clínica da Atividade pe
la via
descrita e recusa a dicotomia entre posição deleuziana: potência an
alítica
cognitivista e subjetivista na análise da ativi-
dade: o caminho perseguido é o do intercâm- Como tentamos ind
icar ao longo do texto,
bio entre os diferentes sujeitos que praticam a consideramos que
a Clínica da Atividade, com
educação, que mobiliza a atividade e inscreve suas ferramentas conc
eituais e tecnológicas,
os traços dessa mudança numa história pes- auxilia na cartografia
do trabalho por apontar
soal que tem seu próprio curso. questões centrais (ou
de borda): o trabalho é
Tal caminho busca mais do que conhecer, da ordem da vida,
só podendo ser analisado
analisar ou denunciar as formas de domina- junto com os própri
os trabalhadores, e traba-
ção e sofrimento existentes nas escolas, e lhar nunca é da ordem d
a mera repetição, nem
construir alianças com as possibilidades que mesmo da mera invenção
individual. Trabalhar
os trabalhadores têm de criar e recriar suas é explodir com os ter
ritórios dualizados: indi-
próprias relações com sua atividade profissio- vidual, coletivo, pesso
al, social, eu e outros.
nal. Visa a levar o trabalhador à posição de Nas intercessões
com Deleuze o trabalho
observador de seu próprio trabalho e o obje- necessariamente pre
cisa ser analisado como
tivo mais importante é produzir interlocução, da ordem da vida, que r
ompe com os meca-
possibilitar que o trabalhador se surpreenda nismos meramente
prescritivos. Ao contrário
com aquilo que, por muito familiar, já passa- de uma perspectiva
molar a cerca dos fazeres
va despercebido e favorecer que os diferentes humanos, inquieta
-nos interrogar: como o tra-
modos possíveis de enfrentamento do real da balho se efetiva co
mo uma forma de enfren-
atividade sejam postos em debate, desenvol- tamento, de resis
tência, de devir? Como, ao
vendo o gênero e ampliando suas possibilida- trabalhar, o trabal
hador inventa outros modos
des como instrumento para a ação de cada um de existência? Que enco
ntros são potenciali-
(OSÓRIO, 2007). zados? Que afet
os e perceptos são dispara-
Assim, a autoconfrontação cruzada possi- dos? De que maneira p
roduz mil arranjos não
bilitou: antevistos? O tra
balho pode ser vivido como
um trabalho (com
artigo indefinido)?
— Deslocar o trabalhador-docente para o
lugar de observador e analista do seu tra- Essa insistênci
a visa a um objetivo diferente do
reconheciment
o de um fato. Parece realmente
balho, na medida em que o pesquisador as- que a ausência o
u enfraquecimento de um tra-
sessora e facilita o debate. balho de orga
nização promovido e mantido por
um coletivo e
steja com freqüência na origem dos
— Fazer um debate sobre uma marca do
desregramentos
da ação individual mediante os
trabalho produzida coletivamente, fruto do quais é indicada
a perda de sentido e da e cá-
diálogo que enriquece o gênero profissional; cia do trabalho [.
..] o trabalho só preenche sua
função psicológica p
ara o sujeito se lhe permi-
o debate sobre a atividade, evita a perso- te entrar num
mundo social cujas regras sejam
nalização e o julgamento sobre as escolhas tais que ele possa
ater-se a elas. Sem lei comum
para dar-lh
es um corpo vivo, o trabalho deixa
individuais. cada um de nós d
iante de nós mesmos (CLOT,
— Favorecer deslocamentos, elaborações e 2006, p. 18).
re-elaborações, a partir das análises que
se produzem no processo. Analisar o tra
balho, portanto, é focar não
somente as práticas
instituídas, mas afirmar a
Temos observado, na maior parte das es- potência instituint
e de toda atividade laboral,
colas, gêneros profissionais enfraquecidos, o que nos remete a
um posicionamento ético,
na medida em que as exigências aumentam e uma implicação nas relações
de poder em que
reduzem-se os recursos existentes para fazer nos movemos para
que não sejamos seduzi-
frente a essas exigências. Esse é um desafio dos pelas tentações da de
ssimetria, nas quais

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a análise do trabalho passa a ser dominação e Essa direção ética, que
ecusa os especia-
controle (MAIA, 2006). lismos que buscam
docilizar o outro, afirma o
Buscando apreender as relações de forças outro como legítimo outro
que não é passivo
que nos constituem como sujeitos do conhe- por que vivo, e c
uja resistência se faz sentir
cimento interessados no poder-saber do tra- nos encontros,
tensionando-os, tornando os
balho e no poder-saber do trabalhador, empe- ambientes de trab
alho um plano em constru-
nhamo-nos em não alijar os trabalhadores do ção constante, no qual
o estado de sujeição
saber sobre seu trabalho, silenciando-os pelos de qualquer um do
s pólos desse processo não
saberes disciplinares-acadêmicos e ficando se completa inteira
mente, uma vez que este
ensurdecidas pelos especialismos. Mas é bom outro resiste — na du
pla acepção da palavra,
afirmar: ao questionar os especialismos, não ou seja, como recus
a e como invenção — e se
estamos abdicando dos regimes de saber dis- impõe, com seu sabe
r-poder, mesmo quando
ciplinares, que se constituíram e se constituem se tenta afirmar um
a relação dessimétrica. O
ao longo da história, mas, apenas colocando sonho taylorista não
se efetivou, nem se efe-
em questão a utilização de um critério de ver- tivará, já que o próprio do
o é a liberdade,
dade que se perpetua e que, quando utilizado, como uma form
a permanente de interrogar
invalida a experiência daquele que vive e, ao o que estamos fazen
do de nós mesmos, afir-
viver, se ‘suja’ ao fazer seu trabalho. mando o que estamos e
m via de diferir.
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Recebido em fevereiro de 2008
Aceito para publicação em abril de 2008
Maria Elizabeth Barros de Barros
Universidade Federal do Espírito Santo, Departamento de Psicologia.
betebarros@uol.com.br
Ana Paula Louzada
Faculdade Salesiana de Vitória. Departamento de Psicologia.
Dani Vasconcellos
Universidade Federal do Espírito Santo, Departamento de Psicologia.

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