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Descubra as Mentiras que o Seu Cérebro Conta para Você

Você não toma as próprias decisões - e boa parte do que vê não é real. É apenas uma ilusão criada
pelo seu cérebro, que passa pelo menos 4 horas por dia enganando você. Conheça os truques que ele
aplica - e saiba o que realmente acontece dentro da mente.

Você fica cego 4 horas por dia. Já foi enganado por um rótulo nesta semana. Tem preconceitos sobre
todos os assuntos (por mais que ache que não). Toma decisões irracionais, que vão contra os seus
interesses. Você não está no controle da própria mente. Mas não se preocupe: você é normal. Não é
maluco e possui um cérebro perfeito, como o de qualquer outra pessoa. Só que ele inventa coisas para
iludir você. Não é por mal. É só uma maneira de economizar energia.

O cérebro humano é o objeto mais complexo do Universo. Tem 100 bilhões de neurônios, que podem
formar 100 trilhões de conexões. Se fosse possível criar um computador com o mesmo número de
circuitos do cérebro, ele consumiria uma quantidade absurda de eletricidade: 60 milhões de watts por
hora, segundo uma estimativa de cientistas da Universidade Stanford. É o equivalente a quatro usinas
de Itaipu trabalhando simultaneamente. Mas o cérebro humano gasta pouquíssima energia - 20 watts,
menos que uma lâmpada. E mesmo assim consegue fazer coisas extremamente sofisticadas, de que
nenhum computador é capaz.

Só que isso tem um preço. O seu cérebro não consegue analisar as situações de forma completamente
racional, avaliando todas as variáveis envolvidas em cada caso. Para fazer isso, ele precisaria de ainda
mais circuitos - e muito mais energia. Mas, ao longo da evolução, a natureza encontrou uma solução: o
cérebro pode mentir para seu dono. Sim, mentir. Descartar informações, manipular raciocínios e até
inventar coisas que não existem. Dessa forma, é possível simplificar a realidade - e reduzir
drasticamente o nível de processamento exigido dos neurônios. "São efeitos colaterais do
funcionamento normal do cérebro", diz Suzana Herculano-Houzel, neurocientista da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Tudo começa pela visão. Você não percebe, mas o cérebro edita o que você vê. Das 16 horas por dia
que uma pessoa passa acordada, em média, 4 horas são preenchidas por imagens "artificiais" - que
não foram captadas pelos olhos, e sim criadas pelo cérebro.

O olho humano só capta imagens com clareza em uma pequena parte, a fóvea, que tem 1 milímetro de
diâmetro e fica no centro da retina. Então, para compor a linda imagem que você está vendo agora, os
seus olhos estão constantemente em movimento. Eles focam determinado ponto e depois pulam para o
ponto seguinte. Cada um desses saltos tem duração de 0,2 segundo. Quer comprovar isso na prática?
Na próxima vez em que você estiver conversando com uma pessoa, preste atenção nos olhos dela.
Você irá perceber que eles se movimentam o tempo todo para escanear vários pontos do seu rosto.

O problema é que a cada pulo desses, enquanto os olhos estão se movendo para a próxima posição, o
cérebro deixa de receber informação visual por 0,1 segundo. Durante esse tempo, você está cego. E,
como nossos olhos fazem pelo menos 150 mil pulos todos os dias, o resultado são 4 horas diárias de
cegueira involuntária. Você não percebe isso porque o cérebro preenche esses momentos com imagens
artificiais, que dão a sensação de movimento contínuo. Mas que, na prática, você não viu.

Tem mais: o que você enxerga não é o que está acontecendo - e sim o que vai acontecer no futuro. É
sério. Isso acontece porque a informação captada pelos olhos não é processada imediatamente. Ela
tem de passar pelo nervo óptico e só depois chega ao cérebro. O processo leva frações de segundo, e
você não pode esperar - um atraso na visão pode fazer com que você seja atropelado ao atravessar a
rua, por exemplo. Então, o que faz o cérebro? Inventa. Analisa os movimentos de todas as coisas e
fabrica uma imagem que não é real, contendo a posição em que cada coisa deverá estar 0,2 segundo
no futuro. Você não vê o que está acontecendo agora, e sim uma estimativa do que irá acontecer
daqui a 0,2 segundo.

As mentiras invadem a razão

Com R$ 1,10, você pode comprar um café e uma bala. O café custa R$ 1 a mais do que a bala. Quanto
custa a bala? Responda rápido. Dez centavos, certo? Errado. Você acaba de ser enganado pelo próprio
cérebro. Mas não está sozinho - mais da metade dos estudantes de universidades prestigiadas como
Harvard, MIT e Princeton responderam a essa mesma pergunta e também erraram (entre alunos de
instituições menos badaladas, o índice de erro é ainda maior, cerca de 80%). Essa charada é um dos
exemplos citados no livro Thinking, Fast and Slow (Pensando, Rápido e Devagar, ainda sem versão em
português), do psicólogo israelense Daniel Kahneman, que ganhou o Prêmio Nobel de Economia por
suas pesquisas sobre o comportamento humano.

Para Kahneman, o cérebro tem dois tipos de pensamento. O primeiro é rápido e intuitivo e confia na
experiência, na memória e nos sentimentos para tomar decisões. O segundo é lento e analítico - e
serve como uma espécie de guardião do primeiro.

Se estamos decidindo sobre o que comer, podemos ficar em dúvida entre um sanduíche e um prato de
feijão. Mas por que essas duas opções, justo elas, surgiram como as alternativas válidas para o
momento? Por que você não considerou um bacalhau com batatas? Por que não um sorvete de
abacaxi? Porque o seu pensamento intuitivo já estava inclinado para optar pelo sanduba ou pelo feijão
e restringiu previamente as escolhas antes mesmo que você se desse conta de que estava chegando a
hora de almoçar. Do contrário, passaríamos horas avaliando todas as possíveis opções de refeição - e
morreríamos de fome. Se o pensamento intuitivo não existisse, seria extremamente difícil escolher
uma roupa ou responder a perguntas banais, do tipo "como você está?" ou "gostou do filme?". De
certa forma, o pensamento intuitivo é o que nos diferencia dos robôs. E é ele que permite ao cérebro
processar informações na velocidade necessária. "Ele é mais influente. É o autor secreto de muitas
decisões e julgamentos que você faz", explica Kahneman no livro. Foi o pensamento intuitivo que
apontou os dez centavos como resposta para o enigma do café. Só que ele mentiu para você. A
resposta certa é R$ 0,05. Se a bala custasse R$ 0,10, o café custaria R$ 1,10 - e o total daria R$ 1,20.

Esse duelo entre os dois tipos de pensamento, o rápido-intuitivo e o lento-analítico, também tem uma
explicação evolutiva. O córtex pré-frontal, região do cérebro responsável pelo processamento lógico,
surgiu relativamente tarde na evolução da espécie humana - já as emoções e os instintos estavam com
nossos ancestrais há muito mais tempo. Por isso elas são tão fortes e nos influenciam tanto. "A
filosofia considera o ser humano um animal racional. Mas o que sabemos é que apenas em certas
circunstâncias e à custa de muito esforço conseguimos ser racionais", afirma Vitor Haase, médico e
professor de psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

O pensamento intuitivo está sempre presente, até nas situações em que a racionalidade é
supremamente importante. Um estudo de pesquisadores das universidades de Ben Gurion, em Israel,
e Columbia, nos EUA, analisou o comportamento de juízes que deveriam decidir sobre a liberdade
condicional de presos (um processo rápido, que leva 6 minutos).

Em média, somente 35% dos condenados ganhavam a condicional. Mas os cientistas perceberam que
os juízes eram muito mais benevolentes depois de comer. Quando eles tinham acabado de fazer uma
refeição, a taxa de aprovação subia para 65%. Com o passar do tempo, a fome vinha chegando, e a
concessão de liberdade condicional ia caindo. Minutos antes do próximo lanche, o índice de aprovação
era quase zero.

Decidir sobre liberdade condicional e julgar a própria felicidade são tarefas complexas. Para avaliar
todas as variáveis envolvidas, muitas delas subjetivas, o cérebro tenderia a ficar sobrecarregado. Por
isso, ele usa atalhos. "Os nossos problemas são resolvidos no piloto automático, através de soluções
que a cultura já embutiu no nosso cérebro", diz Haase.

Estudos têm revelado outra distorção: toda pessoa sempre tende ao otimismo, mesmo quando não há
motivos para isso. A pesquisadora Tali Sharot, da University College London, gravou a atividade
cerebral de voluntários enquanto eles imaginavam situações banais - como tirar uma carteira de
identidade. Ela também pediu que os voluntários pensassem em coisas do passado. Os testes
mostraram que as mesmas estruturas cerebrais são ativadas para recordar o passado e imaginar o
futuro. Só que, ao imaginar o futuro, os voluntários criavam cenários magníficos - era o cérebro
tentando colorir os eventos sem graça. "Cerca de 80% das pessoas têm tendência ao otimismo,
algumas mais do que outras", diz ela. Para Tali, autora do livro Optimism Bias (O Viés do Otimismo,
ainda sem versão em português), o otimismo é sempre mais comum que o pessimismo - seja qual for
a faixa etária ou o grupo socioeconômico da pessoa. Assim, nunca acreditamos que algo vá dar errado
- mesmo quando o mais racional seria pensar que sim. "As taxas de divórcio, por exemplo, chegam a
40%, 50%. Mas as pessoas que estão para casar sempre estimam suas chances de separação em
o%", exemplifica Tali. Segundo ela, a inclinação natural ao otimismo também é um dos fatores que
levaram à crise econômica global de 2008. "As pessoas achavam que o mercado continuaria subindo
cada vez mais e ignoraram as evidências contrárias", afirma.

Ele está no controle

As manipulações criadas pelo cérebro afetam até a capacidade mais essencial do ser humano: tomar
as próprias decisões. Quando você decide alguma coisa, na verdade o cérebro já decidiu - com uma
antecedência que pode chegar a 10 segundos. Uma experiência feita no Centro Bernstein de
Neurociência Computacional, em Berlim, comprovou que as nossas escolhas são resolvidas pelo
cérebro antes mesmo de chegarem à consciência. Voluntários foram colocados em frente a uma tela na
qual era exibida uma sequência aleatória de letras. O voluntário tinha que escolher uma das letras e
apertar um botão sempre que ela aparecesse. Os cientistas monitoraram o cérebro dos participantes
durante o experimento. E chegaram a uma descoberta impressionante: 10 segundos antes de os
voluntários escolherem uma letra, sinais elétricos correspondentes a essa decisão já apareciam nos
córtices frontopolar e medial, as regiões do cérebro ligadas à tomada de decisões. Cinco segundos
antes de o voluntário apertar o botão, o cérebro ativava os córtices motores, que controlam os
movimentos do corpo. Isso significa que, 10 segundos antes de você fazer conscientemente uma
escolha, o seu cérebro já tomou a decisão para você - e até já começou a mexer a sua mão.

"O indivíduo não é livre para escolher", afirma Renato Zamora Flores, professor de genética do
comportamento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O cérebro restringe
previamente as suas possíveis opções e, pior ainda, escolhe uma delas antes mesmo que você se dê
conta. É possível lutar contra isso. Lembra-se daquele outro tipo de pensamento, o lento-analítico?
Basta colocá-lo em ação. E isso você consegue tendo calma, refletindo sobre as coisas e duvidando das
suas escolhas e opiniões. Os truques do cérebro são poderosos, mas não invencíveis. Agora que você
sabe como funcionam, está muito mais preparado para lidar com eles - e se tornar realmente livre
para tomar as próprias decisões.
Com a filosofia podemos perceber que a política, bem diferente da narrativa
midiática que a retrata como infindáveis casos de corrupção faz parte da
nossa vida diária e é o que possibilita mudanças na sociedade.

Por sua ênfase nas discussões antropológicas e em torno da realidade política ateniense o historiador
da Filosofia, o francês Jean-Pierre Vernant (1914 – 2007), chegou a declarar que a Filosofia é “filha
da cidade”, ou seja, havia uma preocupação por parte de tais pensadores em discutir o papel social e
coletivo nas ágoras (praças públicas).

Qual tema mais está em nosso cotidiano por mais que ignoramos? Sem dúvida é a política. Como já
sentenciava Aristóteles (384 – 322 a.c) em sua “Política”, “o homem é, por natureza, um ser
político”. De fato não temos o que duvidar. Na Grécia Antiga, o homem era cidadão quando
participava, entre outras coisas, dos assuntos na pólis, da política – decisões da e na Cidade.
Aristóteles mostrou-se preocupado com a organização da família e da sociedade civil. Embora algumas
de suas posições hoje sejam muito problemáticas, o Estagirita nos legou uma grande contribuição no
âmbito político – inclusive na crítica da ‘ciência do adquirir’ (sugere um “meio-termo).

Em Platão (427 – 347 a.c), sua “ideal” formação da Cidade, era um Estado governado por sábios
(para ele, os filósofos), como delineou em sua célebre obra “República”. Sua discussão dava em torno
do conceito de justiça e para uma sociedade ideal; vários outros temas como: as diferentes formas de
governo e as virtudes de seus governantes, tais como a sabedoria, coragem, temperança e justiça.

Porém, à medida que o tempo foi passando, com novas formas de organização da sociedade; governos
teocráticos, formação primitiva dos primeiros Estados, etc., a compreensão do que deveria ser a
política tomará forma de como é a política. Como é o caso de Nicolau Maquiavel (1469 – 1527), o
qual muitos dizem que é o fundador do pensamento político contemporâneo, pois foi o primeiro a
pintar os fatos “como realmente são” e não mais “como deveriam ser”.

O presente texto tem caráter introdutório ao assunto. É de extrema importância, em meio às pessoas
de má-fé, descompromissadas com a ciência – o saber, etc., elaborar materiais com tais abordagens:
conteúdo sério, numa linguagem acessível a todos; e para divulgação entre amigos e familiares.
Estudar política ou fazer política?
Para o filósofo italiano António Gramsci (1891 – 1937), a política é meio pelo qual os cidadãos agem
e formam sua consciência; ele concebe o “pensamento crítico” explicitamente: para Gramsci não é – e
nem pode – ser “neutro”. O “pensamento crítico” não é um jogo teórico que contrapõe duas teorias
duas ideologias, nem é a “ilusão idealista” da teoria, filosofia, cultura e, consequentemente, a
educação podem ser “independentes” de sua base “material” histórica. Gramsci entendeu que o
pensamento crítico é a investigação contínua e o desvendamento das bases materiais da própria teoria
(a filosofia política), isto é, a crítica da utilização ideológica da teoria.

Quando a pergunta do tópico, Paulo Freire (1921 – 1997) – pedagogo e, por muitos também filósofo
– foi um dos principais educadores brasileiros (pouco usado aqui e pioneiro em muitos lugares
como Finlândia em seu sistema educacional). Ele escreveu: “Não existe um processo educacional
neutro. A educação ou funciona como […] o meio através dos quais homens e mulheres lidam crítica e
criativamente com a realidade e descobrem como participar da transformação de seu mundo.”.

Assim, não devemos apenas “estudar”, ou seja, apenas receber passivamente aquilo que nos chega –
e até imposto – mas, refletir criticamente, ativo, atuante. Estudar de verdade persiste em investigar,
mergulhar aquilo que se tem em mãos. Para Freire, entre enquadrar os alunos ou ajudá-los a ser
“autônomos” (num sentido vulgarmente utilizado), ele opta pela emancipação. Entre a Educação que
reproduz desigualdades e a que as transforma, optou pela transformação.

Portanto, “fazer política” é tarefa social de todos os cidadãos; estudar a política é compreender a
realidade a sua volta, estabelecer meios e critérios para a ação. A práxis – teoria junto à ação – que
modifica a realidade socialmente legitimada sem reflexão crítica. Só consciente dos paradigmas e
problemas conseguiremos algo adiante.
Como começar a estudar filosofia política?
Nos tópicos iniciais, propus um apanhado bem geral e rápido. Não obstante, nos dias de hoje, as
pessoas estão enjoadas de “política”, cujos noticiários estão carregados de “escândalos de corrupção”,
“imoralidades”, etc. As pessoas ficam de “saco cheio” e veem nos políticos como ‘todos iguais’. A
descrença e a passividade – bem como a desorganização – é parte da “desmotivação”. O processo de
educação, como não era de esperar por outra coisa, sempre foi precária. As pessoas, tendo que
trabalhar exaustivamente para sobreviverem, veem-se desumanizadas, inferiorizadas e “perdidas” em
meio ao turbilhão de coisas que lhes causam desânimo e fatalismo, o que as faz acreditar que suas
vidas estarão fadadas àquela angústia da corrupção, violência e desamparo.

Porém, como apontou muito bem Karl Marx (1813 – 1883), as ferramentas da alienação social
(domínio ideológico de classe): a religião, mídia, música, artes, Direito, etc., tudo para ocultar a
luta de classes; a relação entre dominadores e explorados, proprietários e não proprietários. E é o
mesmo Marx que salienta que “somente a classe trabalhadora pode emancipá-la do domínio do padre,
converter a ciência de instrumento de dominação de classe em uma força popular, converter os
próprios homens de ciências de alcoviteiros do preconceito de classe, parasitas estatais ávidos de
cargos e aliados do capital em livres agentes do pensamento! A ciência só pode desempenhar seu
papel genuíno na República do Trabalho” (Marx – Materiais preparatórios para a obra “A Guerra Civil
na França”).

Assim, “por onde começar” é ter em mente a realidade em que vive seus anseios para uma
sociabilidade melhor; no desenvolvimento humano sem dominação do ser humano pelo outro é,
necessariamente, o que a Filosofia Políticatem de propor, fornecer e nortear. A arma da crítica passa
pela filosofia crítica! Vale lembrar-se do professor e pai da sociologia brasileira Florestan Fernandes:
“Não existe neutralidade possível: ou se deve optar pelos explorados ou pelos exploradores.”.

O texto nos fornece ferramentas para ir além dos clichês e do pensamento acrítico. A ciência se faz
com indagações, reflexões, mudanças, acertos e erros. A filosofia – política – tem como fundamento
esses assentamentos. Compartilhar ideias, discutir saudavelmente e, mais ainda, trabalhar
conjuntamente para a compreensão de mundo e, nesta compreensão, fazer uma atuação orgânica,
passa a ser um elemento chave dos estudos e na ação política concreta.

Tais ferramentas consistem em duas práticas fundamentais: 1) mapear assuntos de interesse comum;
2) investigar incansavelmente as teorias, sair de frases prontas, para uma ação coerente. Como dizia
Platão em um de seus diálogos: “As coisas mais difíceis são as mais belas”.

Em suma, começar algo é quase difícil. Muito pior ainda é não começar algo por simples receio de
achar difícil. Para isso, passaremos adiante para referências sérias, baseadas em critérios com o grau
de relevância acadêmica e social, bem como o foco textual foi definido.

Referências básicas para iniciar estudos em filosofia política


Advertência do autor: Ninguém pensa exatamente igual a ninguém. Cada ser é único e, portanto, tem
de ser autônomo de si. Entretanto, a seleção das obras foi escolhida para uma melhor didática e
melhor capacitação ao assunto. Não é um manual “rígido” – e nem pretende ser. O corpo da Filosofia
Política é amplo e nunca unânime. Não se trata de um “curso” de formação militante e um “manual de
doutrinação” (pois para isso temos as igrejas e a mídia).

Segue algumas obras clássicas e primordiais como referência de leitura para iniciantes, com breves
comentários introdutórios.
1. Platão (Atenas, 428 a.C. – 348 a.C.) – A República
O fundador da Academia no Ocidente. Para Platão, a realidade só era possível de ser conhecida no
campo das ideias, sendo o seu famoso mito da caverna uma alegoria de tal pensamento. Se sabemos
um pouco sobre a filosofia de Sócrates, o qual não deixou nenhum escrito, também devemos em
grande parte à Platão, que foi um dos seus alunos, em seu “Apologia de Sócrates”. Além de aluno de
Sócrates, Platão ainda seria o professor de outro filósofo brilhante, Aristóteles.[1]

Na obra o filósofo discute conceitos de uma formação ideal de sociedade, em que cada classe
desempenharia suas funções: soldados para a luta, crianças para a educação e os mais capacitados
intelectualmente para a política. Contrariamente a Aristóteles, Platão afirma que uma sociedade deve
cuidar para uns poucos não tenham propriedades demais para a melhor convivência de todos os
habitantes da pólis. Posteriormente escreveu “As Leis”.
2. Aristóteles (Estagira, 384 a.C. – Atenas, 322 a.C.) – A Política
Política, Ética, Retórica, Lógica, Ciência, Química, Biologia, Astronomia… Praticamente não houve uma
área de estudo que tenha sido ignorada por Aristóteles. Por tal motivo ele é considerado como um
dos homens que mais obteve conhecimento de todos os tempos. [2]

Em “A Política” podemos conferir importância dos seus estudos para a compreensão do pensamento
político. Nela temos a descrição de organização da família, das relações de poder na família, do
comércio, da sociedade civil, entre outras. Um marco no pensamento político ocidental, embora seja
“amada” pelos conservadores, levando em conta que Aristóteles era um aristocrata. Ainda é autor da
célebre obra “Metafísica”.
3. Nicolau Maquiavel (Florença, 1469 – Florença, 1527) – O Príncipe
Maquiavel foi o primeiro filósofo a pensar sobre a política como ela é, e não como ela deveria ser,
sendo por isso considerado um filósofo pragmático, um pensador da “realpolitik” séculos antes desse
termo ter surgido.[3]

Podemos considerar O Príncipe como a obra mais “polêmica” da lista. Nele, Maquiavel fala sobre a
necessidade de um monarca – ou governante – com pulso firme, determinado, que fosse um legítimo
rei e que defendesse seu povo sem escrúpulos e nem medir esforços. Diante da questão “é preferível
que um líder seja amado ou temido?”, Maquiavel responde que é importante ser amado e temido,
porém, é melhor ser temido que amado.
4. Thomas Hobbes ( Westport, 1588 – Derbyshire, 1679) – Leviatã
Thomas Hobbes pode ser considerado o fundador de alguns princípios liberais como direitos
individuais, a igualdade natural entre os homens e a representatividade na política. Sua frase mais
conhecida “o homem é o lobo do homem” indica o pessimismo de sua filosofia política em relação ao
ser humano, o que é explicado, em parte, por ter presenciado os horrores da Guerra dos Trinta Anos
(1618 – 1648).[4] Hobbes viveu por quase 100 anos.

Leviatã é a sua principal obra e se tornou um clássico da filosofia política. O nome se refere ao
monstro bíblico, o qual ,na obra de Hobbes, torna-se uma alegoria do Estado. Dividiu este livro em
quatro partes, sendo a primeira dedicada ao estudo da natureza humana: da sensação, imaginação,
linguagem, razão, ciência, paixões. E só depois inicia o estudo da República, soberania, leis civis e da
relação entre a religião e a política. Ainda é autor da obra “Do cidadão”.
5. Barão de Montesquieu (Bordéus, 1689 – Paris, 1755) – Do Espírito das Leis
Para o filósofo político Montesquieu todos os tipos de governos, seja monarquia, aristocracia ou
democracia, eram potencialmente tiranos. Para se evitar o despotismo, era necessário a divisão dos
poderes legislativo, executivo e judiciário baseados no Estado de direito. [5] Isso te lembra algo?

O governo como conhecemos hoje é inspirado nesse pensamento de Montesquieu, o qual também
rendeu sua principal obra, “Do Espírito das Leis”. Apesar de densa, é de suma importância as
reflexões ali postas sobre essa divisão de poderes. Ainda que escrito num período em que monarquia
era a principal forma de governo na Europa, o livro continua atual e é um grande clássico na filosofia
política moderna.
6. Voltaire (Paris, 1694 – 1778) – Cândido ou Otimismo
François Marie Arouet, mais conhecido pelo seu pseudônimo Voltaire, costuma ser lembrado como o
filósofo que defendeu a liberdade de expressão, de comércio e de religião, esta lhe rendendo duas
prisões na França, o que motivou seu exílio para a Inglaterra. [6] A famosa frase “posso não concordar
com nenhuma palavra do que você disse, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo”, apesar
de ser uma síntese do seu pensamento, não é de sua autoria, mas sim de Evelyn Beatrice Hall.

Em Cândido o autor iluminista faz uma sátira do pensamento “otimista” de outro filósofo e também
matemático Leibniz. No curto livro, Voltaire retrata as aventuras de um jovem e seu mestre Pangloss
ao redor do mundo. Diante de tantas tragédias vividas, o jovem fica desesperançado e questiona ao
mestre se aquele é “realmente o melhor dos mundos possíveis” – em alusão a visão de Leibniz. O livro
termina com a conhecida citação: “devemos cultivar nossos próprios jardins”.
7. Jean-Jacques Rousseau (Genebra, 1712 – Ermenonville, 1778) – Do Contrato Social
O filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau foi um dos maiores pensadores do movimento iluminista. Ao
contrário de Hobbes, Rousseau acreditava que o ser humano não possuía uma natureza má, mas que a
sociedade o corrompia. Apesar da perseguição religiosa que sofreu por conta de sua obra “Profissão de
Fé do Vigário Saboiano”, Rosseau era um homem espiritualizado, com alguns o considerando um
cristão não confesso. Foi rival de outro célebre filósofo luminista, o francês Voltaire, e um dos autores
mais citados por Marx e Engels no Manifesto Comunista.[7]

Em Contrato Social, sua mais conhecida obra, está contida a célebre frase: “O homem nasce livre e
por todos os lados se encontra sob grilhões”. Em tempos atuais, ela ainda tem sua validade. O filósofo
tratou da questão do “pacto social”, ou ainda, “contrato social”, bem como o conceito de “vontade
geral”.
8. Friedrich Engels (Barmen, 1820 – Londres, 1895) – A origem da família, da propriedade
privada e do Estado
Apesar de ser filho de um rico industrial, Friedrich Engels se tornou um dos grandes teóricos do
socialismo. Uma das razões foi ter conhecido a situação de extrema pobreza em que se encontrava a
classe trabalhadora quando ficou responsável pela direção de uma fábrica têxtil na
Inglaterra.[8] Com Marx escreveu o Manifesto Comunista, tratado político escrito em 1848 e que
exerce grande influência até hoje.[9]

Sua “A origem da família, da propriedade privada e do Estado” é uma obra clássica de imperdível
leitura, pois nela o autor trabalha os fundamentos gerais das origens da ordem social dividida em
classes, usando de estudos científicos ali disponíveis, como também sua reflexão sobre algumas
temáticas pertinentes – e ainda hoje vigentes. Na obra, sob uma concepção materialista, conclui que a
produção e reprodução da vida nos meios de existência do homem são fatores decisivos da história. O
princípio fundamenta a compreensão das fases de desenvolvimento humano, assim como os
progressos obtidos na produção dos meios de existência.
9. Antonio Gramsci (Ales, 1891 – Roma, 1937) – Poder, Politica e Partido
Um dos filósofos mais citados pela direita brasileira, em grande parte devido às teorias conspiratórias
de Olavo de Carvalho. Contudo, ao contrário do que Olavo diz, Gramsci não tinha um plano de
doutrinação marxista das massas, mas sim criticava justamente a hegemonia cultural das classes
dominantes sobre ela. Suas obras foram publicadas apenas após sua morte, sendo seus “Cadernos do
Cárcere” escritos durante sua prisão no regime fascista de Mussolini.[10]

Em “Poder, Política e Partido”, Gramsci parte de dois pontos fundamentais: as relações de força que se
dão em uma sociedade, a qual, segundo Gramsci, é constituída por uma estrutura e superestrutura
formando um bloco histórico, cujo conjunto é complexo e contraditório, tornando a luta de classes
entre burgueses x proletariado algo inevitável; o segundo ponto é algumas categorias que ele chama
de “intelectual orgânico”, que é o profissional político que representa uma classe (dominante ou
trabalhadora), enquanto o partido político é toda organização desta sociedade e cuja existência
depende de homens comuns e elementos de união (contato “físico”, moral e intelectual) e coerção.
10. István Mészáros (Budapeste, 1930) – Para além do capital
Certamente um dos maiores filósofos marxistas contemporâneos. Nascido na Hungria, István
Mészáros nasceu numa família pobre e precisou desde cedo trabalhar. Com 12 anos teve seu primeiro
trabalho, o qual conseguiu mentindo a idade, dado que não era permitido o trabalho para menores de
16 anos. Assim como Engels, a realidade social do capitalismo o tornou um crítico do sistema, mas
enquanto o primeiro apenas presenciou o sofrimento dos trabalhadores, Mészáros o sentiu na pele.
Como crítico do socialismo reformista, Mészáros defende transformações sociais fora das instituições
burguesas e promovidas diretamente pela classe trabalhadora, o que o fez se aproximar dos
anarquistas. No entanto, para estes, seu apoio aos governos de Hugo Chávez compromete o seu
trabalho teórico e o torna contraditório.[11]Mészáros também foi assistente de György Lukács quando
estudava filosofia na Universidade de Budapeste.[12]

Em sua densa obra “Para além do capital” o húngaro trabalha acerca dos problemas inerentes ao
capitalismo, de suas limitações atingidas; a inexorabilidade de autoexpansão do sistema produtivo de
forma irracional. A obra ainda contêm suas reflexões sobre a destruição do meio ambiente e,
consequentemente, da humanidade.

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