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DA VULNERABILIDADE NOS CRIMES SEXUAIS

CONCEITO DE VULNERABILIDADE

O artigo 217/A do CP traz a tona quem são os vulneráveis, termo não utilizado
pelo legislador pelo revogado artigo 224 do mesmo diploma normativo.

Assim, são considerados os menores de 14 anos, as pessoas que por enfermidade


ou deficiência mental não tem o discernimento necessário para prática do ato, ou
aqueles que por qualquer outro motivo não podem oferecer resistência.

O legislador optou por elencá-los no rol de sujeitos passivos do referido crime em


decorrência da sua condição de vulnerabilidade. (BITENCOURT, 2011)

Buscando novamente ajuda no dicionário Michaelis para conceituar


vulnerabilidade, se tem na língua portuguesa como significado “o lado fraco de um
assunto ou questão, e do ponto por onde alguém pode ser atacado ou ofendido”, e o
ordenamento jurídico não trata de forma diferente.

Jesus (2010) explica que vulnerável é a pessoa mais fraca e nesse ponto se
localiza como violência presumida. Deste modo, é considerado vulnerável o menor de
14 anos, bem como aqueles que possuem enfermidade ou deficiência mental, e não
possuem o necessário discernimento para a prática do ato sexual, ou sequer oferecer
resistência.

No entendimento de Leal apud (GRAÇA, 2013) para o Direito Penal, vulnerável é


a “criança ou mesmo adolescente com menos de 14 anos ou também, qualquer pessoa
incapacitada física ou mentalmente de resistir á conduta estupradora do agente
criminoso”.
Já para Martinelli (2012) vulnerável é a “pessoa que não possui capacidade
suficiente para decidir sobre o próprio comportamento sexual”.

E reflete que o consentimento de nada vale diante da incapacidade arguida,


incidindo a conduta no crime ora estudado.

VULNERABILIDADE REFERENTE À FAIXA ETÁRIA

A evolução da civilização segue acompanhada da crescente violência que anda


lado a lado com a sociedade, fazendo parte do cotidiano do povo.

Assim, o abuso sexual infantojuvenil apresenta-se como uma das manifestações


mais graves no âmbito familiar diante da sociedade. De acordo com Bitencourt (2011)
tal justificativa se afirma diante da lesão aos direitos fundamentais da criança e do
adolescente, muitas vezes de forma duradoura e contínua.

Nos casos de crimes praticados contra a dignidade sexual, em relação à faixa


etária, o legislador faz uma grande confusão quanto a idade vulnerável, visto que ora
refere-se ao menor de 14 anos (art. 217/A, 218 e 218/A do CP) ora a idade de 18 anos
(art. 218/B, 230, parágrafo 1º, 231, parágrafo 2º, 231/A, parágrafo 2º, II, do CP).

Logo, existem duas espécies de vulnerabilidade: a absoluta e a relativa.

A vulnerabilidade absoluta se refere ao menor de 14 anos e configura o crime de


estupro de vulnerável, enquanto a vulnerabilidade relativa se refere ao maior de 14 anos
e menor de 18, contemplando o crime de favorecimento da prostituição ou outra forma
de exploração sexual. (BITENCOURT, 2011)

Assim, consideram-se vulneráveis os menores de 14 anos e é caracterizado como


crime, caso o ato seja praticado antes da vítima atingir esta idade, pois se praticado na
data de seu 14º aniversário, será considerado como uma conduta atípica.
Jesus (2010) cita que após o dia em que se completa o 14º aniversário, o
adolescente ainda pode ser vítima de crimes sexuais se estiver em situação de
prostituição ou qualquer outra forma de exploração sexual, incidindo no crime de
favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual contra o
vulnerável, de acordo com o art. 218/B do CP, onde se tem que

Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração


sexula alguém menor de 18anos ou que, por enfermidade ou deficiência
mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la,
impedir ou dificultar que a abandone, terá pena de reclusão de 4 a 10 anos.
§ 1º Se o crime é praticado com o fim de obter vantagem econômica, aplica-
se também multa;
§ 2º Incorre nas mesmas penas:
I – quem patrica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor
de 18 e maior de 14 anos na situação descrita no caput deste artigo;
II – o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem
as práticas referidas no caput deste artigo
§ 3º na hipótese do inciso II do § 2º, constitui efeito obrigatório da
condenação a cassação da licença de localização e do e funcionamento do
estabelecimento. (BRASIL, 1940)

Nos casos em que o contato sexual for realizado sem o consentimento do


adolescente, fica configura o crime de estupro qualificado, de acordo com o que consta
no art 213, ou a violação sexual mediante fraude, como consta no art. 215.

Art. 213 Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter


conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato
libidinoso
Pena - reclusão de 6 a 10 anos
§ 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é
menor de 18 ou maior de 14 anos;
Pena – reclusão, de 8 a 12 anos.
Art. 215 Ter conjunção carnal ou praticar outro atolibidinoso com alguém,
mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação
de contade da vítjma:
Pena – reclusão, de 2 a 6 anos. (BRASIL, 1940)

Nessas situações, visa o legislador a salvaguarda do ingresso precoce na vida


sexual, zelando pela inocência e candura, pois entende que o amadurecimento deve ser
progressivo e graudal. (JESUS, 2010)
O processo de violência intrafamiliar com crianças e adolescentes é entendido
pela doutrina como a vitimização primária, pois no âmbito da investigação judicial,
ocorre a vitimização secundária, em que o sistema jurídico vitimiza novamente a criança
ou o adolescente, pois pode prejudicar a superação de um trauma tão íntimo.

Um caso analisado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais foi considerado o réu
absolvido, onde após a verificação de se tratar de um caso onde a vítima além de mentir
a sua idade, estava envolvida com o réu em um relacionamento sério com o
consentimento de seus pais. Após o término deste relacionamento, por motivos de
vingança a vítima acusa o réu de ter mantido relações sexuais mesmo ela sendo menor.
Porém o analisar o caso entendeu o relator não se tratar de situação em que a vítima foi
violentada de sua inocência, e sim um relacionamento que evoluiu para a prática sexual,
ficou entendido que este agiu sob erro de proibição. (TJMG, 2013)

VULNERABILIDADE REFERENTE À PORTADORES DE DÉFICIT INTELECTUAL

Diante da imaturidade para a prática do ato sexual, os portadores de déficit


intelectual são considerados pessoas frágeis pela lei penal.

Porém, Jesus (2010, p. 161) esclarece que não é qualquer déficit intelectual que
leva o indivíduo a ser considerado como vulnerável. É necessário que o atraso psíquico
seja capaz de comprometer o discernimento para a prática do ato sexual.

O autor ainda acrescenta que “se a debilidade mental não era perceptível desde
logo, o fato é atípico”.

Em casos assim, a idade do indivíduo é indiferente para a determinação da


realidade psíquica, sendo necessário seria a realização do exame pericial.

Verifica-se que a lei suprimiu o requisito da necessidade da ciência do agente


acerca da condição do ofendido.
Jesus (2010) cita que é indiferente essa supressão, pois tais circunstâncias fazem
com que o agente atue sob o escopo do erro de tipo.

Surge a problemática ao analisar situações em que relacionamento sexual do


enfermo ou deficiente mental é consentido. E, no que pese possuírem a idade adulta,
não goza de plena capacidade intelectual.

O exemplo clássico é dos portadores de Síndrome de Down. Estes indivíduos


possuem retardamento mental, e necessitam de cuidados específicos durante a maior
parte de suas vidas.

Atualmente, chegam a conviver com companheiros, em união estável. Nucci


(2010) entende que a única interpretação lógica e justa que possa ser realizada é
conceber a divisão entre os enfermos, sendo os que são completamente
impossibilitados de apresentar manifestação de consentimento válida para a prática dos
atos sexuais de modo que qualquer ato libidinoso seja considerado violento, daqueles
que possuem deficiência mental, mas mantem o desejo sexual e a vontade de se unir a
outras pessoas.

Assim, deve ser realizada a análise do caso em concreto, auferindo a real situação
do enfermo, sendo perfeitamente escusável o erro de proibição.

Interessante caso foi analisado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas


Gerais, acerca da prática de relação sexual com uma vítima surdo muda, onde não
havendo provas suficientes de que a vítima não tinha capacidade de compreender o ato
sexual praticado, sendo esta considerada vulnerável à conduta, foi observado que não
houve emprego de violência ou ameaça para a configuração do delito.

Após o exame pericial, foi constatado que, no que pese a vítima ser surdo muda
não possuía a mesma nenhuma patologia que a impedisse de manifestar o seu
consentimento de forma válida.
Por haverem provas nos autos (depoimento do réu, das testemunhas e da
própria vítma) de que a ofendida tenha consentido com a prática da relação sexual e
não sendo ela vulnerável, não houve de se falar em manutenção do decreto
condenatório.
Assim, havendo dúvida, mínima que seja, acerca da prática da conduta típica,
deve-se decidir em favor do agente em respeito ao princípio in dúbio pro reo. (TJMG,
2013)
Neste caso, o relator entendeu não se tratar de prática de crime de estupro de
vulnerável, visto que a vítima não estava na condição de vulnerável expressa em lei,
sendo absolvido o réu.

VULNERABILIDADE REFERENTE ÀQUELES QUE NÃO POSSUEM CAPACIDADE PARA


RESISTIR

Por equiparação legal, o legislador considerou vulnerável o indivíduo que por


qualquer causa não possuir capacidade de resistir. Jesus (2010) cita que nestes casos,
pouco importa se a causa é obra do agente ou não.

Em análise do caso em concreto, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande


do Sul rejeitou o pedido de habeas corpus impetrado pelo acusado de estupra um
menor, após ter lhe fornecido drogas com a ajuda de um comparsa, diante a
periculosidade do agente e a impossibilidade da vítima oferecer resistência, foi
decretada prisão cautelar, por estar além de bem fundamentado, devidamente apoiado
em valor protegido pela ordem constitucional em igualdade de relevância com o valor
liberdade individual – a tutela da ordem pública.

O relator ainda colocou que este caso merece destaque não só pela gravidade
ínsita ao delito imputado, mas também a gravidade revelada pelos meios concretos de
sua execução, considerando as severas circunstâncias fáticas descritas nos elementos
indiciários do processo. A prova inquisitorial demonstra ainda que após o abuso sexual,
o menor foi encontrado dormindo e sem nenhum tipo de assistência. (TJRS, 2012)
Jesus (2010) alerta para que o interprete da lei diferencie do crime de violação
sexual mediante fraude, que decorre do emprego de meios que impeçam ou dificultem
a manifestação de vontade da vítima.

Nucci (2010) defende que tal diferenciação deve considerar o grau de resistência
da vítima. Se a resistência for relativa, há alguma condição de haver consciência do ato
sexual, será considerado como crime de violação sexual mediante fraude. Porém, se a
resistência for nula, sem nenhuma condição de entender o que se passa, trata-se do
crime de estupro de vulnerável.

VULNERABILIDADE: ABSOLUTA OU RELATIVA?

No período da ditadura militar, na década de 40, o legislador utilizava a


presunção de violência, especificando as causas que levavam a tal presunção.
Entretanto, o legislador contemporâneo faz uso de tal instituto, mas de acordo com
Bitencourt (2011) é usado de modo disfarçado, com a finalidade de ludibriar o intérprete
e aplicador da lei, com o intuito de evitar discussões quanto à relativização da
presunção.

A doutrina não é pacífica ao definir a vulnerabilidade ou a violência presumida


como absoluta.

Ao inserir no tipo penal o termo “vulnerável”, pretendeu-se inserir a coação


psicológica, sem utilizar a expressão “presunção”, tendo em vista a polêmica sempre
gerada no direito penal (MARTINELLI, 2012)

Nucci (2010) entende que se trata de uma vulnerabilidade relativa, admitindo


prova em contrário. Baseia-se em situações que o vulnerável apresenta desejo sexual,
e possui um companheiro.
Já Gomes (2013) pondera no sentido de que a vulnerabilidade para em relação
aos menores de 12 anos é absoluta, de modo a proibir qualquer relacionamento sexual
com aqueles considerados crianças.

Tal proibição persiste para os maiores de 12 anos e menores de 14 anos,


considerados como adolescentes, defende o jurista que a proibição deve ser relativa,
com análise do caso em concreto, sendo apenas crime quando há exploração sexual do
adolescente.

Com a mesma visão, Martinelli (2012) defende a relativização da vulnerabilidade


do maior de 12 anos e menor de 14, com o argumento de que se possui maturidade para
receber uma medida socioeducativa, e responder por ato infracional, deve ter
capacidade para consentir com o ato sexual de forma válida, admitindo prova em
contrário quanto a sua vulnerabilidade.

Jesus (2010) ensina que no que pese a nítida intenção do legislador de considerar
o menor de 14 anos como um indivíduo absolutamente vulnerável, a vulnerabilidade
não pode assim ser considerada, admitindo prova em contrário quando se tratar de
adolescentes.

Justifica, outrossim, com situações em que menor de 14 anos possui vida ativa,
e voluntariamente pratica atos sexuais, não há ofensa ao bem jurídico tutelado, ou seja,
a dignidade sexual.

Se nesses casos do imputado o crime ora analisado, seria uma evidente violação
ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Em posicionamento inicial, o Supremo Tribunal de Justiça entendeu que a


vulnerabilidade nos crimes de estupro de vulnerável, era uma presunção relativa, a
situação em que um casal teve um relacionamento amoroso, o que resultou em relações
sexuais, mesmo sendo a mulher menor de 14 anos.
A relatora manteve a decisão de primeiro grau, no sentido de absolver o réu, pois
o referido acórdão repudia a intenção do Código Penal de equiparar o menor de 14 anos
ao alienado mental.

Ademais, justifica que o Código Penal é datado de 1940, e certamente, um


adolescente contemporâneo possui muito mais orientação sexual do que aquele da
época da elaboração do referido diploma. (STJ, 2009)

Entretanto, houve mudança no entendimento do STJ, que passou a entender a


vulnerabilidade do menor de 14 anos como absoluta, pois na data do cometimento do
crime, pouco importa o consentimento para a prática do ato, ou mesmo o estilo de vida
e experiência sexual. O STJ passou a adotar o entendimento de que a presunção é
absoluta.

Em outro caso, o STF, ao ser questionado acerca da vulnerabilidade do menor de


14 anos, decidiu pelo seu caráter absoluto, onde ficou decidido que para configurar
estupro ou atentado violento ao pudor com violência presumida (previstos,
respectivamente, nos arts. 213 e 215, c/c o art. 224, a, do Código Penal, na redação
anterior à Lei 12.015/2009), é irrelevante o consentimento da ofendida menor de 14
anos ou, mesmo, a sua eventual experiência anterior, já que a presunção de violência a
que se refere a redação anterior da alínea a do art. 224 do CP é de caráter absoluto.

Entendeu-se que a vítima não possuía discernimento suficiente para consentir


com a prática do ato. Assim, o relator denegou o pedido de habeas corpus. (STF, 2011)
Vale lembrar que o projeto de lei nº 1.213/2011 da Câmara dos Deputados, tem
por objetivo relativizar a vulnerabilidade do ofendido, em casos de déficit mental,
quando houver consentimento. (MARTINELLI, 2012)

Em suma, como bem lembra o ministro Jorge Mussi “se absoluta ou relativa, se
deve ou não ser levado em consideração às particularidades do caso concreto, bem
como da vítima e do autor. (STJ, 2010)

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