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28/8/2015
TERAPIA
ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
Relato de Casos e de Análises
INDEX
BOOKS
GROUPS
Sonia Beatriz Meyer
Alessandra Villas-Bôas
Ana Carolina T. Franceschini
Claudia Kami Bastos Oshiro
Mareia Kameyama
Patrícia Rivoli Rossi
Victor Mangabeira
INDEX
Vários autores
ISBN 978-85-69475-00-2
BOOKS
15-06067 CDD-150.195
GROUPS
editor Paradigma Centro de Ciências e
Tecnologia do Com portam ento
julho 2015
S u m á r io
1 Caso ROBERTA 15
2 Caso REGINA 39
INDEX
3 Caso RAFAEL
4 Caso JOÃO
5 Caso JOSÉ
65
79
111
BOOKS
Supervisão
145
167
Diagnóstico
GROUPS
contingências sociais
187
SD Estímulo discriminativo
Sp Estímulo punidor
INDEX
Psicoterapia Analítica Funcional
BOOKS
CCR3 Comportamento clinicamente relevante 3 - Análises funcionais do
cliente sobre o próprio comportamento
GROUPS
In t r o d u ç ã o
INDEX
sistematizar essas conclusões para compartilhá-las com a comunidade de analistas
do comportamento, especialmente com os que trabalham na clínica, alunos de
psicologia e supervisores clínicos.
A terapia analítico-comportamental é uma form a de terapia que vem sendo
desenvolvida vigorosamente no Brasil. O aumento de inscrições (aproximadamente
de 1.500 pessoas em 2011 para mais de 3.000 em 2012), especialmente de
estudantes, no XXI Encontro Brasileiro de Psicologia e Medicina Comportamental
BOOKS
á um indicativo de interesse em análise do comportamento e na terapia analítico-
comportamental. Da mesma form a existem cada vez mais jornadas de Análise do
Comportamento - JACs, organizadas por estudantes e disseminadas em vários
Estados e regiões do Brasil. Mas a terapia analítico-comportamental que carece,
até esse momento, de claras definições e de modelos de atuação é ainda uma
forma de atuação psicoterápica nova, embora baseada em décadas de estudos
GROUPS
experimentais e aplicados. O livro provê exemplos de atuação e relatos de reflexões
sobre a prática desenvolvidas em ambiente misto de clínica, teoria e pesquisa em
universidade brasileira, com ênfase na prática clínica.
Usamos dois formatos de capítulo: 0 primeiro é o relato de casos, o segundo é
o de discussão de tópicos selecionados.
Agradecemos a todos os clientes atendidos no Serviço de Terapia Analítico-
Comportamental do LTCUSP, cujas histórias de vida e relações com nosso grupo
inspiraram a elaboração desta obra. Cinco desses clientes foram selecionados para
compor e enriquecer este livro - duas adultas, dois adultos e uma criança aos
quais gostaríamos de enfaticamente informar quanto aprendem os com cada um
deles e crescemos como profissionais. Suas histórias, suas dedicações à terapia e
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3. História de vida relevante e rotina do cliente
4. Dificuldades apresentadas/identificação dos comportamentos clinicamente
relevantes
5. Diagnóstico do caso / DSM
6. Análise funcional (tabelas)
• A centralidade das contingências sociais (se//)
7. Supervisão
BOOKS
8. Relação terapêutica
9. Intervenções
• Intervenções nas dificuldades relacionadas ao cotidiano
- Intervenções baseadas na interação entre terapeuta e cliente
10. Evoluções do caso/resultados.
GROUPS
Seguem-se os tópicos selecionados para discussão:
11. A nossa experiência de supervisão
12. Questões relativas à análise funcional
13. Questões relativas ao que a literatura tem abordado como problemas de
self, com ênfase na centralidade das contingências sociais
14. A maneira como nosso grupo discute a questão do diagnóstico
15. Questões relativas à relação terapêutica, com ênfase no comprometimento
do terapeuta
16. A Psicoterapia Analítica Funcional - FAP
Este livro se propõe fazer uma ponte entre o behaviorismo radical e a prática
clínica. Entretanto, apresenta-se pouca teoria em cada tópico, e enfatiza-se a
aplicação prática da teoria. Consiste no relato de nossas principais conclusões, ao
reunirmos experiência clínica, de supervisão, de pesquisa e de discussões teóricas.
Por essa razão, nossas reflexões são apresentadas na primeira pessoa do plural, já
que se referem ao nosso grupo de supervisão, que é descrito a seguir
INDEX
obrigatória no ano anterior. Nesse ano, o número de participantes chegou a três
e posteriormente passou a variar de sete a oito. O número de casos atendidos
alcançou 25 em 2004 e o número de atendimentos chegou a 480 em 2005. Nos
últimos anos, o número de casos atendidos anualmente tem sido dez e o de
atendimento anual aproximadamente 250.
De 2004 em diante, para que participassem do grupo, todos já deveriam ser
BOOKS
psicólogos formados. A entrada ocorria simultaneamente ao processo de seleção
para a pós-graduação quando 0 pós-graduando morava em São Paulo ou muito
perto, para poder participar das reuniões semanais de quatro horas de duração.
Entravam também no grupo alguns alunos que, ao terminarem a graduação
feita com a supervisão da mesma professora, eram convidados a continuar seu
atendimento. Podiam ser também convidados candidatos à pós-graduação que
cursavam com a orientadora pretendida uma disciplina de pós-graduação como
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alunos especiais e tinham sido aceitos pelo grupo.
Foram criados, no decorrer do tempo, alguns critérios para entrada e
permanência no grupo. Todos participantes deveriam atender pelo menos a
um caso, e eram recusados candidatos que quisessem participar apenas como
ouvintes. Essa decisão foi tomada devido ao grau de exposição pessoal que
podia ocorrer durante as supervisões, procurando tanto garantir que as análises
dos casos e da atuação do terapeuta fossem feitas de maneira empática quanto
assegurar a coesão do grupo. Além desse critério, outro passou a ser adotado:
a supervisora deixou de ter a prerrogativa de convidar novos participantes.
Tal decisão passou a ser feita mediante consulta ao grupo, sendo essa uma das
maneiras de cuidar da coesão. Nessa consulta, critérios existentes ou novos eram
deliberados. Esses critérios são mutáveis; podia ser critério de inclusão a existência
de alguma pesquisa que requeresse a participação de outros terapeutas; podia
ser critério de exclusão o número elevado de participantes, o que inviabilizaria
supervisão adequada atodos. O s critérios adotados eram profissionais, e amizades
e preferências não eram consideradas como critérios.
O grupo está inserido numaclínica-escola, o que leva à necessidade de atender
a três propósitos: (1) serviço à comunidade, (2) formação do profissional e (3)
desenvolvimento de pesquisa. A formação do profissional é atendida à medida
que todos atendem e realizam supervisão de seus casos, e o modo como isso é
feito é objeto de discussão neste livro. O desenvolvimento de pesquisa ocorre por
meio dos projetos de pós-graduação stricto sensu, orientados dentro de nosso
INDEX
laboratório, que auxiliam também em nossa prática clínica. Frequentemente
recorremos às pesquisas dos membros do laboratório para entender o que
ocorre na interação terapêutica e, dessa maneira, aprimorar as análises dos casos.
Também é critério para 0 ingresso no grupo estar interessado ou já engajado no
desenvolvimento de pesquisas. Isso caracterizou não só 0 trabalho do grupo
como algo que está acima da supervisão de casos, mas também um grupo que é
comprometido com a produção de conhecimento que alie teoria e prática.
BOOKS
Quanto à prestação de serviço à comunidade, esse aspecto é naturalmente
atendido porque é critério para 0 ingresso e permanência no grupo realizar pelo
menos um atendimento. Além disso, visto que uma parcela do grupo realiza
pesquisa em clínica, alguns membros atendem a casos da clínica-escola para seus
projetos de pós-graduação.
O grupo passou a ser denominado de Estrela do Lattes mediante uma
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pergunta da professora titular Edwiges de Mattos Silvares, membro da banca de
livre docência de Sonia Beatriz Meyer. A pergunta tinha sido "para qual das tuas
atividades você daria um destaque, como a da estrela do currículo Lattes”. A
resposta saiu de form a rápida: o grupo de supervisão.
O funcionamento do grupo
IN I RODUÇÀO
INDEX
aconteceu comigo.
Outro ponto importante é a ligação da teoria com a prática. As perguntas
importantes são: "Por que você fez isso?" “Qual a hipótese?” "O que você
acha que está acontecendo?" Assim, a gente integra a teoria e a prática
clínica, aspecto também que em muitas supervisões fica confuso.
Outra questão é o uso da FAP. Nas supervisões que eu participei a FAP não
BOOKS
era usada. E acho que isso ajuda muito.
O grupo também é muito bom, eu fico admirada de ver as meninas
comentando as coisas dos casos. Quanta coisa elas sabem 1
E o interessante ê que conseguim os pegar um caso e ir até as últimas
consequências, ou seja, não /içam os no superficial. Você consegue
perceber que hâ algo mais, e nesse detalhamento, você consegue
levantar a história de reforçamento, as contingências passadas e atuais,
GROUPS
as coisas que acontecem dentro da sessão... e parece que depois, tudo
é colocado junto, tipo, amarrado e conseguimos entender p or completo
o caso. E aí isso reflete diretamente no atendimento.
Acho que seria legal você escrever um texto sobre a supervisão. Está sendo
muito boa e você não tem ideia do quanto eu estou aprendendo.
INTRODUÇÃO
Alessandra Villas-Bôas
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Possui graduação em Psicologia (bacharela e psicóloga - 2003) e mestrado
em Psicologia Experimental (2006), ambos pela Universidade de São Paulo, tendo
o último recebido menções de distinção e louvor pela banca examinadora. Tem
experiência em docência universitária, na área de acompanhamento terapêutico
e na área clínica (atendimento infantil, adulto, casal e orientação profissional)
utilizando a FAP. Atualmente é doutoranda no Departamento de Psicologia
Clínica da Universidade de São Paulo, sob a orientação da Profi3 D ra Sonia B.
BOOKS
Meyer, investigando processos da FAP responsáveis por aumentar a efetividade
da melhora terapêutica. Fez estágio sanduíche na Universidade de W isconsin-
Milwaukee, sob a supervisão do Prof. D r. Jonathan Kanter.
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Experimental e doutoranda pela Universidade de São Paulo (IP USP). Membro
do Serviço de Terapia Analítico-Comportamental do Laboratório de Terapia
Comportamental do Instituto de Psicologia da USP, onde atende como terapeuta
clínica voluntária utilizando a FAP. Autora de artigos e capítulos de livros sobre
modelos experimentais de estresse e depressão.
Mareia Kameyama
Possui graduação pela Universidade de São Paulo (psicóloga e bacharela). É
Mestra em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo. Membro voluntário
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do Serviço de Terapia Analítico-Comportamental do Laboratório de Terapia
Comportamental do Instituto de Psicologia da USP Tem experiência em clínica,
FAP, pesquisa clínica, treinamento de equipe, dor crônica, reabilitação física
por meio de exercício resistido e envelhecimento. Atua como psicóloga clínica
em consultório particular. Trabalha com treinamento de equipe e avaliação e
orientação psicológica no Instituto Biodelta. Faz parte do corpo docente do curso
BOOKS
de especialização em Fisiologia do Exercício e Treinamento Resistido na Saúde, na
Doença e no Envelhecimento do Instituto Biodelta, em parceria com a Escola de
Educação Permanente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
GROUPS
UNITAU (2007). É graduada em Psicologia (2006), Bacharelado (2005) e Licenciatura
(2005) pela Universidade de Taubaté (UNITAU). É docente na Universidade de
Taubaté e no curso de pós-graduação em Terapia Cognítíva-Comportamental na
Universidade de Lorena. Possui seis anos de experiência em atendimento clínico
na abordagem comportamental (incluindo atividades de pesquisa e atendimento
clínico no Serviço de Terapia Analítico-Comportamental do Laboratório de Terapia
Comportamental do Instituto de Psicologia da USP).
Victor Mangabeira
Possui graduação em Psicologia pela U niversidade de São Paulo - USP
(2008) - títulos de Bacharel, Psicólogo e Licenciado. Em 2008 recebeu prêm io
da U niversidade de São Pauto (USP) com o aluno graduado com a m aior média
entre os form andos. É especialista em Clínica Analítico-Com portam entai pelo
Núcleo Paradigma de Análise do Com portam ento. Atualmente cursa doutorado
direto em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da U niversidade de São
Paulo (IPUSP). É p5Ícólogo clínico (Terapeuta Analítico-Com portam entai). Tem
experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia C lín icae Psicologia
Experimental. Trabalha com a Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) desde
2008, incluindo uma pesquisa de doutorado direto utilizando delineam ento de
sujeito único.
INDEX
Colaboraram ativamente na discussão, escrita e revisão do livro, em diferentes
momentos, Milena Carvalho de Godoy Geremias, Tauane Paula Gehm e Giovana
Del Prette. Agradecemos muito as valiosíssimas contribuições.
BOOKS
Emerson Figueirêdo Simões Filho, Emileane Oliveira, Esther De Matos Ireno,
Fernanda Libardi, Juliana Donadone, Michele Oliveira-Silva, Paula Scarpelli, Priscilla
Araújo Taccola, Rejane Coan Ferretti Mayer e Rodrigo Nunes Xavier.
GROUPS
INDEX
BOOKS
GROUPS
INDEX
BOOKS
GROUPS
C a s o ROBERTA1
Identificação da cliente
Roberta (nome fictício), 45 anos de idade, foi casada aproximadamente dez
anos e tinha três filhos. Na época do atendimento, a cliente cursava faculdade
havia quase dez anos e recebia uma bolsa estudantil. Apresentava 0 diagnóstico de
Transtorno de Personalidade Borderline e não fazia uso de medicação psiquiátrica.
INDEX
Queixas apresentadas
Roberta apresentou, como queixas iniciais, episódios de insônia, pavor
noturno (sensações corporais, tais como taquicardia, peso nos braços e
pernas, formigamento nos membros, possíveis desmaios com permanência da
consciência), algumas dificuldades relacionadas à organização do tempo para
estudar e à resolução de problemas práticos do cotidiano, como a reforma de
BOOKS
seu apartamento. Dizia sentir muita raiva, a ponto de sentir-se explodindo, mas o
explodir não era pensamento de suicidar-se, e sim de matar alguém.
Desde o início da terapia, Roberta deu sinais de que seria um "caso difícil”.
Em sessão, Roberta falava muito e de maneira confusa. Parecia que não havia
outra pessoa na sala. Enfatizava que poderia “abandonar 0 processo terapêutico
a qualquer momento'1 e que os comportamentos do terapeuta determinariam
GROUPS
tudo, principalmente se ele (terapeuta) "não fosse inteligente 0 suficiente para
acompanhá-la no raciocínio". Enfatizava que só havia iniciado a terapia para "ver
o que ia dar” e que queria sugar todas as informações técnicas que o terapeuta
sabia para poder aprender mais. Em uma tentativa anterior de terapia com outro
terapeuta, Roberta enfatizou que ele sempre a entendia, nunca a confrontava e era
extremamente receptivo e inteligente.
1 Dados pessoais e detalhes de alguns episódios foram rrodrficaacs pa^s impedir a identificação dos
envolvidos.
CASO ROBERTA
Roberta também dizia que nunca gostou de médicos e psicólogos, os quais eram
sempre arrogantes e técnicos, e que ela avaliava a toda a hora o comportamento
do outro, da aparência às “nuances” de comportamento. Dizia que não acreditava
em terapia porque as pessoas a faziam apenas para “aliviar a culpa e a consciência”
e não mudavam em nada. Certo dia chegou à sessão dizendo que estava muito
irritada e mal-humorada e que tinha calçado as botas justamente para dar um
chute na canela de alguém. Roberta tinha a certeza de que era um caso novo que
estava aparecendo no campo psicológico, algo que nunca tinha sido estudado.
Fazia questão de que tudo fosse filmado porque assim os alunos aprenderiam
muito com ela, inclusive o terapeuta. Em todas as sessões, Roberta sempre falava
algo desagradável: “não gostei da sua voz no telefone. É feia e parece de velho".
INDEX
Seguem-se exemplos dos episódios verbais descritos acima, ocorridos na
primeira sessão de terapia. Os episódios exemplificam as falas agressivas da
cliente em três momentos da sessão: no contato inicial, durante a sessão e no
encerramento.
BOOKS
R.: Hoje estou particularmente irritada e mai humorada, coloquei a bota
justamente para dar um chute na canela de alguém. (Sorriso irônico.)
T.: Hum! (Permanece quieto.)
Durante a sessão.
T.: O que te trouxe para a terapia?
GROUPS
R.: Nunca gostei de médicos e psicólogos, pois são sempre arrogantes e
TFRAPIAANALÍTICO-COMFORTAMENTAL
No encerramento da sessão.
I ; E como você gostaria de estar fazendo com a terapia? Hoje fo i só para
nos conhecermos e se você quiser fazer terapia, as sessões serào
filmadas...
R.: Nâo posso te dar essa resposta, porque tu do vai depender de você.
16 Se eu perceber que você ficou boiando, eu encerro a sessão. E faço
CASO ROBERTA
questão que tudo seja filmado já que sou um caso novo e os alunos vão
aprender muito comigo.
T.: Tudo bem, eu trago o termo de consentimento na próxima sessão.
R.: Mas olha, eu posso abandonar o processo terapêutico a qualquer
momento.
T.: E como você vai saber qual é o momento?
R.: Os seus comportamentos vão determinar tudo, principalmente se você
não fo r inteligente o suficiente para me acompanhar no raciocínio.
T.: Vamos com binar o seguinte: se você não gostar de alguma coisa me
avise (...).
R.: (Com um sorriso.) Combinado, venho na semana que vem. E faço
INDEX
questão da filmagem! (Risos irônicos.)
BOOKS
enquanto Roberta a espiava pela janela. Não se sabe por quanto tempo a mãe ficou
afastada. Durante a época de afastamento da mãe, Roberta dizia que "não gostava
dela”, embora tenha se conformado depois (a vida é assim, 0 mundo é assim).
Roberta relatou um episódio que ocorreu também na sua infância, o qual
envolveu os pais, 0 que, segundo ela, interferiu no seu desenvolvimento. Contou
que, durante a relação sexual dos pais, a mãe a chamava e pedia que ela fizesse
algo para impedir a investida do pai. Roberta relatou que ficava ao pé da cama
GROUPS
olhando os movimentos que ocorriam embaixo do lençol, ouvindo os gemidos
TERAPiA ANALÍTlCO-COMPORTAMENTAL
e pedidos de ajuda da mãe. Sentia muita tristeza, angústia e impotência por não
conseguir fazer nada. Essa situação de abuso se repetiu algumas vezes.
Outros episódios relevantes na vida de Roberta ocorreram com seu pai. Ele a
pôs numa situação de risco de ser abusada por um colega, além de ter feito um
pedido com possível conotação sexual.
Além do relato sobre os episódios de abuso, a cliente relatou que a mãe era
muito agressiva. Por exemplo, lembrou-se de uma situação ocorrida na infância,
quando foi obrigada a passar uma camisa. A mãe, ao vesti-la, disse que estava
horrível e a jogou no chão. Em seguida, ordenou que a filha lavasse a camisa
novamente, pois só assim aprenderia a fazer as coisas direito. 17
INDEX
era dona de casa. No casamento, sofreu violência física e psicológica. Relatou que
o marido ia para os bares e voltava de madrugada. Ela se sentia muito sozinha.
Roberta descobriu as traições do marido com amigas (as meninas telefonavam na
casa dela) e também viu o marido tendo relações sexuais com uma delas. Nesse
episódio, Roberta teve um acesso de raiva, bateu no marido e apanhou muito. A
separação ocorreu, e Roberta, com seus filhos pequenos, mudou para outro local.
Quando os filhos entraram na adolescência, o pai propôs que eles fossem morar
BOOKS
com ele, porque assim eles teriam uma condição melhor de vida. Nessa época, 0
pai das crianças tinha um bom emprego, tinha comprado um apartamento e havia
montado um quarto para eles. Foi assim que o pai convenceu os filhos a morar
com ele (ele os corrompeu). Roberta sentiu-se traída, pois não conseguia imaginar
que seus filhos poderiam ser com prados p or tão pouco.
Depois desse episódio com os filhos, Roberta disse que passou dois meses
GROUPS
vagando (deixou de fazer suas coisas), como se 0 mundo fosse apenas um pano de
fundo. Rompeu com os filhos, pediu ajuda para moradia e ficou sozinha.
Questões acadêmicas
Roberta relatou que não conseguia estudar porque sua concentração, memória
e raciocínio estavam prejudicados. Dizia escolher muitos livros sobre o assunto da
prova, mas depois não conseguia organizar todo 0 material e desistia de estudar.
CASO ROBERTA
Em vésperas de provas, a cliente não conseguia dormir à noite, relatando sentir
as sensações do pavor noturno. Em decorrência de sua insônia, dormia durante o
dia, faltando às aulas e às provas. Contou que, quando conseguia acordar, fazia as
provas, mas “dava branco”. Esses fatores a prejudicavam uma vez que ela dependia
de um bom desem penho acadêmico para manter a bolsa estudantil.
Relacionamento interpessoal
Ao relatar seus relacionamentos interpessoais, Roberta descrevia com
frequência conflitos e dificuldades porque costumava expressar-se de forma
agressiva e irônica. Diante de situações que envolviam contatos sociais,
principalmente aqueles mais íntimos, a cliente emitia comportamentos agressivos
INDEX
que intimidavam as pessoas com quem ela se relacionava. Como consequência,
essas pessoas se afastavam com raiva. Seguem-se episódios verbais entre
Roberta e um amigo, os quais exemplificam os comportamentos agressivos dela e
o afastamento da pessoa.
Contexto
Nessa época, Roberta tinha apenas um amigo. Na maior parte do tempo,
BOOKS
eles estavam fazendo coisas juntos, como conversar, almoçan estudar e praticar
esportes. No momento em que esse amigo começou a se aproximar e a ficar mais
intimo, Roberta se afastou, deixando de atender os telefonemas dele (ele estava me
sufocando). Com isso, o amigo também se afastou e passou a evitá-la. Roberta, ao
perceber o afastamento do amigo, resolveu "tomar uma atitude”. Segue o diálogo.
R.: Quero conversar com você. (Roberta está bêbada, ao portão da casa
dele.)
GROUPS
TFRAPIA ANALÍTICO-COMPORTAMFNTAL
A.: Não posso conversar com você agora. Estou de saída (Caminham
juntos até a saída do prédio.).
R.: Mas eu preciso conversar com você! (O amigo se despede dela e vai
embora. Roberta fica olhando ele se afastar indignada com a atitude
dele.)
CA50 ROBERTA
INDEX
chamaram a atenção. Roberta se expressava de maneira confusa, falando muito
(falas verborrágicas) e detalhadamente sobre determinados assuntos (teorizava
falas superficiais) e prestando pouca atenção ao terapeuta (falava sozinha). Por
esse motivo, havia grande dificuldade de o terapeuta ser uma audiência para a
cliente. Ela falava agressivamente, sorria ironicamente e fazia muitas “caras”
(Expressões faciais de descontentamento).
BOOKS
Diagnóstico do caso / DSM
Aparentemente, o relato da queixa de Roberta poderia caracterizar algum
transtorno psicológico como depressão ou ansiedade, mas outros padrões
comportamentais observados em sessão na interação com o terapeuta levantaram
a discussão da existência de um transtorno de personalidade. Como apontado no
capítulo sobre diagnóstico, a personalidade, na visão analítíco-comportamental,
refere-se a um repertório estável de comportamentos selecionado por
GROUPS
TERAPIA AN AUTICO-COMPORTAMENTAL
CASO ROBFRTA
crônicos de vazio; 6) raiva inadequada e intensa ou dificuldade enn controlar a raiva;
e 7) ideação paranoide transitória e relacionada ao estresse ou severos sintomas
dissociativos.
Análise Funcional
INDEX
esquivava do contato com as pessoas. O foco da intervenção, portanto, deveria
ser os relacionamentos de Roberta e seus enfrentamentos, e não seus problemas
de sono ou o pavor noturno. Algumas hipóteses foram levantadas: a) déficit
de repertório para lidar adequadamente com as situações de relacionamento
interpessoal: com porta-se de forma agressiva e faz com que as pessoas se afastem
dela não a incomodando (curto prazo), produzindo isolamento social (longo prazo);
BOOKS
b) dificuldades em expressar sentimentos e controlar a raiva; c) dificuldades em
estabelecer relacionamentos íntimos.
GROUPS
I LRAPIA ANAÜTICO-COMPORTAMENTAL
CASO ROBERTA
INDEX
para o outro. magoada (Sr).
• Isolamento social (Sr/ P+em
médio e longo prazo).
BOOKS
considera um absurdo o fazer coisas juntos. Quando a
que e!e disse. encontra, expressa raiva (Sav
• Diminui a ida à casa dele. em longo prazo).
- Desvia do caminho quando
o vê e finge que não o viu.
INDEX
produzia; para a segunda consequência, as respostas evitavam estímulos aversivos
envolvidos no relacionamento com as pessoas e tornavam-se mais prováveis
(reforçamento negativo).
O primeiro exemplo mostra a resposta de intimidar e de evitar relacionamentos
com o amigo de faculdade. Na presença do amigo, Roberta expressava sentimentos
de form a agressiva e falava ironicamente quando não concordava com as atitudes
BOOKS
e opiniões do colega. Também deixou de atender aos telefonemas, ir até a casa
dele e desviava-se do caminho quando ele se aproximava. Desse modo, Roberta
produziu o afastamento do amigo e ele, quando a encontrava, expressava raiva.
Como exem plo da m anipulação e sedução, Roberta aproxim ou-se de um
colega e m ostrou-se preocupada com a dificuldade que ele estava tendo para
conseguir alguém para cuidar de seu cão. Roberta ofereceu-se para fazer isso
e, em seguida, com eçou a contar sobre seus problem as pessoais e financeiros.
GROUPS
Seu colega, com ovido com o depoim ento de Roberta, em prestou-lhe o dinheiro
para ela resolver as questões de sua vida. Então, no curto prazo, Roberta
recebeu o dinheiro e as respostas de m anipular e seduzir foram reforçadas
positivamente. Entretanto, em médio prazo, o colega percebeu a manipulação,
expressou raiva e afastou-se dela (longo prazo). E, mediante esse afastamento,
os com portam entos m anipulativos começaram a dim inuir de frequência, o que
indicou a vigência de punição.
No relacionamento com o terapeuta, diante de uma solicitação de relato, Roberta
respondia agressivamente, e o terapeuta ficava quieto, fazendo-a a determinar os
temas abordados em sessão e a manter-se esquiva no relacionamento com seu
terapeuta (reforçamento negativo).
CASO ROBERTA
INDEX
• Ensina-lhe como fazer
0 trabalho. pagamento, 0 pedreiro
vai embora sem
completar a tarefa (P").
Diante da discordância - Discute com o O professor fica quieto
do professor sobre seu professor.
ponto de vista. ■ Teoriza sobre 0 assunto.
BOOKS
Na relação terapêutica, • Fala ironicamente. Terapeuta fica
diante de uma ■ Teoriza sobre Psicologia, quieto sem ter 0 que
discordância e/ou Freud e psique. responder (Sr).
distanciamento do
terapeuta.
GROUPS
1 LRAPIAANAl ITICO-COMPORTAMLN IAL
CASO ROBERTA
Antecedentes Respostas Consequentes
INDEX
Na véspera e no dia de
uma prova.
• Tenta estudar todos os
livros sobre a matéria e
acaba desistindo devido
à quantidade de material.
Fica ansiosa.
• Permanece acordada
durante a noite.
O professor permite fazer
provas substitutivas (Sr).
BOOKS
vL-
• Dorme o dia todo e
falta à prova.
GROUPS
ÍLRAPIA ANALÍTICO-COMPORTAM F.NTAL
INDEX
sentimentos. Era uma pessoa muito observadora, o que indicava certamente os
controles sociais sobre seu comportamento: qualquer alteração no outro poderia
ser um estímulo antecedente para se defender. Entretanto, tal comportamento
pode ser com preendido com base em sua história de vida, e não como indicativo
de dificuldades na formação de sua identidade. Fica evidente que, nas situações
em que ela se vinculou afetivamente às pessoas (mãe, pai, ex-marido e filhos),
sofreu abusos, negligências e abandono. Na época da terapia, 0 comportamento
BOOKS
de autossuficiência, ou seja, de depender pouco das pessoas, ocorria em alta
frequência e, portanto, Roberta não estabelecia vínculos mais íntimos. Fruto de
um ambiente hostil, a cliente apresentava um histórico de esquiva de intimidade e
envolvimento, natentativa de evitar e se proteger de possíveis abusos das pessoas.
A seguir, falas de Roberta para exemplificar 0 trecho acima:
• Não quero sentir sensações que estão associadas a perda... p o r isso eu tenho
GROUPS
um mecanismo de defesa - eu me afasto de todos.
TERAPIAANALII ICO -COMPORTAMENTAL
■ Percebo que as pessoas passam do meu limite mais do que com as outras, eu
aceito muita coisa.
■ Tenho medo de perder a amizade e lembra, eu não quero viver a situação de
perda... p or isso que eu me esquivo.
Supervisão
Após um ano de terapia e supervisão, Roberta começou a relatar imóveis que
estaria vendendo para comprar outro e assim viver com o aluguel desse imóvel.
Enquanto Roberta dizia que sua condição financeira era bem delicada e que, por
26 isso, precisava de bolsa estudantil e de emprestar dinheiro para se alimentar, as
INDEX
pessoa “folgada”, pois só estudava.
O terapeuta, ao perceber que Roberta manipulava as pessoas de forma
sofisticada, sentiu-se incomodado e levantou a seguinte questão: será que a
manipulação também ocorna na sessão?
Assim, o tema das sessões seguintes foi o da manipulação de pessoas. As
sessões tornaram-se difíceis para o terapeuta e para a cliente, uma vez que ele
BOOKS
ficou incomodado com os relatos sobre a manipulação e se distanciou. Com o
afastamento do terapeuta em sessão, Roberta emitia, em maior frequência,
comportamentos agressivos (As pessoas tomam choque eficam pulando de um lado
para o outro e eu sei de onde vem), o que produzia mais afastamento do terapeuta.
Em supervisão, surgiu a pergunta: será que isso era intimidade ou intimidação?
Considerou-se intimidade porque Roberta relatava o que de fato ela estava
fazendo; entretanto, tal relato intimidava o interlocutor e produzia um afastamento.
a intervenção. GROUPS
E esse tipo de relato eliciava muitos respondentes no terapeuta, o que prejudicava
Relação Terapêutica
Discutem-se, no capítulo “Questões relativas ao comprometimento na relação
terapêutica”, alguns desafios encontrados no decorrer dos atendimentos clínicos,
os quais se referem ao a) envolvimento, b) às expectativas e c) ao vínculo do
terapeuta.
CASO ROBERTA
INDEX
nesse caso foi vantajosa porque, ao mostrar-se disponível e se fazer presente em
vários momentos fora da sessão de terapia (por exemplo, atender a telefonemas,
marcar horários extras e responder a e-ma/7s), representou uma forma de cuidado
e dedicação interessante para com a cliente. Ambiguamente, essa dedicação
também produzia um afastamento da cliente: se a aproximação fosse interpretada
por ela como excessiva, respostas que produziriam o afastamento do terapeuta
eram emitidas por Roberta. Em contrapartida, se o terapeuta se afastasse, a cliente
BOOKS
também o agrediria. Segue uma fala de Roberta que exemplifica a situação citada:
Com você eu não chego a lugar nenhum. Você está ausente. Você está
muIto diferente, voz diferente, olhar, você está abordando coisas nada
a ver. Você está no padrão de novo. Eu vou embora, já te falei isso.
GROUPS
TERAPIAANALITICO-COMPORTAMENTAL
^.ASO ROBtRTA
entendendo os padrões de comportamento da cliente como fruto de uma história
de reforçamento.
Intervenções
INDEX
Seguem-se alguns exemplos de intervenções que foram realizadas com a
cliente sobre as questões do cotidiano.
BOOKS
consequência?
GROUPS
TERAPIA ANALÍIICOCOMPQRTAMENTAL
CASO ROBERTA
INDEX
. _ -------- ---------- 1
Situações de demanda Procura pessoas que As demandas
acadêmica e cotidiana. podem ajudá-la. são resolvidas
Pede ajuda a outros adequadamente (S")
alunos e professores.
Termina as tarefas.
Passa em todas as
BOOKS
disciplinas do semestre.
Sente-se feliz (é 0 melhor
momento da minha vida).
INDEX
clinicamente relevantes (CCR ts) eram emitidos por Roberta na relação com
o terapeuta. Ao se aproximar das questões do relacionamento interpessoal,
observou-se que Roberta editou o relato verbal e omitiu informações relevantes
sobre os acontecimentos de sua vida. Comportamentos de manipulação emitidos
por Roberta diante de situações de intimidade tornaram-se evidentes.
Ao discutir o processo de produção do comportamento verbal, Skinner (1957)
BOOKS
descreveu o processo de edição, no qual respostas podem ser liberadas ou
rejeitadas pelo falante, de acordo com os efeitos que essa manipulação exerce
sobre 0 ouvinte. Uma das razões para a rejeição de uma resposta pelo falante é 0
fato de ela ter sido anteriormente punida. A punição não enfraquece diretamente
a resposta, ela fortalece form as incompatíveis de resposta. Rejeitar uma resposta
reduz a estimulação aversiva condicionada gerada por ela e é reforçada por isso.
Por exemplo, tapar a boca com a mão para prevenir uma resposta falada pode
GROUPS
ser entendido como uma esquiva, assim como 0 fato de dizer algo em seu lugar
(Meyer, Oshiro, Donadone, Mayer, & Starling, 2008; Skinner, 1957).
De acordo com Meyer et al. (2008), quando 0 cliente faia muito em terapia,
pode-se levantar a hipótese de essa fala ser uma forma de edição. De acordo
com a análise de contingências do caso de Roberta, 0 comportamento de teorizar
tinha função de esquiva de relacionamentos interpessoais. Esse comportamento
deslocava outras respostas passíveis de punição, além de ser incompatível com o
falar de outro tema.
Considerando essa análise, 0 terapeuta passou a indagar se Roberta também
0 estava manipulando e que tipo de relacionamento tinha sido estabelecido no
decurso do processoterapêutico (como descrito no item Supervisão deste capítulo).
CASO ROBERTA
INDEX
pode haver risco de punição. “A expressão de vulnerabilidade envolve engajar-se
em comportamentos que foram associados com respostas contingentes à punição
por outras pessoas em outros contextos sociais” (Cordova & Scott, 2001). Outra
característica importante a ser considerada é o reforço desses comportamentos.
De acordo com Cordova e Scott (2001), os exemplos de intimidade referem-se,
diretamente, indiretamente ou historicamente, a expressões de vulnerabilidade
BOOKS
que foram reforçadas. Assim, “a principal referência para o termo intimidade é
uma sequencia de eventos nos quais comportamentos interpessoais vulneráveis
a punição são reforçado pelo responder de outra pessoa" (Cordova & Scott, 2001).
Considerando 0 caso em questão, se 0 terapeuta se comportasse como as
outras pessoas se comportavam (agredir ou afastar-se) com Roberta fora de
sessão nas situações de intimidade, o padrão de com portam entos-problem a da
cliente poderia ser mantido.
GROUPS
1LRAPIA ANALÍIICO-CÜMPÜR IAMLN IAL
Episódio 1
R.: Eu estou sempre me relacionando com as pessoas só que eu me canso
e me sinto mal com elas. Estou acostumada com 0 sentimento de
desolação. Isso cansa (Olhos cheios de lágrimas), /nvísto nas pessoas
para me sentir menos desolada, mas não consigo.
CASO ROBERTA
I : Então, o que você está faiando é muito importante. Você se sente... deixa
eu pensar...
R.: Para de fica r rodeando efala na caraI1!
T,: Foi bom você ter falado isso. Por que você acha que eu não falo e fico
rodeando? [início da FAP].
R.: (Pensativa)... Ah, porque dependendo do que você fizer eu vou embora.
I: Então, isso é uma coisa legal para conversarmos. Veja, todo
comportamento produz uma consequência. Se você fala com igo de
uma maneira agressiva, provavelmente eu vou acabar não falando
determinadas coisas. Imagina com você falando que vai em bora!
INDEX
R.: (Risos)... você tem razão... (Pensativa) me esquivo das situações com
pessoas com medo de me machucar...
Episódio 2
R.: Eu não quero falar de meus sentimentos, minhas coisas aqui!
T.: Por quê?
R.: Eu quis dizer para a P.(Namorada do amigo D) para agredir mesmo,
BOOKS
como você é medíocre! Não se mete comigo! Isso eu não mudo, sou
assim. Eu quero ver a reação deles e v erse são confiáveis.
T: Mas quais serão as consequências?
R.; Eu não vou mudar. Não me vem /a/ando disso. Eu já sei que a minha
vida inteira fo i assim. E eu também me divirto com isso. Traço o perfil
da pessoa e adoro ver elas com medo.
GROUPS
T.: Com o está acontecendo aqui? [FAP]
TERAPIAANAI.ÍTICO-COMPORTAMENTAI
R.: É.
T.: E que outras coisas acontecem aqui que são parecidas com o que as
pessoas fazem /á/ora? [FAP]
R.: Não sei.
T.: E a manipulação acontece aqui com a gente? [FAP]
R.: Não, mas se você fizer com o as outras pessoas, vou fazer. E... eu manipulo
sim, porque as pessoas precisam ser melhores e se desenvolver só que
eu acabo sendo agressiva. Talvez eu faço mais isso por causa da minha
história. [CCR3]
T.: Comportamento selecionado pela...
R.: Isso mesmo, eu faço de form a muito sofisticada e sei que tem
consequências drásticas, mas não vou muóar. Eu não vou fazer diferente
e não adianta falar disso porque eu já sei dessa análise, e mesmo assim
eu não vou mudar.
I : E então, quais seriam os objetivos da terapia?
R.; É, aprender a lidar com o lado agressivo, c/esumano e anormal.
T.: E vamos ter que falar de você, de sentimentos. Não tem jeito. E eu tenho
uma h/pótese a respeito disso tudo que acontece entre a gente. Temos
uma dificuldade de lidar com situações de intimidade, onde você fica
super exposta e vulnerável ao outro. Aí você agride, faz coisas para
afastar as pessoas...
INDEX
R.: £ ...pode ser. {Ao nos despedirmos, R. vira e me fala: "você pensa que
me pegou!'”)
Episódio 3
R.: Até onde você me entende ou faz que entende?
I : Por que você está me perguntando isso? Você está perguntando sobre o
nosso relacionamento? [FAP]
BOOKS
R.: Eu não posso mais sofrer mais quedas, me machucar Estou te
pressionando mesmo, porque eu não quero me apegar e eu sei que
fazendo isso aqui eu já estou me abrindo e me apegando.
T.: Agora eu entendi a sua frase na semana passada... 'você pensa que me
pegou’. Você tentou se proteger?
R.: É que eu sei que se eu sofrer uma decepção, o meu lado agressivo
GROUPS
aparece e eu não quero. Esse mecanismo de não me apegar é tão forte.
Diário. E desconfortável. Porque para construir é difícil. Olha o D. Eu
não tenho uma vida social. Não dá, as pessoas são diferentes.
Episódio 4
T.: Nossas sessões estão sendo muito agradáveis, estamos conversando
sobre coisas importantes de uma form a gostosa, tranquila.
R.: Só agora que você está me conhecendo.
T.: Por que só agora?
R.: Você conseguiu fech ar muito as coisas na minha cabeça (...). Você falou
de mim. Eu sinto mais intimidade entre a gente. Antes era um trabalho,
INDEX
R.: É mesmo, eu vinha aqui e te metralhava! (Risos)
I ; E você se lembra daquela sessão que você me falou para eu parar, eu ser
direta com você, me dizendo que eu não estava falando?
R.: Nossa hoje você está desenterrando as coisas! (Risos). Eu lembro sim,
mas me fala, se não lembrar eu te corrijo.
T.: Eu não vou lembrar as palavras exatas, mas eu te falei que eu não falava
BOOKS
porque você tinha me ameaçado... (R. interrompeu.)
R.: Ah é, dependendo do que você falasse eu ia embora mesmo! (Risos)
T: Então, não falei!! (Risos) E aí conseguimos discutir sobre a interação,
sobre o que nosso comportamento pode produzir no outro e no
ambiente...
R.: É mesmo... (Ficou pensativa.)
I : Ok, então nos vemos na próxima semana e nesse horário. Gostei
de hoje!
INDEX
estabelecia relação de intimidade. Desde esse momento, o tema manipulação
passou a ser discutido e a relação com o terapeuta se intensificou, o que permitiu
aprofundar as análises anteriormente construídas. Roberta passou a emitir CCRs3
mais acurados, tais como:
• Não quero sentir sensações que estão associadas à perda... p o r isso eu tenho
BOOKS
um mecanismo de defesa - eu me afasto de todos.
■ Percebo que as pessoas passam do meu limite mais do que com as outras, eu
aceito muita coisa.
■ Eu não me envo/vo com as pessoas porque isso implica em estar de coração
aberto e se a pessoa não fo r íegal, ela vai me magoar e machucar e eu demoro
em perceber. Eu fico com uma dependência dela. Eu não identifico isso antes,
sabe, essas coisas subjetivas. As diferenças de valores existem e eu não
GROUPS
percebo, fico relevando as coisas e acabo passando p o r cima de mim. Quando
eu me interesso é tão sincero que eu me doo e me machuco.
• Na quinta aconteceu uma coisa, eu vou te contar hoje, mas vou omitir, porque
eu não vou ficar na sua mão, vulnerável, porque você tem o poder de me
internar e isso me matará p or dentro.
• As pessoas me cansam. Eu fico estressada. Eu sei que quando eu fico exposta
ao ambiente externo não sei lidar com as pessoas efico cansada. Aí eu saio do
lugar, eu desligo porque eu não suporto a situação e eu dissimulo e finjo para
eu sobreviver, só que exige muito esforço e eu não consigo desligar a noite
para dormir.
■ Três coi5as mudaram em mim. antes eu era organizada e hoje meu quarto é
CASO ROBERTA
bagunçado e i/do com isso bem. Outra coisa é na hora da prova, antes eu
travava e agora eu não travo mais. Essa outra coisa é ma/s engraçada e
complicada: canso de defesa e vou para dane-se todo mundo, sem pensar
muito nas coisas e consequências. E aquilo, é mais fácil dar o pulo do que ir
para o meio. Eu já sei qual é o oposto e eu não sei o que é o meio. Para você
chegar no meio dá trabalho, você tem que pensar, analisar, cansa.
INDEX
cinema, restaurantes, supermercado, passar o final de semana juntos), estava
participando de grupos de estudo da faculdade e havia conseguido um emprego
(o que sugere que ela estava se relacionando com as pessoas de forma adequada).
Ao final de seis anos de terapia, Roberta recebeu alta.
BOOKS
GROUPS
INDEX
BOOKS
GROUPS
C a s o REGINA 1
Identificação da cliente
Regina (nome fictício) há quase dez anos em terapia, morava com seu avô e, no
início da terapia, trabalhava como vendedora. Estava, nessa época, com 32 anos
e, ao longo da terapia, recebeu o diagnóstico de Transtorno de Personalidade
Borderíine.
INDEX
Queixas apresentadas
Regina relatou estar interessada em conhecer a abordagem comportamental,
em razão de ter ouvido que essa seria mais focada em seu problema e de ter
menor duração do que as terapias anteriores pelas quais passou. Sua queixa inicial
estava ligada a problemas de relacionamento em seu trabalho, alguns problemas
de saúde e ao fato de ter menos amigas do que gostaria.
BOOKS
Antes de iniciar a terapia, Regina ocupava o cargo de gerência na loja em que
trabalhava. Porém, havia sido rebaixada de cargo recentemente, e tal situação
levou-a a sentir-se bastante humilhada, até mesmo porque continuava executando
as mesmas tarefas do cargo anterior, uma vez que sua chefe era bastante abusiva
e passava-lhe boa parte de suas funções. A cliente contava que não havia
respeito com os empregados, pois a gerente gritava com eles e os chamava
GROUPS
de “burros1', independentemente da presença de clientes por perto. Segundo
Regina, os funcionários que a enfrentavam eram respeitados e considerados
bons empregados pela gerente, enquanto ela, que tentava respeitar a gerente,
“abaixando a cabeça” perante as broncas e sendo eficiente em seu trabalho, era
ainda mais desrespeitada e menos reconhecida. Dizia agir dessa forma por não
conseguir impor-se e sentia-se como "capacho” de sua chefe.
i Dados pessoais e detalhes de alguns episódios foram modificados para impedir a identificação dos
envolvidos.
CASO REGINA
INDEX
amizade”. Contou que, em certa situação, combinou com uma amiga de sair no
dia de seu aniversário {de Regina) e que, apesar de desejar, não esperava receber
nenhum presente dessa amiga. Então, em uma tentativa de testar e ofender sua
amiga, mostrando a ela seu descontentamento, ela mesma levou um presente. Ao
receber o presente, a amiga ficou bastante sem graça, pois era dia do aniversário
de Regina e quem ganhou um presente foi a amiga.
Regina também comentava alguns problemas em seu relacionamento familiar,
BOOKS
embora não os trouxesse como foco da terapia. Falava sobre uma falta de
atenção que recebeu de sua mãe durante toda a vida e que tinha certos "valores
distorcidos" devido a sua criação. Entretanto, dizia já estar acostumada a lidar com
essas questões familiares.
GROUPS
Os pais de Regina separaram-se quando ela era ainda criança. Ela e seu irmão
TERAPIA ANALÍTICO COMPORTAMENTAL
mais novo ficaram morando com sua mãe, enquanto seu pai mudou para um estado
próximo. A mãe e o irmão, diferentemente de Regina, sempre foram pessoas muito
desorganizadas. Durante sua infância, uma amiga de sua mãe foi morar na casa
delas, ajudando na organização da casa. No entanto, Regina discordava de muitas
atitudes dessa mulher e entrava constantemente em conflito com ela. A mãe de
Regina costumava tomar partido da amiga e nunca de sua filha. Chegava a dizer
que, se tivesse que escolher qual das duas deveria sair de sua casa (Regina ou sua
amiga), escolheria Regina, pois esta lhe dava trabalho, enquanto a amiga a ajudava.
Além disso, Regina sempre se sentiu menos amada do que seu irmão. Ela tinha
40 um avisãodesuam âecom o um apessoapoucoafetuosa,quase negligente, que dava
CASO REGINA
dinheiro ao invés de atenção. Ao que tudo indica, esse sentimento de desigualdade
de afeto adveio do fato de seu irmão não só apresentar comportamentos mais
parecidos com os de sua mãe do que a própria Regina, como ainda saber pedir
carinho e atenção da mãe de forma mais eficiente, isto é, dando-lhe carinho e
recebendo-o em troca. Regina, por sua vez, sempre considerou que, se pedisse
carinho de sua mãe e de outras pessoas, elas lhe dariam de form a não espontânea
e, por isso, menos genuína, recusando-se, portanto, a pedi-lo.
Desde pequena, acliente competiamuito com seu irmão pelo carinho e atenção
de sua mãe, entrando constantemente em conflitos com os dois. Ao atingir a idade
adulta, ela foi morar com seu avô materno, esquivando-se da situação. Para ela,
a relação com o avô tinha dois lados: enquanto o avô cuidava dela (o que lhe
INDEX
agradava), ele a perturbava por pedir cuidados e tentar controlar alguns de seus
comportamentos.
Em sua visão, assim como sua mãe e irmão se identificavam muito, ela
identificava-se com o pai, que morava longe, dizendo que eram muito parecidos.
Ao iniciar a terapia, Regina namorava um rapaz que morava em outra cidade,
com quem dizia não ter problemas de relacionamento. Todavia, dois meses
depois, seu relacionamento foi desfeito, depois de o namorado ter tentado beijar
BOOKS
outra garota. Sua percepção sobre esse relacionamento era confusa, durante o
relacionamento tinha a sensação de que não havia problemas, mas, depois do
término, considerou que se sentia emocionalmente distante do namorado e que a
relação não a agradava havia algum tempo.
GROUPS
O trabalho realizado com Regina em psícoterapia foi inicialmente o de
TERAPIAANALÍTICO-COMPORTAMINIAL
com preender as relações familiares que a envolviam, assim como suas relações
profissionais e de amizade. Essa foi uma tarefa relativamente difícil, pois a cliente
mostrava-se muito inconstante, descrevendo-se deform adiferente e, muitas vezes,
contraditória a cada semana. Por exemplo, descrevia-se como muito agressiva e
uma pessoa horrível em uma semana e, na seguinte, como passiva e sem maldade
nenhuma. A própria sessão terapêutica era também bastante confusa, pois Regina
trazia muitos assuntos e temas encadeados de forma pouco clara, evidenciando
comportamentos clinicamente relevantes: dificuldade em descrever situações de
form a linear, de identificar relações entre contingências, além de apresentar grande
desconhecimento sobre si mesma.
No início da terapia, Regina faltava a muitas sessões, algumas vezes sem avisar.
Em geral, comparecia às duas primeiras sessões e faltava à terceira. Ao perceber
essa regularidade, o terapeuta abordou tal padrão, e Regina explicou que faltava
às sessões para mostrar a si mesma e ao terapeuta que não precisava da terapia.
Tal resposta correspondeu a diversas demonstrações que Regina fazia sobre seus
relacionamentos cotidianos e ficou evidenciado um importante comportamento
clinicamente relevante de Regina: sua necessidade de não depender de nada, nem de
ninguém. Investigações maiores sobre tal comportamento levaram ã com preensão
de que Regina se esquivava de uma relação mais profunda com o terapeuta, assim
como fazia com amigas e familiares, com a função de evitar possíveis perdas.
Além disso, essa classe de respostas era observada não apenas com pessoas,
INDEX
mas também com objetos e outras substâncias. Regina evitava apegar-se demais
a qualquer coisa, já havia experimentado drogas pesadas, mas sempre parava, ao
perceber que podia depender delas e ficar sem elas quando precisasse. Evitava
tanto tomar remédios comuns para não depender deles quanto comer algo de que
gostava pelo mesmo motivo.
Enquanto as faltas à sessão serviam como uma forma de evitar uma vinculação
maior, pareciam também servir como uma forma de verificar se o terapeuta
BOOKS
iria procurá-la se ela parasse de dar notícias, evidenciando mais um padrão de
comportamento clinicamente relevante, semelhante a seus comportamentos
cotidianos: sua necessidade de testar as pessoas a seu redor, verificando a importância
que davam a ela e quais esforços estavam dispostos a fa z e r por ela. Parece que,
ao verificar alguém tentando vincular-se a ela, apesar de seus afastamentos, ela
sentia-se segura e permitia uma aproximação maior permitindo a vinculação.
GROUPS
Parece ser como um teste: somente os que passam (continuam a procurá-la),
ganham o direito de se vincular a ela.
Regina começou também a mostrar grande necessidade de agradar as
pessoas à sua volta, fazendo sempre grande esforço para cuidar dos outros, dar-
lhe presentes (mesmo quando não tinha muito dinheiro para isso) ou mesmo
fazer suas vontades. No próprio relacionamento com o terapeuta, isso começou
a aparecer rapidamente. Em pouco tempo de terapia, Regina começou a dar
presentes ao terapeuta, levar bolos para ele ou mesmo fazer-lhe diversos elogios,
aparentemente na tentativa de tentar agradá-lo. Tal padrão passou a evidenciar
mais um comportamento clinicamente relevante de Regina: sua necessidade de
agradar os demais af i m de evitar ser abandonada. Fica evidente que, em muitos
INDEX
observar a alternância de alguns padrões de comportamento: (1) tentativa de
impedir que as pessoas se aproximassem em demasia, de forma a poder machucá-
la; (2) teste do vínculo que vinha se desenvolvendo, na tentativa de verificar se
era seguro; (3) esforços para evitar que as pessoas com quem tinha vínculo se
afastassem dela ou a abandonassem; (4) interrupção da relação com pessoas que
a machucavam ou que sinalizavam a ela essa possibilidade. Como apresentados,
BOOKS
todos esses padrões foram observados na própria relação terapêutica, à exceção
do último (4), indicando que essa relação, depois de tercríado um vínculo, era vista
por ela como segura.
Em razão dessas alternâncias entre aproximação e afastamento e sua
necessidade de agradar aos outros, Regina mostrava-se sempre em transformação,
modificando seus hábitos, autodescrições e preferências constantemente, de
forma que sua principal característica era a própria inconstância.
Supervisão GROUPS
Em decorrência da inconstância de Regina, foi essencial para 0 terapeuta
contar com o apoio do grupo de supervisão na compreensão de como os diversos
aspectos da cliente se relacionavam. Sobretudo a supervisão foi importante para
ajudar a conter as frustrações do terapeuta em relação aos progressos e seguidas
recaídas da cliente.
O espaço de supervisão é reconhecidamente um espaço importante de troca
de experiências entre terapeutas, no qual muitas vezes a discussão do caso clínico
de colegas pode auxiliar na análise de outros casos. Em uma situação dessas,
muito se pôde com preender 0 caso de Regina, levando à articulação das análises
CASO REGINA
Diagnóstico do caso
Pouco tempo depois da suspeita inicial do terapeuta a respeito do diagnóstico
de Regina, a cliente recebeu de um médico o encaminhamento para um psiquiatra.
INDEX
Na época, a cliente encontrava-se bastante nervosa, agindo agressivamente
em muitos momentos de sua vida e contra várias pessoas. A psiquiatra em
questão medicou Regina na tentativa de controlar melhor seu humor. Regina
prosseguiu com a terapia, mas passou a vir às sessões de forma quase apática.
Se antes considerava tudo sendo problema e agia de form a agressiva na maioria
das situações, ao ser medicada, passou a aceitar tudo quanto lhe acontecia de
forma bastante passiva. Ao ir à sessão de terapia, Regina não apresentava mais
BOOKS
problemas e relatava que sua vida estava tranquila, mesmo ao contar situações
que o terapeuta julgava como de conflitos não solucionados ou de abuso contra
a cliente.
Diante da passividade de Regina (e com o aval dela), o terapeuta entrou em
contato com a psiquiatra que a havia medicado, para colocar em discussão quanto
o remédio estava sendo ou não benéfico. No contato telefônico realizado, entre
GROUPS
outras questões discutidas, foi confirmado ao terapeuta o diagnóstico da cliente
TERAPIAANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
CASO REGINA
comportamento apresentados por e;a, reduzindo, assim, a frustração do terapeuta
e minimizando a possibilidade de desistência do caso. Além disso, o estudo mais
aprofundado do diagnóstico ajudou no reconhecimento de outros casos com o
mesmo diagnóstico atendido no laboratório.
Análise funcional
INDEX
adulta e está presente em uma variedade de contextos” (APA, 2004). Entre os
critérios que descrevem mais especificamente esse padrão, existem nove, dos
quais cinco ou mais o cliente deve apresentar para receber tal diagnóstico.
Para com preender o caso de Regina com base nesse diagnóstico, foram
relacionadas as análises funcionais dos comportamentos observados e relatados
em terapiacom os critérios referentes aotranstorno segundo o DSM-IV(APA, 2004).
BOOKS
A junção de cada critério diagnóstico com a análise funcional está apresentada nas
tabelas abaixo. Os textos em itálico apresentam exemplos moleculares, enquanto
aqueles sem itálico apresentam análises molares (informações adicionais no
capítulo “Análise Funcional”).
GROUPS
TFRAPIAANALÍTICO-COMPORIAMENTAI
INDEX
afasta-se da pessoa.
BOOKS
Pedidos abusivos
■ Compra 0 cigarro,
mesmo contrariada.
• Pessoa cessa pedidos
(S').
• Evita afastamento (Sr).
• Evita afastamento do
pai (S'-).
GROUPS
Conform e mostrou a Tabela 1, o critério 1 se faz presente no caso de Regina
frequentemente, mediante ameaça de abandono imaginário em suas relações
interpessoais. O mais aversivo para a cliente não era necessariamente ficar sem
0 outro, e sim ser abandonada ou rejeitada por ele. No primeiro exemplo, temos
uma situação em que ela pediu que o namorado arrumasse a cama de manhã.
Ele concordou, mas disse que antes acabaria 0 que estava fazendo. Diante dessa
recusa de atender ao seu pedido imediatamente, Regina sentiu-se extremamente
infeliz, chorou compulsivamente em sessão, alegando que 0 namorado realmente
não gostava dela, pois, se gostasse, consideraria o pedido dela mais importante do
que qualquer outra atividade e do que as próprias vontades.
CASO REGINA
Em outras situações em que não era apresentada uma ameaça de abandono,
senão um pedido abusivo de pessoas importantes para Regina, ela emitia respostas
para atender a esses pedidos, mesmo que isso fosse contra sua vontade. Ao emitir
essas respostas, ela evitava que o outro se afastasse dela, como no segundo
exemplo: situação em que o pai de Regina estava na casa dela e pediu que ela
comprasse cigarro para ele tarde da noite. Regina não queria ir, chegou a brigar e
ofendê-lo, mas no fim acabou indo para evitar que ele se afastasse dela.
Ta b e l a 2
Análise funcional dos comportamentos observados e relatados em
terapia relacionadas ao Critério 2 do transtorno de personalidade
borderline, de acordo com o DSM-IV (APA, 2004)
INDEX
C r it é r io 2. Um padrão de relacionamentos interpessoais instáveis e intensos,
caracterizado pela alternância entre extremos de idealização e desvalorização
Antecedentes
• Testa se é confiável e se
gosta dela.
• Aproximação ou
Consequentes
• Evita decepção (5 ).
BOOKS
afastamento a depender
do “resultado do teste”.
GROUPS
Regina apresenta também certos comportamentos que correspondem ao
TERAP1AANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
CASO RfGINA
Ta b e l a 3
Análise funcional dos comportamentos observados e relatados em terapia
INDEX
relacionadas ao Critério 3 do transtorno de personalidade borderline, de
acordo com o DSM-IV (APA, 2004)
BOOKS
• Aproximação do outro
(S-).
GROUPS
■ Ex.: Amigo quer sexo - Aceita 0 pedido. - Aprovação, admiração
TFRAPIA ANALÍTICO-COMPORTAMLN IAL
CASO RFGINA
tenha sido, com todo o rigor, punida socialmente. Desse modo, não passou por
um treino discriminativo desses estímulos, respondendo mais frequentemente de
acordo com estímulos externos, provindo de outras pessoas.
Durante toda a terapia, a cliente trazia exemplos de contato difícil com sua mãe,
no qual as opiniões, ideias e tentativas de expressão de sentimentos de Regina
eram sempre deixadas de lado e frequentemente punidas e/ou banalizadas por ela.
O ambiente em que ela foi criada entra na descrição de um ambiente considerado
invalidante {Linehan, 2010). Em ambientes como esse, é possível também que
ocorram insistências de que a pessoa sinta o que não sente, goste daquilo que
não gosta, pense aquilo que não pensa, ao mesmo tempo que há intolerância a
expressões de afetos negativos, sobretudo quando não há clareza da situação que
INDEX
levou atais expressões.
Com isso, o indivíduo tem grande dificuldade de entender os próprios
sentimentos e preferências. Para que esse entendimento ocorra, é importante
que haja empatia da comunidade, que, ao estabelecer um diálogo compreensivo
sobre sentimentos e preferências, acaba por permitir o aprendizado de suas
nomeações. Por exemplo, se uma criança cai e apresenta um machucado na perna,
BOOKS
0 cuidador ensina-lhe que ela está com dor; porque lhe ensinaram que ele próprio
sente dor quando machuca a perna. No caso de um machucado, é possível inferir
a sensação interna de dor da criança por ser possível visualizar o machucado, mas,
em situações em que há escassez de pistas sobre 0 que se está sentindo, como nas
emoções de angústia, medo, entre outras, é mais difícil inferir o sentimento; daí
tanto 0 ensino da nomeação como a validação do sentimento ficam prejudicados.
Diante da necessidade de uma audiência atenta, capaz de modelar tal repertório
GROUPS
de autoconhecimento, torna-se bastante difícil a ocorrência desse aprendizado
TERAPIA ANALÍTICO-COMPOR iAMLNTAL
CASO REGINA
INDEX
para morar fora. alto valor para ele vender. (S").
BOOKS
usuários de drogas. (S~).
Situação conflituosa. Direção mprudente. ■ Preocupação do outro
(S-).
• Diminuição temporária
e imediata do conflito.
Ex.: Briga com namorado. Para o carro no meio de Interrupção da briga (Sr).
rodovia e 0 expulsa do
GROUPS
TFRAPIA ANALÍTICO COM PORTAMEN TAL
carro.
CASO REGINA
doenças sexualmente transmissíveis, ao fazer sexo sem proteção, ou pelo uso
excessivo de drogas.
Além das aproximações e preocupações geradas, talvez possamos entender
que as situações aversivas promovam uma operação estabelecedora intensa
o suficiente para favorecer o engajamento de Regina em comportamentos
impulsivos e perigosos que pudessem gerar algum alívio de sentimentos intensos.
Por exemplo, diante de brigas com o namorado, a direção imprudente podia servir
como form a de alívio da ansiedade e da raiva.
Segundo Linehan (2010), os indivíduos com Transtorno de Personalidade
Borderíine apresentam certa vulnerabilidade emocional, que é determinada
por três aspectos: (a) em comparação à média da população, indivíduos com o
INDEX
transtorno apresentam uma sensibilidade elevada a estímulos, precisando de
um grau menor de estimulação para responder a eles; (b) em decorrência, suas
reações a um estímulo seriam maiores do que aquelas apresentadas por um
indivíduo sem tal transtorno diante de um mesmo evento; e (c) o retorno ao nível
emocional basal seria mais lento.
Além disso, a autora sugere que uma das características do indivíduo com
BOOKS
Transtorno de Personalidade Borderíine é a “desregulação emocional", resultante
de uma predisposição biológica que é exacerbada pelo ambiente. O termo é
usado com pessoas que sejam emocionalmente vulneráveis e com dificuldades
de modular suas emoções, ou seja, dificuldade em aprender a reduzir a exposição
a estímulos potencialmente relevantes que reativam e potencializam emoções
negativas. Um dos motivos para isso se relaciona à impossibilidade em modificar
a excitação fisiológica exacerbada que ocorre diante do estímulo desencadeante
GROUPS
da raiva ou da ansiedade. É como se esses indivíduos tivessem dificuldade em se
TERAPIA ANALÍT ICO-COMPORTAMFNTAL
CASO REGINA
INDEX
pais podem punir a criança e aumentar assim a intensidade da resposta de raiva.
A resposta emocional intensa da criança torna-se um estímulo aversivo tão forte
para os pais, que, nesse caso extremo, param de punir a criança para que a reação
emocional cesse. Sendo assim, reforça-se 0 valor funcional de comportamentos
expressivos extremos e extingue-se o valor de comportamentos expressivos
moderados. A agressividade pode ter também um valor operante secundário,
como a diminuição das exigências dos pais e a obtenção daquilo que ele pede.
BOOKS
GROUPS
TFRAPIAANAI ITICO COMPORTAMENTAL
CASO REGINA
Análise funcional dos comportamentos observados e relatados em terapia
relacionadas ao Critério 5 do transtorno de personalidade borderline, de
acordo com o DSM-IV (APA, 2004)
INDEX
........................................................... ......... ...........— ................................. .................................. -
BOOKS
sessão extra. descrição no texto).
GROUPS
apresentado diz respeito a uma situação em que a cliente pediu ao terapeuta
TERAPIAANALÍTICO-COMPORTAMEN1AL
uma sessão extra na mesma semana. Ele concordou, mas não foi possível achar
nenhum horário em comum para marcar a sessão. Nas duas semanas seguintes
a esse episódio, a cliente faltou à sessão sem avisar e, quando retornou à terapia,
disse que tinha ficado muito chateada pela “recusa do terapeuta em marcar a
sessão" e que, nesse período, pensou seriamente em se matar para que ele visse
quanto a tinha magoado. Contou também que só não seguiu em frente com esse
pensamento porque “não queria estragar a carreira do terapeuta”. Nessa situação,
0 terapeuta sentiu culpa, mas esforçou-se ao maximo para não demonstrar isso à
cliente, para não reforçar positivamente tal comportamento de ameaça. Ao invés
disso, analisou funcionalmente a situação com a cliente, mostrando a ela que
com ela. De fato, nova ameaça de suicídio direcionada ao terapeuta não voltou a
acontecer, o que pode indicar que não houve reforço positivo por parte dele para
tal ameaça.
Ta b e l a 6
Análise funcional dos comportamentos observados e relatados em terapia
relacionadas ao Critério 6 do transtorno de personalidade borderline, de
acordo com o DSM-IV (APA, 2004)
INDEX Antecedentes
• Ansiedade momentânea.
■ Procura por terapeuta.
Consequentes
Atenção do terapeuta
BOOKS
O critério 6, representado na Tabela 6 para Regina, indica mudança repentina
no humor da cliente tanto diante de situações estressantes quanto de situações em
que seus pedidos são atendidos, assim como no exemplo sobre 0 pedido de uma
sessão extra. Nesses casos, não raramente, depois de ter seu pedido atendido, a
cliente desmarcava a sessão extra, dizendo não saber por que havia pedido. Tais
situações indicam que a atenção do terapeuta (dada ao concordar com a sessão)
foi suficiente para aliviar tais sentimentos da cliente.
GROUPS
TFRAPIAANALÍTICO-COMPORTAMENIAI
Ta b e l a 7
Análise funcional dos comportamentos observados e relatados em terapia
relacionadas ao Critério 7 do transtorno de personalidade borderline, de
acordo com o DSM-IV (APA, 2004)
: Não apresenta j
CASO REGINA
Análise funcional dos comportamentos observados e relatados em terapia
relacionadas ao Critério 8 do transtorno de personalidade borderíine, de
acordo com o DSM-IV (APA, 2004)
INDEX
Ex.: Briga com namorado. Joga celular no lago. Diminuição momentânea
da briga (Sr).
Ex.: Avô pedindo comida. Extrema agressividade. Avô para de pedir
comida (S').
BOOKS
por Regina em situações de grande contrariedade. Certa vez, em uma briga com
seu namorado, depois de ele ter tentado beijar outra garota, Regina jogou o
celular dele em um lago. Outro episódio mais intenso ocorreu quando seu avô
estava fisicamente debilitado devido a um período de grande enfermidade. A
recomendação médica era que o avô não comesse nada, pois, ao engolir, poderia
engasgar-se seriamente com a comida, sendo alimentado exclusivamente por
sonda. O avô sentia bastante falta do gosto dos alimentos e por isso pedia
GROUPS
constantemente por comida. Certa vez, passou 0 dia inteiro pedindo, apesar
TERAPIA ANALÍTICO-COMPOR! AMENTAL
CASO REGINA
Ta b e l a 9
Análise funcional dos comportamentos observados e relatados em terapia
relacionadas ao Critério 9 do transtorno de personalidade borderline, de
acordo com o DSM-IV (APA, 2004)
i Não apresenta
INDEX
de Personalidade Borderline, podemos verificar que a cliente atendia a sete.
Suas respostas eram mantidas frequentemente por esquiva (tentativa de evitar
abandono, decepções, sofrimento) e por aproximação, atenção e cuidados dos
outros ou mesmo pela redução de conflitos com os demais. Cada uma dessas
funções aparece em diferentes critérios descritos pelo DSM-IV (APA, 2004), o que
é compreensível pelo fato de que tal manual diagnóstico não difere os critérios
BOOKS
pela função de cada comportamento, mas muitas vezes por sua topografia, o
que causa possíveis sobreposições das funções em relação aos critérios. Apesar
de tais sobreposições, os critérios diagnósticos auxiliaram na com preensão do
caso, ao facilitarem 0 entendimento do discurso da cliente, que era bastante
confuso e trazia muitas inform ações misturadas e algumas vezes irrelevantes
para o caso. O conhecimento dos critérios auxiliou o terapeuta a focar sua
atenção em com portam entos que se enquadravam nos aspectos sugeridos pelo
GROUPS
DSM -IV (APA, 2004) considerados relevantes, contribuindo então para construir
TERAPIA AN.ALITICO-COMPOR lAMLN IAL
uma análise funcional adequada e 0 esclarecim ento dos com portam entos
clinicamente relevantes citados anteriormente, os quais fundamentaram as
intervenções terapêuticas.
Vale salientar que tais critérios citados pelo DSM-IV (APA, 2004) são 0 resultado
de uma mesma história de interação entre desregulação emocional e um ambiente
invalidante (Linehan, 2010). Sendo assim, pode-se perceber um entrelaçamento
deles de modo que: a) um indivíduo com vulnerabilidade emocional tende a
prom over a invalidação do meio; b) um ambiente invalidante está relacionado a um
relacionamento bastante instável já entre a criança e seus cuidadores, provocando
CASO REGINA
a ambivalência do vínculo em si. isso possivelmente resulta nos movimentos de
teste/aproximação/ afastamento das figuras relacionadas a vínculos posteriores;
c) havendo diminuição do controle exercido pelos eventos internos, os eventos
externos podem adquirir controle mais acentuado. Com isso, o comportamento
de "agradar o outro” pode ser exacerbado em decorrência da falta de repertório de
identificar suas tendências à ação; d) as reações intensas podem ter consequências
operantes relacionadas ã aproximação ou afastamento do outro.
Intervenções
INDEX
Ao longo da terapia, foi sendo ensinado à Regina como fazer as análises do
próprio comportamento, no intuito de que ela começasse a se tornar capaz de
discernir os estímulos antecedentes e consequentes de suas respostas. Regina
apresentava, no início do processo, algumas análises sobre o que gerava os
comportamentos das pessoas em relação a ela, mas geralmente tais análises
focavam estímulos que não pareciam controlar de fato o comportamento das
pessoas. Além disso, com base nessas análises, Regina sempre concluía quanto os
BOOKS
outros não gostavam dela, mostrando que o que mantinha a análise feita por ela
não era a compreensão de suas relações, e sim a esquiva de maiores decepções
com os demais.
Ademais, trabalhou-se intensamente o repertório de identificação de seus
limites, auxiliando a cliente a reconhecer quanto ela própria era prejudicada com
tamanha dedicação aos outros, além de essas atitudes não alterarem o que os
GROUPS
outros sentiam por ela. Certa vez, a cliente disse a seu namorado que estava
1LRAPIAANAUTICO COMPOR1AMFNTAL
CASO REGINA
INDEX
diminuindo aos poucos as expressões feitas com o objetivo de agradar o
terapeuta. Mais lentamente foi sendo instalado um repertório de expressão de
dúvidas, descontentamentos e críticas de forma direta, diminuindo o afastamento
que geralmente ocorria nessas ocasiões.
Relação terapêutica
Uma característica da terapia que possivelmente ajudou muito na melhora do
BOOKS
caso foi a boa relação terapêutica que foi sendo construída com a cliente. Apesar
de toda a inconstância de Regina no início da terapia, 0 terapeuta sempre esteve
presente, mostrando à cliente quanto ela poderia contar com ele e quanto ele
se importava com ela (aparentemente 0 terapeuta passou nos testes iniciais de
Regina). Essa relação foi reconhecida pela própria cliente como estável, chegando
a expressar com as próprias palavras, depois de alguns anos de terapia: nós temos
GROUPS
um relacionamento estável, eu confio em você. A cliente deixou de sentir medo de se
TFRAPIAANALÍTICO CüMPOKTAMÉNlAL
apegar à terapia e por isso, com pouco tempo de atendimento, deixou de faltar para
provar que não precisava de ajuda. Em muitos momentos, mostrou ao terapeuta,
de form a implícita e explícita, quanto a terapia estava sendo importante para ela.
O fato de ter construído essa relação estável permitiu que a cliente experienciasse
uma relação não punitiva, reduzindo a aversividade de relacionamentos. Ao
mesmo tempo, ao trabalhar em sessão a expressão de descontentamentos da
cliente em relação ao terapeuta, foi possível instalar um novo repertório, solucionar
problemas, o que aos poucos foi substituindo algumas situações de afastamento.
Certamente isso facilitou 0 envolvimento dela em outras relações, inclusive com
58 sua mãe, contribuindo para sua melhora de modo geral.
CASO KtGINA
Evolução do caso/resultados
Ao final do primeiro ano de terapia, o foco de trabalho visava avaliar quanto
Regina se dedicava às pessoas com quem tinha vínculo. Para evitar o afastamento
delas e gerar a aproximação dos outros, a cliente cedia à vontade de todos a sua
volta, ultrapassando assim os próprios limites. No entanto, Regina sempre exigiu
dos demais que tivessem a mesma atitude que ela, como a situação em que o
namorado não quis arrumar a cama no momento em que ela gostaria.
Por outro lado, apesar de exigir que os outros realizassem suas vontades,
achava que não poderia explicitar para ninguém tais vontades, pois dessa
forma o responder deles não seria espontâneo e, portanto, não genuíno. Tal
comportamento produzia uma constante frustração em Regina relativamente às
INDEX
suas expectativas para com as pessoas, pois estas não tinham acesso às vontades
delas e, quando o tinham, a resposta emitida não era reforçadora para a cliente
(por não ser considerada genuína). Sendo assim, toda essa análise foi feita com
Regina para que fossem trabalhados os limites de seu fazer e de suas exigências
para com os demais.
Ainda nesse finai de primeiro ano de terapia, o pai de Regina mudou para
BOOKS
a cidade dela e, depois de alguns meses, teve um grave problema de saúde,
levando-o a uma deficiência física. Na ocasião, Regina assumiu os cuidados com
o pai, sobrecarregando-se bastante. Antes de ele mudar para a cidade dela, ela
narrava quanto se relacionava bem com seu pai, dizendo ser muito parecida com
ele. No entanto, quando ele mudou e passou a ter com ela um relacionamento
mais próximo, a narrativa dela sobre essa relação mudou bastante. Ela passou a
trazer muitas queixas sobre seu pai, tanto na relação dele com ela como na relação
GROUPS
que ele mantinha com outras pessoas. Ao que tudo indica, ela passou a conseguir
I FRAPIA ANALÍ riCOCOMPORTAMENTAL
CASO REGINA
INDEX
do apartam ento onde morava. Todas essas perdas geraram um afastam ento da
cliente dos demais, como uma resposta de esquiva de novos relacionam entos
e sofrim entos.
Ao mudar-se para a casa da mãe, foi possível observar muitas mudanças no
comportamento de Regina. Acredita-se que a história de Regina durante a infância
influenciou grandemente na esquiva de abandonos no comportamento adulto
dela. Isso não quer dizer que ela tenha sido, de fato, abandonada pela mãe, mas
BOOKS
sempre se queixou de sua mãe consequenciar suas respostas com dinheiro, e
não com carinho, o que sempre trouxe muito sofrimento a ela. Nos anos em que
passou morando na casa do avô, Regina esquivava-se de momentos próximos de
relacionamento com sua mãe, na tentativa de evitar novos sofrimentos. Ao voltar a
morar com a mãe, Regina voltou a te r problemas de relacionamento com ela, mas
pôde refletir sobre eles em terapia, o que a fez com preender melhor as situações
GROUPS
que estava vivenciando. Passou a com preender e aceitar que a mãe demonstrava
TERAPIA ANALÍTICO-CO fVPORTA MENTAL
CAS0 REGINA
reduzindo ainda mais as situações de conflito ocorridas com sua mãe. Além disso,
a cliente já estava conseguindo impor melhor seus limites e, com isso, pôde
com preender melhor os limites de sua mãe, respeitando-os, ao invés de tentar
cedê-los, por não vê-los mais como indicativos de abandono.
Toda essa alteração ocorrida no relacionamento com a mãe parece ter gerado
uma grande mudança no comportamento de Regina em relação também às outras
pessoas. Acliente começou aapresentar melhorias de relacionamento no trabalho,
com amigas e até mesmo com seus familiares.
Ao final do quarto ano de terapia, seu irmão, depois de morar há mais de
um ano fora do estado, voltou repentinamente sem avisar ninguém e foi morar
novamente com sua mãe. Nesse momento, Regina passou por uma grande crise,
INDEX
pois voltou a responder da mesma forma que respondia antes de seu irmão ter
ido embora, ou seja, voltou a responder a diversos estímulos como possibilidades
de abandono e a se esquivar deles. Pelo que se pode deduzir, a volta do irmão
(considerado por Regina como o preferido de sua mãe) sinalizou a ela que ela
perderia novamente os reforçadores que havia adquirido na relação com mãe. Tal
situaçãoeliciou nela fortes respondentes e produziu um afastamento momentâneo
BOOKS
de sua mãe. Felizmente, ela pôde refletir sobre a situação em terapia e começou
a entender que era ela mesma quem estava produzindo o afastamento de sua
mãe. Reconheceu também quanto a mãe estava chateada pela volta repentina do
irmão a sua casa e começou a reconhecer respostas da mãe que tinham a função
de impedir o afastamento de Regina. Diante das análises que Regina conseguiu
fazer, a situação foi revertida, pois Regina deixou de se afastar de sua mãe, tendo
uma convivência bastante boa com ela depois disso. Seu irmão ficou um tempo
GROUPS
morando com elas, o que acabou tirando um pouco o espaço de Regina (já que
TFRAPIAANALÍTICO-COMPOKIAMENTAI
o apartamento era pequeno), mas depois ele mudou para um prédio próximo. A
mudança dele reduziu as situações de conflito que vinham ocorrendo entre ele e
Regina, melhorando a relação dos dois.
Durante o quinto ano de terapia, a cliente foi-se comportando de forma a
consolidar as melhoras obtidas até então, passando por períodos de recaída,
seguidos novamente de outros progressos.
No início do sexto ano, Regina conseguiu realizar um antigo sonho de morar
sozinha, alugando um apartamento próximo do de sua mãe. Essa atitude mostra
que a relação com a mãe vinha sendo reforçadora, o que certamente é um
progresso nas relações de Regina, mas simultaneamente pôde melhor reconhecer 61
CASO RFGINA
e seguir suas vontades (já que resolveu realizar um sonho seu), o que também
sinaliza progresso. Aiém do mais, ao morar sozinha, Regina passou a experimentar
muitos momentos individuais, sem ter presentes demandas sociais a que
responder, gerando maior autoconhecimento, ao entrar mais em contato com
estados internos. Foi curioso notar quanto, por um longo tempo depois de ter
mudado, Regina não aceitava receber visitas. Parece que havia a clareza de que
o repertório de não seguir contingências sociais todo o tempo ainda não estava
bem instalado, precisando, portanto, de um isolamento do meio social, ao menos
dentro de sua casa. Com o tempo, a cliente começou a aceitar receber amigas em
casa, mas demorou muito até que aceitasse receber homens com os quais tivesse
algum tipo de relacionamento amoroso ou sexual, deixando claro que não queria
INDEX
que tais pessoas controlassem sua vida.
Ainda durante esse ano, Regina reencontrou uma antiga paixão, reacendendo
esse sentimento e envolvendo-se com ele. Poucos meses depois, ele a deixou.
No entanto, o relacionamento mostrou grandes diferenças no comportamento
da cliente, pois esta passou a demonstrar seus sentimentos ao rapaz, sem muito
medo de relacionar-se. Depois do afastamento de!e, a cliente continuou dizendo-
se apaixonada por ele, aparentemente como uma form a de se proteger de outros
BOOKS
relacionamentos, mas não se esquivando mais completamente de sentimentos,
apesar do sofrimento que estava sentindo.
Durante o período em que se recuperava dessa decepção,
comportamentos que eram comuns em situações de abandono começaram a
alguns
diminuir. Nessas circunstâncias, era comum a cliente buscar por estratégias que,
de alguma forma, “anestesiassem" tais sentimentos desagradáveis, como o uso
GROUPS
excessivo de bebidas alcoólicas. Porém, após essa decepção, a cliente começou
ItRAPIAANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
CASO REGINA
Quanto ao diagnóstico da cliente, pode-se se dizer que, em momentos de crise,
ela ainda apresenta os padrões de comportamento que a incluem no diagnóstico
(como apresentado acima), os quais são relacionados a critérios isolados e
ocorrem de form a menos duradoura e rígida do que anteriormente, uma vez que
Regina tem aceitado as reflexões propostas pelo terapeuta. Parece que os padrões
de comportamento definidos pelos critérios permanecem presentes ao repertório
da cliente, mas são episódios evocados com maior probabilidade em situações
extremas de abandono e sofrimento.
INDEX
BOOKS
GROUPS
ItRAPIAANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
INDEX
BOOKS
GROUPS
C a s o RAFAEL ’
Identificação do cliente
Rafael (nome fictício) tinha aproximadamente 20 anos quando iniciou o
atendimento psicoterapêutico e permaneceu em atendimento durante quatro anos.
Rafael morava com os pais e dois irmãos mais novos. Ele cursava duas
faculdades.
INDEX
Queixas apresentadas
Rafael apresentava como queixa principal seus problemas com relacionamentos
interpessoais, na qual se enquadram seus problemas de relacionamento com sua
família e suas dificuldades em estabelecer relações com maior grau de intimidade
e/ou duradouras. Por ser homossexual, enfrentava muitos preconceitos, inclusive
na família, tema sempre discutido no processo terapêutico.
BOOKS
Além disso, Rafael queixava-se de que frequentemente apresentava crises
de choro e uma grande tristeza. Falava também da dificuldade de se concentrar
quando tinha de estudar ou mesmo assistir às aulas e de sua baixa capacidade de
absorção do conteúdo transmitido.
Manifestava descontentamento com sua família alegando que seus pais o
pressionavam para que terminasse seus estudos em uma das faculdades que
GROUPS
cursava e que sua mãe era muito controladora. Segundo ele, sua mãe queria saber
tudo o que ele fazia, e sua irmã mais nova ajudava sua mãe nessa tarefa.
Ele também relatou que apresentou alguns episódios de mal-estar súbito,
semelhantes a um princípio de infarto. Em todos esses episódios, ele buscou ajuda
médica, mas nenhum resultado conclusivo foi apresentado.
1 Dados pessoais e aetalhes de alguns episódios foram modificados para impedir a identificação dos
envolvidos.
INDEX
gostava da atenção que a mãe lhe dava e que havia sentido muitas saudades disso
quando morou sozinho em outra cidade por um tempo.
Segundo Rafael, sua mãe pedia que sua irmã o vigiasse e ficasse controlando
o que ele fazia quando estava em casa. Desse modo, Rafael passou a odiar a
presença da irmã, não conseguindo nem mesmo ficar no mesmo ambiente dela.
Já o irmão mais novo era adorado por Rafael, que apenas se queixava de que
BOOKS
ele não o deixava estudar e ficava constantemente bagunçando as suas coisas.
Rafael dizia que seu relacionamento com seu pai era um pouco diferente
se comparado com o de sua mãe. Seu pai se queixava demais com o Rafael,
principalmente sobre as dúvidas que o filho apresentava com relação à escolha
de profissão e universidade. Segundo Rafael, seu pai apenas realizava alguns
“discursos” sobre a religião e dizia que “cada um sabe o que faz”, comentários que
Rafael associava à sua homossexualidade.
GROUPS
Sua família era muito religiosa. Ambos os país eram evangélicos e
frequentemente discutiam religião com o filho. Essa religiosidade da família
atrapalhava a comunicação, por parte do Rafael, sobre sua homossexualidade,
assunto que ainda gerava muito conflito nele.
Rafael dizia que dispunha de pouco tempo livre durante a semana, visto que
frequentava duas universidades distantes em períodos distintos e se utilizava de
transporte público. Para agravar a situação, Rafael residia muito distante de ambas
as universidades, sendo assim, saía muito cedo de casa e retornava muito tarde.
Rafael tinha pouco tempo para seus relacionamentos sociais, estava
praticamente centrado nas conversas realizadas no dia a dia nas universidades e
nos fins de semana. Segundo ele, seus amigos eram majoritariamente membros
INDEX
encontrando-se com ele na faculdade ou frequentando a casa dele (já que ele
morava sozinho).
Apesar de ter muitos amigos, Rafael relatava uma dificuldade constante de
manter relacionamentos e/ou ter relacionamentos mais íntimos. Segundo ele, em
suas histórias de relacionamento ele sempre acabava se afastando das pessoas,
pois percebia que elas estavam cansadas dele. Rafael comentava que sempre
BOOKS
acontecia isso em suas amizades: ele iniciava uma amizade, com o tempo se
aproximava, mas ele se afastava por perceber que a pessoa se cansava dele e com
isso acabava aproximando-se de outras pessoas. Ele dizia que isso continuava a
acontecer em seus relacionamentos e que poucas eram as exceções. Nesse sentido,
ele mencionava uma amiga de infância e um colega do grupo da universidade.
GROUPS
comportamentos clinicamente relevantes
Partindo da queixa inicial, mas principalmente se pautando nas informações
coletadas durante as sessões com Rafael, pode-se perceber que seus
principais comportamentos clinicamente relevantes, que se apresentam
como com portam entos-probiem a no seu dia a dia (CCRi), diziam respeito a
alguns aspectos de seus relacionamentos interpessoais. Em geral, esses CCRis
aconteciam após algum tempo decorrido do início do relacionamento pessoal,
quando o interlocutor (amigo, namorado, familiar) sinalizava ter intimidade com
o Rafael. Esses CC R is faziam parte de uma classe que poderíam os denominar
“queixar-se/reclamar”. Exemplos desses comportamentos se manifestam quando
o Rafael se queixava repetidas vezes sobre suas provas, sua dificuldade de estudar
CASO RAÍALL
em duas universidades, entre outros, tanto para seus amigos e pais como para
o terapeuta. Essas queixas estavam presentes de diferentes formas nas sessões.
Cabe ressaltar que esperamos que o espaço de terapia seja um espaço em que o
cliente traga suas queixas, mas, no caso do Rafael, o terapeuta percebia que muitas
das queixas vinham desacompanhadas de qualquer expressão de sentimento, até
mesmo a ponto de ele falar de coisas muito difíceis, rindo ou falando naturalmente.
Essa constatação é que levou o terapeuta a analisar que tais comportamentos
provavelmente eram mandos disfarçados e que no dia a dia eram reforçados com
a atenção, aconselhamento pelos ouvintes na vida do cliente.
Outros comportamentos importantes de ser notados durante as sessões
diziam respeito às tentativas de esquiva de relato sobre sentimentos e/ou escolhas
INDEX
por ele realizadas (ou situações que sinalizavam que parte da responsabilidade
era do cliente). Ao longo da terapia, Rafael trouxe diversos exemplos de
situações ocorridas no seu dia a dia que exemplificam tais comportamentos. A
seguir, são descritos alguns trechos de diferentes sessões que ilustram esses
comportamentos, para posteriormente discutir a análise das contingências das
quais esses comportamentos fazem parte.
Por diversas vezes, o Rafael se esquivava de responder a perguntas que se
BOOKS
relacionavam com seus sentimentos e/ou que sinalizavam responsabilidade:
GROUPS
C: Significa a tristeza que vem depois.
TERAPIAANALÍriCO-COMPORiAMENTAL
CASO RAfAFl
T: Eu acho sim que você montou um pacote com tudo relacionado a
homossexualidade, com o que seus pais falam, etc.e nem pensa em
discutir ou pensar nisso, é assim que me parece.
C: E isso mesmo. (Em seguida muda de assunto.)
(...)
C: Você acha que na semana anterior fo i melhor?
T: Acho que sim, mas você ainda pode tentar perceber melhor como você
se sente. Como agora, estávamos falando de como você se sentia com
relação às provas e o fato de você ter ido ma/ naquilo que você define
INDEX
como sendo sua vida e você mu dou de assunto.
O (Concorda rindo.)
T: Eu sei que é difícil falar de como nos sentimos, mas é importante.
C: Que mais... (Ele muda de assunto.)
BOOKS
C: Acho que do jeito que está eu não consigo aguentar muito tempo.
T: Você se sente assim?
C: Uhum. Eu sinto. Nossa, ontem fo i horrível...
T: E mais uma vez eu te fa io que você fala que se sente assim, mas faia rindo
e brincando. Não que eu não acredite em você, mas você não entra em
GROUPS
contato com o seu sentimento aqui.
TERAPIAANAUTICO-COMPORIAMLNIAL
C: É. (Rindo.)
T: E como você se sente estando nesta situação?
C: Eu me s/nto eu mesmo, eu me sinto mal. A minha vida se baseia nisso.
Tanto em estar nessa confusão como na tentativa de sair disso.
(...)
Rafael trouxe exemplos de situações em que ele se queixava a seu pai e a sua
mãe da escolha de sua profissão e de sua universidade. Além disso, ele dizia a seus
amigos que sempre reclamava contra essas coisas, o que muitas vezes o levava a
INDEX
falar apenas de si mesmo nas conversas, sem nem mesmo perguntar coisas sobre
as outras pessoas.
Em alguns momentos durante as sessões, Rafael discutia claramente sobre
sentir que seus amigos se afastavam dele por perceber que eles estavam de “saco
cheio” de suas reclamações e repetições:
BOOKS
você, porque você acha isso?
C: Pelo mesmo fato de eu ter perguntado para você na semana passada se
você estava de saco cheio de m/m.
T: E sobre mim, a que conclusão você chegou?
C: Que você não está.
T: Certo, mas e essa preocupação com [seu namorado]?
GROUPS
C: É com o eu/a/ei, isso acontece com muita frequência.
TERAPIA ANALÍI ICO COMPORTAMÉNTAL
(...)
T: Por que você acha que as pessoas ficam de saco cheio de você?
C: Porque eu sou cansativo, fico falando das mesmas coisas, reclamando, e
eu acho que as pessoas se cansam.
(...)
Análise funcional
CASO RAFAEL
A seguir, são apresentados tabelas na tentativa de resumir as hipóteses sobre
as contingências que mantinham os comportamentos acima discutidos. A primeira
tabela apresenta comportamentos que ocorriam no dia a dia de Rafael, enquanto
a segunda tabela apresenta alguns dos comportamentos emitidos em sessão, os
quais são classificados como CCRis.
No dia a dia
Ta b e l a 1
INDEX
Análise de contingências das respostas de chorar / queixar-se /reclamar.
Respostas de chorar/
Antecedentes queixar-se / reclamar Consequentes
BOOKS
Dizem para ele parar ce se
Reclama" do dia a dia, da
preocupar quanto a mudar
Presença pai / mãe. escolha profissional e das
de universidade - retirada
universidades.
de responsabilidade (S ).
Reclamar sobre sua
escolha profissiona. Demonstrações de
Presença dos amigos e sobre seu dia a atenção e/ou preocupação
mais íntimos. dia/ reclamar de seu (Sr*). Afastamento em
GROUPS
relacionamento com longo prazo (Sp).
TERAPIAANAUTICO-COMPORIAMLNIAL
os pais.
CASO RAI A t l
INDEX
irritação ou “saco cheio”
por parte de seus amigos.
BOOKS
decisão a ser tomada.
Na sessão
Ta b e l a 3
Análise de contingências de respostas em sessão
GROUPS
Queixar-se / reclamar sobre sua escolha Demonstração de
TLRAPIA ANALÍIICOCOMPORTAMENTAL
CASO RAFAEL
Como se pode observar, os C CR is selecionados fazem parte de um repertório
de queixas e reclamações ocorrendo em excesso, bem como a comportamentos
que têm por função evitar o contato com contingências aversivas {como expor
sentimentos, receber críticas). Em geral, os antecedentes observados em sessão
e no dia a dia de Rafael que produziam esses comportamentos eram a presença
de familiares, amigos e pessoas que sinalizassem a formação de um vínculo
emocional ou produzissem a sensação de intimidade. Ante essa aproximação nos
relacionamentos, Rafael passava a emitir esses comportamentos que, em geral,
produziam nos interlocutores sentimentos de preocupação e cuidado (p. ex,
mostrar-se preocupado com a situação, fazer perguntas envolvendo a queixa,
tentar dar opiniões). Após certo período em que as queixas e reclamações se
INDEX
repetiam, apesar das ajudas oferecidas e dos cuidados transmitidos pelos seus
amigos, muitos passam a mostrar irritação e incômodo. Sendo assim, essas
pessoas passavam a evitar o contato com Rafael ou os assuntos por ele trazidos,
sinalizando o que o Rafael chamava de estar de saco c/ieio. Desse modo, para
evitar críticas, sentir-se rejeitado, entre outras consequências aversivas, Rafael
se afastava desses colegas e buscava aproximar-se de outras pessoas. Quando
BOOKS
não havia a possibilidade de afastamento físico, como no caso de seus pais, Rafael
evitava discutir alguns assuntos para que assim não recebesse críticas ou respostas
que não demonstrassem atenção e cuidado da maneira que ele gostaria {ou ainda
transmitissem sua responsabilidade em suas escolhas).
Rafael dizia que, muitas vezes, somente começava a chorar ou sentir-se
triste, quando se aproximava de casa, mesmo que seu dia tivesse sido bom. Ele
geralmente se comportava de uma maneira que seus pais discriminassem que
GROUPS
estava triste (andar de cabeça baixa, cobrir o rosto, expressar choro) e logo eles iam
TERAPIAANAÜTICO-COMPORIAMLN IAL
perguntar ao Rafael o que havia ocorrido. Quando Rafael se queixava das mesmas
coisas, ora recebia respostas de cuidado e atenção pelos seus pais (mais por parte
de sua mãe), ora recebia respostas lhe dando apoio para qualquer decisão por ele
tomada (atribuindo a responsabilidade a ele - o que era aversivo para ele). Assim,
Rafael encontrava certa inconsistência na resposta dos pais, o que provavelmente
devia acontecer com alguns de seus amigos. Tais contingências intermitentes
favorecem a manutenção desses comportamentos.
Outra hipótese relativa às contingências mantenedoras dos CCR is dizia
respeito à possibilidade de esses comportamentos terem como consequência uma
diminuição da expectativa dos outros, principalmente dos pais, perante Rafael. 73
INDEX
muito crítico com relação às decisões tomadas por ele, mas ao mesmo tempo não
sentia que o pai o apoiava em suas decisões. Outro fator importante é que Rafael
era homossexual e não conseguia falar disso com seus pais (até aproximadamente
um ano de terapia ele dizia que seus pais apenas desconfiavam, mas, depois disso,
alguns acontecimentos confirmaram as desconfianças dos pais) por sentir medo
de ser rejeitado, o que ele sempre disse temer. Em um ambiente como esse, era
compreensível que buscar atenção e cuidado mediante queixas se tornasse algo
BOOKS
adaptativo e altamente reforçado, positiva e negativamente. A mãe reforçava
qualquer comportamento dele, verbal ou não, que indicasse que ele necessitava
de sua ajuda, muito provavelmente porque esse controle era reforçador para
ela. Assim, além de seu comportamento ser positivamente reforçado, acabava
sendo-o reforçado negativamente peia esquiva de tomadas de decisões e/ou de
responsabilidade. Já seu pai, ao criticá-lo constantemente, produzia um contexto
GROUPS
em que o filho seria punido se tomasse qualquer decisão errada. Ademais,
TERAPIAANAÜTICO-COMPORTAMENIAL
INDEX
estar desacom panhados dos correlatos respondentes. O terapeuta, por diversas
vezes, perguntou sobre os sentimentos de Rafael em diversas situações relatadas,
e, em sua grande maioria, o relato era confuso ou pouco preciso. Diante disso,
o terapeuta decidiu intervir nesse repertório por meio de um treino de auto-
observação e de discriminação de estados internos. O objetivo final do processo
terapêutico era pôr o cliente sob controle também de seus estados internos, e não
BOOKS
apenas do controle social.
Supervisão
As supervisões tiveram papel essencial no atendimento de Rafael. O terapeuta
trazia para a supervisão relatos de sentimentos negativos sobre o cliente. Por se
tratar de um terapeuta iniciante, havia dificuldades na compreensão e no manejo
de tais sentimentos durante as sessões com Rafael.
Nesse sentido,
GROUPS
a discussão durante a supervisão dos sentim entos
negativos proporcionou ao terapeuta alívio, ao com preender que parte desses
sentim entos eram produzidos pela maneira como Rafael estabelecia suas
relações interpessoais. O excesso de queixas, as esquivas de análises e os
atrasos constantes produziam irritação no terapeuta, que se percebia impotente
na tentativa de ajudá-lo. Ao analisar esses sentim entos como produto daquela
relação particular, o grupo de supervisão auxiliou o terapeuta na tarefa de
responder diferencialmente aos com portam entos de Rafael em sessão. Uma
das intervenções propostas foi descrever a interação com o terapeuta, tal
qual analisada, para Rafael e relacionar os efeitos dessa interação com outras
relações significativas na vida dele. Isso implicou descrever para Rafael seu
CASO RAFAEL
com portam ento queixoso, algo que gerava incôm odos no terapeuta. Com o dizer
ao cliente que seu principal problem a é o excesso de queixas e a dificuldade de
estabelecer interações duradouras se a terapia é na essência um espaço para o
cliente trazer queixas? Esse tipo de intervenção foi bastante discutido no grupo
de supervisão como algo necessário no processo do cliente, principalmente
quando estamos falando de um processo FAP.
Relação terapêutica
Como boa parte das intervenções realizadas no caso foram baseadas na FAP,
o estabelecimento de uma relação terapêutica suficientemente segura se fez
necessário. As intervenções propostas tinham como base para Rafael a descrição
INDEX
dos sentimentos negativos do terapeuta produzidos pelas queixas excessivas
durante a sessão. Como fazer isso de forma empática e acolhedora? Essa era uma
das principais questões que o terapeuta enfrentou, ao propor as intervenções
com o cliente. Após inúmeras discussões no grupo de supervisão e após um
trabalho intenso na formação do vínculo com Rafael, o terapeuta sentiu-se seguro
o suficiente para intervir sem pôr a relação terapêutica em risco.
Uma relação terapêutica deve ser um contexto em que o cliente pode emitir
BOOKS
respostas que, em outros locais, seria punido, e no geral tais respostas aparecem
na form a de queixas. Nesse sentido, o maior desafio do terapeuta foi encontrar
um "ponto certo” no envolvimento com Rafael que permitisse a realização das
intervenções sem causar o comprometimento da relação terapêutica.
Intervenções
GROUPS
TERAPIA ANALÍTICO-COMPORTAMENIAL
CASO RAFAEL
anteriormente descrito foi trabalhado em etapas, visto que o repertório do cliente
de auto-observação era bastante escasso.
Foi solicitado ao cliente que incluísse no seu relato de situações ocorridas fora
da terapia os seus sentimentos e pensamentos que estavam presentes naquele
determinado momento. Nesse processo, o terapeuta, baseado nas interações
relatadas, auxiliava o cliente a descrever os sentimentos envolvidos.
INDEX
ocorrência dessas respostas e o impacto sobre ele. Ao mesmo tempo, respostas
adequadas para produzir cuidado, como o relato e descrição de sentimentos,
eram diferencialmente reforçadas. Como o principal reforçador para Rafael
eram verbalizações de cuidado e atenção (principalmente empatia), o terapeuta
apresentou esse tipo de resposta após solicitações de cuidado que incluíssem
sentimentos correlatos aos comportamentos verbais não vocais observados
BOOKS
durante a sessão. Assim, o terapeuta reforçava diferencialmente apenas as
queixas que apresentassem correspondência entre os comportamentos verbais
vocais e não vocais.
Um dos objetivos dessas intervenções era desenvolver no cliente um
repertório de auto-observação e de descrição de sentimentos para promover
a mudança no controle de seu comportamento - deixando de ficar apenas sob
controle de contingências sociais. Para isso, o terapeuta modelou relatos de
GROUPS
sentimentos do cliente durante a sessão, identificando respostas verbais não
ILRAPIAANALÍMCO-COMPORTAMEN7AL
INDEX
Rafael, que dizia agora saber quem era e o de que gostava.
Rafael desenvolveu um repertório de solicitação de ajuda e atenção mais
adequado ao contexto em que vivia, o que teve grandes impactos em suas
relações interpessoais. Rafael iniciou amizades que foram mantidas até hoje, com
um grau de intimidade que não existia antes. Além disso, ele começou a namorar,
e essa relação foi uma das mais discutidas no processo terapêutico. Boa parte
das dificuldades de intimidade de Rafael foi resolvida utilizando essa relação com
BOOKS
o namorado, porém novas dificuldades foram criadas. O autoconhecimento de
seus limites tornou-se um novo repertório trabalhado no processo terapêutico,
mas essa dificuldade somente pôde ser alcançada após as evoluções observadas
durante o período aqui relatado.
GROUPS
TERAPIAAMALÍTICO-COMPORTAMENTAL
C a s o JOÃO 1
identificação do cliente
João (nome fictício) esteve em terapia analítico-comportamental durante
quatro anos, tendo iniciado aos 31 anos de idade. Tinha orientação homossexual e
era devoto da religião evangélica.
INDEX
Queixas apresentadas
João buscava constantemente seduzir e ter contato sexual com pessoas
desconhecidas, um comportamento que ele julgava promíscuo e incompatível
com sua formação moral e religiosa. Em média mantinha quatro relações sexuais
com desconhecidos por semana, muitas vezes em locais públicos, como praças,
ônibus ou garagens. Mantinha um relacionamento estável com um namorado, que
não tinha conhecimento de suas infidelidades.
BOOKS
Descrevia o local onde trabalhava como desestimulante. Sentia-se ansioso e
frustrado com as dificuldades enfrentadas em seu trabalho e se questionava sobre
seu futuro profissional, financeiramente incerto.
GROUPS
Desde a primeira infância, sofreu abusos físicos por membros dessa família.
Travessuras infantis eram consequenàadas com violentas agressões por sua mãe,
que usava cintas de couro, chinelos de borracha ou cabos de vassoura. Seus
irmãos o agrediam de maneira menos contingente, mais em razão de seus próprios
problemas e desentendimentos. Demais membros de sua família, conhecidos ou
professores jamais interferiram nesses episód os que às vezes ocorriam dentro
de casa, outras vezes em locais públicos. Essa aparente tolerância das pessoas
1 Dados pessoais e detalhes de alguns episódios foram r^ocfficadcs oara impedir a identificação dos
envolvidos. 79
CASO JOAO ;p
contribuiu para que João entendesse que episódios de violência eram aceitáveis e
até mesmo adequados na educação de crianças.
Também durante sua infância, João sofreu recorrentes abusos sexuais
cometidos por jovens de sua vizinhança. Atribuía a si mesmo a responsabilidade
por tais episódios, por vezes afirmando que os havia provocado deliberadamente
e em outras vezes atribuindo-os à sua constituição física franzina, que dificultavam
sua defesa pessoal. Escondia tais eventos de seus pais, temendo que eles o
culpassem e o devolvessem ao orfanato.
Em uma ocasião, já na fase adolescente, foi flagrado por seus pais durante um
episódio sexual com outros adolescentes. Seus pais o chamaram de “pervertido”
e, em sua defesa, João acusou os jovens de o terem forçado a ingerir drogas, o que
INDEX
fez os país o acolherem, João sentiu-se culpado e manipulador por inventar tal
mentira, mas ponderou que essa estratégia evitou que os pais o rejeitassem.
Pouco tempo após esse episódio, João declarou sua intenção em seguir carreira
religiosa e abstêmia. Dedicou-se a essa formação por alguns anos, porém tal
trajetória foi interrompida na ocasião em que admitiu sua orientação homossexual
ao líder de sua igreja, que então rejeitou suas pretensões a permanecer na carreira
religiosa. Após esse incidente, João se dedicou aos estudos não religiosos, foi
BOOKS
aprovado no vestibular e mudou-se de cidade.
Durante sua formação universitária, começou a emitir altas frequências
de respostas de conquistas sexuais. Tais respostas serão aqui chamadas de
sedutoras promíscuas, dado o fato de envolverem grande diversidade de
parceiros, não gerarem relações afetivas subsequentes e produzirem julgamentos
autodepreciativos em João. Nos anos universitários, respostas promíscuas foram
GROUPS
consideradas porseu círculodeam izadescom oam plam enteaceítáveis.Entretanto,
TERAPIA ANALÍTICO COMPORTAMFNTAL
CASO JOÃO
seu parceiro e familiares ou de uma “punição divina", que supostamente viria pelo
contágio de doenças sexualmente transmissíveis. Iniciou a terapia solicitando à
terapeuta que o ajudasse a decidir se deveria se tornar uma pessoa "decente e
monogâmica” ou se deveria “assum ir sua prom iscuidade1’.
INDEX
Classe 1. Respostas manipulativas ou sedutoras, com função de produzir
admiração (Srt) e esquiva de rejeição ou abandono (Sr ). Fora da
sessão, essa classe de respostas também tinha função de produzir
benefícios mais concretos, tais como sexo e novas oportunidades
de trabalho.
Classe 2. Respostas para obter domínio da relação terapeuta e cliente,
BOOKS
tais como a imposição de condições para realização da sessão
(controle da duração, da pauta). Entre as funções dessa classe
de resposta, inclui-se a redução do tempo dedicado a temas que
pudessem despertar julgamentos condenatórios (Sr ), evitar um
suposto abandono (Sr_) e testar o interesse da terapeuta em seu
caso (Sr+).
Classe 3. Dissociação - pobre repertório autodiscriminativo das opiniões
GROUPS
e sentimentos, embotamento de emoções e memórias durante
I LRAPIA ANALÍTICO COMPORTAMENTAL
CASO JOÃO
INDEX
manipulativas aparecia constantemente nas sessões, sob topografias diversas.
Uma delas, frequente nos primeiros anos, consistia em “contar vantagem”
sobre suas conquistas sexuais e sua habilidade em conquistar parceiros
indisponíveis (ex.: casados) em locais improváveis. Nessas ocasiões, João parecia
estar sob controle da necessidade de surpreender e impressionar a terapeuta
dando-lhe prova de sua astúcia. Gradualmente, a terapeuta reduziu suas reações
de surpresa, mas preservou a atenção a tais fatos, solicitando mais dados sobre
BOOKS
as contingências que os antecediam ou suas consequências. Isso fez com que
esse tipo de relato se tom asse mais moderado e calmo, sugerindo mudança de
função. Simultaneamente, respostas manipulativas foram -se modificando para
relatos exagerados de sintomas físicos. Constantemente suspeitava ter adquirido
alguma doença sexualmente transmissível. Atribuía seu “inevitável" contágio
a uma pendente punição divina. Outra resposta com função manipulativa
GROUPS
consistia em apelos constantes aos “conhecimentos científicos’’ da terapeuta,
TERAPIAANALÍTICÜ-COMPORTAMENTAL
CASO JOÃO
culpa e pela percepção de contingências potencialmente punitivas de suas ações
(julgamento da terapeuta).
Além da terapeuta, João mantinha contatos semanais com um pastor de sua
igreja e, aparentemente, a dinâmica das conversas seguia formato similar ao
descrito acima: descrevia suas ações, submetia-se ao julgamento de seu ouvinte
e expressava arrependimento. A terapeuta sugeriu haver semelhanças entre
essas duas situações e usou tal paralelo para investigar possíveis funções desses
relatos. João admitiu sentir-se aliviado e “perdoado” depois de ter admitido suas
conquistas. Esse alivio e a alta frequência de tais interações verbais sugerem a
vigência de uma contingência reforçadora negativa: reprimendas do ouvinte e
solicitações de perdão pareciam apaziguar o desconforto e culpa que ele sentia.
INDEX
Por outro lado, tais eventos não apresentavam nenhum efeito supressor sobre a
subclasse de respostas promíscuas, que permaneciam recorrentes a despeito de
todas as prom essas feitas. Ao solicitar que a terapeuta o recriminasse, João parecia
tentar reproduzir na sessão terapêutica tal contingência de reforçamento negativo
que ele mantinha com seu pastor. A descrição dessa função reforçadora negativa
pareceu fazer extinguir gradualmente esse tipo de interação nas sessões.
BOOKS
João também sentia necessidade de produzir admiração e reconhecimento
de seus pares e superiores no ambiente profissional. Se não lograsse exceder
constantemente as expectativas de seus chefes e colegas, supunha que seria
rejeitado e excluído. Suas respostas de sedução e manipulação no ambiente de
trabalho apresentavam topografias não sexuais, mais voltadas às adulações de
chefes ou à manipulação das opiniões de coiegas, mas também pareciam refletir
uma autopercepção depreciativa e uma longa história de punições e rejeições.
GROUPS
Impunha-se constantemente metas de trabalho quase inatingíveis e consumia-
TFRAPIAANAUTICO-COMPORIAMLNTAL
CASO jÜÁO
INDEX
mantida em alta frequência.
BOOKS
"pauta” de assuntos. João raramente aceitava sugestões de temas para discussão,
recebendo-as com impaciência, sendo sucinto nas respostas e habilidosamente
desviando 0 assunto para temas que ele julgava mais agradáveis. Justificava tais
“desvios" afirmando estar dirigindo a atenção da terapeuta aos tópicos de maior
relevância ao processo terapêutico, geralmente suas conquistas. A descrição por
parte da terapeuta de tais “desvios” de assunto ou da busca incessante de João
GROUPS
pelo controle da sessão era aceita como verdadeira e, em seguida, ignorada. Nas
TERAPIAANALÍPCO-COMPOR1AMENTAI
2 Skinner ('957) define tato como um operante verbal em que uma resposta verbal e evocada por
um. objeto ou evento ou por propriedades particulares de um objeto ou evento. Um tato de estado
privado consiste no relato verbal sob controle de emoções que estâo sendo eliciadas no mesmo
momento em que a descrição é feita.
3 O DSM-IV define, na seção 347 sobre na'colepsia, cataplexia como "episódios de perda súbita,
reversível e bilateral do tono muscular, com curação de segundos a minutos, geralmente precipitados
84 por intensa emoção”. No CID.10 esse fenômeno consta na seção G47.4.
CASO JOÃO
função de esquiva desses eventos foi facilmente identificada peio fato de que
estados de alerta retornavam imediatamente tão logo ele retomasse o controle
sobre a pauta de assuntos.
Respostas dissociativas
Os episódios de narcolepsia e/ou esquecimentos foram incorporados a uma
terceira categoria de comportamentos clinicamente relevantes, de dissociação
(Classe 3). Esses comportamentos consistiam no embotamento de sentimentos
nas ocasiões que tenderiam a ser emocionalmente intensas (dentro e fora da
sessão), além de um pobre repertório de discriminação dos próprios sentimentos
ou opiniões. Essa classe de respostas não foi evidente por um longo tempo, uma
INDEX
vez que, no princípio da terapia, João acatava imediatamente as solicitações de
descrever seus sentimentos. Entretanto, com o aprofundamento da relação
terapêutica, foi ficando evidente que tais “descrições” eram mais pautadas nos
sentimentos que seriam socialmente “esperados” dele ou tinham função de
apaziguar questionamentos, mas que não consistiam em tatos privados. Após tal
averiguação, a solicitação por tatos de sentimentos ou opiniões (dentro e fora da
BOOKS
sessão) passou a elevar a frequência de episódios catapléticos. Dentro do sistema
conceituai da análise do comportamento, tais respostas dissociativas podem ser
pensadas com base no conceito de esquiva experiencial, como foi tratado no
capítulo “Comportamentos encobertos mantidos por contingências sociais”.
GROUPS
habilidadedejoãoem m anterrelaçõesde intimidade,sejaem seus relacionamentos
TERAPIA ANALÍTICO COMPORTAMENTAL
afetivos fora da sessão, seja junto à terapeuta. Esse padrão era provavelmente
resultado da convergência das três classes de comportamentos acima: suafacilidade
em estabelecer relações sociais superficiais e manipuladas; necessidade de manter
controle dos relacionamentos (e da sessão) e comportamentos dissociativos com
baixa discriminação de sentimentos ou opiniões. Suprimia relatos que expusessem
aspectos mais honestos ou menos "admiráveis” de si e 0 tornassem vulnerável
ao julgamento dos outros. Tal supressão era compatível com sua vasta história
de punição de tentativas de autoexposição, por exemplo, quando ele admitiu
sua homossexualidade ao líder religioso de sua igreja e teve sua carreira religiosa
interrompida. Demonstrações de afeto e tentativas de estabelecer intimidade pela 85
INDEX
refutadas. Com a manutenção do processo terapêutico ao longo dos anos e diante
de variadas “provas” de afeto e interesse pela terapeuta, João aceitou discutir
esta classe de resposta e descrever suas suspeitas e sentimentos (positivos e
negativos) em relação à terapeuta. Algumas das “provas" de afeto oferecidas pela
terapeuta foram as seguintes: (1) análises funcionais que demonstravam atenção
aos seus relatos e descrição de processos comportamentais que ele não havia
ainda descrito ou percebido; (2) disponibilidade constante em acomodar suas
BOOKS
necessidades sempre que ele solicitava sessões adicionais ou mudanças; (3)
ocasionais acompanhamentos de João fora da sessão, por exemplo, realização
de exames médicos para averiguação de eventuais contágios por contato sexual;
(4) informação de que 0 caso dele havia sido apresentado em um congresso de
psicologia, o que 0 fez considerar-se importante e valorizado.
Diagnóstico do caso
GROUPS
A descrição dos comportamentos clinicamente relevantes e as intervenções
nesse caso ofereceram sérios desafios e, em muitos momentos, consistiram em
processos de tentativas e erros. A sequência de eventos e contratempos será
descrita aqui em detalhe, com intuito de estimular terapeutas e pesquisadores
adeptos da análise do comportamento a almejar maiores aprofundam entos em
pesquisas básicas e aplicadas sobre temas centrais a casos como este, ou seja,
sobre os efeitos e tratamentos terapêuticos de traumas e abusos ocorridos natenra
infância de clientes, e as intensas funções que tais eventos podem estabelecer
Parte das dificuldades encontradas na condução desse caso talvez seja atribuída
a um viés de análise produzido pelos conhecimentos atualmente acumulados
INDEX
vigência de contingências aversivas/punitivas em seu ambiente de trabalho e
do constante temor diante da possibilidade de sua orientação homossexual
ser descoberta por familiares e colegas e de que isso resultasse na retirada de
importantes reforçadores sociais, como admiração, aceitação, atenção ou afeto.
Em razão de os abusos sexuais infantis terem sido revelados em uma fase mais
avançada do processo terapêutico, serão descritas duas etapas de tratamento, pré
BOOKS
e pós-descoberta dos abusos ocorridos na infância longínqua do cliente.
Análises funcionais
As análises e intervenções terapêuticas nos primeiros anos focaram as
GROUPS
dificuldades de João para estabelecimento de relações íntimas, tom ando por base
as hipóteses de que suas buscas sexuais teriam a função de produzir prazer sexual
(reforço positivo) e esquiva de relacionamentos afetivos íntimos que demandariam
maior vulnerabilidade e exposição de sentimentos (reforço negativo). Por muitas
sessões foram avaliadas as fontes de reforçamento positivo na vida de João,
entendendo-se que a alta frequência de buscas sexuais estivesse sendo mantida
por uma carência de fontes alternativas de reforços. Suportada em tais hipóteses,
foi tecida uma análise de que a produção de reforços positivos e negativos por
meio das buscas sexuais e a subsequente saciação sexual teriam o efeito de
permitir que João persistisse no ambiente aversivo de seu trabalho a despeito de
seus descontentamentos. Ou seja, a saciação sexual imediata e recorrente estaria
CASO JOÃO
Ta b e l a 1
Análise da função de respostas promíscuas
Respostas
Antecedentes encobertas Respostas abertas Consequentes
Falta de elogios Ansiedade e Dedica-se a uma - Obtém prazer
de colegas apreensão (“vou sedução sexual sexual (Sr~).
(ausência de ser prejudicado ou pessoalmente ou - Alívio da
INDEX
reforços), olhares rejeitado”). por computador. ansiedade (S' ).
ou comentários
■ Sucesso
negativos (S3V).
Retorna e profissional (Sr
persevera no
ambiente de
trabalho.
Somente após Sente-se culpado e Pede ajuda à Intervenções são
relação promíscua. promíscuo. terapeuta. tentadas.
BOOKS
Tais análises deram suporte à intervenção que se iniciou pela modelagem da
discriminação de estados privados, partindo-se da proposta de que a identificação
de estímulos antecedentes às respostas promíscuas e a discriminação de estados
privados ansiosos permitiriam maior autocontrole de João. Esses procedimentos
estão descritos abaixo na seção Intervenções e apresentaram relativo sucesso
GROUPS
em aumentar o repertório de autodiscriminação. João aumentou a nomeação de
TERAPIAANALITICO-COMPORTAMENTAL
CASO JOÃO
Desde o princípio, João se mostrou muito empenhado em produzir uma
impressão positiva na terapeuta. No trecho abaixo, os dois discutiam sobre a
realização de uma tarefa fora do consultório solicitada pela terapeuta:
INDEX
você saber que eu faço as minhas tarefas.
João admitiu ter feito o exercício proposto pela terapeuta em razão de querer
agradá-la, e não de controlar possíveis benefícios dele, o que seria um controle
pelas contingências. Suspeitou-se também que parte das autodescrições de João
como 'manipulador poderiam ser também tatos da discriminação de que suas
BOOKS
ações e palavras teriam a função de impressionar o ouvinte. Podemos expor essa
hipótese funcional da seguinte forma:
Ta b e l a 2
Análise de resposta mantida pelo terapeuta, e não por
contingências do dia a dia
Respostas Respostas
Antecedentes
GROUPS
encobertas abertas Consequentes
ilr a p ia a n a lític o - c o m p o r ta m ln ta l
CASO JOÁO
T: Você me disse que não teria dinheiro para mandar para eles agora!
J: É, mas aí eu me lembro que eles me adotaram. Então eu tenho um dever!
Eu tenho que retribuir o que eles fizeram p o r mim. Eles “comeram o pão
que o diabo am assou’’ e me amaram tanto... enquanto eu cursava a
faculdade. Com o eu vou retribuir isso? Tenho que mandar dinheiro para
INDEX
eles agora. É minha vez de ficar sofrer.
BOOKS
bom comportamento ou submissão. Tal relação pode não se caracterizar como
amorosa, mas de troca, e o sentimento de autoestima pode não aparecer. Essa
descrição pode ser complementada pela de Skinner (1991) sobre 0 sentimento
de self, aqui entendido como a descrição da condição corporal que acompanha
o comportamento. Encobertos eliciados por contingências punitivas podem
produzir autodescrições depreciativas, como no caso de João, que se recriminava
GROUPS
sempre que se percebia diante da possibilidade de perder o afeto das pessoas e
TF RAPIAANALÍ1 ICO COMPORTAMENTAL
ser rejeitado. Recriminava-se por seu egoísmo quando não enviava dinheiro aos
pais, por sua perversão, por sua promiscuidade ou por ser “manipulador", ao obter
elogios ou admiração dos outros.
O trecho a seguir mostra o efeito de punição produzido pelo comentário de
um parente.
j: Quando eu estava começando a falar sobre minha sexualidade para
minha prima, ela de repente me solta uma frase preconceituosa sobre
isso, só que falando de outra pessoa. (Punição positiva)
T: E aí você interrompeu seu relato. {Terapeuta explicita a contingência.)
90 }: Isso me frustrou demais.
CASO JOÁO
T: Mas você tem medo do que vai acontecer se ela souber desta verdade?
J: Tem coisas que a gente diz para os amigos, tem coisas que diz só para
seu terapeuta. (Explicita a seleção do ouvinte.) Mas talvez eu queira
contar, talvez eu me sentisse aliviado se alguém partilhasse comigo o
meu comportamento. Alguém que me ame, que tenha um laço comigo.
E que continuasse me amando. (Cabisbaixo, coça a nuca.)
Ta b e l a 3
Efeito de punição produzido pelo comentário de um parente
Respostas
Antecedentes encobertas Respostas abertas Consequentes
INDEX
Comentário da Sente-se frustrado Supressão do Evita crítica e
prima criticando a (evocado). relato da própria perda do amor
homossexualidade sexualidade. (5').
de outra pessoa. Mantém sua
imagem de
“certinho” (Sr~).
BOOKS
Nesse relato, João parece acreditar que o amor da prima seria contingente à
manutenção de uma imagem de ‘‘certinho” Se eie fosse honesto em suas ações,
poderia sofrer punição negativa pela retirada do amor de sua família. A percepção
desse risco suprimiu seu relato.
Muitas das intervenções nos primeiros anos de terapia foram orientadas por
análises de suas relações interpessoais e de sua dedicação extrema em produzir
aprovação das pessoas. À medida que o processo terapêutico foi evoluindo, João
GROUPS
m ostrou-se mais atento aos estímulos aversivos em seu trabalho e desenvolveu
TFRAPIAANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
Análises funcionais
As investigações sobre as variáveis controladoras das respostas promíscuas
somente tiveram avanços mais consistentes após uma lenta recomposição de
INDEX
seu passado. A descoberta de que João havia sofrido abusos sexuais e físicos
na infância foi feita por ambos, terapeuta e cliente, ao longo de um demorado
resgate de descrições esparsas, que eram oferecidas marginalmente em meio
ao relato de outros temas e não evocavam em oções intensas. Revelações foram
sendo feitas quase que casualmente, descontextualizadas e sem demonstrações
de sensações aversivas.
BOOKS
Como se verám ais adiante, naliteratura clínica especializada se verificou seresse
padrão topográfico dissociativo bastante típico em casos de abusos longínquos. Tai
topografia, associada ao fato de que tais episódios ocorreram muitos anos antes
e à ênfase da análise sobre contingências mais imediatas, fez com que a terapeuta
não investigasse a ocorrência de tais episódios ou suspeitasse que eles pudessem
ser controladores das buscas sexuais atuais. Essa hipótese somente foi formulada
após uma prolongada recomposição e alinhamento temporal dos eventos.
GROUPS
Parte dessa descoberta pode ser atribuída ao fato de que a ênfase nas
contingências presentes estava gerando resultados concretos (melhores relações
de intimidade), mas marginais à queixa principal (promiscuidade). Isso produziu
uma insatisfação crônica em ambos, a qual, intensificada pelo desam paro de João
diante da conclusão de que ele "não teria solução”, converteu-se em uma crise
na relação terapêutica. Em virtude da gradual extinção da confiança de ambos
nos rumos dos procedim entos terapêuticos adotados, a terapeuta buscou na
literatura, independentemente de abordagem teórica, auxílio para prosseguir
na condução do caso (ver tópico 4 — Respeito por conhecimento produzido, no
capítulo Supervisão).
CASO |OÃO
Essavariação de fontes de pesquisa rendeu proveitosos frutos ao revelar dados
fundamentais para entendimento de casos de abusos infantis. A condução do caso
a partir deste momento encontrou grande suporte na obra de Briere, Chiid Abuse
Trauma: theory and treatment ofthe lasting ej^ects (1992). O autor listou topografias
de respostas mais típicas de sobreviventes de abusos sexuais infantis, tais como (1)
dissociação, (2) hipervígilâncía em relação às reações e opiniões de outras pessoas,
em detrimento do desenvolvimento de repertório de autodiscriminação, e (3)
promiscuidade sexual. Todos esses consistiam em padrões topográficos emitidos
em altíssima frequência pelo cliente. A seguir, são apresentadas descrições
pormenorizadas dessas respostas e elaboradas algumas hipóteses sobre suas
funções, formuladas dentro do referencial analítico-comportamental. Cabe
INDEX
enfatizar que essas análises consistem em conversões conceituais hipotéticas e
ainda em construção.
Hipervigilância
BOOKS
Sobreviventes de abusos sexuais na infância apresentam frequentemente
componentes cognitivos e pavlovíanos de ansiedade, que, muitas vezes, adotam
uma topografia de hipervigilância nas relações interpessoais. Cogita-se que tais
elementos derivem de um pareamento clássico pavloviano ocorrido na primeira
infância, pelo qual figuras de autoridade ou afetivamente relevantes (pais ou
amigos próximos), que despertam emoções agradáveis de proteção e confiança,
tornam-se também responsáveis por impingir dores físicas, muitas vezes de
GROUPS
maneira não contingente ao comportamento da criança. Tais eventos traumáticos
TERAPIAANALmCO-COMPORTAMFNTAl
CASO |OAO
Ta b e l a 4
Análise funcional da hipervigilância
INDEX
relevantes que podem verbais e corporais sob prejudicado (Sr).
oferecer benefícios ou controle da audiência. • Produz admiração e
causar perdas profundas. novas oportunidades
0
sociais (S' -
Dissociação
Topograficamente, a dissociação é descrita como uma interrupção temporária
BOOKS
(segundos, minutos) de interações entre pensamentos, memórias e sensações
privadas. Funções possíveis já identificadas seriam as seguintes:
1. esquiva de exposição a estímulos aversivos presentes no ambiente
imediato;
2. supressão de memórias e estimulação privada elíciadas por estímulos
pareados a eventos traumáticos passados;
3. analgesia a qualquer estimulação suplementar associada a tais estímulos;
4.
GROUPS
atenuação de sensações elíciadas permitindo que 0 sobrevivente de abusos
TERAPIAANALÍTlCO-COMPORTAMErNTAI
CASO JOÃO
Ta b e l a 5
Análise funcional da dissociação
INDEX
Promiscuidade
Comportamentos de busca e contatos sexuais (compulsão, promiscuidade)
podem ter função de esquiva de memórias e sensações intensamente
aversivas. Cogita-se que tais respostas introduzam esquemas de reforçamento
concorrentes aos já instalados diante de estímulos pareados ao abuso infantil,
algo como “escolher 0 menor dentre dois males”. Essa concorrência de esquemas
tende a se perpetuar por adquirir uma poderosa função reforçadora negativa
BOOKS
(interrupção de estimulação aversiva pareada aos traumas infantis), suplementar
à satisfação sexual. Tais funções podem ser percebidas pelo relato de sensações
de alívio subsequentes ao contato sexual. A vigência crônica de tais contingências
negativamente reforçadas podem ainda prom over generalizações para situações
aversivas menos extremadas. No trecho abaixo, João reconhece uma função de
“alívio da tensão” que suas conquistas sexuais podem oferecer diante de uma
situação indesejada. Discutia com a terapeuta um tema incômodo: a possibilidade
GROUPS
de ele revelar sua orientação sexual a seus pais.
TERAPIAANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
CASO JOÃO
}: É muito mais gostoso! Tanto que eu nem contei de uma situação que
aconteceu lá no bar... (Conta longamente uma sedução sexual com
estranhos.)
T: Agora há pouco nós estávamos falando de um tema difícil e você desviou
imediatamente para safadezas. Você percebeu?
j: Sim, faz todo sentido. Parece que eu trago estes assuntos para “ufa, vamos
parar de cutucar assuntos difíceis". Você já sabe que eu sou pervertido
mesmo, então eu posso ficar contando para você.
T: Se você faz isso durante a sessão, ou seja, falar de safadeza te permite
se esquivar de outros temas, é possível que isso aconteça também fora
da sessão?
INDEX
J: Com certeza. Hoje p or exemplo eu estou a ponto de me acabar na
safadeza quando sair daqui. Porque eu estou triste e preocupado com o
meu irmão que está c/oente, sem conseguir trabalhar. E vai precisar que
meu pai o ajude, e eu vou perceber que meu pai não tem com o ajudá-lo
e vou fica r mal p o r isso. Hoje eu fiquei o dia inteiro mal p o r conta disso.
Eu estou a ponto de me acabar.
BOOKS
Nesse trecho, a terapeuta introduziu um tema reconhecidamente doloroso
para ele, produzindo o antecedente “desconforto”. João, a principio, reclamou,
mas, quando a terapeuta lhe perguntou se falar sobre a promiscuidade seria
mais agradável, imediatamente aceitou a "sugestão” e contou longamente uma
conquista. Depois, admitiu ter sentido alívio com o desvio do tema. A terapeuta
sugeriu uma generalização desse comportamento de esquiva, ao que joão
concordou e complementou com um exemplo que era também uma previsão:
GROUPS
TERAPIAANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
sentia-se mais inclinado a emitir respostas de busca sexual por conta de estar
preocupado com seu irmão.
Parece ser comum que sobreviventes deabusos passem, nafase adulta, a buscar
ativamente situações e ambientes semelhantes àquelas vigentes nos episódios de
abusos, repetindo-os recorrentemente. Nesse sentido, sobreviventes de abusos
sexuais podem engajar-se em buscas ativas por contatos sexuais (promiscuidade)
e sobreviventes de abusos físicos podem repetidamente selecionar parceiros
violentos. Esse processo, por vezes, é chamado de revitimização (Briere, 1992) e
impõe um grande desafio quando se busca sua explicação dentro do paradigma
96 analítico-comportamentai. Afinal, o comportamento mais (conceitualmente)
CASO JOÂO
coerente diante de episódios traumáticos pareceria ser o de esquiva de
quaisquer estímulos ambientais que remetessem a esse evento. Paradoxalmente,
sobreviventes de abuso empenham-se ativamente em reviver a exposição a esse
tipo de estimulação.
Uma explicação possível desse processo pode residir na busca por obter um
fictício “controle" sobre a ocorrência desses episódios que, no passado, foram
imprevisíveis e íncontroláveís. E comum que sobreviventes de abuso se descrevam
como responsáveis por terem seduzido seus agressores, no que parece ser uma
busca pela “ilusão de controle”, que pode propiciar algum alívio à ansiedade
antecipatória de eventos traumáticos. No caso de promiscuidade, esse alívio de
tensão pode ainda se associar à satisfação derivadada atividade sexual e ao sucesso
INDEX
da sedução, estabelecendo uma complexa cadeia de respostas poderosamente
reforçada. Com o passar do tempo, o sobrevivente pode manter um pobre
repertório de esquiva, no qual a antecipação de eventos traumáticos produz
respostas concorrentes com funções de alívio de tensão, analgesia e satisfação
sexual. Daí em diante, pode perpetuar-se um ciclo pernicioso de reforçamento e
generalização de estímulos. A literatura especializada tem confirmado que adultos
sobreviventes de abusos na infância tendem a exibir padrões de comportamentos
BOOKS
altamente lesivos, tais como uma alta frequência de respostas de busca sexual
(promiscuidade), a despeito dos riscos e custos envolvidos. Paralelamente, tais
respostas tendem a produzir culpa e sensações de autorrepúdio moral, bem
como um crescente temor pela sensação de falta de controle sobre os próprios
comportamentos. Todas essas sensações podem vir a produzir necessidades
adicionais de esquiva e de alívio no futuro (Briere, 1992).
A análise da promiscuidade ajudou a esclarecer a ineficácia de todas as
GROUPS
tentativas de reduzir a frequência de suas respostas de busca sexual por treinos
TERAPIAANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
Ta b e l a 6
Análise funcional da promiscuidade
INDEX
seu ambiente (S") (ver
texto).
■ Sucesso profissional
(S-).
BOOKS
Dedica-se a uma nova • Obtém atenção.
solução.
\!/
Relata sua conquista aos
amigos e à terapeuta.
GROUPS
um novo idioma em responder (Sr).
TFRAPIAANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
dois meses.
Supervisão
O trabalho em supervisão foi essencial paracondução deste caso, dadas algumas
peculiaridades. João era muito habilidoso em produzir empatia na terapeuta. Essa
habilidade ficava particularmente evidente quando as sessões eram transcritas. O
conteúdo de seus relatos, quando lidos, causavam surpresa e aversão aos leitores,
dada a quantidade de detalhes sexuais e palavras sujas. No entanto, durante a
sessão, tais relatos pareciam divertidos, como “piadas sujas”. João raramente
CASO |OAO
sua simpatia, mas fazia-o de diversas manetras quando comentava a eficácia de
suas sugestões ou integrava parte de seus comentários aos seus argumentos. Nos
debates em supervisão, esse controle sobre a terapeuta ficava evidenciado pelos
comentários do grupo e pela escuta da terapeuta sobre a própria fala. Isso facilitou
a identificação de comportamentos clinicamente relevantes (CCRs), especialmente
a sutil modelagem de seu discurso devido à reação da terapeuta. A supervisão foi
condição necessária para a condução da terapia, feita a “várias mãos”.
Ainda na fase em que a intervenção estava voltada para a identificação e
introdução de fontes alternativas de reforçamento positivo, João chegou atrasado
a uma sessão por ter aproveitado uma oportunidade de contato sexual dentro do
INDEX
recinto da clínica. Nesse dia, a terapeuta pôde perceber a dimensão reforçadora
positiva que as conquistas sexuais lhe ofereciam e sentiu-se desamparada diante
do desafio de identificar reforçadores alternativos de magnitude similar. Discutir
esses sentimentos de desamparo durante a supervisão ajudou a terapeuta a se
manter confiante nos procedimentos, e, daí em diante, algumas possibilidades
foram levantadas para condução da terapia no intuito de introduzir reforçadores
BOOKS
relativamente poderosos advindos principalmente do relacionamento afetivo que
ele mantinha com o namorado.
Outro elemento importante da supervisão foi a realização de dois trabalhos
de categorização de sessões, feitos por colegas. O primeiro deles evidenciou
que a fala da terapeuta se concentrava nas categorias de “solicitação de relato” e
“empatia”, em lugar de categorias de maior interesse terapêutico, como solicitação
de reflexão ou interpretação. As falas de João concentravam-se em solicitações e
GROUPS
relatos. Essas categorizaçÕes expuseram um panorama das sessões, evidenciando
TERAPIAANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
se negligente por não ter explorado antes, com maior atenção, os fatos do passado
do cliente, e frustrada pelo fato de intervenções terapêuticas introduzidas ao
iongo de anos de trabalho não terem produzido nenhum efeito relevante sobre as
respostas promíscuas. Ela também testemunhou o efeito que o insucesso dessas
diversas tentativas de intervenção produziu no cliente, ao aumentar a sensação de
descontrole e desamparo diante da persistência de tais padrões comportamentais.
Nesse sentido, o acolhimento e compartilhamento desses sentimentos em
supervisão foram essenciais para que a terapeuta reconhecesse tais frustrações
e buscasse fontes alternativas de literatura. Nestas, ficaram explícitas algumas
carências conceituais e empíricas para explicação e condução de um caso clínico
INDEX
com esse perfil histórico, com ojácom entado,m asquetam bém resultaram em uma
mobilização conjunta de esforços para buscar referências alternativas e discutir
possíveis explicações e intervenções que suprissem algumas dessas lacunas.
A reflexão sobre as possíveis pontes conceituais entre as explicações e
sugestões encontradas, derivadas de outras abordagens teóricas, passou a
ser tema recorrente das supervisões para tentar fundamentar as intervenções
implementadas que fossem coerentes com a abordagem terapêutica conduzida
BOOKS
até então. O grupo se converteu em um espaço ativo de produção de novos
conhecimentos sobre o tratamento de adultos sobreviventes de abusos sexuais
infantis dentro do referencial analítico-comportamental. Esse processo passou
pelo reconhecimento de lapsos, mas produziu as reflexões aqui expostas, que
podem vir a ser úteis em casos similares.
Relação terapêutica
GROUPS
TERAPIA ANALÍI ICO COMPORTAMENTAL
CASO JOÃO
suas dificuldades em se mostrar verdadeiramente vulnerável, um pressuposto
necessário ao estabelecimento de relações de intimidade. Essa constatação
demandou muito tempo de convívio e análise, uma vez que João habilmente
expunha aspectos de si que pareciam ser altamente sensíveis e relevantes, mas
que não consistiam de fato nas suas questões mais problemáticas. Esse padrão
comportamental de modelagem de sua fala somente pode ser observado em
retrospectivas molares do processo terapêutico e do difícil reconhecimento pela
terapeuta de que os avanços logrados ao longo de anos eram, na verdade, mais
marginais do que pareciam ser, uma vez que o comportamento-queixa que o levou
a buscar auxílio terapêutico não havia sido de fato modificado até então, a despeito
de todos os esforços empregados.
INDEX
Essa constatação foi acompanhada de uma conversa emocionalmente
intensa entre ambos, na qual a terapeuta admitiu tais sentimentos e opiniões e,
com isso, evocou importantes relatos da parte de João sobre suas impressões
e sentimentos da relação terapêutica. Essa exposição foi considerada como um
relevante comportamento clinicamente relevante de melhora (CCR2), no qual ele
não apenas discriminou e tateou seus estados internos, como também se expôs
BOOKS
ao risco de desagradar à terapeuta, ao revelar suas frustrações com os méritos
terapêuticos até então alcançados. Nesse momento, a relação terapêutica pareceu
modificar-se profundamente visto que ambos estabeleceram uma parceria
bastante sincera na busca de desvendar os processos que determinaram uma
função reforçadora tão poderosa nas respostas de conquista sexual. Da parte da
terapeuta, foi firmado 0 compromisso de buscar sustentação teórica de qualquer
fonte que estivesse disponível e de modelar intervenções ainda coerentes com a
GROUPS
abordagem teórica que vinha orientando 0 tratamento até então. Da parte de João,
TERAPIAANAUTICO-COMPORTAMINIAL
Intervenções
As intervenções realizadas podem ser segmentadas em dois grandes blocos:
(a) nos primeiros anos, voltadas para as dificuldades interpessoais e respostas
manipulativas e sedutoras promíscuas; (b) focadas nos efeitos dos abusos sofridos
na infância.
CASO JOÃO
INDEX
a consequências imediatas. Uma das intervenções nesse sentido foi feita pela
explicitação dos processos subjacentes aos com portam entos de João, de maneira
a aumentar 0 repertório de autoconhecimento. Nesse processo, buscou-se
identificar estím ulos ambientais controladores das respostas manipuJativas,
aumentar o repertório discriminativo de estados privados e opiniões pessoais,
especialm ente nos momentos em que ele emitia autodescrições depreciativas,
e aumentar a correspondência entre esses estados internos/opiniões e seus
BOOKS
com portam entos públicos.
Foi identificada a grande importância que João atribuía à honestidade e seu
anseio de sentir-se (e julgar-se) honesto. Em diversas ocasiões, ele expressou
seu desejo em ser sincero com sua família quanto â sua homossexualidade e em
construir uma relação mais “verdadeira” com seu namorado.
Em relação ao seu desejo de admitir sua orientação sexual para sua família, foi
GROUPS
necessário que ele estivesse menos sensível às consequências punitivas imediatas
TERAP:AANALÍ I ICO COMPORTAMENTAL
que poderiam ocorrer. Para isso, João precisaria conhecer-se melhor e aceitar-se
como m erecedor do amor das pessoas (reduzir o controle do que parecia ser uma
história prévia de "amor contingente”). Além disso, ele deveria reduzir o controle
de regras - tenho que agradar a todos - sobre seu comportamento, aceitando a
possibilidade de que seus relatos poderiam eventualmente desagradar, sem que
isso implicasse o risco de que a relação fosse interrompida.
Perseguindo o objetivo de aumentar a discriminação de estados internos
e reduzir parcialmente o controle do ambiente externo sobre ele, foram
feitos exercícios para prom over a nomeação de sentimentos. Em situação de
102 relaxamento, a terapeuta solicitava a formulação e relato de situações fantasiosas
CASO JOÁO
que envolvem pessoas conhecidas e a descrição pormenorizada dos sentimentos
evocados nessas condições. Diversas vezes João se esquivou desses exercícios,
dizendo-se sonolento ou prolongando a duração de outros relatos até que não
houvesse mais tempo de sessão para o exercício. Isso sinalizou a natureza aversiva
desse processo de auto-observação, e a manutenção desse exercício dependeu
de perseverança da terapeuta e constantes explicações sobre os motivos de sua
realização. A perseverança rendeu frutos observáveis. Certa ocasião, João contou
uma situação ocorrida em seu ambiente de trabalho que pareceu efeito dessa
intervenção. Após uma sequência de resultados frustrantes em suas pesquisas,
João, pela primeira vez, expôs ao seu chefe suas dúvidas quanto à viabilidade
do projeto em que estava envolvido. O resultado foi que o chefe elogiou seu
INDEX
desem penho até então (Sr+: reconhecimento de um superior) e atribuiu maiores
responsabilidades a ele dentro do grupo de trabalho. Refletindo sobre essa
experiência, João propôs seguir uma nova regra: devo ser mais honesto com as
pessoas que prezo.
Em duas ocasiões, joão agiu sob controíe dessa nova regra: na primeira,
admitiu sua homossexualidade aos colegas de trabalho; na segunda, admitiu
BOOKS
algumas infidelidades a seu namorado. Em ambas, expôs-se ao risco de punição
(reprovação de seus pares e perda do namorado), mas o fez de forma impulsiva e
pouco habilidosa, sem selecionar a situação adequada para tais exposições, o que
produziu resultados inconsistentes. Os colegas o acolheram, fornecendo reforços
positivos na forma de apoio generalizado, algo que eliminou uma relevante
condição aversiva no trabalho (sentir-se desonesto e falso). A admissão das
infidelidades, no entanto, produziu brigas e a tão temida retirada de reforçadores
GROUPS
"afeto” e "atenção”, bem como eliciação de sentimentos compatíveis com punição
TERAPIA ANALÍTICO-COMPORTAMLN IAL
INDEX
as ocasiões e locais em que houve contato sexual com desconhecidos. Esses
registros deveriam ser feitos no aplicativo de anotações de seu celular. O objetivo
desse registro era aumentar a probabilidade de ocorrência de controle por regras
morais (culpa) de maneira contígua e/ou antecedente à emissão de respostas
promíscuas. Supunha-se que afunção punitiva de tais controles pudesse suprimir
tais respostas. Os resultados foram ambíguos e insatisfatórios. O principal
efeito desse registro foi reduzir a frequência de pensamentos sobre conquistas
BOOKS
sexuais, sem nenhum efeito significativo sobre a ocorrência efetiva de contatos
sexuais com estranhos. A solicitação da terapeuta para que João registrasse os
antecedentes de suas respostas promíscuas, que ele apenas recentemente havia
aprendido a discriminar, intensificou sua sensação de culpa e produziu relatos de
desamparo e autorrecriminações. O efeito subsequente foi a supressão da (recém-
instalada) autodiscriminação de seus estados privados, reduzindo a qualidade de
GROUPS
seus registros. Por outro lado, esse processo de supressão não pareceu produzir
TERAPIAANALÍ I ICO-COMPORTAMEN1AL
C.ASO JOAO
(Briere, 1992). Para evitar repetição dessa citação, serão apenas marcadas as
páginas das quais os trechos foram extraídos.
Uma questão central em terapias voltadas para adultos abusados na infância
é o reconhecimento pelo terapeuta de que esses clientes são sobreviventes, ou
seja, são indivíduos que perseveraram a despeito de traumas infantis extremos
e todas as dificuldades posteriores (i.e., todas as funções) produzidas por tais
experiências. O reconhecimento e a apreciação da força do cliente implícita a essa
sobrevivência (em lugar de sua “patologia”) devem guiar todas as intervenções
terapêuticas. Trata-se de alguém cuja vida foi moldada pela constante adaptação
a ambientes perniciosos. Nesse sentido, a terapia deve estar pautada por um
respeito profundo aos seus repertórios comportamentais já presentes e ter
INDEX
como objetivo a continuidade de seu crescimento e desenvolvimento, almejando
aprofundar seu autoconhecimento e dotá-lo de repertórios menos nocivos a si e
aos que 0 cercam (p. 82).
Apesar de o passado dos sobreviventes trazer muitas cicatrizes, essas pessoas
são muito mais do que uma coleção de feridas. São também seres resilientes,
capazes e engenhosos. O “tecido cicatrizado” é remanescente de estratégias
BOOKS
adaptativas que foram criadas com base em um repertório infantil mais precário
e foram eficientes para garantir sua sobrevivência até que eles pudessem chegar
ao consultório e solicitar ajuda terapêutica (ver semelhanças dessa análise com
a apresentada no capítulo Análise Funcional do Comportamento). Além disso, 0
processo terapêutico exigirádeles adicionais de coragem e perseverança na medida
em que seja solicitado a eles relembrar detalhadamente com precisão os eventos e
sofrimentos geradores de todo esse repertório de autopreservação, agora em um
GROUPS
ambiente diferenciado (p. 84). Nesse sentido, o papel do terapeuta é o mais “fácil”
TERAPIA ANAL ÍTIC.O-COMPORTAMENTAL
dos dois. Cabe a ele oferecer um ambiente seguro e não punitivo que facilite a
rememoração desses eventos e reflexão sobre suas consequências, bem como o de
testemunhar e auxÜiar o cliente nessa trajetória. Uma profunda relação terapêutica,
empática e pautada pelo respeito à coragem do cliente é absolutamente essencial.
O recurso mais eficiente do terapeuta é sua habilidade em adentrar e compartilhar
parcialmente o mundo privado de seu cliente. Padrões dissociatívos que
inevitavelmente emergirão no cliente poderão exigir demonstrações de coragem
também do terapeuta que, por vezes, terá de usar a discriminação e autoexposição
dos próprios sentimentos como guia dessa jornada. Para isso, sua capacidade
de discriminar seus sentimentos e de sentir empaticamente as experiências do 105
CASO JOAO
INDEX
estados privados, expectativas de maltrato ou abandono, esquiva de sensação
de vazio ou disforia, etc.). Considerando que tais padrões comportamentais são
funcionalmente eficientes, eles não são facilmente abandonados pelos clientes.
No caso de João, visto que respostas promíscuas eram controladas por intensos
reforçamentos negativos (alívio e esquiva de estímulos aversivos pareados), elas
se mostraram pouco sensíveis a “broncas", culpa posterior, risco de contágio, etc.
BOOKS
Após a descoberta dos abusos sofridos por João, foram adotadas duas
“frentes” ou estratégias interventivas: a primeira delas foi uma recorrente
rememoração dos eventos traumáticos de sua infância. Para isso, foi combinado
com João que, em torno dos 30 minutos das sessões, ele iria descrever, por
cinco minutos (cronometrados), algum episódio de abuso sexual de sua infância.
Nesses momentos, a terapeuta mantinha-se impassível, sem expressar nenhuma
emoção, e solicitava relatos pormenorizados de aspectos sensório-m otores: qual
GROUPS
1 ERAPIAANALÍIICO-CÜMPÜRIAMtNIAL
CASO JOÃO
Em resumo, os objetivos desse exercício foi torná-lo mais consciente
dos controles históricos e ambientais vigentes em sua vida. Os eventos que
estabeleceram as intensas funções aversivas e de esquiva em seu passado
ocorreram em épocas em que ele contava com repertório social muito mais
precário que o atual. Pretendia-se fazê-lo "revisitar” os eventos infantis utilizando
seu repertório atual, adulto. Terminados os cinco minutos, a terapeuta solicitava
dele a discriminação de seus estados privados e, quando julgava adequados,
oferecia autoexposição de suas reações emocionais aos fatos relatados.
Inicialmente, joão expressava descrença e desmotivação em realizar esses
exercícios, mas aceitou fazê-los em confiança aos argumentos da terapeuta. Ao
final, demonstrava impaciência e reiterava a opinião de que tais episódios não
INDEX
haviam sido traumáticos e que, portanto, não poderiam explicar seus padrões
comportamentais. A insistência no exercício finalmente proveu frutos em uma
sessão. João relatou um episódio em que, em meio a uma "brincadeira”, um jovem
o penetrou sexualmente. João descreveu tal episódio como sua responsabilidade
(ele havia “bobeado” e induzido à situação). Questionado pela terapeuta, João
contou que passou a evitar o convívio com o jovem e aproximar-se do local em
BOOKS
que ocorreu. A terapeuta, então, questionou a razão dessa evitação, haja vista a
explicação de que ele supostamente havia "seduzido” o jovem, ao que João não
soube responder. Em seguida, a terapeuta comparou as respostas corporais que
ele emitia quando contava um caso de sedução atual (muito animado e expressivo)
às emitidas neste relato (calmas, precisas, quase imóveis) e sugeriu que o evento
passado teria sido prazeroso. João surpreendeu-se, ao perceber que ele, de fato,
não havia sentido nenhum interesse prévio no jovem ou prazer com a relação
GROUPS
sexual. Em seguida, perguntou-se (a si e à terapeuta): p or que é que ele não havia
ILRAPlAANALÍTICO-COMPORTAMENIAL
tentado fu g ir ou pedido ajuda? E por que ele não sentia raiva? Ao ser questionado
sobre sua opinião atual a respeito do jovem (abusador), ele expressou nojo
e desprezo, mas precisou que a terapeuta sugerisse a ele a probabilidade de
que essas opiniões negativas fossem devidas aos eventos do passado, o que
novamente lhe causou surpresa.
Nesse momento (crítico da terapia), o repertório adulto de João começou a
perm ear a avaliação de seu passado, fazendo-o pensar que o que lhe ocorreu não
era “aceitável” ou "comum” e admitir que poderia haver uma relação entre seu
passado e padrões presentes. A evocação de sentimentos diante dessa descoberta
foi sutil, mas intelectualmente João entendeu que foi abusado na infância e que 107
INDEX
diárias de masturbação e que enviasse uma mensagem por celular informando a
realização de tal exercício. O motivo dessa segunda solicitação foi (1) fornecer um
reforço arbitrário mas contíguo - reconhecimento pelaterapeuta de que ele estaria
cumprindo a tarefa - e (2) permitir controle externo da concretização do exercício.
Apesar de ressentir-se de realizar tal exercício independente de motivação (“como
remédio”, ele dizia), os resultados apareceram rapidamente. João surpreendeu-
se e animou-se com a sensação de controle sobre os próprios impulsos. Mesmo
BOOKS
nas ocasiões em que ele teve contato sexual com desconhecidos, demonstrou
autocontrole suficiente para proteger-se, usando preservativos e evitando locais
muito expostos ou pessoas que ele julgou “suspeitas” de estarem contagiadas.
Passou a sentir-se menos "vítima” e mais sob controle de seu comportamento.
A análise de tais resultados deve ser feita com cautela, considerando-se duas
ressalvas: uma é que os exercícios de saciação forçada ocorreram simultaneamente
GROUPS
à intervenção descrita acima (cinco minutos de relatos dos abusos); a outra é que,
nessa época, João descobriu ter contraído uma doença sexualmente transmissível
(não era HIV), 0 que reduziu temporariamente sua motivação pela busca sexual.
Pelos motivos acima, não é possível atribuir a clara redução das respostas
promíscuas exclusivamente ao exercício de saciação forçada. Entretanto, julgamos
que esse procedimento foi parcialmente responsável por tal supressão, por
demonstrar ao cliente sua capacidade de autocontrolar-se e criar um “momento
de renovação de esperança” neste processo terapêutico tão complexo e profundo.
Infelizmente, não foi possível acompanhar 0 desenrolar dos eventos. João
recebeu uma proposta profissional de grande vulto financeiro que o fez mudar-se
para outro país e interromper a terapia. Cabe, entretanto, listar algumas “vitórias”
CASO JOAO
nesse caso. Entendendo que precisava manter uma rede de apoio para modificar
seu comportamento promíscuo, joão inscreveu-se voluntariamente em um
programa para tratamento medicamentoso e de apoio grupai para dependentes
de sexo no novo país. Além disso, ao encerrar a terapia, João não mais emitia
autodescrições depreciativas e demonstrava maior autoconhecimento sobre os
controles atuais e históricos de seus comportamentos. Explicitou isso na fala -
descobr; que não sou apenas sexo! Sou uma pessoa muito mais profunda e completa
do que isso - admitindo ter diante de si um longo caminho a percorrer, mas ter a
seu favor o conhecimento de ser uma pessoa m erecedora de afeto, de si mesmo
e de outros.
INDEX
BOOKS
GROUPS
INDEX
BOOKS
GROUPS
C a so JOSÉ 1
Identificação do cliente
josé (nome fictício) tinha 4 anos quando iniciou atendimento, permanecendo
dois anos em terapia. Morava com a mãe, Ana Maria (nome fictício), numa casa de
dois cômodos, em umafaveia. A naM aríatrabalhavao dia inteiro. Na época em que
iniciou 0 atendimento, José tinha pouco contato com o pai, sendo esse um assunto
INDEX
proibido pela mãe. O pai havia casado pela segunda vez.
Queixas apresentadas
José foi encaminhado pela escola onde estudava para atendimento psicológico,
perm anecendo em terapia por dois anos. A principal queixa trabalhada era a de
que a criança apresentava “crises de nervosism o” 2 em diversos ambientes, como
em sua casa, na casa de outras pessoas, na escota. O único tugar onde as "crises"
BOOKS
aconteceram por um tempo, mas logo cessaram e não voltaram a aparecer, foi na
ONG, onde fazia atividades complementares à escola.
Essas “crises de nervosism o” consistiam em torcer as mãos, chutar objetos e
pessoas, jogar objetos para cima, agredir verbalmente e murmurar coisas difíceis
de compreender. Quando se acalmava, chorava muito e preferia ficar sozinho.
Em casa, costumava ir para o quarto e chorar. Algumas vezes, a mãe lhe fazia
GROUPS
companhia e conseguia acalmá-lo, conversando com ele.
1 Dados pessoais e detalhes de alguns episódios foram modificados para impedir a identificação dos
envolvidos
2 Será adotada esta denominação aos comportamentos de José, que serão descritos a seguir, afim de
facilitar a menção a eles no decorrer deste capítulo.
CASO JOSE
planejado para ser utilizado em outros gastos. Além disso, cedia às vontades do
filho e o repreendia por qualquer menção que a criança fizesse ao pai, além de
emitir falas desfavoráveis e insultos referentes a ele (o pai).
Quando José ingressou na escola, encontrou dificuldades de se adaptar a esse
ambiente. Não obedecia às solicitações da professora e não tolerava que fosse
repreendido por ela, emitindo comportamentos agressivos direcionados a ela e
aos colegas. Tais comportamentos consistiam em xingar, jogar coisas e bater ou
chutar pessoas que tentassem retê-lo fisicamente. Daí em diante começou a exibir
as “crises de nervosism o”.
A mãe era frequentemente chamada a comparecer à escola ou recebia ligações
em seu trabalho. Para não receber mais reclamações da escola, passou a tentar
INDEX
suprimir os comportamentos-aivo dessas reclamações, brigando e batendo
em José. Logo, as “crises” passaram a ocorrer em casa e em qualquer ambiente/
situação com regras, limites e/ou repreensões.
No seu dia a dia, o menino frequentava a escola pela manhã e a ONG ã tarde.
O trajeto entre a escola e a ONG era feito de perua escolar. Quando saía da ONG,
no final da tarde, José ia para a casa de uma amiga de sua mãe, onde ficava até a
noite. Quando chegavam a casa, a mãe ia arrum ar a casa e José ficava assistindo
BOOKS
à TV. Quando ela finalmente ia fazer companhia ao filho, este já estava dormindo.
Nos fins de semana, Ana Maria dormia muito tempo e pouco interagia com o filho.
O pai morava perto da casa deles, mas não o visitava. A criança ia algumas vezes à
casa do pai, cujas visitas eram pouco frequentes.
Comportamentos autoritários
• M andar no terapeuta, dizendo como ele tinha que agir durante as
brincadeiras. Na maioria das vezes, fazia isso em tom de voz bravo ou
aos gritos.
• Reclamar de alguma coisa que o terapeuta fez durante a sessão.
CASO JOSÉ
Comportamentos opositores
• Infringir regras das brincadeiras, principalmente quando estava perdendo
em jogos competitivos.
• Queixar, reprovar, gritar, acusar e discutir com o terapeuta ante uma
demanda, falas que deveriam ter função empática ou quando ele lhe
desagradava em algo.
• Ignorar solicitações.
• Recusar-se a falar de temas que lhe produziam sentimentos negativos, por
exemplo, a escola.
INDEX
nervosism o’’ que a mãe relatava ocorrer em casa e na escola: parou de brincar,
sentando de braços cruzados em um canto; não respondia aos apelos do terapeuta
para saber o que estava acontecendo e sua expressão facial mostrava que estava
bravo; esfregava as mãos e resmungava algumas coisas impossíveis de entender.
Em contrapartida, José já apresentava alguns comportamentos de melhora em
sessão, embora em baixa frequência:
BOOKS
• solicitava e oferecia ajuda;
• conversava animadamente;
• aceitava sugestões.
GROUPS
• Resolver conflitos de modo eficaz.
TERAPIAANALÍTICO-COMPORTAMENIAI
Análise Funcional
CA^Ü JOSL
limites claros com que Ana Maria criava o filho, com inconsistências no modo de
a mãe consequenciar o comportamento do filho, sobrevinha do fato de que ela
se comportava sob forte controle de audiência externa. Assim, preocupava-se
com o julgamento das pessoas a sua volta e com possíveis repreensões que ela
pudesse receber por causa do comportamento do filho. Esse forte controle por
contingências sociais era o que provavelmente mantinha seu comportamento de
ceder às suas vontades quando este demonstrava qualquer sinal de irritação (pois
José, em outras ocasiões, já tinha gritado e chorado ante uma recusa da mãe a
comprar algum doce no supermercado, por exemplo), além de não o repreender
quando julgava necessário, evitando que ele ficasse nervoso e chamasse mais a
atenção das pessoas.
INDEX
Pode-se afirmar que Ana Maria também apresentava certa “percepção limitada”
dos comportamentos e necessidades do filho. Sendo o tema do pai de José muito
doloroso para ela, acabava por punir qualquer menção que a criança fizesse a ele,
respondendo prioritariamente ao seu sofrimento, e não ao comportamento do
filho. Ana Maria não percebia a tristeza do menino pela ausência do pai, não o
confortando nesses momentos. Desse modo, José não desenvolveu repertório de
expressão emocional adequado, uma vez que a mãe não reforçava a expressão
BOOKS
emocional do filho. Por outro lado, por vezes punia essa classe de comportamento.
Na escola, ingressando em um ambiente mais estruturado, com regras
mais estabelecidas/rígidas, José não possuía repertório bem desenvolvido
de seguimento de regras, resolução de conflitos, expressão emocional e
colaboração, o que tornou difícil sua adaptação e culminou no surgimento
das “crises”. Segundo o relato da mãe e dos educadores da escola, as “crises”
tinham como antecedentes recusas, repreensões e outras circunstâncias em
GROUPS
TERAPIAANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
que o antecedente não fora identificado. Durante os prim eiros seis meses de
atendimento, as consequências reforçadoras que mantinham as em issões das
“crises de nervosism o” eram pouco claras.
Nessa época, houve um período em que José se comportara bem, de acordo com
os parâmetros da escola, cessando as reclamações acerca de seu comportamento.
No entanto, José, após aproximadamente um mês, voltou a apresentar respostas
de infração às regras e “crises de nervosism o” na escola. Diante disso, é possível
supor que as consequências fornecidas pela escola a esses comportamentos
foram eficazes como punição. Entretanto, como respostas alternativas aos
114 com portam entos-problem a não foram ensinadas, uma vez retirada a punição,
CASO JOSÉ
ele voltou a apresentar tais comportamentos. É importante enfatizar que, a essa
altura, o menino já estava rotulado pela escola como “aluno-problem a” e nenhum
comportamento considerado adequado que ele emitia era reconhecido pelos
educadores. Além disso, em casa, a mãe passava pouco tempo com o menino;
logo, em nenhum dos dois contextos, ele tinha oportunidades de desenvolver
outros comportamentos que resultassem em interações mais positivas.
Após seis meses de atendimento, uma consequência em longo prazo pôde ser
identificada: a desistência em mudar o comportamento de José. Após o primeiro
semestre de atendimento, a escola ameaçou à mãe com a expulsão do menino
da escola. Ana Maria, no entanto, foi procurar orientação no Conselho Tutelar,
resguardando os direitos do filho.
INDEX
Em uma das duas visitas realizadas à escola, em que foi realizada observação
direta do comportamento de José em sala de aula e no refeitório, foi possível
constatar outro tipo de desistência da professora e coordenadora em relação a
ele: deixavam que ele fizesse o que quisesse, desde que ele não ficasse nervoso e
tivesse “crises" Na Tabela 1, é possível observar alguns exemplos dessa chamada
desistência, que acabava por fortalecer com portam entos-problem a de José.
BOOKS
GROUPS
TERAPIA ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
CASO (ÜSE
INDEX
Vai ao banheiro e
acabar de comer passeia pelo pátio (S").
2. José pede. Professora
nega.
BOOKS
2. José pede que seja
ajudante, o que lhe é
negado.
Regra: para voltarem para Fica fora da fila, andando Fica passeando pelo
a sala depois do lanche, pelo pátio (ignora pátio (S,+).
todos devem ficar na fila. solicitação).
GROUPS
I LRAPIAANALIIICO-COMPOR IA.MLN [AL
CASO JOSL
Tríplice contingência da resposta de alia-se à professora e suas prováveis
consequências mantenedoras
INDEX
a professora ter dito que um tinha que ter apenas
cada aluno deveria ficar um. Levanta-se e entrega
com um. para professora.
A retirada de demandas para José fez com que não ocorressem oportunidades
BOOKS
para que a criança expressasse respostas de irritação e não emitisse as “crises de
nervosism o”. Em seu lugar ocorriam respostas de oposição e aliança à professora,
o que também fortaleceu um modo de interagir mais autoritário com os colegas
(Tabelas 1 e 2). A retirada de demandas não mudou a contingência em vigor nem
possibilitou que respostas consideradas mais adequadas fossem modeladas, 0
que propiciaria um melhor convívio entre José, a professora e os colegas de classe.
GROUPS
Em contrapartida, isso não ocorreu na ONG. Nas situações em que josé tinha
as “crises” ou tinha uma reação mais forte, as educadoras colocavam esse tipo de
l LRAPIA ANALÍTICO- C.OMPORTAMFIMTAL
CASO JOSÉ
Supervisão
No início do segundo ano de atendimento de José, quando o terapeuta contou
em supervisão, a primeira sessão daquele ano não apresentou nenhum conteúdo
relevante. A supervisora descreveu o comportamento do terapeuta e perguntou
o que estava acontecendo. Diante da questão, o terapeuta disse que estava
indo para as sessões, desde o ano anterior, muito apreensivo, e que percebia
que evitava fazer intervenções com medo das reações do cliente. Discutiram-
se, portanto, as interações e os impactos que cada membro da díade terapeuta-
cliente tinha um no outro.
Na Tabela 3 são apresentados os com portam entos-problem a de José que
produziam esses sentimentos negativos no terapeuta e as consequências
fornecidas a esses comportamentos.
INDEX
Ta b e l a 3
Tríplice contingência dos comportamentos-problema em sessão (CCR1)
CCR 1: O p o r-s e
Antecedentes
Terapeuta ganhando.
Respostas
Opor-se.
Consequentes
BOOKS
Demanda para rodada (Sr*).
respeitaras regras. Eliminação de demanda (S'_) -
Terapeuta permanece em silêncio.
Terapeuta ganhando. Opor-se. Atenção, conversa, ganhar jogo ou
Demanda para rodada (S'*).
respeitaras regras. Eliminação de demanda (S ) -
Terapeuta permanece em silêncio.
GROUPS
TF RAPIA ANALÍTICO COM PORTAM F NTAL
CASO JOSÉ
CCR 1: I n t e r a g ir d e m o d o a u t o r it á r io
INDEX
pegar uma carta.
BOOKS
Terapeuta bate a Manda, gritando, Terapeuta explica-se e arruma os
perna na mesa e ele arrumar 5
bonecos ( ,+).
derruba bonecos
de animais que José
estava arrumando.
GROUPS
e um modo de interagir autoritário em brincadeiras competitivas e, por vezes,
TERAPIAANALÍIICO-COMPOKIAMLNTAL
s
CASO JOSF
cabeça), José apresentou a "crise”. Após algumas tentativas de conversar com José,
o terapeuta permaneceu em silêncio. Em certo momento, a criança, assustada
com a persiana que caiu, olhou para o terapeuta, que fez uma nova tentativa
de conversar com ele, a qual foi bem-sucedida. No diálogo estabelecido, uma
fala chamou a atenção: Eu não consigo fazer nada e você consegue fazer tudo. O
terapeuta perguntou se ele estava bravo por causa do quebra-cabeça que ele não
tinha conseguido fazer, e ele confirmou.
Com o decorrer dos atendimentos, ocorreram também emissões de reações
mais fortes, semelhantes topograficamente às crises, mas com intensidade menor.
Isso fez com que o terapeuta passasse a evitar intervenções que provocassem em
José mais comportamentos opositores, atuando como foi observado na Tabela 3:
INDEX
o terapeuta por vezes permanecia em silêncio ante um comportamento-problema
de José, eliminava demandas, conversava com ele explicando seu comportamento
e acatava pedidos feitos de modo autoritário e agressivo, como maneira de se
esquivar/fugir de confrontar ou contrariar o cliente.
Entretanto, em supervisão, o terapeuta acabava por se limitar a contar os
com portam entos-problem a do cliente sem focar a sua inabilidade de lidar com
esses comportamentos e os sentimentos que eles provocavam. Apesar de perceber
BOOKS
que havia sentimentos negativos presentes, ele não conseguia descrevê-los com
precisão. Além disso, não percebia que muitos de seus comportamentos geravam
mais oposição no cliente. Ou seja, as intervenções que visavam ao seguimento de
regras e interagir de modo colaborativo acabavam por enfatizar o certo e 0 errado,
além de o terapeuta questionar recorrentemente 0 modo de agir de José, 0 que
pode ser verificado nas seguintes interações:
GROUPS
TERAPIAANALITICO-COMPORTAMENTAL
In t e r a ç ã o 1
Em uma rodada, ele pegou um monte de peças, sendo que deveria
pegar apenas três.
Terapeuta: Mas você pegou um monte. Não vai fica r mais difícil assim!1
Cliente: Deixa.
T.: Tá difícil aqui! (Depois de um tempo procurando.)
C.: Deixa.' Eu consigo achar tudo isso aqui.
T.: Você sabe é?1.
C.: £.
In t e r a ç ã o 2
T: Com plicado esse jogo né?!
C.: Eu tô ganhando toda vez.
In t e r a ç ã o 3
T: Um peão tem que se sair melhor que 0 outro? É isso?
C.: É.
INDEX
T.: Por quê?
C.: Para ver quem ganha. E se quebrar perde. Quem quebrar p or ú/timo
ganha.
T.: E por que é importante ganhar?
C.: Ah! Porque é.
T.: Você acha que só quem ganha é bom?
BOOKS
Não respondeu. Continuou jogando.
GROUPS
Com o tempo, as respostas de josé às intervenções do terapeuta acabaram
por punir comportamento deste, fazendo com que ele emitisse comportamentos
de fuga-esquiva em alta frequência. Logo, pode-se constatar que o terapeuta
estava em processo de desistência (ver no capítulo de supervisão a função dos
sentimentos na análise do caso), assim como a professora e a coordenadora da
escola, ou seja, o comportamento da criança estava produzindo em sessão a
mesma consequência que produzia em seu contexto escolar.
Com base nessa nova análise, acrescentou novos comportamentos-alvo
que deveriam ser desenvolvidos no repertório do cliente: habilidades sociais e
empatia. Esses novos comportamentos-alvo foram selecionados para q u e jo se e
0 terapeuta pudessem estabelecer interações mais satisfatórias, em que ambos
CASO JOSF
Intervenções
INDEX
Orientação à mãe
Durante o primeiro ano de atendimento de José, foram realizadas sessões
semanais de orientação com a mãe, Ana Maria. O terapeuta que realizava
essas sessões de orientação era diferente daquele que atendia a criança, o que
possibilitava que essas sessões fossem realizadas sistematicamente e ao mesmo
BOOKS
tempo que a criança estava em atendimento. Ambos os terapeutas, 0 que atendia
José e o que fazia a orientação com a mãe, participavam do mesmo grupo de
supervisão. Por ser uma orientação de pais, 0 fato de os dois terapeutas fazerem
parte do mesmo grupo de supervisão trazia benefícios, uma vez que as ações
de ambos os terapeutas poderiam ser coordenadas, além de as informações
coletadas com a mãe e com o menino ajudarem a complementar a análise (ver
no capítulo QuesíÕes re/ativas ao comprometimento na relação terapêutica para ver
GROUPS
situações em que uma supervisão em conjunto pode não ser aconselhável).
TFRAPIAANALÍIICO-COMPORTAMENTAL
INDEX
externamente a ele, como a observação de outros; (3) falar de assuntos
difíceis e sobre sentimentos negativos.
• Realizar com Ana Maria análises sobre os efeitos que o próprio
comportamento tinha no do filho, estabelecendo conexões funcionais.
Orientação à escola
BOOKS
No segundo ano de atendimento de José, três visitas à escola foram realizadas
mediante uma carta da escola, que solicitava o comparecimento do terapeuta para
a realização de uma “avaliação diagnostica”, afim de que a escola pudesse trabalhar
m elhor com ele. A carta dizia que José apresentava “problemas comportamentais
graves de agressão e desrespeito para com os educadores e colegas da escola" e
que o problema vinha se agravando nas últimas semanas.
Nas visitas realizadas, foram feitas reuniões com a professora e diretoria da
GROUPS
escola, além de observações em diferentes ambientes e m om entosdo período de
aula. Na primeira reunião, a professora pediu orientações, pois queria aprender
a lidar com José para não mais ser agredida por ele. Afirmou que a criança
m onopolizava brinquedos, queria ser sem pre 0 ajudante e o prim eiro da fila, não
aceitava o livro escolhido, indo contra a maioria da sala, saía frequentem ente
da sala e apresentava com portam entos agressivos, como jogar areia e gritar,
quando contrariado.
Algumas orientações foram dadas, como consequenc/artodas as ações de José,
tanto as apropriadas como as consideradas um problema. Para isso, foi enfatizada
pelo terapeuta a necessidade de a professora ter bem claros os comportamentos
que queria aumentar ou diminuir de frequência. Isso deveria ajudar também que
José com eçasse a discrim inar certo e errado, sendo conveniente sem pre avaliar
o que de fato seria importante manter nas regras e orientações e o que poderia
ser negociado.
Discutiram-se com a professora as suas atitudes diante de problemas que
apareciam envolvendo José, com a preocupação de reforçar as condutas emitidas
por ela que fossem consideradas apropriadas. Entre essas condutas, estavam
aquelas em que ela nâo dava oportunidade para que disputas de quem iria ajudá-
la acontecessem: ela entregava na mão da criança o que devia ser distribuído para
a sala, costumava sortear as coisas, como trabalhos feitos em conjunto, o ajudante
ou o livro que ia ser lido.
Essa discussão das condutas que tinha com José era importante também
INDEX
para auxiliá-la a não ficar sob controle de contingências punitivas, indicadas pelo
seu relato de que tinha medo dele, pois isso poderia fazer com que ela ficasse
permissiva demais ou dura demais. Além disso, ressaltou-se a importância de que
ele não fosse tratado de diferentemente de outras crianças e que não fosse visto
apenas com seus com portam entos-problem a mais fortes.
BOOKS
Pela definição de relação terapêutica, deve haver concordância entre terapeuta
e cliente a respeito dos objetivos terapêuticos e das tarefas para atingir tais
objetivos. Para conseguir essa concordância, o terapeuta leu para José o livro O
Primeiro Livro da Criança sobre Psicoterapia, de Nermiroff, M. A. e Annunziata, J. W
(1995). Após a leitura, 0 terapeuta tentou investigar o que José achava da escola,
mas sem resultados. Ele se mostrava triste, ao falar do assunto, porém contava
apenas coisas gerais da escola, nada específico com ele.
GROUPS
I : Você acha que tem algo que te preocupa muito? Existe algo que você acha
que as pessoas não entendem, que você queria que elas entendessem?
C.: Não.
I : E na escola? É tudo legal lâ?
C.: Quase.
T.: Por que quase? Tem alguma coisa chata lá?
C.: Tem.
I . O que tem de chato lá?
(Silêncio)
c ^ ° J05E
I : Você pode me contar. Eu estou aqui para te ajudar. Quem sabe nós dois
juntos não conseguim os mudar o que é chato?
(Silêncio e resmungo)
I : Você não quer me contar?
C.: Não é nada chato iá, mas tem coisa que é chata.
T: Me conta o que tem de legal e o que tem de chato lá. Me fala o que você
gosta e o que você não gosta.
(Silêncio. José ficou brincando com a massinha, enquanto o terapeuta
desenhava.)
Após um período de tempo, contou que uma coleguinha fez alguma arte e
INDEX
quase que a classe inteira não pôde ir ao parquinho. Disse que a professora deu
uma última chance naquele dia, mas que depois não ia dar mais nenhuma chance.
BOOKS
C.: A professora disse que quem bagunçar primeiro, todo mundo vai ficar
sem parque.
I ; É chato isso né?
C. : É.
Nessa interação, fica claro que José acreditava que as crianças não tinham
GROUPS
direito a opiniões, o que provavelmente era fruto de seu ambiente invalidante
TERAPIA ANALÍTICOCOMPORTAMENTAL
Na sessão seguinte, José contou pela primeira vez os problemas que havia na
escola. Isso ocorreu diante de um impasse, em que Ana Maria queria interromper
a terapia devido à dificuldade em sair do trabalho no meio do dia para trazer o
filho. O terapeuta conversou com a mãe sobre combinar um novo horário, mas
ela já tinha contado ao filho que ele não viria mais às sessões. Na sessão, José se
mostrou bastante insatisfeito e bravo com tal decisão da mãe e atacou verbalmente
o terapeuta, m ostrando-se incrédulo quando este contou que havia combinado
um novo horário com sua mãe e que ele continuaria vindo. Disse que o terapeuta
não ia conseguir resolver a situação e que também não sabia guardar segredos. Ele
se referia ao conteúdo do livro que o terapeuta leu para ele, que dizia que tudo que
acontece em sessão era segredo.
INDEX
O terapeuta, por sua vez, acolheu o garoto e perguntou qual segredo não tinha
sido guardado. O terapeuta interpretou essa fala do cliente como um teste em que
o cliente procurava uma garantia de que de fato guardaria seu segredo, ou para
certificar se ainda permaneceria disponível após esses ataques e, então, confiar
algo dele a ele. Essa interpretação parece estar de acordo com o relato de sua
professora da ONG, que disse que José costumava se esconder quando fazia algo
que desagradasse a educadores e pares. A criança chegou a dizer que se escondia
BOOKS
porque não queria ser repreendida. Para José, os adultos pareciam ter a função de
punidores, ao invés de educadores.
Uma vez que o terapeuta se manteve disponível e acolhedor, José acabou por
revelar que batia nas pessoas quando ficava bravo, e esse assunto foi discutido na
perspectiva de José quanto às consequências que esse comportamento produzia
e como ele se sentia a respeito dessas consequências.
GROUPS
A validação de sentimentos apresentada como uma das principais intervenções
realizadas com José pode ser operacionalizada da seguinte maneira: o terapeuta
emitia comportamentos verbais que descreviam a tríplice contingência da situação
relatada ou observada em sessão, ao mesmo tempo que (1) afirmava que as ações
ou sentimentos do cliente eram esperados ou apropriados à situação por ele
vivida ou (2) relatava sua experiência em situações semelhantes (nessa situação eu
também teria me sentido assim). Esse comportamento verbal criou oportunidades
para que José continuasse relatando sentimentos negativos e as situações que os
provocavam. As validações tiveram afunção de reforçar esses relatos, aumentando
sua ocorrência durante as sessões.
JOSE
Enquanto o objetivo era criar um ambiente acolhedor por meio da validação de
sentimentos, o terapeuta tinha como finalidade também modelar repertórios de
caso
auto-observação e resolução de conflitos. Assim, o terapeuta fornecia modelos de
resolução de conflitos à medida que eles aconteciam em sessão. Essas situações
criavam oportunidades para que José emitisse novos comportamentos que
pudessem ser reforçados. À proporção que esses comportamentos alternativos
eram emitidos, o terapeuta discutia a possibilidade de José agir daquela maneira
em seu ambiente natural e as consequências que ele poderia ter.
Para estruturar a sessão, um acordo foi feito: dividir a sessão em duas partes
- em uma, eles fariam uma atividade que o terapeuta propusesse; na outra, uma
atividade da escolha dele. Em cada sessão, eles tiravam à sorte quem escolhia
INDEX
primeiro. A princípio, ele se mostrou resistente a isso, mas, com o passar do tempo,
já iniciava a sessão com essa brincadeira da sorte.
A escolha das atividades pelo terapeuta inicialmente foram brincadeiras
cooperativas para fortalecer as respostas adequadas já apresentadas por ele e, ao
longo do tempo, foram sendo incluídas, progressivamente, atividades competitivas
para selecionar e fortalecer outros comportamentos alternativos ao modo opositor
BOOKS
e autoritário que costumava interagir. Dessa maneira, o planejamento feito para a
inclusão de atividades competitivas foi o seguinte:
• Ele ganha: modelo de como perder e de expressão de sentimentos.
• Aumento da dificuldade para ele ganhar e, posteriormente, ele perder:
descrição de comportamentos abertos de José e nomeação dos sentimentos
que esses comportamentos comunicavam; validação desses sentimentos;
modelo de como perder e expressar sentimentos.
GROUPS
Em todos os momentos, o terapeuta fornecia reforço diferencial para respostas
t e r a p ia a n a l ít ic o - c o m p o r t a m l n ia l
CASO JOSL
INDEX
comportamentos controlados por audiência externa baixaram de frequência, pelo
menos em relação ao filho.
Os efeitos dessa mudança de postura da mãe no comportamento de José (i)
levaram-no a contar à mãe as situações em que era repreendido na escola e a falar
mais sobre o pai; (2) e, ante uma repreensão da mãe, ao invés de se descontrolar e
se isolar como antes, a pedir que a mãe parasse de brigar com ele.
BOOKS
Em sessão, no decurso do processo terapêutico, a frequência de ataques
verbais ao terapeuta diminuiu e foi substituído por argumentações. José
mostrava-se bastante receptivo a orientações e solicitações. E, apesar de ainda
necessitar de certo grau de incentivo, começou a expressar, por meio de relato,
descontentamento, explicitando as razões para tal. Chegou, até mesmo, a contar
ao terapeuta alguns dos problemas que ocorriam na escola.
Quanto ao ganhar ou perder, as respostas de José de transgressão às regras
GROUPS
TERAPIAANALITICO-COMPORTAMtNTAL
CASO JOSE
Em observação realizada na escola, verificou-se que, durante as atividades
em sata, José permaneceu participativo todo o tempo e, quando tinha dificuldade
em alguma coisa, recorria aos colegas (mesmo isso não sendo permitido, o que
para ele consistia como melhora era, na verdade, o pedido de auxílio e, ainda por
cima, para os colegas). Ficou um pouco quieto quando errou uma coisa, mas, logo
em seguida, pediu que a colega conferisse e voltou a participar alegremente da
atividade.
Durante as brincadeiras (neste dia eles tinham trazido brinquedos de casa),
José emprestou sua bola aos colegas enquanto brincavam na sa'a de aula, com
os quais jogou no parquinho. No refeitório, sentou-se junto aos colegas e comeu,
INDEX
conversando com eles. Quando quis ir ao banheiro, pediu permissão antes, que foi
concedida prontamente.
Encerramento
José, após um ano e meio em atendimento, entrou em processo de alta, Foram
realizadas quatro sessões de foilow -up para acompanhamento da manutenção
dos comportamentos de melhora obtidos em sessão, além de reuniões na mesma
BOOKS
periodicidade com a mãe para acompanhar, por meio de seu relato, a manutenção
de seus comportamentos de m elhorae as situações cotidianas em casae na escola.
Nesse período, José apresentou o que poderíamos chamar de pequeno
resumo de seus comportamentos durante o processo terapêutico inteiro. No início
da primeira sessão de/oí/ow-up, o terapeuta propôs uma tarefa, mas josé queria
brincar. Nessa situação, José gritou e reclamou com o terapeuta. Em resposta a esse
GROUPS
comportamento de José, o terapeuta descreveu seu comportamento e nomeou o
ILKAPIA.ANALil ICO COMPORIAMLN IAL
CASO JOSÉ
INDEX
BOOKS
GROUPS
INDEX
BOOKS
GROUPS
INDEX
BOOKS
GROUPS
♦
S u p e r v is ã o
INDEX
Esses objetivos são importantes para guiar a atuação do supervisor, mas não
explicitam outros pontos mais específicos, e de grande importância, da supervisão
que não devem ser negligenciados, como aqueles referentes à relação terapêutica
e à intimidade que se cria nessa relação.
Summers e Barber (2003) realizaram um levantamento bibliográfico dos
trabalhos que visaram a estudar o treinamento das habilidades necessárias
do terapeuta para 0 desenvolvimento de uma boa relação terapêutica. Eles
BOOKS
constataram que 1) a capacidade de desenvolver uma boa relação terapêutica é
uma habilidade que pode ser desenvolvida durante o treino e pode melhorar, por
meio da aquisição de habilidades específicas, maior experiência clínica e realização
de conceituações de casos mais complexas; 2) psicólogos tornam-se mais focados
na relação terapêutica com o aumento da experiência clínica; 3) há determinados
aspectos da relação terapêutica, como o estabelecimento de metas e tarefas que
GROUPS
são mais facilmente aprendidas do que outros, como a criação de vínculo; e 4)
há fatores preexistentes no terapeuta que afetam sua capacidade de desenvolver
uma boa relação terapêutica com 0 cliente.
Tanto como 0 método de formação de terapeutas ou como um lugar onde
0 terapeuta poderá discutir questões acerca de impasses que ocorrem na sua
relação com o cliente, afim de solucionar possíveis rupturas na aliança terapêutica,
a supervisão tem sido o instrumento mais utilizado nas mais diversas abordagens
psicoterapêuticas para garantir o bom desempenho de terapeutas {Omer, 1997;
Follette & Batten, 2000; Moreira, 2003; Callaghan, 2006; Tsai et al., 2009).
nosso grupo
INDEX
Analisar é o foco da supervisão e é habilidade aprendida
Temos priorizado 0 desenvolvimento do repertório que consideramos
fundamental para o atendimento clínico: 0 de analisar. Ao aprender a identificar as
informações relevantes e estabelecer relações entre elas 0 terapeuta não aprende
a atender apenas a um caso específico. Além disso, um caso, ao ser discutido em
supervisão, dá modelos de análises e procedim entos a serem usados em outros
BOOKS
que são similares funcionalmente. A discussão de um caso, portanto, auxilia
em outros, não havendo a necessidade de discutir todos eles semanalmente. A
completude da análise é critério mais importante que sua frequência, e a ausência
da pressão de tempo de cobrir todos os casos tem sido avaliada favoravelmente.
Uma pauta é estabelecida no início da reunião, e os itens priorizados são os casos
que estão no início e aqueles em que existem questões do cliente que se mostram
bastante urgentes ou que a relação terapêutica está num impasse, podendo levar
GROUPS
TERAPIAANALIHCO COMPQRTAMENTAL
SUPERVISÃO
embasá-las com os relatos do cliente e com suas observações feitas em sessão. É
desse modo que a aprendizagem de análise vai sendo refinada.
Há uma grande participação do grupo e do terapeuta na realização das
análises dos casos. Tal postura é pnorizada pela supervisora a fim de que todos
tenham a oportunidade de falar e emitir comportamentos a serem modelados.
Uma análise mais incipiente vai ganhando corpo à medida que perguntas são
realizadas, suscitando maiores reflexões e estabelecimento de relações mais
complexas. O interesse demonstrado por todos, por ser genuíno, cumpre a função
de reforçador natural, que possui vantagens em relação a reforçadores arbitrários
{elogios, notas, entre outros), por selecionar a classe de resposta mais ampla de
analisar e participar da análise do caso e levar em conta o repertório já existente do
INDEX
terapeuta e demais membros do grupo {Kohlenberg & Tsai, 2001).
BOOKS
1.1.1 Várias formas de contato com a sessão
O terapeuta escrever relatórios e o supervisor e colegas lê-los podem favorecer
a realização de outras análises que por vezes não surgiriam apenas com 0 relato do
caso em supervisão; da mesma forma, a transcrição e/ou a observação das sessões
por espelho unidirecional ou por vídeos podem permitir a percepção de aspectos
diferentes, sendo todas informações disponíveis para o próprio terapeuta, para o
GROUPS
supervisor e para os colegas de supervisão.
1LRAPIAANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
♦
SUPERVISÃO
INDEX
Em nosso grupo de supervisão, entende-se que o terapeuta é a melhor fonte de
informações, um avezq u ee le e stáe m contato com oclientee com as contingências
em vigor nas sessões. O reconhecimento de que o terapeuta, mesmo iniciante,
detém conhecimento privilegiado por estar em contato com as contingências
da sessão dá ocasião para exclamações como a citada na carta ao supervisor, na
introdução deste livro (Quanta coisa eías sabem/). É esse mesmo reconhecimento
que governa nosso comportamento de fazer uso mínimo de intervenções diretivas
BOOKS
sobre como o terapeuta deve conduzir-se em sessão. O supervisor e o grupo
evitam emitir análises antes da coleta de informações sobre o caso, priorizando as
perguntas e facilitações do relato do terapeuta. Perguntas são feitas ao terapeuta
sobre como ele se sente em relação ao cliente e/ou sobre a opinião que tem dele.
São também valorizados sentimentos e a opinião dos participantes do grupo (mas
este recurso vai ser mais bem explorado em “trabalhar o sentimento do terapeuta
GROUPS
na sessão e na supervisão”).
TRAPIA AMAI ÍTICO-COMPORTAMENTAL
INDEX
Isso, adicionado aos comentários e perguntas realizados pelo supervisor, auxilia 0
terapeuta a ampliar seu repertório de auto-observação, ou seja, as contingências
necessárias para o desenvolvimento desse repertório verbal ocorrem quando
a comunidade da supervisão faz perguntas do tipo: “O que foi que você disse?1’’;
“Você disse isso?”; “Por que você disse isso?”. Em última instância, o terapeuta
aprende a fazer a mesma coisa com seus clientes.
BOOKS
O supervisor fica atento a ocorrências de edição, de lapsos, de autoclíticos, ou
de quaisquer outros indicadores de interferências na confiabilidade do relato e que
pode comprometer a análise do caso. Ao percebê-los, pode apontá-los ao terapeuta,
que passa a ter maior probabilidade ser controlado pelos mesmos estímulos.
Se o terapeuta estiver usando muitos autoclíticos, estes poderão amenizar
uma resposta que tem probabilidade de ser punida {o que indica a presença de
uma audiência potencialmente punitiva). O supervisor ou colegas podem ter-se
GROUPS
estabelecido como uma audiência aversiva, que sinaliza punição. Já um número
pequeno de autoclíticos presentes às falas do terapeuta pode indicar a estabilidade
SUPERVISÃO
INDEX
nossa experiência que o supervisor e colegas devem persistir no processo, já que
um repertório mais complexo controlado por variáveis mais sutis tende a aparecer
Descrever o caso em atendimento, além de produzir questionamentos, análises
e sugestões da audiência, tem uma função importante sobre o próprio falante: 0
terapeuta. O falar organiza, isto é, ao falarmos, identificamos os SDs a que estamos
respondendo. Descrever as situações também suplementa as contingências
em vigor, e, quando uma situação semelhante acontecer novamente, será mais
BOOKS
provável que saibamos como agir e também descrever o ocorrido. A descrição
passa, portanto, a controlar nosso comportamento.
GROUPS
reforçamento em vigor no andamento da sessão (Banaco, 1993; Braga &
TERAPIA ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
INDEX
no seu ambiente natural, pois isso manteria 0 problema (Banaco, 1993, 1997;
Meyer & Vermes, 2001). Dessa maneira, descrever sentimentos e as situações
nas quais esses sentimentos aparecem e realizar uma análise que englobe essas
informações facilita 0 autocontrole por produzir estímulos discriminativos verbais
adicionais, que servirão de estimulação suplem entar para atuação do terapeuta
nas sessões subsequentes.
Um caso atendido por um terapeuta de nosso grupo pode ilustrar os efeitos
BOOKS
positivos do trabalho em supervisão com sentm entos. No início do segundo ano
de atendimento de José (ver capítulo para descrição do caso), quando o terapeuta
contavaa primeira sessão daquele ano em supervisão, suafalase mostrava reticente,
isto é, não apresentava nenhum conteúdo relevante. A supervisora descreveu 0
comportamento do terapeuta para investigar o que estava acontecendo. Diante
dessa devolutiva, 0 terapeuta pôde perceber que estava indo para as sessões,
desde o ano anterior, muito apreensivo e evitando fazer intervenções - estava
GROUPS
esquivando-se de prováveis comportamentos impositívo-agressivos do cliente.
O terapeuta possuía sentimentos negativos em relação ao seu cliente e estava
atuando sob controle das contingências aversivas em sessão, uma vez que estava
entrando em processo de desistência: deixava de intervir e produzir situações em
que comportamentos de melhora pudessem aparecer e serem reforçados. Trazer
essa problemática àtona oajudou ain clu irn aan álise seus sentimentos em relação
ao cliente, a fim de que fosse possível alterar os tipos de intervenções emitidos
para os comportamentos que geravam esses sentimentos. Pode perceber
também que muitos de seus comportamentos geravam mais oposição além de
que ele acabava por reforçá-los também. A intervenção realizada em supervisão
foi compatível com uma supervisão FAP (Callaghan, 2006; Tsai et al., 2009),
em que o supervisor deve observar e até mesmo evocar os com portam entos-
problema do terapeuta, que podem com prom eter o processo terapêutico. Tais
comportamentos devem ser diretamente abordados para ajudar o terapeuta a
ser mais eficaz em suas intervenções.
No caso de José, o terapeuta que o atendia possuía déficit, de acordo com
a análise de Callaghan {2006) e Tsai et al. (2009), nos repertórios de afirmar
necessidades, perceber o impacto de seu comportamento no cliente e deste no
próprio comportamento, lidar com conflitos e experimentar e expressar emoções.
O terapeuta em supervisão limitava-se a contar os com portam entos-problem a
do cliente sem focar a sua inabilidade de lidar com esses comportamentos e os
sentimentos que eles provocavam.
INDEX
O caso mostra também a importância de o terapeuta ficar atento às próprias
reações não verbais: primeiro como pista de processos comportamentais ocorrendo
na sessão e segundo com o fontes adicionais de controle do comportamento do
cliente. E bastante comum que clientes respondam a alterações até mesmo sutis do
comportamento não verbal do terapeuta. Um sorriso, um desvio de olhar, um olhar
de estranhamento podem ter consequência poderosa para o comportamento do
cliente na sessão (Meyer et al., 2008).
BOOKS
3 No processo de modelagem da habilidade de analisar, cada
supervisionando se torna supervisor do outro
Em nosso grupo de supervisão, todos participam de modo bastante ativo
da análise de todos os casos. Esta participação é solicitada e reforçada pela
supervisora, ao ouvir com atenção e indicar que a contribuição de cada um é
GROUPS
necessária. As diferentes pessoas do grupo de supervisão podem entrar em
contato com diferentes variáveis do relato do terapeuta, e assim a contribuição
de cada uma delas possibilitará enxergar mais de uma perspectiva do caso. Aquela
que fizer mais sentido será selecionada, sendo possível até mesmo que mais de
uma perspectiva seja levada em consideração. Assim, produzir diferentes análises
possibilitará que uma análise mais consistente seja construída.
Por vezes, um membro assiste à sessão do outro pelo espelho unidirecional, a
fim de que 0 terapeuta possa ter outras impressões e, juntos, possam realizar as
primeiras análises antes da supervisão. Também é possível que isso ocorra quando
o terapeuta leva a sessão gravada em DVD para a supervisão e o grupo utiliza esse
material como fonte adicional para a analise do caso.
INDEX
caso, mas também se configurou como alto nível de exposição, que só foi possível
por encontrar uma audiência que permitisse tal relato.
Cordova e Scott (2001) apresentaram uma proposta de conceituação de
intimidade de acordo com a Análise do Comportamento, em que se entende
intimidade como um processo que se desenvolve de uma sequência de eventos
em que comportamentos passíveis de punição por outra pessoa não são punidos,
BOOKS
e sim reforçados. Tendo como referência esse conceito de intimidade, entende-
se que, no grupo de supervisão, um importante ingrediente que deve existir
para o trabalho funcionar é intimidade. Obviamente, não necessariamente essa
intimidade precisa ocorrer em todos os âmbitos da vida de seus membros, mas,
sim, no contexto de supervisão de casos clínicos. Por isso, 0 supervisor deve cuidar
com 0 grau de exposição que um terapeuta vai ter, ao contar seu caso, ajustando
ao grau de intimidade que percebe no grupo. Não deve permitir que 0 terapeuta
GROUPS
se exponha demais se perceber um grupo não receptivo a isso. Por essa razão, foi
criado 0 critério para entrada e permanência no grupo: cada participante deveria
atender pelo menos a um caso, como citado na introdução deste livro, sobre 0
funcionamento do grupo.
Uma experiência desagradável ilustra o cuidado que é necessário ter, ao assumir
o risco de se expor. Em um congresso, o grupo participou de uma mesa redonda
com 0 tema supervisão. Um dos terapeutas apresentou seu caso e analisou a
importância do processo de supervisão de nosso grupo na condução de seus
atendimentos. Como se tratava de um caso difícil, o terapeuta acabou expondo
muitos sentimentos negativos e muitas dificuldades que encontrou no andamento
das sessões e isso não foi bem recebido por alguns da audiência. Ouviu-se o
SUPLRVISÃO
INDEX
supervisões, aulas e leituras, o aluno ou psicólogo entrará em contato com o
conhecimento na form a de teoria, técnicas e regras, que o auxiliará no contexto
clínico. Ao se expor à situação terapêutica, esse conhecimento será posto à prova
e selecionado com base nas contingências em vigor nas sessões.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, transtornos mentais afetam
centenas de milhões de pessoas que, se não tratadas, criam um tributo enorme
em deficiência, sofrimento e perdas econômicas (World Health Organízation and
BOOKS
World Organízation of Family Doctors, Wonca, 2008). Tal demanda torna difícil
justificar que o terapeuta, em sua formação, tenha seu repertório profissional
modelado apenas pelas contingências. Dados da pesquisa básica da análise
do comportamento comprovam que regras facilitam a aquisição de novos
comportamentos, principalmente em situações em que as contingências são
complexas, imprecisas ou aversivas (Matos, 2001; Meyen 2005), como acontece na
situação clínica.
GROUPS
TtRAPIAAIMALiTICO-COMPORÍAMLNlAL
SUPLRVISÃO
necessário recorrer á literatura de outras áreas e ao DSM-IV (APA, 2004) para
conhecer o diagnóstico, prognóstico, tratamento e padrões de comportamento
relacionados ao transtorno.
Esse conhecimento foi importante, pois ajudou a organizar os dados que
vinham sendo coletados na terapia, além de levar a uma compreensão de que as
frequentes melhoras e recaídas da cliente eram esperadas diante dos padrões
de comportamento característicos do Transtorno de Personalidade Borderline,
reduzindo, assim, a frustração do terapeuta.
Outras fontes de informação fora da área da Psicologia também podem
ser bastante úteis para com por a análise dos casos em supervisão. Isso pode
INDEX
ser observado no caso de José. Devido aos problemas de comportamentos
apresentados pelo cliente na escola, a diretoria ameaçou expulsar 0 menino.
Tanto o terapeuta quanto 0 grupo de supervisão realizaram pesquisas sobre a
legislação na área da educação a fim de melhor orientar a mãe. Esse exemplo
mostra também a importância de conhecer a legislação para defender os direitos
do cliente. No caso de João, a literatura provinda de outras abordagens teóricas
BOOKS
também foi fundamental.
GROUPS
rERAPIAANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
INDEX
BOOKS
GROUPS
A n á l is e f u n c io n a l d o c o m p o r t a m e n t o
INDEX
manipulará ou identificará (antecedentes e consequentes) para observar suas
relações com a sua variável dependente: a resposta ou ação do organismo.
O objetivo deste texto é apresentar algumas formas pelas quais a proposta
de análise funcional direcionou a atividade de atendimento clínico e a supervisão
em terapia analítico-comportamental do nosso grupo. O texto não se propõe a
fazer uma revisão do conceito de anãhse funcional no contexto clínico. Ao final do
capítulo, há uma bibliografia sugerida para essa finalidade.
BOOKS
Os pontos que o texto pretende abordar, com auxílio de exemplos discutidos em
nosso grupo, são os seguintes: (a) a análise do comportamento faz parte de nossos
repertórios verbais abertos e encobertos, não consistindo em procedimento
aplicado apenas em alguns momentos; (b) há a preferência por análises molares; (c)
0 momento de sistematizarmos análises funcionais é 0 momento em que fazemos
ponte com os princípios de aprendizagem; (d) maior ênfase é prestada à análise do
que à sugestão de procedim entos e de técnicas; (e) sentimentos e pensamentos
GROUPS
do terapeuta fazem parte dos dados para conceituar 0 caso por ele atendido; e (f)
importância da elaboração de tabelas com contingências de três termos.
INDEX
anteriormente recorrentes diminuem de frequência. Com essa melhora, outros
temas passam a ser abordados e novas análises se fazem necessárias. Também
é possível que alguns comportamentos avaliados inicialmente como melhoras
sejam depois avaliados como um problema. Comportamentos aparentemente
assertivos podem passar a ser avaliados como agressivos, ao se conhecerem mais
ocasiões e contextos em que eles ocorrem.
Continuamente nos perguntamos se sabemos qual é o comportamento que
BOOKS
é problema para o cliente e quais os antecedentes e consequentes que exercem
influência sobre ele. Sendo assim, fazemos várias perguntas e intervenções para
obter respostas. Durante o próprio atendimento, simultaneamente ao diálogo
aberto fazemos de form a encoberta tabelas com os três termos da contingência.
Em alguns casos fazemos tais tabelas no papel e as mostramos para o cliente como
form a de ensiná-lo afazer análise funcional do próprio comportamento. Fora da
GROUPS
TFRAPIA ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
Análise molar
Quando obtemos informações sobre respostas específicas, seus antecedentes
e consequentes, formulamos uma análise funcional molecular. Entretanto,
comportamentos individuais são frequentemente membros de classes
funcionais mais amplas. Essas classes são agrupamentos de comportamentos
que compartilham a mesma função, mesmo com topografias diferentes. A
-146 identificação desses agrupamentos ou classes requer repetidas observações de
m m
INDEX
descrições fiéis de fatos (tatos) ou que o cliente não esteja nos contando tudo
(edição). Novas hipóteses funcionais podem então ser formuladas quanto à classe
funcional mais ampla à qual esses relatos ou fatos relatados pertencem.
Perguntamo-nos também quais reforçadores molares controlam os diversos
comportamentos relatados pelo cliente. Um importante exemplo de reforçador
molar é a aprovação social generalizada que pode controlar comportamentos
BOOKS
que produzam relações sociais agradáveis e amenas, mesmo se essa aceitação
social trouxer perdas de outras consequências reforçadoras mais diretas.
Outra grande classe de reforçador molar é a retirada de estímulos associados
a ameaças e perigos que controlam ciasses molares de respostas de esquiva e
agressão defensiva (Farmer, 2005). De acordo com Miltenberger (2005), existem
quatro classes de reforçamento que podem manter comportamentos-problema:
(1) reforço positivo social que envolve atenção, reforços tangíveis ou 0 acesso
GROUPS
a atividades preferidas; (2) reforço negativo social que ocorre quando outro
TERAPIAANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
m .:
ANALISL PUNCIONAL DO COMPORTAMENTO
INDEX
aplicados diretamente ao com portam ento-problem a e intervenções voltadas para
0 autoconhecímento têm, por vezes, sido a nossa escolha.
Ao ouvirmos o relato de um problema, nem sempre sabemos a que classe
de comportamentos ele pertence. O evento relatado pode ser um progresso, ou
não, e o modo como 0 categorizamos influenciará a condução da terapia. Uma
das sessões da cliente Regina, um dos casos apresentados neste livro, exemplifica
a dificuldade de tomada de decisão do terapeuta e do grupo de supervisão e,
BOOKS
ao mesmo tempo, a importância dessa decisão. Quando Regina contou ao seu
terapeuta que tinha sido demitida do emprego do qual nunca tinha gostado,
não foi fácil identificar se esse era um exemplo de suas dificuldades (e qual
de suas dificuldades) ou se era exemplo de alguma melhora, já que agora ela
poderia, finalmente, procurar um trabalho melhor. Na discussão em supervisão,
acabou sendo identificada uma dificuldade, a da falta de habilidade de Regina de
GROUPS
solucionar problemas. O problema a ser solucionado por ela, nesse episódio, era
TERAPIAANALÍTICO-COMPORIAMLNTAI
o de encontrar um novo trabalho ou atividade, e isso era o que ela, de forma bem
incipiente, vinha planejando nas semanas anteriores. Mas, ao invés de seguir seu
planejamento, Regina criou situações no trabalho que culminaram com o pedido
do chefe de que ela se afastasse. Nenhuma solução foi possivelmente atingida,
mas provavelmente a cliente produziu uma nova história de fracasso.
Identificar a dificuldade não constitui uma análise funcional completa, assim, era
necessário também saber que variáveis eram responsáveis pelo comportamento
ser fraco. Poderiam existir reforçadores que eram mais fortes do que o levar
adiante as metas que a cliente havia proposto? Levantamos a hipótese de que
148 o seguimento dos planos que solucionariam problem as fosse um repertório
INDEX
havíamos formulado. Isso foi feito pela identificação de que as respostas que
levaram à demissão pertenciam à classe molar de dependência (a cliente produzia
ajuda com frequência) associada ao não desenvolvimento de habilidades de
solução de problemas.
BOOKS
nossas análises e predições
Ao conduzirm os, aberta ou encobertamente, análises funcionais, m oleculares
ou molares, fazemos suposições sobre o efeito que variáveis ambientais
tiveram no passado e poderão ter sobre os com portam entos analisados. O
conhecim ento dos princípios de aprendizagem fornece a base dessas análises
e suposições. É com base nesses princípios que podem os afirmar que, se um
com portam ento está forte, ele está sendo reforçado. Se alguém conclui que uma
GROUPS
pessoa estava se autopunindo, ao se automutilar, sabemos, de acordo com os
TFRAPIAANALÍTICO-COMPORTAMENIAL
princípios de aprendizagem, que isso não é possível. Um com portam ento não
pode estar forte se ele está sendo punido. Devem existir reforçadores, e são
esses que vam os procurar.
No caso de automutiiação, verificaríamos algumas possibilidades: se a
pessoa está obtendo como reforçadores atenção e privilégios, ou se a liberação
de endorfinas está produzindo prazer e ajudando a manter a resposta. No caso
de cortes serem feitos em partes expostas do corpo, como o pulso, o que será
mostrado ao namorado após alguma briga, podemos levantar a hipótese de
que a resposta esteja sendo mantida por aproximação do namorado. Mas, se
a automutilação ocorre de forma escondida, em local não visível do corpo, 149
INDEX
“p edidos considerados absurdos no trabalho”, na coluna de respostas colocou
“respostas agressivas” e, na coluna dos consequentes, "afastam ento das
pessoas". Com o isolam ento social era uma das queixas do cliente, o afastam ento
das pessoas seria uma estim ulação aversiva e não poderia, portanto, ser a
consequência reforçadora m antenedora das agressões. No máximo, poderia
ser a condição aversiva que fez o cliente procurar terapia, ou seja, poderia ser
considerada uma operação estabelecedora antecedente. Para procurarm os
BOOKS
quais poderiam ser as consequências m antenedoras, poderíam os perguntar
se havia dem andas que estavam sendo retiradas em consequência do
com portam ento agressivo (reforçam ento negativo), ou se havia, mesm o que
intermitentemente, m aior gentileza dos outros após um episódio de agressão
(reforçam ento positivo intermitente).
O conceito de operação estabelecedora e o conhecimento de algumas
GROUPS
propriedades de estímulos reforçadores podem dar respaldo a decisões na
TERAPIA ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
INDEX
com portam ento de sedução) e se, conform e os pressupostos da FAP, também
ocorriam em sessão e se havia relação com esquiva de relato de fracassos. A
hipótese ganhou força, entre outras coisas, com a seguinte constatação: durante
algumas sessões, foi trabalhado o autocontrole diante de situações em que a
procura sexual poderia ocorrer. O procedim ento até produziu resultados, mas
os efeitos, e mesmo a aplicação do procedim ento, tiveram pouca duração. Já,
BOOKS
ao conseguir com que o cliente falasse sobre as dificuldades de relacionam ento
e de trabalho, ocorreram dim inuições espontâneas nos relatos de conquistas
sexuais em sessão.
Dados de história de vida também ajudaram na formulação da hipótese. João
relatou ter sido um menino prodígio na infância em ambiente pobre. Entretanto, era
fácil constatar que não era mais um prodígio no ambiente competitivo profissional
no qual convivia. Então, a maior parte dos comportamentos de João era mantida
GROUPS
pela admiração que ele produzia. Em si esse reforçador não é um problema, e
TERAPIA ANAL ÍTiCG-COMPORTAMFNTAL
INDEX
de forma similar ao pesquisador básico que á governado pela regra “os sujeitos
experimentais têm sempre razão”. Em casos de medo, perguntamo-nos por que o
medo esta aí; e, se o medo for eliminado, o que sobrará? O raciocínio é semelhante
ao da escritora Clarice Lispector, ao afirmar que “até cortar os nossos defeitos pode
ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício” (2002,
p.165). Ou seja, damos ênfase à análise, e não aos procedimentos. Ao analisarmos
nossas supervisões e ao compará-las a outras supervisões de q u e já participamos,
BOOKS
damo-nos conta de que pouco tempo da supervisão acaba sendo despendido
no planejamento de procedimentos. Dedicamos bastante tempo às análises por
saberm os que não encontraremos dificuldades em construir procedimentos de
intervenção se elas forem satisfatórias.
No exemplo a seguir, uma ênfase maior na solução do problema poderia ter
conduzido a um treino assertivo e este não teria sido o melhor encaminhamento.
GROUPS
Uma cliente chegou queixando-se de problemas de relacionamento com 0 marido.
TfRAPAANAI ÍTICO-COMPORTAMFNTAL
INDEX
qualidade e quantidade de interação não fossem garantidas. Ou seja, extinção não
seria um bom procedimento a ser usado naquele momento.
A prioridade dada à pesquisa da função do comportamento nos levou à
formulação de uma regra, que controla parcialmente nosso comportamento como
terapeutas e supervisores: é mais fácil mudar respostas do que mudar aquilo que
é reforçador para a pessoa. Dito de outra forma, é mais fácil mudar topografias de
respostas pertencentes a uma contingência do que a própria contingência. Assim,
BOOKS
pessoas altamente controladas por contato social dificilmente vão desenvolver
extenso repertóriodeatividadessolitárias.Em casosdessanatureza,pode-se prever
ocorrência de procrastinação na realização de trabalhos cujo reconhecimento é
atrasado. Provavelmente será mais fácil orientar a pessoa a procurar incluir outros
em suas atividades, aumentando assim o valor reforçador de tal atividade. Por
exemplo, um professor que precisa corrigir muitas provas pode chamar um aluno
para ser seu monitor e ambos realizarem a tarefa em conjunto. Para uma senhora
GROUPS
cujos filhos se casaram e saíram de casa, e que foi encaminhada para terapia com
'ILUAPIAANALÍT.CO-COMPORÍAMLNIA l
INDEX
que o relato de dor seja seguido de tentativas de mudar o assunto por parte do
ouvinte, o que poderia ser classificado como um procedimento de extinção. No
caso de terapeutas, a tendência a colocar relatos de dor em extinção pode ser
ainda maior com o conhecimento de que um dos procedimentos indicados para
dor crônica é a mudança do foco da atenção, já que a dor costuma ser menos
intensa quando se está engajado em outras atividades. Mas, enquanto o terapeuta
não ouve ou não mostra que entende que o cliente está com dor, esse vai continuar
BOOKS
contando de forma cada vez mais insistente, até se sentir compreendido.
Fazemos uso do principio da extinção com objetivos diferentes do de mudar
a relação de contingência mantenedora do comportamento-problema. Extinção
ocorre quando nos estabelecemos como uma audiência diferente daquela que
está mantendo o comportamento-problema, quando nos estabelecemos como
audiência não punitiva. Extinção ocorre também quando deixamos de responder
GROUPS
da maneira socialmente típica do ambiente extraconsultório do cliente e, com isso,
evocamos comportamentos diferentes. Esse uso da extinção ocorreu no caso de
um cliente que voltou a apresentar comportamentos de intimidar seu terapeuta
por meio de olhares. O terapeuta, ao invés de mudar de assunto, fugindo da
intimidação, interessou-se pelo conteúdo sobre o qual o cliente falou, ao intimidá-
la, não reforçando a intimidação. Esse procedimento recebe também o nome de
bloqueio de esquiva.
INDEX
O papel da análise do comportamento do terapeuta para a análise funcional
também está descrita neste livro, no capítulo sobre supervisão, no tópico Trabalhar
o sentimento do terapeuta na sessão e na supervisa o.
BOOKS
tempo. Entretanto, temos feito esse esforço e, com isso, nosso comportamento
verbal sobre o casoficam ais preciso. A vantagem da maior precisão ésim ilar àquela
indicada por Skinner (1982) em relação ao autoconhecimento: o valor especial do
autoconhecimento para 0 indivíduo está no fato de que “uma pessoa que se tornou
'consciente de si mesma’, por meio de perguntas que lhe foram feitas, está em
melhor posição de prever e controlar seu próprio comportamento” (p. 31). Ou seja,
após conseguirmos construir uma tabela com tríplices contingências, sentim o-nos
GROUPS
em melhor condição de prever e controlar o comportamento do cliente e 0 nosso
1EIIAPIAANAI i I ICO-C.OMPORTAMENTAL
como terapeutas.
Em um dos exem plos já citados - de que respostas agressivas tinham
como consequência o afastam ento das pessoas a reform ulação da análise
funcional, ao indicar, como possíveis consequências, a retirada de dem anda ou
0 aum ento intermitente de gentileza, certam ente conduziu a uma intervenção
diferente do terapeuta.
Representações de análises molares e exemplos moleculares podem ser
encontrados nos capítulos com apresentação de casos. Seguem alguns exemplos:
INDEX
Cl
E resultados esperados. sexual em locai • Obtém a solução e
ÛJ público.
X reconhecimento.
• Obtém atenção.
Dedica-se a uma
nova solução.
■T-
Re ata sua
conquista aos
BOOKS
amigos e à
terapeuta.
Terapeuta questiona sua Relata uma Esgota o tempo de sessão e
meta de aprender um conquista sexual esquiva-se de responder (Sr).
novo idioma em dois detalhadamente.
meses.
GROUPS
TERAPIA ANALIIICO-COM PORTA MENTAL
INDEX
interlocutor): raiva e se afastam, e ela
Engaja-se em remove sinalização de ser
comportamentos que magoada (S[ ).
produzem reforçadores • Isolamento social (S / P’ em
para o outro. médio e longo prazo).
BOOKS
Fala ironicamente com O amigo evita contato, deixa
ele e “fecha a cara" de ligar e de convidá-la para
quando considera um fazer coisas juntos. Quando a
absurdo 0 que ele disse. encontra, expressa raiva (SiV
Diminui a ida à casa dele. em iongo prazo).
Desvia do caminho
quando o vê e finge que
não 0 viu.
INDEX
Término de um jogo. josé, gritando, manda Terapeuta permanece em
Terapeuta arruma as 0 terapeuta esperá-lo silêncio e espera (Sr).
peças dele acabar de juntar as
dele para guardar na
caixa junto com as do
terapeuta.
Terapeuta bate a Manda, gritando, ele Terapeuta explica-se e arruma
perna na mesa e arrumar os bonecos (Sf*).
BOOKS
derruba bonecos
de animais que josé
estava arrumando.
GROUPS
da queixa do cliente ou que foram identificadas como produzindo consequências
aversivas para este e os que 0 rodeiam. Se, ao identificarmos antecedentes e
consequentes dessas diversas respostas, constatarmos semelhanças, poderem os
identificar uma classe de respostas molar. Na apresentação da tabela, mantemos
os exemplos moleculares associados aos molares para facilitar ao leitor seguir a
análise feita no intuito ae chegar à ciasse de respostas molar.
Quando a resposta selecionada á moiar e é muito inferencial, podem os
operacionalizá-la como no Exemplo 2, em que a resposta de intimidação foi
exemplificadacom algumas possíveis respostas o b se rváve is-falar agressivamente,
falar e sorrir ironicamente, xingar, discutir, testar, teorizar - e que são explicadas
melhor no texto que dá suporte à tabela.
INDEX
Na colunados consequentes, devem serelencadas as mudanças ambientaisque
mantêm a resposta analisada, e outras consequências podem ser apresentadas.
"Dorme o dia todo e fica em casa’ do Exemplo 2 foi colocado na coluna de
respostas, apesar de se seguir a “Insónia", pois tal sequência é uma cadeia de
respostas que foi indicada pela flecha. Dormir nao foi colocado na coluna de
consequências, pois respostas abertas (e também as encobertas) dificilmente são
antecedentes ou consequentes relevantes. Mudanças no ambiente externo são as
BOOKS
variáveis priorizadas.
Nem sempre a função da consequência é clara, por isso, na maioria dos casos,
colocamos a função entre parênteses após a consequência. No Exemplo 2, quanto
à consequência “As pessoas percebem a manipulação, demonstram raiva e se
afastam de Roberta”, é importante ressaltar que a consequência mantenedora é 0
reforçamento negativo advindo do afastamento das pessoas. Mas é interessante
GROUPS
indicar que há demonstração de raiva, possivelmente um estímulo aversivo
que pode exercer algum efeito, mesmo não tendo nesse momento a função de
punir a resposta que a produziu. Nesse mesmo exemplo, para a consequência
“Isolamento social” são indicadas duas funções, a de reforçamento negativo pelo
afastamento das pessoas, mas também uma punição positiva em médio e longo
prazo, o que nos informa a presença de conflitos e necessidade de mudança do
comportamento.
Dificilmente conseguim os expor toda a análise funcional em uma única
tabela, frequentem ente ela foi separada com base em duas ou mais classes de
respostas molares, ou como no exemplo 3, com base no local onde a interação
ocorria: a clínica.
•
ANALISt HJNCIONAI DO COMPORIAMLNTO
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GROUPS
TERAPIA ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
INDEX
BOOKS
GROUPS
C o m po rtam en to s en co berto s
MANTIDOS POR CONTINGÊNCIAS SOCIAIS
INDEX
os comportamentos são mantidos por reforçamento negativo - fuga ou esquiva;
no segundo, são reforçadoras positivas.
A literatura sobre controle por regras já havia colocado nosso comportamento
de terapeutas sob controle da ocorrência de excessiva influência de contingências
sociais,facilitando-nos sua identificaçãoe, portanto,a introdução de procedimentos
que levassem essa informação em consideração. Nessa literatura, Hayes e outros
pesquisadores (Hayes & Ju, 1998; Hayes, Zettle & Rosenfarb, 1989) sugeriram que
BOOKS
há tipos diferentes de comportamentos governados por regras, destacando-se a
aquiescência e o rastreamento. Um comportamento aquiescente ou de obediência
à regra é 0 que depende de contingências sociais; é aquele em que o reforço é
contingente ao cumprir a regra. Um comportamento de rastreamento depende
da correspondência entre a regra e os eventos ambientais, e 0 cumprimento da
regra é reforçado pelas contingências que essa ação produz no ambiente, e não
GROUPS
na pessoa que emitiu a regra. No curso do desenvolvimento, seria esperado que
a aquiescência fosse importante principalmente na infância para a aquisição do
seguimento de regras, mas que, no decorrer do tempo, as pessoas passassem
mais a rastrear do que aquiescer. Mas é comum encontrarmos casos na clínica em
que a pessoa segue regras excessivamente, e o fato relevante desse seguimento é
que ele é mantido por contingências sociais (Meyer, 2005).
Um cliente diagnosticado com distonia, por exemplo, relatou que apresentava
suas contrações musculares involuntárias com maior frequência nas situações
que julgava que pessoas desconhecidas estivessem observando esses seus
movimentos. Servem também como exemplos de controle problemático por
contingências sociaistodos os casos rotulados como "fobia social”. No atendimento
desses casos, podem os por vezes observar que nosso cliente está extremamente
atento às nossas reações. Algumas estratégias que já usamos para minimizar esse
monitoramento de nossas reações, em estágios avançados da terapia (quando um
bom vínculo já havia se formado), foram pedir e aguardar o cliente iniciar a sessão,
mesmo mantendo silêncio por algum tempo, e usar o formato de atendimento em
divã, ao invés de sentados frente a frente.
A leitura de outra literatura, a do self, trouxe novos elementos para a análise
de alguns dos casos identificados como "estando sob controle excessivo de
contingências sociais”. Mesmo tendo sido útil essa leitura, temos dúvidas quanto à
adoção do conceito de se// pelas razões apresentadas a seguir.
Dentre todos os conceitos e termos presentes na Psicologia, self, "eu” e suas
INDEX
derivações, sao provavelmente os mais citados (Barnes-Holmes, Hayes, & Dymond,
2001). Skinner (1991) ilustra a importância social dada ao tema mencionando que 0
Third New International Dictionary (Webster) contém cerca de 500 palavras iniciadas
com self. A noção de "eu" que possuím os no cotidiano é muitas vezes insuficiente e
obscura, e os textos behavioristas que encontramos nem sempre nos forneceram
satisfatória clareza sobre esse tema. Dentello (2009) dem onstrou que, tanto
na análise do comportamento quanto na filosofia do behaviorismo radical, ao
BOOKS
falarmos de “eu”, "caminhamos sobre um terreno em que se debatem concepções
tradicionais, oriundas do senso comum, e form ulações científicas baseadas em
relações entre comportamentos e contingências de reforço. Este debate não é
necessariamente esclarecedor; muitas vezes é enganoso” (pg. 27).
No Brasil surgem confusões adicionais, uma vez que traduções de textos
originalmente em inglês para o português por vezes mantém 0 termo self e,
GROUPS
em outras, o traduzem para "eu”. É possível que essa inconsistência esteja
TERAPIA ANALTICO-COMPORTAMLN 1AL
1 Por sxerr.plo.natracução para o português do livro de Skinner (1953) j. C. Todcrove R. Azzí traduziram
s e f como “eu”. Na tradução de R. Kerbauy do livro de Kohlenberg e Tssi (2006), a palavra se lf foi
168 mantida sem tradução.
INDEX
“na medida em que variáveis externas não são mencionadas ou são ignoradas,
sua função é atribuída a um agente originador dentro do organismo. Se não
podemos descrever o que é responsável pelo comportamento de uma
pessoa, dizemos que ela mesma é responsável, (...) A prática aplaca a nossa
ansiedade a respeito dos fenômenos inexplicados e por isso se perpetua”
(p. 310).
BOOKS
A análise do comportamento recorre sempre ao ambiente externo para
explicar o comportamento, rejeitando concepções internalistas que apelam ao
próprio indivíduo como tentativa de explicar 0 comportamento (Tourinho, 2001).
O “eu”, assim como os eventos privados, é tomado como efeitos do ambiente e
dos comportamentos que ele produz, e não como causas dos comportamentos
(Barros, 2004, p. 17).
GROUPS
Assim, à primeira vista, qualquer consideração sobre o “eu” seria supérflua na
TFRAPIA ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
INDEX
Uma vez que importantes autores analisam o conceito de “eu” e que sua
leitura influenciou as análises de nosso grupo de supervisão, uma síntese de suas
propostas será apresentada a seguir.
BOOKS
raciocínio, 0 “eu” seria a discriminação, em nível privado, que um indivíduo faria
sobre 0 próprio comportamento. Essa discriminação pode variar, assim como
variam os ambientes que a determinam, o que nos conduz à proposta de Skinner
de que haveria múltiplos "eus” em cada indivíduo. Afinal, mais de um “eu” seria
necessário para explicar diferentes comportamentos de um mesmo organismo.
Essa proposição representa uma espécie de interdição às filosofias que
GROUPS
procuram descrever os atributos fundamentais de algo que seja uma “essência do
TERAPIA ANALÍTICO-COMPORTAMEN1AL
eu”, mas esse corte é útil quando se pretende identificar variáveis independentes
que funcionalmente determinam uma variável dependente e, sobretudo, evitar
os riscos de se atribuir a esta última 0 papel das anteriores (Dentello, 200g). O(s)
“eu"{s) representa(m) algo relacionado ao que um indivíduo faz, que, por sua
vez, sofre a influência das condições desse organismo e das estimulações do
ambiente externo.
O “eu”, para Skinner, seria formado pela auto-observação de modos de ação
comuns entre os comportamentos emitidos pelo indivíduo. Com base nessas
auto-observações, 0 indivíduo compõe diferentes unidades funcionais ou divisões
170 topográficas. Por exemplo, uma pessoa que responda de form a frequentemente
INDEX
os atores recitavam seus papéis nos teatros grego e romano. A máscara
identificava 0 papel que 0 ator desempenhava; ela 0 marcava como
um personagem. Usando diferentes máscaras ele podia desempenhar
diferentes papéis. As contingências de reforçamento operante têm
efeitos um tanto quanto parecidos. Iniciando com os organismos que se
desenvolvem através da seleção natural, elas constroem os diferentes
BOOKS
repertórios comportamentais chamados pessoas. Diferentes contingências
constroem diferentes pessoas, possivelmente dentro de uma mesma pele."
(Skinner, 1991, p. 44).
GROUPS
“o eu é 0 que a pessoa sente a respeito de si própria” em razão de seu grau de
TERAPIAANAI ÍTICO-COMPORTAMENTAL
autoconhecimento. Ademais, reafirmou sua firme convicção de que esse “eu" não
exerce papel iniciador do comportamento. Elaborou interpretações (resumidas
a seguir) para cinco usos diferentes do conceito de “eu": auto-observação,
autoestima, “eu” responsável, autoconfiança e “eu” racional.
Auto-observação
Resultado da solicitação social (verbal) para que observem os o próprio
comportamento e relatemos 0 que estamos fazendo. Muitas contingências
diferentes podem ser responsáveis por promoverem ou facilitarem a auto-
observação. A primeira é a modelação por imitação dos outros. Outras 171
♦
COMPOR IAMLN1 OS LNCOBLRIOS MAN1IUÜS POR CONTINGÊNCIAS SOCIAIS
Autoestima
A sociedade costuma atribuir méritos aos comportamentos das pessoas e
valorizá-las por isso, mesmo quando uma análise científica não confirma tais
INDEX
méritos. Por exemplo, uma mulher, ao dar à luz, é valorizada pelo bebê por ela
produzido, mesmo não sendo diretamente responsável, de acordo com os
geneticistas, por nenhuma das características do bebê: ela lhe conferiu metade
dos genes, mas recebeu metade deles de seu pai e de sua mãe. A cultura louva
e recompensa entre seus membros os que fazem coisas úteis e interessantes,
seja dar à luz um bebê saudável, seja escrever um romance. A autoestima seria
a condição corporal derivada desse reconhecimento social, passível de ser (auto)
BOOKS
observada pelo indivíduo ao qual foram atribuídos tais méritos.
O “eu" responsável
As culturas em geral controlam seus membros pelo uso de estímulos aversivos
(reforçadores negativos ou punições). Para isso, asseguram que seus membros se
sintam responsáveis pelo que fazem.
GROUPS
TERAPIAANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
Autoconfiança
Apesar de não termos controle de fato sobre nosso comportamento, é
importante que acreditemos ter. Apenas quando acreditamos em nós próprios
é que damos o melhor de nós. O :‘eu” que confia em si mesmo é resultado do
fazer algo bem, e não sua causa. Se alguém pergunta se posso encaixar uma peça
em um motor e eu digo "acho que sim”, estou fazendo uma predição baseada em
sucessos passados ou então relatando a condição corporal deles resultante. O
efeito mais imediato do sucesso é frequentemente a autoconfiança. Se um jogador
de tênis tiver maus desempenhos, ele perderá sua confiança. Um lance brilhante
172 pode restabelecê-la.
INDEX
o que está fazendo no sentido de ser capaz de descrever suas ações, podendo-se
dizer que eias estariam “agindo racionalmente” Em resposta à questão - Por que
você fez isso? -, podem os simplesmente citar um sentimento (“fiz porque quis”)
ou dar "uma explicação", mencionando uma variável controladora (“estava com
medo que a corda arrebentasse”). Dizemos que agimos racionalmente quando
somos capazes de mencionar razões para nosso comportamento, mas a maior
parte do nosso comportamento não é essencialmente racional. Razões não são
BOOKS
consequências, são nomes de consequências. E nem sempre nomes adequados.
De form a geral, os usos do conceito de “eu” descritos por Skinner incluem
estados internos observados, seja por consequência direta da contingência, seja
por mediação alheia. Diferentes “eus” são form ulados com base nas contingências
de reforçamento responsáveis pelo comportamento, pelas condições corporais
que as acompanham e também pelas contingências verbais necessariamente
responsáveis pela observação. Apoiados nesse conjunto de condições,
GROUPS
delimitamos nossa estima, confiança, responsabilidade e racionalidade.
TfcRAPIAANALrnCO-COMPORIAMtN 1'Al
INDEX
amigos íntimos. Em uma mesma pele, podem os encontrar uma pessoa de ação e
um sonhador, um solitário e um ser sociável.
Sistemas organizados de respostas podem relacionar-se uns aos outros
de forma mais harmoniosa ou apresentar incompatibilidades. A harmonia
pode surgir quando as variáveis controladoras de cada classe não estiverem
presentes simultaneamente. Assim, um crente piedoso aos domingos pode
tornar-se um homem de negócios agressivo nas segundas-feiras sem que essa
BOOKS
mudança implique reprovação social. Esse indivíduo apresentaria dois sistemas
de respostas apropriados a diferentes conjuntos de circunstâncias e a incoerência
dele não é maior do que aquela do ambiente que 0 ieva à igreja no domingo e
ao trabalho na segunda-feira (Skinner, 1953, p. 313). Se as variáveis controladoras
existirem a um tempo, poderão emergir incoerências passíveis de punição. Se
um indivíduo desenvolveu repertórios diferentes com a família e com amigos, as
GROUPS
duas "personalidades” poderão entrar em conflito quando ele estiver com os dois
TERAPIAANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
grupos a um só tempo.
“Eu” verbal
Skinner desenvolveu sua análise sobre o “eu” dando ênfase à descrição sobre
quais comportamentos estariam subjacentes a esse conceito. Outros autores
focaram suas atenções sobre a elaboração de hipóteses sobre como se form aria
tal conceito.
Para Kohlenberg e Tsai (2001, p. 141), 0 entendimento do “eu” dependeria da
especificação dos estímulos controladores da resposta verbal “eu”, sendo assim
174 produto da modelagem do comportamento verbal de descrever-se. A criança
INDEX
'Eu', por outro lado, está sob controle de um estímulo pessoal complexo e
parece ser aprendido exclusivamente através da aquisição destas unidades
menores” (p. 147}.
Depois de uma criança aprender a pronunciar “eu vejo uma maçã", "eu vejo um
passarinho” e “eu vejo x” múltiplas vezes, emergiria a unidade menor “eu vejo”, que
BOOKS
poderia ser combinada com quase todos os outros tatos que já estão no repertório.
Em comum entre essas expressões estaria um estímulo privado associado à
atividade “ver”, independentemente do objeto específico que estiver sendo
visto, de forma que a criança possivelmente passaria a criar outras expressões
singulares. As habilidades de discriminação dos pais e a atenção a esses estímulos
públicos seriam fatores importantes na determinação de qual grau do "eu vejo”
será controlado por estímulos privados {Kohlenberg & Tsai, 2001).
GROUPS
Processo semelhante ocorreria com outros estímulos privados, como “eu sinto”
TFRAPIAANALÍTlCO-COMPORTAMENTAL
(sob controle do sentir), “eu quero”, etc. Após um número considerável de tatos “eu
x” ter sido discriminado, a unidade menor “eu” se estabeleceria por ser 0 elemento
comum a todas as situações “eu x”, em que “x” varia. A perspectiva daquele que
tateia é o estímulo que se manteria constante para todos “eu quero x" e "eu vejo
x". Durante um desenvolvimento normal, a “perspectiva” seria a localização física
das atividades privadas, tais como ver, querer, ter. Assim, a resposta “eu” como
unidade estaria sob controle de estímulo do lugar (lócus). A única característica
do lócus seria sua relação com 0 lócus onde acontece a atividade privada. O lócus
perm aneceria constante mesmo que a pessoa crescesse e se tornasse um adulto,
mudasse de residência ou perdesse peso. Permaneceria constante 0 estímulo 175
♦
COMPOR 1AMLNTOS FNCOBFRTOS MANTIDOS POR CON IINGFNGAS SOCIAIS
INDEX
sentido do ‘eu’ deve variar bastante. Nós consideramos a existência de um
contínuo de experiências; de um lado uma experiência ideal de continuidade
e um ‘eu’ único, um algo central’ no outro, um ‘eu! vazio ou instável,
correspondendo à experiência de clientes que afirmam 'eu não sei quem eu
sou’, ou que relatam múltiplos eus™ (p. 104).
BOOKS
experiência de um “algo central” e no processo de se tornar consciente ou de
buscar esse “algo central”. Para eles, a análise funciona! da experiência do “eu”
deveria focar os estímulos discriminativos que fazem com que uma pessoa tenha
consciência ou se identifique como esse “algo central”, partindo do ambiente
interpessoal que influenciaria seu desenvolvimento e as condições nas quais
ocorrem as experiências de um “eu’’ "normal” ou de um “eu” problemático.
GROUPS
Barnes-Holm es et al. (2001) compartilham a hipótese de Kohlenberg et ai.
1LKAPIAANAl ÍTICO-COMPORTAMENTAL
(2009) sobre a origem do “eu” e de um lócus único, ou, conforme estes autores, de
uma perspectiva que controlaria respostas autodescritivas. Argumentam que "os
eventos mudam constantemente. Apenas 0 lócus não muda” (p. 123}. Propuseram
que a "tomada de perspectiva” poderia estabelecer três formas de "eu”: 1) “eu
conceituai”, como o conteúdo de relações verbais; 2) "eu conhecedor", como um
processo contínuo de estabelecimento de relações verbais e 3) “eu transcendental”
como o contexto das relações verbais.
No primeiro caso, o indivíduo poderia abstrair relações entre agrupamentos
unificados de comportamentos. As pessoas avaliam, interpretam, explicam,
176 racionalizam e interagem verbalmente com 0 próprio comportamento. Tal
INDEX
categoria por julgarem ser esse conceito de “eu” que mais se aproximaria da ideia
de espiritualidade ou transcendência. Segundo os autores, "uma vez que esta
perspectiva, este lócus, emergir, ela não se alterará mais em toda vida da pessoa”
(p.129). Consideram que em terapia seria esse tipo de estabilidade que permitiria
ao cliente confrontar dores ou traumas extremos, sabendo que, de alguma forma,
não importando 0 que acontecer, seu "eu”, enquanto contexto, não se alteraria.
BOOKS
Implicações para a clínica: o desenvolvimento
do autoconhecim ento 2
A comparação das propostas de Skinner sobre 0 que seja o “eu” com as
propostas de KohlenbergeTsai {2001) e de Barnes-H olm esetal. (2001) sobre como
ocorreria sua form ação conduz a algumas incompatibilidades no que concerne à
existência de um lócus ou perspectiva estável. Ao contrário de um lócus único e
.
GROUPS
atemporal de observação dos comportamentos, Skinner (1953) propõe que os
ILRAPIAANAl ÍTICO-COMPORTAMENTAL
"eus” são múltiplos e que o "eu vigente” seria regulado pelo ambiente em que a
pessoa se comporta. Em outras palavras, Skinner enfatiza 0 caráter mutável do
conceito enquanto outros autores identificam nele aspectos estáveis.
Apesar das diferenças apontadas, as três propostas apresentadas têm em
comum a importância do desenvolvimento do autoconhecimento. Skinner (1953)
considera ser possível estabelecer relações entre os diferentes “eus” de uma
pessoa mediante modelagem de repertório de autoconhecimento, resultando na
INDEX
ou retirar a aversividade trazida pela cobrança de seu grupo social. Kohlenberg et
al. (2009) jocosamente afirmam que Descartes, ao form ular a famosa frase “penso,
logo existo”, demonstrou que ele não seria um candidato a procurar terapia para
descobrir quem ele era ou para reclamar que se sentia um camaleão que se
transforma conforme as circunstâncias. A frase de Descartes sugere uma pessoa
auto-observadora e atenta à experiência privada de pensar como um processo
independente do conteúdo de seus pensamentos.
BOOKS
Barnes-Holmes et al. (2001) defendem que 0 autoconhecimento seria
importante uma vez que relatos verbais sobre os próprios comportamentos, ou
sobre as contingências que os regulam, poderiam alterar a função de ambos.
Segundo esses autores, muitas psicoterapias são construídas com base nessa
proposição. Por exemplo, uma pessoa que vívenciou um grande trauma pode
reviver verbalmente essa situação traumática (“na imaginação”) e assim alterar
as funções emocionais e de outras categorias comportamentais dos estímulos
associados ao trauma.
GROUPS
Na mesma direção, Kohlenberg et al. (2009) afirmaram que o processo
discriminativo que ocorre no autoconhecimento é diferente do processo
discriminativo envolvido na ação que poderia ser auto-observada. A auto-
observação de um evento está sob controle de um estímulo discriminativo distinto
3 Skinner aborda a consciência como a capacidade que o ser humano adquire de descrever seu
comportamento, identificando a sua relação com as variáveis que o determinam. Ter consciência
ou estar consciente refere-se ao mesmo fenômeno: a capacidade que uma pessoa tem de falar
sobre o seu comportamento (Baum, 2005), o que seria resultado da existência de um repertório de
autoconhecimento.
INDEX
permanece na presença de estímulos aversivos, ocorre uma oportunidade de
novos comportamentos emergirem e serem reforçados (Kohlenberg et al., 2009).
O processo de tratamento propicia ao cliente entrar em contato e permanecer
presente com sentimentos e pensamentos negativos dos quais se esquivava.
A relação terapêutica provê 0 ambiente seguro para que tal contato ocorra
(Kohlenberg et al., 2009).
BOOKS
Todas as descrições de autoconhecimento apresentadas partem da constatação
da dificuldade de entrar em contato com estimulação aversiva, mas também das
vantagens terapêuticas de fazê-lo. Skinner (1953) descreve graus cada vez maiores
de esquiva como efeito de estimulação aversiva.
GROUPS
estimulação é, em consequência automaticamente reforçado. Agora, entre
os tipos de comportamento com maior probabilidade de gerar estímulos
condicionados aversivos (...) está o comportamento de observar o ato
punido ou de observar a ocasião para o ato, ou qualquer tendência para
executá-lo. Como resultado da punição, não apenas nos empenhamos em
outros comportamentos que excluam as formas punidas, mas empenhamo-
nos também em comportamentos que excluem 0 tomar conhecimento do
comportamento punido. Isso pode começar simplesmente como “não gostar
de pensar sobre” (...). Pode depois passar ao estágio de não pensar sobre ele
e finalmente alcançar o ponto no qual o indivíduo nega ter se comportado
de uma dada maneira, mesmo com provas do contrário” (p. 318).
INDEX
isso adota medidas que alterem a forma ou frequência desses eventos, ou 0
contexto que os produzem, mesmo que para isso tenham que incorrer em "custos
comportamentais” adicionais. Esses custos podem ser potencialmente danosos,
como ingestão excessiva de álcool, uso de drogas ou comportamentos sexuais
arriscados. Outras formas seriam o cliente afastar-se de pessoas amadas, sabotar
relações de intimidade ou evitar incorrer em riscos necessários para que metas
valiosas fossem alcançadas.
BOOKS
Como tratamos o tema do “eu”
Neste livro descrevemos três casos cuja análise transitou por assuntos ligados
ao conceito de "eu”: João, Regina, Rafael. Essas análises focaram, de fato, a falta de
coerência entre comportamentos observados, baixas capacidades de discriminação
de estados internos ou a identificação de controles quase exclusivamente sociais
sobre comportamentos.
GROUPS
1LRAPIAANALÍTICO COMPQRTAMENTAL
INDEX
de auto-observação suficiente ou carece de tal repertório? No exemplo do relato
de incoerências entre sentimentos e ações, o problema não parece ser o de
dificuldade de auto-observação, mas de discrepâncias nos controles ambientais
de respostas encobertas e abertas, estando apenas estas últimas sob controle
social. O próprio fato de ser relatada a discrepância é um indicador da existência
de algum grau de auto-observação.
BOOKS
A questão da existência ou não de repertório de auto-observação pode ser
respondida de diversas maneiras, sendo a que mais usamos é solicitar ao cliente
que descreva o que ele está sentindo, ao relatar eventos para o terapeuta.
Respostas difusas como ah, sei lá, estou normaí induzem a solicitações adicionais
sobre o que ele sente ou pensa durante a sessão ou sobre o que ele tenta recordar
o que sentiu durante eventos ocorridos fora da sessão. A isso adicionamos uma
observação atenta a eventuais comunicações não verbais do cliente: ele parece
GROUPS
estar à vontade diante desses pedidos? Manifesta algum desconforto? Tenta
TERAPIA ANAl ÍTICO-COMPORTAMEN IAL
mudar de assunto?
A formulação de hipóteses sobre a existência ou carência de repertórios de
auto-observação costuma orientar a condução subsequente da terapia. Caso
o terapeuta observe que o cliente é capaz de descrever o que sente em outras
situações e se exime de fazê-lo quando está tratando de algum tema, levantamos
a hipótese de presença de algum repertório de auto-observação, mas também
consideramos a possibilidade de esquiva de algum sentimento que lhe seja
aversivo, seja de form a deliberada ou não.
A primeira possibilidade - o cliente não possui repertório de tatear estados
privados - foi considerada no caso de Rafael e João (ver capítulos de caso para 181
INDEX
esperavam dele-, em outras, descrevia-se, de forma bastante depreciativa, como
uma pessoa má, manípuladora e egoísta. A conjunção desses dois tipos de
autorrelatos (não saber quem é enquanto se descreve como alguém ruim) orientou
perguntas do terapeuta para investigar contingências punitivas que estivessem em
vigor no presente e/ou que atuaram na história desse cliente. Essas investigações
foram orientadas pela análise de Skinner (1991) de que encobertos eliciados por
contingências punitivas poderiam produzir autodescrições depreciativas. Os
BOOKS
questionamentos mostraram que 0 ambiente profissional em que João estava
inserido era-lhe bastante desagradável, tanto por conta de um relacionamento
superficial e competitivo com seus colegas quanto pela não apreciação do tipo
de trabalho que exercia. Adicionalmente, as sensações desagradáveis produzidas
p ortal convívio profissional eram retiradas pela emissão de comportamentos de
sedução sexual, estabelecendo uma contingência de reforçamento negativo. Essa
GROUPS
conjunção de fatores um ambiente de trabalho aversivo, associado à apreensão
que ele sentia quanto à possibilidade de desaprovação social por suas aventuras
sexuais e a um controle da audiência (tentativas de reduzir possíveis julgamentos
morais do ouvinte), pareciam estar controlando as autodescrições depreciativas
de João. Na prática, quando solicitado a descrever os eventos da semana, João
parecia incapaz de identificar as sensações eliciadas por seu convívio profissional,
mas com prontidão se descrevia de forma negativa, nao estabelecendo nenhuma
relação entre esses estados (indiscriminados) e seus autorrelatos depreciativos.
Foi investigado o relacionamento que João lembrava ter tido com seus pais
durante a infância. Os relatos apontaram uma característica peculiar dos processos
que produziam elogios: os pais somente percebiam que João havia feito algo bom
INDEX
do ambiente social parece ter sido chave para o desenvolvimento profissional
de joão, que adaptava constantemente seu trabalho no intuito de produzir
reconhecimento dos outros. Assim, o ambiente profissional pareceu estabelecer
contingências que mantiveram e fortaleceram esse padrão de respostas. Por outro
lado, as contingências tanto na infância quanto na profissão não propiciaram um
treino discriminativo de estados internos que lhe permitisse perceber se gostava
BOOKS
ou não das tarefas que executava.
Quando solicitado a descrever o que sentia, tanto em sessão quanto fora dela,
ele bocejava, reclamava do andamento da sessão e tentava mudar de assunto.
Questionamentos subsequentes pareciam apontar uma dificuldade em perceber
o que sentia ou pensava; ele não sabia dizer se gostava ou não de pessoas ou
situações e, por vezes, apresentava inconsistências evidentes entre seus relatos e
suas respostas não verbais. Em uma ocasião, a terapeuta perguntou-lhe como se
GROUPS
sentia em relação a seu trabalho. Enquanto ele dizia adorar seu trabalho, jogava
I LRAPIA ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
seu corpo para trás na cadeira, cruzava os braços, bocejava, desviava o olhar da
terapeuta e diminuía o tom de voz. Quando a terapeuta descreveu suas respostas
corporais e o indagou sobre a aparente inconsistência, ele refletiu - Será que eu não
gosto do que faço? - e se surpreendeu. Após intenso treino de autodiscriminação,
João passou gradualmente atecer autorrelatos de sensações e emoções durante as
sessões, oferecendo a oportunidade para a terapeuta reforçá-lo diferencialmente.
Daí em diante, foi possível observar um novo padrão comportamental nesse
cliente. A despeito de já conseguir descrever adequadamente seus sentimentos em
uma variedade de situações, João suprimia imediatamente seus relatos de eventos
privados, ao tratar de alguns temas. Situações como essas nos levaram a suspeitar 183
♦
estar em vigor um processo de esquiva experiencial. Nossos esforços foram então
COMPOR IAMFNTOS ENCOBERTOS MAN I IDOS POR CONTINGÊNCIAS 50CAI!
INDEX
de desconsideração da prima e de sua família para com a cliente e familiares.
Nesse momento, a cliente foi capaz de verbalizar que, de fato, ela e a prima não
se gostavam, que não fazer parte integrante da vida da família da prima não havia
sido inicialmente uma escolha sua e que nao era tão relevante quanto ela achava,
já que conseguia ter relacionamentos significativos com amigos. Ou seja, a cliente
identificou, entendeu e aceitou seus sentimentos.
Todas as estratégias terapêuticas descritas acima - nos casos de Rafael,
BOOKS
João e da "cliente simpática” - foram baseadas na obra de Kohlenberg e Tsai
(2001), da qual extraímos as hipóteses sobre a formação do conceito de “eu”.
Partindo do pressuposto de que o "eu” é resultado do treino discriminativo,
orientamos a terapia para instalar e reforçar esse tipo de repertório. No caso de
João, criamos um exercício de discriminação de sensações e sentimentos que
chamamos informalmente de “exercício da cadeira”. Nos quinze minutos finais
GROUPS
da sessão, João era solicitado a relaxar confortavelmente em uma poltrona, com
TERAPIA ANALI (ICO COMPORTAMENTAL
INDEX
devemos amar a todos - sobre seu comportamento.
BOOKS
GROUPS
TCRAPIAANALÍTICO-COMPORTAMCNTAL
INDEX
BOOKS
GROUPS
D ia g n ó s t ic o
INDEX
2013). O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) é um
manual de classificação dos transtornos mentais utilizados por profissionais de
saúde e de saúde mental, de diferentes orientações, que visa ser aplicado em uma
ampla variedade de contextos (em ambientes clínicos - internação, ambulatório,
hospital, clínica e consultório particular - e com comunidades). O DSM encontra-
se em sua quinta1edição (DSM-V - APA, 2013) e também pode ser considerado um
instrumento para a comunicação de estatísticas precisas de saúde pública (APA,
BOOKS
2012). Embora tais sistemas explicitem ferramentas diagnosticas dos transtornos
mentais e comportamentais, sua utilização na clínica analítico-comportamental é
um tema controverso.
Faz-se necessário com preender que o diagnóstico do terapeuta analítico-
comportamental é realizado por meio da análise funcionai. Logo, o próprio ato
de diagnosticar ou classificar é visto como um comportamento operante que
pode ser emitido por profissionais da saúde e por pesquisadores, respondendo
GROUPS
às mesmas leis gerais do comportamento (Koerner, Kohlenberg, & Parker, 1996).
Enquanto alguns profissionais podem usar categorias diagnosticas com a função
de classificar, rotular ou mesmo falsamente explicar o comportamento de clientes,
outros as têm usado como um afonte de conhecimento que pode, às vezes, auxiliar
no desenvolvimento da análise funcional de casos clínicos.
Considerando aform a com que 0 DSM-IV (APA, 2004) descreve os repertórios
comportamentais de indivíduos com transtornos mentais e de personalidade,
pode-se observar que eles são apresentados de duas formas: (a) em alguns
1 Apesar de o DSM-V ter sido publicado recentemente, no presente livro está sendo feita referência ao
DSM-IV. pois foi essa a versão utilizada na época das discussões apresentadas.
DIAGNOSTICO
r
transtornos, as características são descritas topograficamente; (b) as características
são descritas tanto topograficamente quanto funcionalmente.
O Critério Diagnóstico i do Transtorno de Personalidade Borderíme do DSM-
IV (APA, 2004) é um exemplo de uma descrição que explicita dicas relevantes
sobre as variáveis de controle do comportamento. O Critério 1 destaca: "esforços
frenéticos para evitar um abandono real ou im aginário” (p. 664). Essa descrição
sugere, ainda que de form a geral, uma classe de respostas (emitidas pelo sujeito
deform afrenétíca) com a função de evitar abandono. O mesmo pode ser notado
nos Critérios Diagnósticos A2 e A7 do Transtorno de Personalidade Antissocial
do DSMHV (APA, 2004). O Critério A2 apresenta: “propensão para enganar,
indicada por mentir repetidamente, usar nomes falsos ou ludibriar os outros
INDEX
para obter vantagens pessoais ou prazer” (p. 660). O Critério A7 argumenta
“ausência de remorso, indicada por indiferença ou racionalização por ter ferido,
maltratado ou roubado alguém” (p.660). O Critério A7 ressalta um contexto
de ferir, maltratar ou roubar alguém para a resposta de ausência de remorso,
indicada por indiferença ou racionalização.
Ainda que o DSM-IV (APA, 2004) mencione a função do comportamento
e destaque contextos para respostas específicas nos critérios diagnósticos de
BOOKS
alguns transtornos, ele ainda pode ser considerado um manual mais descritivo e
predominantemente topográfico. Isso significa que sua leitura sugere ao leitor uma
análise mais topográfica do que funcional. Esse fato produz controvérsias quanto
a sua utilização entre terapeutas analítico-comportamentais.
Outro problema seria o fato de um manual classificatório acabar obscurecendo
a individualidade dos sujeitos, visto que diversas pessoas diagnosticadas com o
mesmo transtorno podem apresentar comportamentos diferentes ou até mesmo
GROUPS
TERAPIA ANAL ÍTICO-COMPORTAMFNTAL
DIAGNÓSTICO
A seguir, encontram-se algumas utilidades desses manuais no atendimento
clínico do nosso grupo de supervisão. No entanto, destacamos alguns cuidados
fundamentais que precisam ser tomados quando pretendemos utilizar 0 DSM-IV
(APA, 2004) ou a ClD-10 (OMS, 1996).
INDEX
Estimulação suplementar: auxílio na identificação de
classes funcionais relevantes
Ao longo de nossa experiência clínica, tem os passado por alguns
atendim entos que parecem progredir de form a diferente da usual. Nesses
casos, os progressos são mais lentos, entrecortados por muitas recaídas,
problem as de adesão ao processo terapêutico e de estabelecim ento de vínculo
com o terapeuta. Devido a tais dificuldades, esses casos têm sido cham ados
BOOKS
de “casos difíceis” (Beck & Freeman, 1993; Linehan, 2010). Possivelm ente não
é mera coincidência que, em boa parte desses atendim entos, observam os
clientes com histórico de muitas terapias, além de atendim entos psiquiátricos
com uso de medicação. Em outros casos, observa-se a necessidade de
encam inham ento psiquiátrico ao longo da terapia.
Um exemplo dessa situação descrita acima é 0 caso de Regina, apresentado
GROUPS
neste livro. Quando a cliente procurou terapia, ela não estava medicada nem
TERAPIAANA l ÍTICO-COMPORTAMENTAL
INDEX
A estimulação suplementar gerada pelo conhecimento das características
descritas pelo DSM-IV (APA, 2004) para o Transtorno de Personalidade Borderiine,
em especial pelo conhecimento do Critério Diagnóstico 1 (esforços frenéticos para
evitar um abandono real ou imaginado) possibilitou que o terapeuta dirigisse sua
atenção para esses padrões aparentemente opostos, identificando-os como parte
de uma mesma classe de respostas com a função de evitar ser abandonada pelas
demais pessoas. Mediante essa constatação e ao longo da terapia, ficou claro que,
BOOKS
em todas aquelas situações que evocavam repertórios aparentemente opostos,
havia um ou mais estímulos que sinalizavam àcliente alguma ameaça de abandono.
Quando o abandono era, na visão da cliente, apenas uma possibilidade, ela
mesma se engajava em comportamentos de subm issão com a função de manter
tal relacionamento; porém, quando o abandono lhe parecia iminente, a cliente
se afastava rapidamente da pessoa, abandonando o outro antes mesmo de ser
abandonada. Em ambos os casos, a cliente era eficiente em evitar ser abandonada
GROUPS
pelas outras pessoas. Isso não significa que, cedo ou tarde, essa função comum
não poderia ser de outra form a identificada no transcurso do tratamento, mas o
conhecimento proveniente do diagnóstico acelerou tal constatação.
A busca por padrões pode ser exemplificada com outro caso atendido por
nós. Uma cliente fez referência a todos os seguintes problemas na primeira
sessão: ansiedade; codependência; pânico noturno; hipoglicemia; depressão
(profunda no passado, atualmente “oscilações horrorosas"); medo da opinião
dos outros (sentimento de humilhação, dificuldades de se posicionar com os
outros); descrevia-se autoritária; brigas com o pai; brigas como consum idora (fez
diversas denúncias em justiça); sofreu abuso sexual na infância; sentia que sua vida
DIAGNÓSTICO
dependia dos outros; não tenho memória das coisas, eu não guardo; compulsão por
comida; tenho perseverança para as coisas; até os 24 anos eu não tinha beijado; só
após dois anos teve a primeira relação sexual; meus namorados não aguentavam,
caíam fora (não tinha namorado); cuidava da mãe doente; pai bebia, era agressivo
quando bebia, verbal e fisicamente; não consegui terminar a faculdade, pretendia
voltar; problemas financeiros; sentia-se sobrecarregada com as coisas para fazer
e considerava ter baixa autoestima. Esse caso ilustra, de forma extremada, a
dificuldade que um terapeuta pode ter para selecionar com 0 que vai trabalhar e
como agrupar as diversas queixas em classes mais amplas de comportamento. A
consulta a sistemas diagnósticos pode prover, pelo menos em parte, essa função
de organização que certamente era essencial nesse caso.
INDEX
Nesse caso e no de Regina, 0 diagnóstico (realizado com o uso de manual)
possibilitou a percepção de que comportamentos avaliados em um nível
molecular poderiam ser enquadrados, num nível molar, em algumas das amplas
categorias descritas pelo DSM-IV (APA, 2004). Tal reorganização possibilitou
uma compreensão mais clara e ampla da função de cada uma das classes
de comportamentos e permitiu ainda uma identificação mais adequada dos
problemas de comportamento (CCRis) ou de melhora (CCR2s) ocorrendo em
BOOKS
sessão. A eficácia da terapia talvez tenha aumentado em decorrência da melhor
identificação dos problemas de comportamento ou de melhora ocorrendo
em sessão e, portanto, do melhor manejo terapêutico. Essa eficácia, acrescida
de intervenções específicas para o problema de esquiva de intimidade com 0
terapeuta, resultou em uma m elhorada relação terapêutica, e, consequentemente,
um indicativo foi a redução das faltas da cliente às sessões.
Essa experiência corrobora relatos da literatura sobre os benefícios do uso
GROUPS
dos critérios do DSM-IV (APA, 2004) para 0 transtorno de personalidade. Koerner
TERAPIAANALÍTICO-COMPORTAMLNIAL
et al. (1996) relatam que os critérios diagnósticos podem ter a função de alertar
0 terapeuta tanto para as instâncias de com portam entos-queixa quanto para os
de melhora que são emitidos no contexto da relação terapêutica. Considerando
o padrão de comportamento instável de Regina, 0 terapeuta tinha dúvidas sobre
quais aspectos do responder da cliente eram mais relevantes de ser trabalhados
na terapia. Depois da definição do diagnóstico, o terapeuta compreendeu que a
esquiva de relacionamentos da cliente (inclusive terapêutico) tinha a função de se
esquivar de sentimentos de modo geral (esquiva experiencial. Mais detalhes, ver
capítulo Comportamentos encobertos mantidos por contingências sociais), sendo
possível bloquear e analisar essas esquivas em terapia.
DIAGNOSTICO
INDEX
Não supom os que todos os casos sob o mesmo diagnóstico sejam iguais e
devam ser tratados da mesma forma. No entanto, parece natural acreditar que
pessoas que apresentam os mesmos padrões comportamentais mostram formas
semelhantes de reagir a intervenções terapêuticas e de se vincularem aos demais,
incluindo o terapeuta. A compreensão desses padrões pode auxiliar na condução
geral do caso, bem como no estabelecimento da relação terapêutica.
Nossa proposta não é a de enquadrar clientes em quadros diagnósticos
BOOKS
(realizados com o uso de manual), e sim de utilizar esses manuais como uma fonte
bibliográfica na qual estão identificados padrões de comportamentos relevantes
que podem suplementar nosso olhar para alguns aspectos do caso atendido.
Afinal, o conhecimento acumulado pela literatura vai muito além da limitada
experiência do terapeuta, de modo que parece produtivo, em nossa prática clínica,
buscar e respeitar o conhecimento produzido anteriormente (para mais detalhes,
ver capítulo sobre supervisão).
GROUPS
1LRAPIAANALÍ1ICO-COWPORTAMENTAL
INDEX
que podem orientar e auxiliar o terapeuta a ser mais tolerante com mudanças
pequenas. Informações fornecidas por esses estudos permitem ao terapeuta estar
menos susceptível às punições e extinções do cliente aumentando a probabilidade
do seguimento da regra de reforçar naturalmente os comportamentos de melhora
em sessão, ao invés de ficar impaciente e falhar no reforço (Koerner et al., 1996).
Em vários dos casos atendidos no Serviço de Terapia Anal ítico-Comportamental
BOOKS
da USP que receberam, em algum momento do processo terapêutico, um
diagnóstico psiquiátrico ocorreu 0 mesmo que no caso de Regina: 0 diagnóstico
permitiu uma compreensão de que as frequentes melhoras e recaídas eram
esperadas. Tal compreensão reduziu os efeitos das punições e extinções da
cliente, os quais poderiam gerar frustração no terapeuta e uma possível falta de
engajamento dele em auxiliar a cliente a se manter em um processo terapêutico
produtivo, o que caracterizaria uma desistência inadvertida do caso por parte do
GROUPS
terapeuta. Além disso, ao com preender o padrão de relacionamento da cliente
e sua necessidade de mostrar que não precisava de outras pessoas, 0 terapeuta
pôde ajudá-laa construir uma relação terapêutica estável, reduzindo a aversividade
dos relacionamentos e diminuindo, assim, seu padrão de esquiva.
INDEX
seguir com a terapia como ajudá-lo a definir por quais caminhos não deve seguir
com a terapia.
Outra vantagem dos diagnósticos é que, quando formulados, permitem a
procura bibliográfica de interesse mais específico. Em casos da depressão, diversos
autores desenvolveram teorias sobre as variáveis de controfe do comportamento
depressivo (por exemplo, Dougher & Hackbert, 1994; Ferster, 1973). A leitura desse
material pode auxiliar no desenvolvimento da análise funcional. O caso de Carlos
BOOKS
evidencia esse benefício.
Carlos começou a ser atendido por uma pessoa do grupo de supervisão aos
10 anos de idade. O menino apresentava um medo intenso de abandono, tendo
passado anteriormente por outros três terapeutas que desistiram do caso.
Seu humor era bastante instável: em um momento, estava feliz e próximo do
psicoterapeuta; no momento seguinte, tinha explosões de raiva. A instabilidade do
relacionamento, o medo de abandono e a intensidade do hum ore das expressões
GROUPS
TERAPIA ANAL ÍTICO-COMPORTAMENTAL
INDEX
No momento, o terapeuta interveio de forma a lidar com a frustração ante a perda.
Contudo, ao rever a sessão, ele pode perceber que a reação do cliente tinha sido
controlada por uma peça do jogo que havia caído no chão, e não pela perda em si.
A intervenção, portanto, foi invalidante.
Ao identificar as características do transtorno e recorrer às análises de Linehan
(2010), podem -se planejar intervenções mais adequadas, e Carlos apresentou
BOOKS
melhoras. Portanto, a semelhança entre os comportamentos do cliente e os
apontados nos critérios diagnósticos serviu para a busca de uma literatura auxiliar
de interesse.
Ainda que as semelhanças com o Transtorno de Personalidade Borderline
tenham sido encontradas, tratava-se de um menino que, sendo criança, não
poderia ser enquadrado como um caso borderline. Trata-se, portanto, de um olhar
para o manual sem a tentativa de um enquadramento preciso, mas na busca de
GROUPS
dicas que possam auxiliar o tratamento. Se considerarm os que toda psicopatologia
é construída, a intervenção precoce sobre esse desenvolvimento é recomendada.
# P
DIAGNOSTICO
INDEX
grupo de supervisão, que apresentava grandes dificuldades de relacionamento.
Tinha obtido, anteriormente ao inicio da terapia, um afastamento de seu cargo como
professora e estava tentando manter por mais tempo esse afastamento. Desde o
início da terapia, tal cliente mostrava-se interessada por um diagnóstico, tendo
solicitado ao terapeuta, de formas sutis (ou nem tanto, em algumas situações), a
definição sobre uma possível depressão. Na ocasião, o terapeuta considerou que
seria extremamente nocivo dar à cliente qualquer tipo de confirmação, pois havia
BOOKS
fortes indícios de que ela usaria tal confirmação apenas para manter o afastamento
e assim se esquivar ainda mais de suas relações sociais, im pedindo-a de resolver,
de fato, seus problemas sociais.
Esse mau uso do diagnóstico pela cliente pode também ser observado no
caso de Socorro. Uma criança, com histórico prolongado de fracasso escolar, foi
encaminhada à psicoterapia. Socorro iniciou os atendimentos com um padrão
GROUPS
de comportamento de agir sob forte controle de reforço social, demonstrando
TERAPIA ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
DIAGNOS I ICO
sessões começavam a ser produtivas e os resultados apareciam, Socorro faltava.
Além disso, foi difícil obter o telefone da escola, pois a mãe esquecia de trazê-lo
ou alegava que a escola não era acessível. Certa vez, Socorro chegou a verbalizar
que recebera a instrução da mãe sobre o que poderia, ou não, dizer na sessão
terapêutica. Todos esses exemplos parecem indicar que a mãe não buscava a
melhora da filha (tentando até mesmo impedir tal melhora), e sim pretendia manter
os benefícios que recebia do governo pelos problemas dos filhos. O bservou-se
que a mãe apresentava forte padrão de eliciar/evocar pena nas pessoas a seu redor,
a fim de obter reforçadores delas. E, nesse sentido, diagnósticos de problemas de
seus filhos acabavam tornando-se grande fonte de reforçadores.
Com a recusa do terapeuta em dar o diagnóstico solicitado, a mãe começou
INDEX
a relatar grandes dificuldades de levar a filha à terapia, e as faltas aumentaram (o
mesmo não aconteceu com seus outros filhos, que tinham obtido o diagnóstico
solicitado pela mãe a outros profissionais). Um tempo depois, Socorro começou
a apresentar desenvoltura na escola em jogos de handebol, o que levou ao relato
da mãe sobre as vantagens que poderia obter se a filha continuasse sobressaindo
no jogo. Em razão disso, os treinos se tornaram mais importantes do que os
BOOKS
atendimentos terapêuticos, levando a uma diminuição ainda maior na frequência
às sessões, resultando na interrupção do tratamento.
Considerações finais
Tais reflexões nos levam a sugerir que o uso do diagnóstico, com o auxílio de
manuais, para um caso clínico deva ser usado a favor da melhora terapêutica,
sendo, portanto, um meio, e não um fim em si próprio.
GROUPS
Por meio do conheci mento do diagnóstico, podem os aumentaras possibilidades
LRAPiA ANALÍTICO COMPOR IAMENTAL
INDEX
BOOKS
GROUPS
TERAPIA ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
Q u e s t õ e s r e l a t iv a s a o c o m p r o m e t im e n t o
NA RELAÇÃO TERAPÊUTICA
INDEX
casos, uma dedicação persistente seria vantajosa? Em que casos, essa
dedicação poderia produzir paradoxalmente um distanciamento?; (b) falta
de envolvimento do terapeuta: quais as fronteiras entre distanciamento e a
desistência do caso? Com quais clientes certo distanciamento afetivo seria
producente?
• Referentes às expectativas: (a) o que ocorre quando o terapeuta deseja
mais a mudança que o cliente?; (b) o que esperar como resultado em casos
BOOKS
que há um prognóstico ruim?
• Referentes ao vínculo: (a) em uma supervisão de grupo, como o terapeuta
pode se vincular com seu cliente, quando outro familiar do cliente é
atendido por um colega de supervisão e apresenta uma versão diferente
dos fatos?; (b) considerando a mentira um estímulo aversivo, como o
terapeuta constrói vínculo um cliente mentiroso?; (c) como ser empático
GROUPS
com um cliente difícil (agressivo, abusador, infrator, criminoso)?
INDEX
ao terapeuta, que afixou, em seu prédio e no prédio de amigas, avisos acerca
da disponibilidade de uma empregada doméstica e divulgou o próprio telefone
como contato. Questionou-se então, em supervisão, se ela não estava indo longe
demais. Analisamos que a cliente era queixosa e não se comportava na direção de
eliminar a situação aversiva. A preocupação e os cuidados produzidos pelo seu
comportamento de reclamar parecem ter sido reforçadores, já que as queixas
se mantiveram, apesar das ajudas oferecidas. Essa análise foi importante para
BOOKS
que o terapeuta entendesse {e ajudasse a cliente a entender) as consequências
reforçadoras de curto prazo (atenção, cuidado) do seu comportamento de
reclamar, assim como as consequências aversivas de longo prazo (falta de
emprego, dificuldades financeiras). Além de analisar consequências junto com a
cliente, confrontou-a quando queixar-se, sem indicar perspectivas de melhora,
ocorria em sessão, provendo consequências tanto para instâncias de problemas
GROUPS
quanto para instâncias de melhoras. Esses procedimentos foram mais eficientes
TERAPIA ANAIITICO-COMPORTAMFNTAI
do que arrumar um emprego para a cliente (na medida em que a cliente com o
padrão queixoso provavelmente passaria a queixar-se de outra coisa, continuando
assim o sofrimento envolvido na condição que produzia cada queixa). Essa cliente
e outros com padrão de com portam ento queixoso ou aqueles que afirmam
querer alguma coisa, mas têm dificuldades de se engajar em sua obtenção,
eventualmente podem produzir no terapeuta uma preocupação excessiva.
O terapeuta pode engajar-se em com portam entos de aparente ajuda que, na
verdade, só mantém o problema. A regra que form ulam os foi a de que, se nos
perceberm os pensando demais em algum caso ou preocupados demais com
algum cliente, gastando tempo nos perguntando como podem os resolver alguns
■ m .
INDEX
cuidados, mais ainda em terapeutas com um padrão pessoal de cuidar de
outros. Clientes agressivos ou indecisos tendem a produzir irritação, mais ainda
em terapeutas impacientes. Há também os clientes sedutores, desrespeitosos,
invasivos, dramáticos, monossilábicos, tímidos, teóricos. Discutir quais são os
perfis dos clientes que mais nos impactam como terapeutas facilita a observação
de uma variável peculiar da interação terapêutica: padrões de comportamento
BOOKS
do cliente versus padrões de comportamentos do terapeuta. Ao ser identificada
essa variável, algumas análises tornam-se mais claras. É o caso de um terapeuta
que apresentava maior dificuldade na terapia com um cliente que falava pouco.
O fato de o cliente falar pouco levava esse terapeuta a fazer mais perguntas com
a finalidade de entender o problema do cliente. Esse tipo de interação produzia
ansiedade no terapeuta. Sendo a queixa do cliente justamente falar pouco (fato
que produzia ansiedade no terapeuta), este precisou identificar que a ansiedade
GROUPS
em sessão era oriunda tanto da sua história de vida quanto da do cliente, e
TERAPIAANAI ÍTICO-COMPORIAMFNTAL
ajudá-lo, e isso pode fazer com que ele se engaje mais nas consultas. O terapeuta
telefonar, responder a e-maiis e a mensagens de celular, entre outros, corresponde
a uma maior dedicação que, em alguns casos, parece trazer benefícios ao
tratamento, pois o cliente sente que o terapeuta está presente e engajado. Tanto
no caso de Regina como no de Roberta, os terapeutas telefonavam para elas e
trocavam mensagens pelo celular ou e-maií. Ocasionais falhas em responder à
mensagem do terapeuta produziram rupturas importantes no vínculo terapêutico.
INDEX
Um exemplo foi dado no capítulo que descreve o caso de Regina. Em uma ocasião,
a cliente pediu uma sessão extra na mesma semana. O terapeuta concordou, mas
não foi possível achar nenhum horário em comum para marcar a sessão. Nas duas
semanas seguintes a esse episódio, a cliente faltou à sessão sem avisar o terapeuta
e, quando retornou, disse quanto tinha ficado chateada pela "recusa do terapeuta
em marcar a sessão” e disse, ainda, que nesse período pensou seriamente em se
matar para que o terapeuta visse quanto a tinha magoado. Contou também que
BOOKS
só não seguiu em frente com esse pensamento, pois não queria estragar a carreira
do terapeuta.
Com outra díade, mesmo se encontrando em todas as semanas,
aproximadamente por uma hora, a cliente saía da sessão “digerindo” os
assuntos que foram conversados e, durante a semana, mandava um e-mail para
o terapeuta contando alguma coisa que sentiu ou que analisou. O terapeuta
GROUPS
sempre lia os e-mails e, quando tinha disponibilidade, respondia. Quando não
TERAPIAANALITIC0-C0MP0R1AMLNIAL
INDEX
se que ele estava sendo excessivamente cuidadoso e que a cliente poderia
estar incomodada com tanto cuidado. Foi sugerido, portanto, que o terapeuta
suspendesse as recom endações e os cuidados e solicitasse mais da cliente uma
reflexão a respeito do que ela achava que poderia ser feito para resolver o seu
problema. Na sessão seguinte, o terapeuta evitou falas de cuidados e, quando a
cliente se queixava de algo, ete perguntava 0 que ela estava pensando em fazer
BOOKS
em relação ao seu problema. No fim da sessão, a cliente disse ao terapeuta que
tinha gostado muito daquela sessão e perguntou se 0 terapeuta tinha acordado
(sugerindo que antes ele estava dorm indo em relação à efetividade da ajuda que
ela estava empreendendo). Portanto, faz-se necessário ter uma boa análise do
caso para a realização das melhores intervenções. A ação do terapeuta tem que
estar baseada em uma hipótese terapêutica, e 0 efeito das intervenções precisa
ser bem observado. Se o efeito fo ro de produzir engajamento do cliente naterapia
GROUPS
(contando que o terapeuta esteja em preendendo uma dedicação pertinente
TERAPIAANALÍTICO-COMPQRTAMÉNTAI
e não deixando de lado coisas importantes da sua vida pessoal para auxiliar o
cliente), essa parece ser uma consequência importante; agora, se o efeito for o de
gerar irritação, incômodo ou distanciamento do cliente, o terapeuta precisa rever
suas intervenções.
Em terapia, não é apenas 0 cliente que se distancia; muitas vezes, o terapeuta
acaba se distanciando e produzindo um abandono por parte do cliente da terapia.
São diversos os motivos que podem produzir essas circunstâncias, entre os quais
o terapeuta pode ter criado expectativas demais em relação ao caso e ter-se
frustrado e se sentir exigido demais pelo cliente ou seus familiares, ou a terapia
do cliente esteja concorrendo com outra contingência importante da vida pessoal
ILKAPLUIICA
se mostra muito dependente do que oterapeuta considera. Fora da sessão, ele liga
pedindo conselhos, quer contar coisas difíceis que aconteceram e manda longos
e-maifs com várias dúvidas. Com a finalidade de não reforçar a dependência do
cliente de aprovações de outros, o terapeuta poderia discutir com o cliente que
não seria produtivo que o terapeuta lhe respondesse sempre que o cliente tivesse
alguma dúvida. Nesse caso, seria bom o terapeuta adotar uma postura coerente,
ao analisar que, se ele se disponibilizar demais em atender a essas solicitações
INDEX
excessivas, manterá o com portam ento-problem a do cliente de se comportar
em função de aprovações externas. Nesse caso, a falta de dedicação persistente
do terapeuta pode ser considerada adequada. Ele sabe que não responder a
essas solicitações tem uma finalidade terapêutica. Ao contrário desses casos,
às vezes o terapeuta se sente irritado ou incapaz de lidar com as exigências,
podendo também estar envolvido em outras coisas. Essa não dedicação com o
caso produz um distanciamento, o que leva o cliente a desistir da terapia. Essa é
BOOKS
uma possibilidade que deve ser monitorada com os terapeutas do nosso grupo.
Todos têm atividades acadêmicas que podem exigir, em vários momentos, alto
grau de dedicação, como no momento da confecção de suas dissertações e teses,
quando o tempo físico e a disponibilidade de escutar podem ficar diminuídos.
Por exemplo, quando o terapeuta passa a não conseguir mais atender o cliente
semanalmente, no mesmo horário, pode surgir a necessidade de alguns encaixes.
GROUPS
O cliente não tem outros horários para disponibilizar em razão do seu trabalho,
TFRAPIA ANAIJTICO COMPORIAMLN l'AL
mas aceita ser atendido quando o terapeuta tem disponibilidade. Supondo que o
terapeuta esqueça de retornar a algumas ligações desse cliente, os atendimentos
passam a ficar mais espaçados, e o cliente, apesar de entender os motivos do
terapeuta, sente a necessidade de uma maior atenção e dedicação por parte do
terapeuta. Esse cliente pode desistir da terapia em razão da “desistência” anterior
do terapeuta. Antes, o terapeuta tinha disponibilidade e, depois, passou a não ter.
Essas mudanças de contextos acontecem e devem ser discutidas com o cliente,
assim como suas consequências e as medidas que ambos adotarão em razão
disso. Um cliente que precise de uma assistência maior (regularidade de horários
204 e datas, retorno às ligações) teria dificuldades de se manter numa terapia na qual 0
INDEX
ele analisou e considerou como centrais, mas que o cliente não deseja ou para
os quais ele ainda não está preparado, a terapia perde o sentido para aquele que
a procurou. Algumas vezes, os clientes nos procuram com diversas queixas, mas
estão interessados em se engajar na mudança de algumas delas; outras vezes, eles
não se sentem preparados ainda para discutir um assunto mais difícil e preferem
começar pelos mais fáceis (o que facilita a adesão dele ao tratamento). Ou algumas
BOOKS
mudanças exijam certo empreendimento e esforço que eles ainda não se veem
preparados para encarar ou realmente não há disponibilidade no momento.
Algo assim ocorreu na terapia do João. Em uma supervisão, a terapeuta relatou
que João havia feito menção de uma situação na infância semelhante a um abuso
sexual, a qual ele, com certa distorção, contou em terapia. Durante a infância, João
cedia favores sexuais aos amigos da sua rua em troca de pertencer a esse grupo.
Mas os favores sexuais lhe causavam dores e medo de ser descoberto pelos pais.
GROUPS
João descrevia-se como “malandrinho” desde pequeno, tanto é que fazia esses
TERAPIAANALII ICO COMPORTAMENTAL
favores. Ele não entrou em contato com o sofrimento que aquilo produziu nele
durante a infância e nas possíveis consequências desses eventos para a sua
vida afetiva e sexual atual. Discutimos em supervisão que esse tema deveria ser
abordado com ele novamente. Nesse caso, a terapeuta soube prever que João
recusaria entrar no assunto e sabia que ele apresentaria um forte argumento:
ele estava de viagem marcada pra trabalhar em outro país por alguns meses.
Encaminhamos essa situação sugerindo à terapeuta discutir seu conflito com o
próprio cliente. Foi o que ela fez. Na sessão seguinte, disse que achava que seria
interessante se eles falassem mais sobre o ocorrido, mas que tinha dúvidas sobre
a adequação do momento por causa da viagem. Diante do exposto, João preferiu 205
não falar desse assunto naquele momento. Foi uma esquiva aceitável? Deveria
t e r a p e u t ic a
ter sido bloqueada? Seria adequado a terapeuta insistir em um assunto tão difícil
como esse, se não poderiam se aprofundar no tema? Ou a oportunidade não
deveria ser ignorada, pois o momento de revelação tinha sido exatamente aquele
na relação
INDEX
ao
se satisfazer com pouco? Não sabem os ao certo a resposta, mas sabem os que
o meio term o é a meta. Precisam os verificar se não esperam os demais ou de
menos dos casos que atendem os em especial os casos com prognóstico difícil.
q u lm ò ls
BOOKS
estabelecim ento de um bom relacionam ento em que cliente e terapeuta
se sintam à vontade para expor suas ideias (mesmo que haja discordância),
pequena dim inuição de frequência de com portam entos-problem a em sessão,
aparecim ento de com portam entos de melhora (mesmo que discretos), pequenas
generalizações para ambientes externos.
referentes ao vínculo
Vincular-se a um cliente nem sempre é uma tarefa fácil. As dificuldades na
criação de vínculo podem ser idiossincráticas a um terapeuta, provavelmente em
razão de sua história de vida. Todavia, há algumas situações mais universais que
dificultam o vínculo, uma das quais ocorre em casos de supervisão conjunta. No
nosso grupo de supervisão, ocorreu essa dificuldade, relatada no caso descrito
a seguir. Esse foi um dos casos apresentados no Encontro Clínico Analítico-
Comportamental em 2007 (ECAC), que discutiu com profissionais convidados da
área da terapia analítico-comportamental casos clínicos atendidos por alunos do
206 Laboratório de Terapia Comportamental (LTC) da Universidade de São Paulo.
INDEX
Ela procurou. Ele começou aseratendido e logo conquistou também aterapeuta
Gabriela. Entre as atividades que eram propostas pela terapeuta Gabriela, havia
também a orientação de país. Marcela estava sempre presente à orientação e criou
um vínculo bastante próximo com a terapeuta Gabriela. Gabriela chegou a fazer
uma visita à escola de Erick, sendo também muito bem recebida por Marcela em
sua casa, já que esta era próxima à escola. Marcela passou não só a falar sobre
BOOKS
Erick com a terapeuta Gabriela, mas também sobre os dois outros filhos que
moravam com ela. Falava também sobre sua solidão, tristeza e queixava-se por
estar desempregada há muitos meses. Durante as orientações de país, a terapeuta
Gabriela pôde perceber que Marcela sofria e que, portanto, precisava de ajuda.
Marcela foi encaminhada à terapeuta Adriana, uma colega de supervisão de
Gabriela, que foi alertada sobre a necessidade de Marcela ser acolhida. Aterapeuta
Adriana acolheu. Ouviu, sentiu e sofreu junto com Marcela. Percebia muita tristeza,
GROUPS
incompreensão, solidão e uma grande dificuldade de lidar com coisas simples do
TERAPIA ANALÍTICO-COMPORÍAMLN 1AL
I LRAPEIJTICA
seus problemas era reforçadora, mas mais reforçadora ainda era a mobilização do
outro diante de sua queixa. E assim seguia Marcela, queixando-se durante a sessão
e mobilizando os demais, para que estes resolvessem seus problemas.
Um belo dia, a coordenadora da escola de Erick entrou em contato com a
QUESTÕES RELATIVAS AO COM P RO MFTI MENTO NA RELAÇAO
terapeuta Gabriela. Nesse contato, foi exigido de Gabriela que ela encontrasse um
psicólogo quanto antes para Daniel, irmão mais velho (um ano) de Erick. A queixa
era bastante parecida com a de Erick. Diziam que Daniel era agressivo, agitado,
não tinha concentração e também apresentava baixo rendimento escolar.
Diante de tal pedido, o terapeuta Mareio passou a atendê-lo. Logo se
percebeu que Daniel testava limites. Mexia-se muito, corria muito, saía da sala de
atendimento, dava trabalho ao terapeuta. O terapeuta Mareio, por sua vez, logo
INDEX
teve um problema de horário e precisou encaminhar Daniel. A terapeuta Mônica
passou a atendê-lo e conseguiu mostrar-lhe limites. Criou um ótimo vínculo com
ele e pôde dar a ele a atenção que ele não tinha, o carinho que lhe faltava até mesmo
dentro de casa. Daniel aprendeu um pouco sobre como expressar o que sentia e
como controlar sua raiva. Por circunstâncias da vida, a terapeuta Mônica também
teve que ir embora, precisou mudar de cidade e encaminhar o caso. A terapeuta
Carolina passou a atendê-lo e também pôde manter com ele um vínculo bastante
BOOKS
agradável, dando-lhe a atenção de que ele tanto precisava. Daniel apresentava-se
bastante carente, parecendo sozinho e, a um só tempo, dependente dos demais.
Tanto Mareio como Mônica e Carolina faziam parte do mesmo grupo de
supervisão do qual participavam Gabriela e Adriana. Desse modo, os terapeutas
de Erick, Marcela e Daniel apresentavam e discutiam o caso de seus clientes uns
com os outros, podendo fazer relações entre as análises de cada um dos membros
GROUPS
daquela família. Afinal, por formarem uma família, cada um dos clientes era
TERAPIA ANAL1'I ICO COMPORTAMENTAL
INDEX
passou-se a pensar nas intervenções que seriam feitas, de modo sincronizado, ou
seja, de modo que uma intervenção não prejudicasse o andamento da terapia do
outro cliente.
Apesar dessas vantagens, essa form a de supervisão tem trazido à tona alguns
impasses, afinal, tudo quanto o terapeuta sabe sobre a realidade de seu paciente
não poderia gerar um sentimento de impotência, por exemplo. Por sua vez, tal
sentimento poderia ser uma vantagem ou uma desvantagem para o terapeuta?
BOOKS
Desse modo, parece que uma supervisão conjunta, a fim de montar o quebra-
cabeça de uma família, é um assunto que merece ser discutido.
Durante os debates no ECAC, em 2007, os convidados ressaltaram as
vantagens resultantes das informações que os vários terapeutas traziam.
Não acharam grandes os problem as que procuram os descrever na época.
Possivelmente não os descrevem os bem, só conseguim os nomear e descrever
as dificuldades mais adiante.
GROUPS
TERAPIAANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
INDEX
estão mentindo, ou sendo informados desse fato. Considerando a mentira um
estímulo aversivo, estabelecer empatia e criar um vínculo com um cliente que
sabemos que não nos conta a verdade é uma tarefa difícil, especialmente para
alguns terapeutas. Em terapia, o cliente está sob controle tanto da audiência do
terapeuta quanto da própria audiência. Em relação à própria audiência, algumas
vezes o cliente pode mentir por não poder dizer as coisas para ele mesmo ouvir.
Por exemplo, um cliente que agride seu filho. Ele pode ter dificuldades de ouvir
BOOKS
que ele se comporta dessa forma; portanto, ele mesmo pode chegar a mentir para
não ouvir isso. Em relação à audiência do terapeuta, o cliente pode mentir com
a finalidade de manipular a audiência do seu terapeuta para ele escutar dele as
coisas que gostaria de ouvir. Um cliente pode, com frequência, brigar com a sua
mãe, mas contar ao terapeuta que é a mãe que vive brigando com ele. A função
dessa “mentira" seria a de escutar algo empático do terapeuta de como deve ser
GROUPS
difícil conviver com a sua mãe. Uma das alternativas que encontramos para isso é
TERAPIAANAÜTICO-COMPORTAMENTAL
INDEX
Concluindo, é bem verdade que o estabelecimento de uma boa relação
terapêutica é fundamental para o sucesso da psicoterapia, como atestam tantos
estudos revistos e organizados pela Força-Tarefa Interdivisões (Divisões 12 e 29
da APA) em Relações Terapêuticas Baseadas em Evidência (Norcross, 2011). As
conclusões da força-tarefa indicam que o relacionamento entre 0 cliente e o
clínico é crucial e é um determinante fundamental do sucesso da psicoterapia.
BOOKS
Mas é necessário considerar que uma boa relação terapêutica é bem mais do
que produzir um relacionamento agradável e que muitos elementos devem ser
levados em consideração. Devemos, portanto, levar em consideração outra das
conclusões da força-tarefa: “A relação terapêutica atua em conjunto com métodos
de tratamento, características do paciente, e qualidades do profissional na
determinação da eficácia; uma compreensão abrangente da psicoterapia eficaz (e
ineficaz) irá considerar todos esses determinantes e suas combinações ideais”
GROUPS
TERAPIA ANA! ÍTICO-COMPOKIAMFNTAL
INDEX
BOOKS
GROUPS
A PsicoTERA PiA A n a l í t i c a F u n c io n a l -
F u n c t i o n a l A n a ly t ic P s y c h o t h e r a p y (F A P )
INDEX
o que era, na prática, a Psicoterapia Analítica Funcional, quais as dificuldades
que encontrávamos no decorrer dos nossos atendimentos e quais as soluções
pensadas. Esse processo de reflexão sobre a FAP tem sido tão interessante e
enriquecedor, que acreditamos que seja importante compartilhar esse percurso
com os demais interessados na abordagem.
Histórico
BOOKS
Do nosso ponto de vista, a FAP resgatou o que de melhor havia na modificação
do comportamento. As primeiras aplicações da análise do comportamento
trabalhavam com a metodologia e procedimentos de laboratório da análise
experimental do comportamento em situação natural, como com crianças com
problemas de desenvolvimento. Nessas situações, trabalhava-se em uma situação
um a um, com o sujeito e o experim entador frente a f rente, cujos comportamentos
GROUPS
eram ensinados em tentativas discretas, seguidamente, em número previamente
estipulado. O ambiente era controlado para evitar estimulação indesejável, 0
reforço era programado, registros eram feitos e gráficos confeccionados, para
facilitar a análise dos resultados obtidos e determinar 0 curso dos trabalhos. O
sucesso desses procedim entos foi responsável, em grande parte, pela divulgação
da análise comportamental aplicada. Entretanto, os primeiros trabalhos
publicados visavam mais a uma demonstração da aplicabilidade dos princípios de
aprendizagem da análise comportamental à área humana do que a sua aplicação
para uma ampla gama de problemas comportamentais em ambientes naturais.
Foram desenvolvidos, então, novos procedimentos que permitiram superar
algumas das limitações dessas aplicações iniciais, mas que, simultaneamente,
INDEX
notaram que, nas sessões de terapia com esses clientes, a relação entre terapeuta e
cliente era particularmente intensa, envolvente e ocorria naturalmente, parecendo
estar relacionada com mudanças maiores do que as esperadas. Algumas questões
começaram a surgir sobre 0 que acontecia em sessão, e os autores se lançaram
na investigação: tendo o behaviorismo radical como pressuposto filosófico, como
explicar 0 que estava ocorrendo nessa relação entre terapeuta e cliente? O que
havia de especial? O que 0 terapeuta estava fazendo em sessão que ajudava 0
BOOKS
cliente com os problemas que ocorriam fora da sessão em tão larga escala? Nessa
investigação, esses autores desenvolveram a FAP.
A FAP propõe uma releitura do processo psicoterapêutico na perspectiva
analítico-comportamental, tendo as variáveis da relação terapêutica como
instrumentos de mudança comportamental (Kohlenberg & Tsai, 1991/2001; Tsai et
al., 2009/2011). De início, foram realizadas observações clínicas sistemáticas das
GROUPS
intervenções do terapeuta e seus efeitos, ef tendo como base os princípios e
conceitos comportamentais, foram construídas explicações acerca desses efeitos.
Em um segundo momento, os conceitos comportamentais foram aplicados,
associados com a teoria, e os dados de laboratório foram usados para informar,
modelar e refinar essas intervenções (Tsai et al., 2009/2011).
O resultado dessas investigações foi a recuperação das características iniciais
da aplicação da análise do comportamento no trabalho clínico em consultório,
sistematizado na FAP. O principal mecanismo de mudança da FAP foi descrito
como o trabalho que ocorre na própria relação terapêutica, tendo como foco a
modelagem direta e o fortalecimento de novos repertórios comportamentais por
meio do reforçamento. Com o se sabe, quanto mais próxima do comportamento
BOOKS
da sessão exercerão seus maiores efeitos sobre 0 comportamento do
cliente que ocorrer na própria sessão, então a principal característica de um
problema que poderia ser alvo da FAP é que ele ocorra durante a sessão.
Além disso, os progressos do cliente também deverão ocorrer durante a
sessão e serem naturalmente reforçados pelos reforçadores existentes na
sessão. O mais importante é que os reforçadores sejam as ações e reações
do terapeuta em relação ao cliente (p. 19-20).
GROUPS
TERAPIA ANALÍTICO-COM PORTAM LN TAL
Para que o terapeuta pudesse ajudar 0 cliente por meio das funções descritas
acima, a FAP estipulou três tipos de CCR: os com portam entos-problem a que
ocorrem na interação terapêutica (CCR1), os comportamentos de melhora que
ocorrem também na interação em sessão (CCR2) e a descrição funcional pelo
cliente das variáveis que controlam seus comportamentos (CCR3). As definições
de CCRs são, portanto, funcionais, sendo possível descrevê-los individualmente
para cada cliente, tornando-os idiossincráticos.
Assim, quando 0 CCR ocorre em sessão, o terapeuta FAP tenta modelar
o comportamento do cliente usando as contingências imediatas e naturais,
aumentando a frequência dos CCR2S (que devem ser seguidos de respostas 215
#
PSICOTERAPIA ANALÍTICA FUNCIONAL - hUNC MONAL ANAIYTIC PSYCHOTHERAPY
INDEX
Esse resgate dos preceitos da análise do comportamento trazido pela FAP
para dentro da relação terapêutica tem sido bastante atraente para nós, e a
temos usado com frequência nos atendimentos clínicos discutidos em nosso
grupo de supervisão. Em nossa experiência, quando discutimos as intervenções
FAP realizadas nos diferentes atendimentos, fica evidente a segurança de que
estamos nos apoiando nos principais preceitos da análise do comportamento. E,
nesse sentido, podem os dizer que a proposta da FAP funciona suplementando a
BOOKS
observação dos terapeutas analítico-comportamentais durante os atendimentos.
GROUPS
discutir com propriedade as perguntas levantadas, alguns membros do grupo
LRARAANAI FI CO-COM PO RTAMENTAL
INDEX
eficiente e não punitiva (Tsai et al., 2009/2011). Entretanto, mesmo depois de ter
sido estabelecido o vínculo terapêutico e de o cliente ter consentido nessa forma
de trabalho, seria necessária uma introdução gradual da FAP, ou esta poderia ser
introduzida repentinamente nas sessões de terapia?
Com base na pergunta levantada mediante a pesquisa de Priscilla e na
continuidade às investigações sobre FAP, Claudia Oshiro optou pelo delineamento
BOOKS
experimental de caso único, de reversão. Em outras palavras, a FAP foi introduzida,
frequente e sistematicamente, em duas fases experimentais, as quais eram
intercaladas porfases de retirada da FAP (delineamento do tipo A-B-A-B-A, no qual
B são fases FAP), a fim de verificar quais as diferenças que sessões FAP produziam
no comportamento do cliente (Oshiro, 2011; Oshiro, Kanter, & Meyer, 2012).
Para isso, Claudia precisou questionar quais arranjos experimentais
permitiriam introduzir a FAP de form a frequente e sistemática, de uma sessão
GROUPS
para outra, quando fosse mudar de fase experimental, na tentativa de resolver e/
ou considerar as dificuldades encontradas na pesquisa da Priscilla. Ou seja, como
alternar fases sem FAP e outras com FAP sem o período de transição necessário
na pesquisa de Priscilla?
Nessa tentativa, Claudia selecionou, como participantes da pesquisa, clientes
que já estavam em terapia havia alguns anos, afim de controlar possíveis variáveis
intervenientes. Uma vez que os casos clínicos estavam bem consolidados e com a
relação terapêutica estabelecida, havia maior clareza da melhor form a de utilizar
a FAP com cada cliente selecionado (eles já haviam passado por intervenções
FAP nos anos anteriores e estavam mais adaptados a ela) e, com isso, maior
probabilidade de permanência dos clientes ao longo da coleta de dados (menor
INDEX
Essa explicação pode ser m ostrada com 0 trecho retirado da sessão da
cliente Roberta:
BOOKS
T.: Então, vamos retomar um pouco isso.
C.: Tá bom.
T.: Eu estou querendo estudar um pouquinho sobre 0 que 0 terapeuta
faz que pode produzir algumas melhoras no cliente. E assim eu tenho
alguns procedimentos que podem fo ca r no que acontece na nossa
relação aqui em terapia, ou que podem foca r nas coisas que acontecem
lá fora.
GROUPS
TERAPIAANALhlCO-COMPORIAMENTAL
Além desses cuidados com a preparação prévia dos clientes, para que o
delineamento fosse bem-sucedido, Claudia tentou definir, de forma clara, quais
diferenças haveria em sua atuação entre as sessões da fase de introdução da FAP
e aquelas da fase de retirada, ou seja, como deveria agir nas sessões FAP e nas
sessões não FAP.
Na busca por uma resposta, foi necessário refletir sobre o passo a passo do
INDEX
isso, procuram os conversar, em reuniões científicas, com colegas clínicos que
utilizavam a FAP em sua prática clínica. Não obtivem os as respostas desejadas,
pois nossos colegas ora comentavam, de form a geral, que a FAP era uma forma
de intervenção ou técnica, ora relatavam aspectos da relação terapêutica; mas
não conseguiam detalhar o que faziam em sessão que lhes dava a clareza de que
estavam utilizando a FAP.
Ainda na busca de respostas, nosso grupo contatou o Prof. Dr. Jonathan Kanter
BOOKS
da University o f Wisconsin~Milwaukeer que também estava às voltas com o desafio
de conduzir uma pesquisa em FAP de form a experimental (Kanter et al., 2006). No
primeiro momento, Jonathan nos informou de que eles estavam tentando definir
uma sessão FAP de form a a tornar possível iniciá-la repentinamente no meio da
terapia. Ele estava visando também à condução de um delineamento experimental,
no qual a FAP seria uma variável a ser introduzida (como em um delineamento do
GROUPS
tipo A-B, no qual B é fase FAP). Nesse sentido, estavam trabalhando com a ideia
T LRAPIA ANALÍ7ICO-COMPORTAMENTAL
•-
PSICOTFRAPIA ANALÍTICA FUNCIONAL - I UNCIIÜNAL ANALYllC PSYCHOl HERAPY
com Weeks, Kanter, Bonow, Landes e Busch (2012), a característica principal dessa
interação lógica seria que as cinco regras da FAP fossem realizadas na sequência.
Não seria apenas por uma conveniência didática, e sim uma sistematização de
como as interações FAP efetivas geralmente ocorriam. Dessa maneira, havia um
desenvolvimento natural da sessão que ia desde a identificação das semelhanças
entre os problemas do cotidiano com os comportamentos emitidos em sessão
(Regra 1) a subsequente generalização dos problemas do cotidiano para a relação
terapêutica mediante evocações do terapeuta (Regra 2), aplicações terapêuticas
das consequências ao comportamento problema na tentativa de evocar e modelar
o comportamento de melhora (Regra3), avaliação do terapeutade como a interação
afetou o cliente naquele momento (Regra4) e generalização dos comportamentos
INDEX
de melhora emitidos em sessão para a vida cotidiana (Regra 5).
Assim, com base na condução dos atendimentos de Claudia, pudemos
compreender algumas características importantes do que poderíamos considerar
como sendo uma sessão FAP, mediante aquilo que o terapeuta deveria fazer
para conduzi-la. Além disso, buscamos discutir qual seria a frequência ideal de
utilização das regras da FAP em uma sessão e nos deparamos com tentativas para
definir alguns parâmetros sobre o que caracterizaria tanto uma sessão FAP quanto
BOOKS
uma intervenção FAP, ou mesmo uma terapia FAP.
Acabamos por concluir que uma intervenção FAP, quando apresentada de
forma isolada, trata de um uso não sistemático da FAP durante os atendimentos
clínicos, como a maioria dos integrantes do grupo fazia. Ou seja, trata-se da análise
da relação terapêutica e modelagem de repertórios em sessão, sem a preocupação
em fazer isso com cada CCR apresentado em sessão e/ou sem a preocupação
GROUPS
de seguir as regras do terapeuta de forma sequencial ou completa. Esse tipo de
TERAPIAANALITICO-COMPORTAMFNTAI
uso da FAP pode ser importante quando introduzido dentro da terapia analítico-
comportamental, mas não pode ser usado para definir uma sessão FAP, pois, nesse
caso, as intervenções do terapeuta dentro da sessão devem estar direcionadas
a trabalhar prioritariamente com os CCRs, evocando-os sempre que possível,
identificando-os e provendo consequências adequadas a todos eles.
Portanto, para definirmos umasessão FAP, precisamos observar, no trabalho do
terapeuta, a utilização sistemática das regras da FAP e modelagem do repertório
do cliente durante a sessão, seguindo ao máximo a interação lógica definida por
Weeks et al. (2012). Essa certamente não se mostrou uma tarefa fácil durante as
220 pesquisas do grupo. A realização de uma sessão FAP envolve a necessidade de
INDEX
também a promoção de mudanças importantes no repertório do cliente.
Por último, pudem os refletir o que é necessário para uma terapia ser considerada
FAP. Obviamente ela deve ser constituída de sessões FAP, mas vale pensar se
todas as sessões precisam ser FAP ou se apenas a maioria delas seria suficiente.
Algumas vezes, é possível perceber, durante uma sessão, a ocorrência de CCRs do
cliente que permitem a utilização de intervenções FAP. Nesse momento, cabe ao
BOOKS
terapeuta decidir se avança ou recua no trabalho desses CCRs, mas é necessário
saber claramente os motivos para qualquer uma das decisões. Recuar em algumas
poucas sessões pode ser bastante produtivo dentro de uma terapia FAP, pois
manejar CCRs é uma tarefa em geral bastante cansativa tanto para o terapeuta
como para o cliente. A emissão de CCRs, muitas vezes, envolve a ocorrência de
respostas emocionais do cliente e o reconhecimento, e consequencictção adequada
do terapeuta envolve grande atenção, envoivimento e possível exposição do
GROUPS
terapeuta. Na experiência do nosso grupo, pudem os observar que, no início de
TLRAPIA ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
INDEX
citadas, as quais aumentariam a probabilidade de 0 terapeuta atentar para 0 que é
relevante na interação terapêutica e atingir os objetivos propostos.
Com o citado acima, essas regras devem funcionar como suplementação verba!
ao trabalho de observação do terapeuta. No primeiro livro que foi publicado
sobre a FAP (Kohlenberg & Tsai, 1991/2001), foi enfatizada e considerada a Regra 1
como 0 coração da FAP, pois, ao observarm os os CCRs ocorrendo em momentos
específicos da sessão, alguma form a de trabalho estava sendo feita com eles.
BOOKS
Porém, só isso também não basta, pois é importante a forma em que se trabalham
esses CCRs. Como apresentado pelo Prof. Jonathan Kanter, durante um W orkshop
sobre FAP realizado na USP, em 2011, a Regra 3 é fundamental na condução da FAP,
pois, por meio dela, as mudanças terapêuticas, realmente ocorrem em razão da
consequenciação adequada que o terapeuta dá aos CCRs. Devemos lembrar que
se trata de um processo de modelagem do repertório do cliente, especificamente
GROUPS
do reforçamento de CCR2S que ocorrem na interação terapêutica (Regra 3).
TERAPIAANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
INDEX
tentar evocar as mudanças no repertório do cliente e quanto do responder contingente
do terapeuta é necessário para que tal mudança se mantenha? Acreditamos que
não há uma resposta para essa pergunta. Isso porque as variáveis pessoais do
terapeuta, do cliente e mesmo dos CCR2S escolhidos para serem evocados e
modelados influenciam muito na form a e frequência com que as respostas são
dadas aos CCRs e na forma como eles vão sendo modificados. Como já apontado,
a FAP é uma abordagem terapêutica idiossincrática e, a respeito disso, as variáveis
BOOKS
de cada caso devem ser levadas em consideração,
Além do mais, são observadas diferenças não apenas de caso para caso, mas
também ao longo do processo terapêutico de um dado cliente. Um dos exemplos
é 0 fato de 0 comportamento de melhora a ser evocado e reforçado modificar-se
continuamente, por se tratar de um processo de modelagem de repertório. Em
muitos casos, no início daterapia, 0 objetivo primeiro é modelar 0 comportamento
GROUPS
de vir à terapia e se engajar em mudanças. Posteriormente, quando o terapeuta
1LRAPIA ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
INDEX
os CCR2S podem ser uma alternativa para minimizar os efeitos aversivos de tais
procedimentos, uma vez que o terapeuta pode optar por responder contingente
a eles em maior frequência do que aos CCRis. Uma alternativa é selecionar uma
ou algumas topografias de CCRs para modelar (e não todas), uma vez que esses
comportamentos podem apresentar diferentes topografias, mas pertencer à
mesma classe funcional. Por isso, não é preciso responder a todas as topografias
BOOKS
de CCRs apresentadas, pois o trabalho de modelagem feito com alguns pode ser
generalizado para os demais da mesma classe. Em razão disso, a terapia pode ser
mais lenta quando os CCRis ocorrem em alta frequência.
No caso de Roberta, por exemplo, uma das clientes apresentadas neste livro,
o terapeuta observou a necessidade de lidar com uma sensibilidade exacerbada
da cliente aos sinais de ameaça real ou inferida no contexto da relação terapêutica,
como é típico nos casos de Transtorno de Personalidade Borderline. Em vista disso,
GROUPS
1LKAPIAANAl ÍTICO-COMPORTAMENTAL
foi necessário que o terapeuta fosse mais cuidadoso do que normalmente o era
com outros clientes para evocar e modelar os CCRs. Devido à alta frequência de
CCRis, oterapeutaencontrou dificuldades em se estabelecer como umaaudiência,
pois, se punisse cada emissão de CCRi apresentada, provavelmente a terapia se
tornaria bastante aversiva. Com isso, o terapeuta levou muito mais tempo do
que com outros casos, para evocar e modelar CCR2S. Quando estes ocorriam e o
terapeuta fazia tentativas de reforçá-los, a cliente discordava e se opunha, dizendo
que não queria mudar. Apenas no decurso dos atendimentos, a cliente acabou por
aceitar as tentativas de mudanças comportamentais descrevendo: como eu não
mudo, eu posso adicionar comportamentos ao meu repertório.
INDEX
seja, o fato de o cliente passar a apresentar em diversos contextos de sua vida
diária os comportamentos de melhora que apresenta em sessão. Essa verificação
deve, quando for possível, ocorrer de maneira direta, com observações e/ou
relatos das pessoas que convivem diariamente com o cliente. Não existindo essa
possibilidade, o terapeuta deve munir-se dos relatos de melhora apresentados pelo
cliente nas sessões, sempre levando em consideração o caráter não totalmente
confiável dessa form a de avaliação. Ou seja, mesmo observando uma frequência
BOOKS
maior de CCR2S em sessão, também é necessário que seja observado o aumento
da frequência desse tipo de relato, em oposição aos relatos de queixas/problemas.
Tentamos organizar aqui, de forma aproximada ao que ocorreu ao longo de
vários anos, como as perguntas iniciais sobre a FAP nos levaram a investigações
que nos trouxeram novas perguntas, algumas das quais mais fáceis de responder
do que outras. Para isso, os pesquisadores de nosso grupo precisaram de muita
GROUPS
concentração e dedicação na implementação sistemática da FAP, tal como
TERAPIA AN Al ÍTICO-COMPORTAMENTAL
INDEX
Supervisão FAP e envolvimento pessoal
Um dos objetivos do nosso grupo de supervisão é o de auxiliar o terapeuta a
identificar os padrões comportamentaís do cliente, os efeitos sobre o terapeuta
e os possíveis efeitos sobre as pessoas de sua vida diária (características do
funcionamento do grupo são também analisadas no capítulo Supervisão). Essas
informações são relevantes para definir os CCRs do cliente. Acreditamos que o
BOOKS
raciocínio clínico proposto pela formulação de caso da FAP ajuda o terapeuta a
observar a interação terapêutica como qualquer outra interação na vida do cliente.
Feito isso, o terapeuta torna-se capaz de utilizar a interação terapêutica como
instrumento de análise e modificação dos comportamentos do cliente. Nesse
tipo de análise, o terapeuta deixa de se considerar o alvo direto de agressões ou
qualquer outro comportamento incômodo ou inadequado do cliente (possíveis
CCRis), passando a considerar-se apenas mais uma pessoa com a qual o cliente
GROUPS
TERAPIA ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
estabelece esse modelo de interação (isso não exclui a possibilidade de que seja
algo particular da interação entre terapeuta e cliente). É essa posição assumida pelo
terapeuta que permite um trabalho verdadeiro e intenso na relação com o cliente,
e o grupo de supervisão muito pode auxiliar na condução de situações desse tipo.
Outra característica de nosso grupo de supervisão é que ele é conduzido
por todos seus membros de maneira próxima ao que é proposto na FAP. Isso
significa que os membros do grupo ficam atentos, durante o relato dos colegas,
para eventuais dificuldades do terapeuta que podem vir a atrapalhar a condução
do caso, ao impactarem a relação terapêutica (Ti, tal como descritos por Tsai et
226 al., 2009/2011). Quando os colegas do grupo desconfiam da ocorrência de tais
INDEX
terapêutico seja realizado dentro de uma relação de intimidade entre terapeuta
e cliente, na qual ambos ficam próximos um do outro. Porém, fica a pergunta
sobre como desenvolver a disponibilidade e as habilidades necessárias para tal
envolvimento pessoal.
BOOKS
Podemos dizer que o aprendizado da FAP envolve duas instâncias: intelectual e
experiencial (Kanter, 2011). A primeira delas é relativamente fácil de ser aprendida:
trata-se do estudo e discussão dos pressupostos da FAP. A segunda maneira,
experiencial, é mais difícil de ser aprendida, pois depende de o terapeuta vivenciar
todas as etapas que compreendem um processo FAP.
Alguns dos integrantes de nosso grupo a desenvolveram, ao se dedicarem ao
uso sistemático da FAP para a condução de pesquisa, seguindo 0 rigor experimental
GROUPS
necessário e gerando uma alta dedicação com 0 com prom isso de seguir todas as
I LRAPIAANAI ÍTICO-COMPORTAMEN IAL
♦
PSICOTERAPIA ANALÍTICA FUNCIONAL - bUNCMONAL ANAIYTIC PSYCHOTHERAPY
também muitas críticas. Por um lado, pessoas o descrevem como uma experiência
enriquecedora, de mudança e autoconhecimento profundos; por outro, muitos
têm questionado o porquê de tantas emoções evocadas, as vantagens dessas
evocações e os embasamentos teóricos e científicos por detrás delas.
Foram citadas anteriormente as cinco regras necessárias à condução da FAP.
Entretanto, os autores Tsai et al. (2009/2011), além de descreverem essas cinco
regras, descreveram algumas outras habilidades necessárias, relacionadas a
cada uma elas. No segundo livro publicado a respeito da FAP, são apresentadas
as palavras consciência, coragem, amor e behaviorismo, associadas às regras, de
forma que, ao estarmos atentos a CCRs e ao impacto de nosso comportamento
no cliente (Regras i e 4), devemos ter consciência do que está acontecendo aqui e
INDEX
agora; ao evocarmos CCRs do cliente (Regra 2), precisamos de coragem em face
de todas as dificuldades emocionais que acompanham os CCRs; ao reforçarmos
naturalmente os CCR2S emitidos (Regra 3), devemos ser naturalmente amorosos
para manter tais melhoras no repertório do cliente; ao realizarmos análises
funcionais sobre toda essa interação (Regra 5), devemos ser bons behavioristas.
Acreditamos ser relevante comentar um pouco mais sobre o termo "ser
am oroso”, relacionado à Regra 3. Como citado anteriormente, essa regra tem
BOOKS
sido considerada essencial na condução da FAP, pois é 0 seguimento dela 0
responsável pelo fortalecimento dos CCR2S do cliente em sessão. Desse modo,
como apresentado por Kanter (2011), tal comportamento amoroso diz respeito a (1)
saber 0 bastante sobre seu cliente para conseguir identificar pequenas melhoras
em seu comportamento; (2) saber 0 suficiente sobre relacionamento íntimo para
saber quando seu cliente está apresentando melhora; (3) estar disposto a correr
GROUPS
riscos para evocar e reforçar melhoras, principalmente (4) melhoras e sucessos
TERAPIA ANALÍTICO-COM PORTAM E NI AL
2. Vulnerabilidade
É preciso que o terapeuta esteja disposto a correr riscos, ou seja, emitir
respostas que possam ser incômodas para ele, mas que sejam benéficas para seu
cliente, diminuindo assim sua esquiva de dificuldades em favor de seu cliente.
INDEX
3. Aproximação emocional
É im portante a expressão de reações em ocionais verdadeiras, deixando
que seu cliente perceba o impacto que é causado em você, quando isso for
benéfico a ele.
BOOKS
É importante também que 0 terapeuta coloque em posição de igualdade em
relação ao seu cliente, não só em termos hierárquicos, mas também na condição
de outro ser humano que também sofre, e assim evocando e reforçando CCR2S
do cliente.
GROUPS
gerando maiores efeitos benéficos. A grande questão aqui é que parece muito difícil
TERAPIA ANALÍTICO COMPORTAMENTAL
em (1) conhecer teoricamente as regras descritas pela FAP, (2) aplicar tais regras e
(3) aplicá-las estando em uma relação de intimidade, vulnerabilidade e respeito,
sem deixar de ser uma relação terapêutica. Como muitos e importantes autores
já levantaram (Skinner, 1974; Vargas, 1974; Baum, 1999/1994), existe uma diferença
em “saber que" e “saber como”: 0 primeiro envolve muito mais 0 seguimento de
regras a partir da descrição de uma relação de contingência; 0 segundo envolve
a habilidade de executar o comportamento, que em geral é refinado pelas
contingências, na modelagem direta.
Sendo assim, parece importante a criação de um contexto em que o terapeuta
possa treinar a execução de tais habilidades, desenvolvendo um “saber como’',
levando 0 terapeuta a compreender, de forma mais precisa, as habilidades
INDEX
necessárias à aplicação da FAP; aumentar a habilidade de correr certos riscos
e agir com coragem no relacionamento terapêutico; aumentar a capacidade
de com preender o que está ocorrendo no momento entre terapeuta e cliente;
perceber e responder a momentos-chave em relações terapêuticas; aumentar a
habilidade de darfeedbacks que vão modelar melhoras nos clientes (habilidades
baseadas em Kanter & Villas-Bôas, 2012).
Diante dessas reflexões, acreditamos que workshops, quando conduzidos com
BOOKS
a visão de treinar habilidades terapêuticas, podem ser um contexto que privilegie
o desenvolvimento do repertório do terapeuta. Em nosso grupo, temos defendido
que workshops podem ser muito produtivos quando pensados de forma a:
GROUPS
2. auxiliar o contato de terapeutas com pensamentos e emoções importantes
TERAPIA ANAli 1ICÜ-COMPORTAMENTAL
INDEX
terapeuta. Além de a autoexposição auxiliar no autoconhecimento, ela potencializa
o aprendizado, ao produzir sentimentos importantes que indicam o contato com
contingências relevantes. Ademais, permite que o terapeuta se mostre vulnerável
em um contexto seguro de exposição. Mesmo durante as atividades propostas
em workshops, parece ser necessário que sejam respeitados os limites pessoais
de autoexposição; caso contrário, o contato com as contingências de história
BOOKS
individual e as emoções eliciadas portal contato podem sertão intensas a ponto
de impossibilitar o contato com as contingências do treino executado no momento
presente, impossibilitando o aprendizado.
Acreditamos que um worksbop, para se prestar a esses objetivos descritos
acima, deve enfatizar os princípios teóricos e conhecimentos acumulados pelas
pesquisas básica e aplicada da Análise do Comportamento e utilizar exercícios
experienciais para treinar habilidades terapêuticas destacando a relação
GROUPS
existente entre exercícios experienciais e a teoria. Além disso, parece essencial a
TFRAPIAANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
Considerações finais
O objetivo deste capítulo foi o de apresentar e esclarecer como a FAP tem
sido utilizada no nosso grupo de supervisão e como foi o nosso percurso para
responder aos questionamentos que surgiram ao longo da nossa caminhada.
Amadurecemos nosso raciocínio sobre o que era a FAP na prática e na pesquisa
e esperam os ter conseguido compartilhar aqui as conclusões a que chegamos.
Podemos sintetizá-las nos cinco questionamentos retomados a seguir. 231
♦
PSICOTFRAPIA ANALÍTICA FUNCIONAL - FUNCTIONAl ANALYIIC PSYCHOTHERAPY
INDEX
FAP se refere ao uso não sistemático da FAP durante as sessões, ou seja, trata da
análise da relação terapêutica ou da modelagem de repertórios em sessão, sem a
preocupação em fazer isso com cada CCR apresentado em sessão. Já uma sessão
FAP contém o uso sistemático das regras da FAP e a modelagem do repertório
do cliente durante a sessão, seguindo ao máximo a interação lógica definida por
W eeks et al. (2012). Embora a terapia FAP seja constituída de sessões FAP, nem
todas precisam ou devem ser FAP, mesmo que 0 processo terapêutico o seja. O
BOOKS
ponto chave na definição da terapia FAP é a consciência do terapeuta sobre os
CCRs do cliente; 0 terapeuta tem clareza dos motivos que 0 fizeram recuar ou
prosseguir na evocação e modelagem de CCRs.
Com relação ao nosso terceiro questionamento, quando falamos de nossos
sentimentos para 0 cliente ou quando analisamos nossa interação com o cliente,
estamos fazendo FAP? Podemos afirmar que, dependendo da função da descrição
GROUPS
e da análise do terapeuta dos sentimentos ocorridos em sessão, estamos seguindo
1LKAPIAANAIÍTICO-COMPORTAMENTAL
INDEX
ganhos surpreendentes para os clientes e, em razão disso, vale a pena investir em
formas de aprendizado teórico e também prátco, a fim de aplicá-la com todos
os recursos de que ela dispõe. As habilidades necessárias para sua condução
são bastante sutis e, em virtude disso, grandes ganhos podem ocorrer, ao serem
modeladas por contingências no repertório do terapeuta, necessitando para isso
de um aprendizado experiencial, e não apenas teórico.
BOOKS
Acreditamos que já pudemos com preender muitos aspectos relevantes e
importantes sobre a utilização, resultados e aprendizado da FAP. Porem, como
acontece em todo campo de pesquisa, nossas perguntas não pararam por aí.
Novas pesquisas experimentais estão sendo conduzidas pelo laboratório para
com preenderm os melhor os mecanismos de ação mais eficazes da FAP.
A pesquisa conduzida por Victor Mangabeira, por exemplo, visa investigar
diferentes formas de se evocar e consequenciar CCRs. Para isso, Victor alternou
GROUPS
essas diferentes form as de conduta a depender da fase experimental, constituindo
TFRAPIAANAÜIICO COMPORTAMENTAL
INDEX
da FAP e B a FAP será introduzida para modelar os CCRs dos clientes. Atualmente
tal pesquisa também se encontra em fase de coleta de dados.
Certamente novas perguntas (e consequentemente novas pesquisas) surgirão.
Ao menos no momento, estamos apostando nessa forma de pesquisa experimental
em clínica como um bom método para chegarmos a algumas das respostas que
temos procurado. As perguntas que form ulamos ao longo do tempo e o método
que escolhemos para responder a elas nos têm dado a segurança de utilizar a
BOOKS
FAP de form a científica e aplicável. Além de nossa própria percepção sobre isso,
foi com grande satisfação que recebemos o reconhecimento do trabalho de
doutorado de Claudia Oshiro que, além de nos ajudar a responder a muitas das
perguntas descritas acima, foi contemplado com o Prêmio Capes de Teses em
2012. Tal premiação mostra a cientificidade avaliada desse método de pesquisa e
a seriedade com a qual tal trabalho foi conduzido, sem deixar de lado os aspectos
aparentemente não tão científicos com os quais nos deparamos frequentemente
GROUPS
I LRAPIAANALÍTICO-COMPORTAMENTAI
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(2008). Integrating mental health into primary care: a global perspective. Geneva:
TERAPIA ANALÍTICO COMPORTAMENTAL
INDEX
BOOKS
GROUPS
INDEX
terapêuticos, o leitor será capaz de
acompanhar a formulação desses casos e
a conduta que faz a diferença entre uma
relação meramente social e uma relação
terapêutica, destinada a minimizar o
sofrimento humano.
Mas o texto não para aí. Revelando
toda a competência de uma equipe que
BOOKS
trabalha com afinco e dedicação sob
a direção segura, firme e tranquila da
Profa. Dra. Sonia Beatriz Meyer há uma
década, este livro ainda traz uma segunda
parte que orienta e salienta tudo o que é
imprescindível para que uma pessoa em
formação em terapia de cunho psicológico
possa exercer sua função profissional com
GROUPS
competência e delicadeza.
Um discurso sensível e com profundo
embasamento teórico-técnico, TAC
delineia os caminhos e as dicas a serem
percebidas no percurso da clínica
analítico-comportamental. Fruto da prática
de supervisão de casos clínicos, este livro
é um marco e um convite prazeroso ao
estudo e à condução constante e segura
da análise do comportamento clínico, em
relação terapêutica.
28/8/2015
INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões!
INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 28/8/2015
INDEX
cinco processos terapêuticos, o leitor será capaz de
acompanhar a formulação desses casos e a conduta
que faz a diferença entre uma relação meramente
social e uma relação terapêutica, destinada a
minimizar o sofrimento humano.
BOOKS
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