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Sou provavelmente o primeiro húngaro que vocês vêem e ouvem falar ainda por cima num

português bem estranho entre Portugal e o Brasil. Tem a ver com a minha formação. Mas eu sempre
digo que falo um português atlântico que se situa algures no entrelugar, no meio do Oceano
Atlântico, no meio do caminho entre o Brasil e Portugal

Estou aqui no Ceará e na UECE graças a um convênio assinado entre a UECE e a minha universidade,
a Universidade Eötvös Loránd (ELTE) de Budapeste, para estabelecer o ensino da língua e da cultura
húngara aqui no Ceará. O projeto encaixa-se num plano de maiores dimensões porque é uma
intenção firme da UECE criar um núcleo de línguas e culturas da Europa Central, Mitteleuropa, dos
países do assim chamado grupo de Visegrád que além da Hungria incluem a República Checa, a
Eslováquia, a Polónia e a Eslovénia, isto é a própria Europa Central. Portanto eu sou o pioneiro do
projeto, o primeiro professor de húngaro que me enche de muito orgulho e que sem qualquer dúvida
constitui um grande desafio para mim.

Além do ensino da língua sou responsável pela divulgação da cultura húngara aqui no Ceará o que
implica que estou dando também aulas sobre cultura, literatura, cinematografia, história da Hungria
e da Europa Central. Vou lançar agora um curso sobre Modernismo Húngaro e Modernismo
Austríaco em que abordarei a sociedade, a cultura e a arte das duas cidades, Budapeste e Viena, nas
últimas décadas da Monarquia Austro-Húngaro. Portanto quem estiver interessado está mais do que
bem vindo.

Nesta intervenção, nesta fala minha vou tentar definir e delinear algumas dificuldades e desafios no
ensino e na aprendizagem da língua húngara aqui no Brasil. Infelizmente até agora não tenho assim
tanta experiência de ensino de língua aqui na universidade porque o curso só se abrirá na próxima
segunda-feira mas nos últimos meses tenho dado várias aulas particulares de língua húngara o que
me permite já ter alguma visão, alguma perspetiva sobre as dificuldades e desafios aqui no Brasil.
Como professor de língua húngara tenho mais experiência sobretudo com alunos iranianos que falam
língua persa/farsi e com pessoas que falam a língua dari que basicamente é um dialeto da persa
vastamente falada e popularizada no território de Afganistão. No entanto ambas são línguas indo-
europeias como o português o que sugere que possa haver alguns paralelismos no que diz respeito
ás dificuldades do ensino e da aprendizagem sobretudo quanto á própria estrutura gramatical dos
idiomas. Porém a situação do ensino, a própria situação pedagógica e as motivações da
aprendizagem com estes alunos era completamente diferente tendo em conta que os iranianos
estavam aprendendo por razões económicas e os afeganes eram refugiados para quem aprender a
língua era mai suma questão política e uma questão de sobrevivência. Ou seja existe uma grande
diferença no nível das motivações das minhas experiências de ensino lá na Hungria e aqui no Brasil
onde a motivação principal é a própria curiosidade linguística e o interesse cultural por um idioma e
uma cultura distante e desconhecida porque na verdade se tivermos em conta a teoria de
dimensões culturais e „cultural distance” distâncias culturais do pesquisador holandês Geert
Hofstede sem qualquer dúvida a cultura brasileira e a cultura húngara se consideram culturas
bastante distantes, isto é, além da distância geográfica, existe uma distância histórica e geopolítica e
há pouca interferência e influência cultural direta entre os dois países (só os imigrantes húngaros no
Sul do Brasil).

Como acabo de delinear como motivação principal para a aprendizagem do húngaro uma certa
curiosidade e interesse linguístico-cultural podemos supor que quem decide aprender húngaro já
conhece e fala bem pelo menos uma outra língua estrangeira, ou até duas ou três, ou seja, já tem
uma perspetiva aprofundada sobre a estrutura e o funcionamento de um sistema gramatical e
fonético e tem alguma rotina e estrutura na própria aprendizagem de um idioma. Podemos
igualmente supor que segundo a lógica secular da modernidade e da hegemonia geopolítica das
culturas europeias essa língua estrangeira que o aluno conhece e que estudou é uma língua indo-
europeia. Claro que dentro do próprio grupo de línguas indo-europeias existem enormes diferenças
mas a própria lógica, o próprio funcionamento da língua é bem parecida, não falando já das várias
semelhanças entre sintaxe e vocabulário o que em princípio ajuda bastante o aluno aprender uma
nova língua deste mesmo grupo.

E no meu ver é aqui onde surge a primeira dificuldade na aprendizagem do húngaro: a língua
húngara não é uma língua indo-europeia, não se pode encaixar naquele esquema de estruturas que o
aluno já conhece das línguas indo-europeias. A língua húngara tem uma outra lógica, um outro
funcionamento que radicalmente difere destes idiomas. O húngaro, desta forma, exige a revisão e a
reestruturação dos próprios modelos e princípios de aprendizagem dado que os modelos pré-
estabelecidos através das línguas indo-europeias não podem ser aplicados durante o processo do
estudo.

A segunda dificuldade tem a ver com a ideologia da língua. Susan Gal, uma linguísta americana num
ensaio seu fala sobre a questão da ideologia que as diversas línguas carregam e refletem. Na
abordagem de Susan Gal cada língua evoca uma série de associações e preconceitos tanto
linguísticos e culturais que definem a relação do sujeito para com a língua. Essa é a própria ideologia
da língua (como o grande filósofo da Europa Central o Slavoj Zizek explicou o fato de vivermos numa
época pós-ideológica é uma ilusão, é ao contrário, a ideologia enche penetra todas as vertentes da
vida, como Zizek desenvolve está lá até no banheiro, nas diversas formas e modelos de sanitas que
usamos – mas é outra história. Muito engraçada, se ainda tiver tempo vou contar para vocês). No
caso do húngaro a ideologia principal da língua é que se trata de um dos idiomas mais complexos,
mais complicados com um sistema gramatical extremamente confuso e cuja aprendizagem é muito
difícil ou até doloroso comparando com outras línguas. É essa ideologia que se manifesta na frase de
Guimarães Rosa que o húngaro é o idioma em que o diabo dialoga, e na versão de Chico Buarque que
o húngaro é o único idioma que o diabo respeita. Portanto a primeira tarefa do professor é quebrar e
reescrever esta ideologia, mostrar aos alunos que o húngaro não é um idioma diabólico, mostrar aos
alunos que é uma língua que pode ser aprendida como qualquer outro idioma que não é um mission
impossible aprender húngaro.

Então depois destas dificuldades mais abtratas, ou mais teóricas, por assim dizer, queria entrar já no
mundo dos obstáculos e complicações mais concretas. Agrupei estas dificuldades mais palpáveis e
materiais em duas categorias principais: 1, dificuldades fonéticas que têm a ver por um lado com o
sistema fonético e com a própria a pronúncia e por outro lado com a relação dos grafemas com os
fonemas 2, dificuldades estruturais que têm a ver com a lógica atípica da língua e com as construções
e categorias gramaticais inusuais.

A primeira dificuldade fonética dos alunos brasileiros vem das diferenças fulcrais da lógica da
acentuação tónica e gráfica das palavras. No português a maioria das palavras sem acento gráfico são
paróxitonas, ou seja, o acento cai na penúltima sílaba (inteligente, marinheiro). O acento gráfico
serve para marcar a própria sílaba tónica na escrita (óculos, ônibus que são palavras proparoxítonas).
No entanto no húngaro o acento tónico das palavras sempre cai na primeira sílaba, e o fato de uma
palavra ter um ou vários acentos gráficos não muda essa regra, o acento tónico sempre será na
primeira sílaba. Por isso a língua parece muito mais rítmica do que melódica comparando com o
português e com as outras línguas neolatinas porque é sempre a primeira parte das palavras que se
acentua na pronúncia. Só para dar um exemplo com uma palavra internacional: supermercado
(paroxítono em português) – szupermarket (acento na primeira sílaba). Mas o que causa mais
confusão aos alunos é fato de que o acento gráfico não coincide com o acento tónico. O acento
gráfico basicamente não tem a ver com o acento tónico da palavra, os diversos acentos ou marcam
fonemas diferentes ou marcam o próprio cumprimento da vogal. Como por exemplo a palavra
húngara para democracia é demokrácia – neste caso o acento tónico como sempre cai na primeira
sílaba, o acento gráfico só marca um fonema diferente do fonema a, um som -á. Mas na palavra olló
(tesoura) o acento marca o cumprimento (um o curto e um o longo), ou seja o acento nem serve para
marcar a sílaba tónica nem serve para indicar se a vogal é aberto ou fechado como no português. A
própria lógica da acentuação é muito diferente podendo os acentos indicar um fonema
completamente diferente como por exemplo a-á ou e-é, ou indicar só uma variente fonética mais
longa, mais comprida da vogal em questão como por exemplo o -ó, i-í. Na fase inicial da
aprendizagem esta diferença da lógica da acentuação costuma causar certas dificuldades para o
aluno que muitas vezes tenta aplicar a lógica da língua materna. Por isso é um erro muito frequente
dos alunos brasileiros colocar o acento tónico na sílaba errada, na sílaba que tem um acento gráfico

Uma outra dificuldade que tem a ver com a fonética é a pronúncia de certos sons e fonemas que não
fazem parte integral da base fonética do português. Até agora eu tenho notado que os alunos têm
certa dificuldade com a pronúncia das vogais -ü e com a sua variente comprida -ű e com a vogal -ö e
com a sua variente mais longa -ő. Apesar de que essas vogais aparecem também no sistema fonético
de duas grandes línguas indo-europeias vastamente estudadas aqui no Brasil também, no francês e
no alemão: fondu, Überraschung, Dieu, Österreich. E além disso na maioria das vezes os alunos têm
certa dificuldade com a pronúncia do fonema -a que mais se aproxima do -o (exemplo: asztal) mas
não é um -o, no entanto a muitos brasileiros reproduzem como -o o que pode causar certas
confusões porque ás vezes pode muder a própria semántica da palavra.

Das consoantes o que causam mais dificuldade são os dois sons palatais -ty (tyúk, atya) e -gy (ágy,
gyerek) que são as versões palatalizadas dos consoantes -t e -g pelos vistos muito estranhos para o
ouvido português.

E finalmente mais algumas observações sobre as dificuldades gramaticais e estruturais da língua.


Como já disse várias vezes o húngaro não é uma língua indo-europeia, é um idioma que pertence á
família das línguas urálicas e dentro dessa família ao grupo linguístico fino-ugórico. Um traço comum
destas línguas é que são línguas aglutinantes. Isto é, a sua característica principal é a afixação, o uso
incondicional de vários sufixos e prefixos (glue – colar sufixos e prefixos). Ou seja tem uma lógica e
estrutura radicalmente diferente das línguas indoeuropeias. O que causa ainda mais confusão é que
os sufixos e os prefixos que as palavras levam podem ser acumuladas ou seja uma palavra pode ter
vários sufixos e prefixos ao mesmo tempo o que permite a construção de palavras tão absurdamente
longas como: megszentségteleníthetetlenségeitekért – 14 sílabas. a palavra mais comprida da língua
húngara

szent – santo (raiz de origem latina) + szentség – santidade + szentségtelen – sufixo privativo+
szentségtelenít – criar um verbo + megszentségtelenít – meg prefixo para expressar a conclusão da
ação, que a ação já está concluída + megszentségteleníthetetlen – hetetlen é um prefixo para criar
um adjetivo do verbo para expressar a impossibilidade (para a vossa improfanibilidade) + ség – mais
uma vez + eitek – posessivo + ért – para

O que causa dificuldade para os alunos brasileiros compreender a própria lógica da afixação. Como o
português expressa as mesmas funções gramaticais com a ajuda de preposições os alunos muitas
vezes têm essa tendência de tratar os sufixos como preposições, e colocam por exemplo antes da
palavra. Só para dar um exemplo: na casa – házban (que tem duas partículas: a palavra ház e o sufixo
ban) mas vários alunos escrevem ban ház

E por fim só para compartilhar com vocês uma questão para que ainda não consegui encontrar a
resposta certa: quais são os objetivos de aprender húngaro? As motivações já consegui localizar mas
os objetivos ainda não e estou muito curioso para descobrir no futuro.
Universidade Estadual do Ceará - UECE
Fortaleza, Ceará
Brazil
2018. 02. 28.

Letter of recommendation

I had the pleasure of getting to know Manuela last September when I arrived to the State
University of Ceará as the first teacher of Hungarian language and culture. Since then Manuela
had shown an extremely remarkable interest not only towards the learning of the language but
also in a variety of cultural phenomena related to Hungary and the Hungarian diaspora in Brazil.
Manuela incontestably impressed me with her enthusiasm, unquestionable dedication and
passion about Hungarian culture. She participated actively in every single event I managed to
organize at the university such as cinema sessions, presentations and seminars, being one of the
most eager students in formulating questions and starting discussions. This semester she started
also her language classes showing an outstanding talent and prominent skills in learning the
language. Therefore, it is a great pleasure to recommend Manuela for admission to the Summer
University program of the Balassi Institute and I firmly assume that it would be a great
opportunity for her not only to deepen her endless curiosity in learning but also to get to know
the country and it’s culture in a more direct and intensive way. The presence of Hungarian
language and culture is a quite recent phenomenon in Northeast Brazil, hence a student who
shows such and unconditional interest regarding the country is more then noticeable and
deserves to broaden her horizons within the framework of the Summer University Program.
Hence, as her professor I highly recommend her for admission to the program which will
contribute not only to the widening of her enthusiasm but also to the blooming relations between
Hungary and Northeast Brazil.

Yours sincerely,

Bálint Urbán
Hungarian lecturer and visiting professor of
Eötvös Loránd University at the Ceará State University

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