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Júlia Szekszárdi

Compostos novos em português em discurso jornalístico

O tema da minha exposição vai ser a apresentação dos compostos novos do português que
recolhi maioritariamente em textos jornalísticos de carácter geral. Este será também o tema da
minha tese, o que quer dizer que o meu trabalho ainda não está totalmente concluído.
Primeiro – quando não tinha ainda uma ideia clara do meu objectivo final – comecei a
recolher todos os tipos de compostos (que considerava eu compostos) nos textos sem ter
presente quaisquer critérios. A minha única intenção era procurar compostos que não estão
ainda dicionarizados, ou seja, são verdadeiramente compostos novos no léxico português.
Para o meu trabalho consultei o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora (2006), e
na minha comunicação serão mencionadas todas aquelas palavras que não encontrei nele. Por
agora tenho cerca de setenta exemplos, mas para a minha tese queria ainda procurar outros
setenta.
Primeiro tive também na minha lista palavras como: anti-hipertensores, auto-ventilador,
recém-abandonada, ex-informadores, não-marxista, etc., além de compostos nominais que
mostravam já no início uma maioria entre os exemplos recolhidos. Mas as palavras
mencionadas acima não são compostos segundo a gramática tradicional, porque muitas vezes
– como se verifica - estas têm só elementos prefixos. Assim estes elementos não serão
analisados, e comecei a ocupar-me quase só de compostos nominais, nomeadamente formas
[N N]N. Para poder analisá-los e agrupá-los, é importante dar um panorama sobre as diversas
teorias sobre compostos de vários autores e sobretudo dos compostos nominais portugueses:
Segundo a gramática tradicional (Cunha e Cintra 1984: 92), os compostos são geralmente
definidos como a união de unidades lexicais independentes. Esta união dá origem a uma nova
palavra com um acento próprio e com uma interpretação semântica que em geral não tem a
ver com o significado dos seus constituintes. Assim Cunha e Cintra distinguem a justaposição,
cujos constituintes conservam a sua acentuação própria (verde-mar, papa-figas) e a
aglutinação, cujos elementos têm um só acento e sempre uma ideia singular (vinagre). Cunha
e Cintra identificaram também os compostos existentes do português segundo as suas
categorias gramaticais (onze combinações possíveis).

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1) Mário Vilela (1994) distingue dois grandes grupos entre os compostos e assim, segundo
ele, existe a composição por coordenação e por subordinação. Os compostos
coordenativos admitem a mudança dos elementos sem alteração de significado (bar-
restaurante, restaurante-bar), mas Vilela não menciona que algumas vezes é
absolutamente impossível esta mudança por razões semânticas (no composto azuis-e-
brancos – que se refere a uma equipa de futebol - já não podemos alternar os constituintes,
aliás não se percebe a palavra), então às vezes esta mudança pode ser só formal ou seja só
sintáctica, e não aceitável a nível semântico, mas falaremos ainda disso em pormenor mais
tarde.
Os coordenados de Vilela dividem-se em três subgrupos:
a) pessoas que concentram em si várias funções ou cargos: autor-cantor
b) seres inanimados: bar-restaurante
c) pessoas ou coisas em que o segundo elemento conserva alguns dos seus semas:
cirurgião-dentista
Enquanto o mesmo autor apresenta uma distinção entre quatro tipos de compostos
subordinados:
a) quando um elemento é uma forma verbal: guarda-jóias
b) nenhum dos elementos do composto apresenta essa forma verbal: notícia-bomba
c) palavras como: pseudo-escritor (interpretação difícil)
d) quando os falantes já não sentem que se trata de um composto: aquicultura, arboricida

2) Alina Villalva (2000) ocupa-se também em pormenor de estruturas morfológicas, e


distingue compostos morfológicos e sintácticos. Vendo os meus exemplos recolhidos temos
de falar só dos compostos sintácticos (que são formados obrigatoriamente por palavras que
integram estruturas sintácticas, ou seja, estas palavras têm propriedades das estruturas
sintácticas e algumas das propriedades das estruturas morfológicas).
Villalva distingue três grandes grupos entre os compostos sintácticos:
a) adjunção: em que encontramos sempre dois nomes, p.e.: a notícia-bomba, o peixe-espada.
Este tipo de composto tem sempre o núcleo à esquerda (no caso de peixe-espada o núcleo é
peixe) e a categoria N do composto deriva do núcleo, ou seja será masculino, enquanto o
outro constituinte é um modificador nominal à direita.
Identificar o núcleo de um composto será significativo também nos meus exemplos para
poder decidir a que subgrupo pertencem e é importante porque é do núcleo que derivam todas
as propriedades do composto.

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Para identificar o núcleo de um composto podemos aplicar o teste « É UM». Este teste vale
para a categoria lexical e também para a semântica. Se consideramos um exemplo como
belas-artes, cujos constituintes são N e Adj, podemos perguntar: belas-artes «É UM» nome
ou um adjectivo? A resposta é «É UM nome», então podemos concluir que o núcleo do
composto é o constituinte com a mesma categoria lexical, ou seja arte. Quando temos no
composto dois nomes (quer dizer, não é tão fácil definir o núcleo), p.e.: a notícia-bomba,
podemos aplicar o teste semântico, e podemos perguntar: a notíca-bomba «é uma» notícia ou
«é uma» bomba? A resposta é evidente, ou seja a notícia-bomba é um tipo de notícia e então
também este exemplo indica que a notícia é o núcleo. Do exemplo peixe-espada podemos
verificar que também o género do composto deriva do núcleo, ou seja, sendo o peixe o núcleo
no composto, a palavra composta será masculina.
b) O segundo grupo sintáctico de Villalva é a conjunção, a que pertencem nomes ou
adjectivos, como p.e.: surdo-mudo, autor-compositor. Neste grupo de compostos não
podemos identificar o núcleo, porque ambos os constituintes têm o mesmo valor. Segundo a
autora o género e a flexão destes compostos têm um comportamento sistemático e previsível a
partir da identificação da sua estrutura sintáctica.
c) O terceiro grupo é a reanálise, e podemos considerar este tipo de composto como uma
reinterpretação de uma estrutura sintáctica como uma palavra: abre-latas, guarda-jóias, onde
temos sempre uma forma verbal flexionada (abre-, guarda-) e uma forma nominal (-latas,
-jóias), mas entre as minhas palavras recolhidas não temos exemplos para o terceiro grupo, o
que é bastante surpreendente para mim, porque achava que era um grupo muito produtivo.

Para analisar e identificar os exemplos que recolhi, queria usar as categorias bem
definidas de Villalva. Assim pode verificar-se que os meus compostos considerados novos
pertencem a dois grandes subgrupos entre os compostos sintácticos de Villalva (e já daí
podemos ver que estes dois tipos são muito produtivos no português), mas terei também um
terceiro grupo de palavras compostas, que não consegui identificar tão claramente.
O primeiro grupo de que nos ocuparemos é o grupo de conjunção, ou seja os
compostos coordenados, e tenho os seguintes exemplos recolhidos (vou citar as formas como
as encontrei nos artículos):
(1) nadador-salvador
(2) utilizador-pagador
(3) jornalista-teólogo
(4) cardeal-eleitor

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(5) cardeal-patriarca
(6) director-clínico
(7) os azuis-e-brancos
(8) juízes-desembargadores
(9) ministro-presidente
(10) autores- suicidas
(11) bombista-suicida
(12) brigadeiro-general
(13) stand-carruagem
(14) leitores-fãs
(15) ensino-aprendizagem
(16) o cine-teatro
(17) o almoço-convívio
(18) o jantar-comício
(19) um almoço-conferência
(20) a casa-museu
(21) a cidade-templo
(22) teatro estúdio

A estrutura destes compostos é: N


/ \
N1 N2

Entre os elementos deste grupo não há um núcleo (o jantar-comício ao mesmo tempo


é um jantar e também um comício), porque – como já mencionámos - ambos os constituintes
têm o mesmo valor, e segundo Vilela “em grande medida este género de compostos admite a
mudança dos elementos sem alteração de significado”. No primeiro momento poderíamos
pensar que em todos os casos estes compostos permitem a inversão de constituintes sem que o
sentido se altere. No composto azuis-e-brancos já não podemos alternar os constituintes, aliás
não se percebe a palavra. Acho que então às vezes esta mudança pode ser só formal, ou seja,
só sintáctica, e não aceitável a nível semântico. Mas podemos dizer que jornalista-teólogo ou
director-clínico parecem equivaler a teólogo-jornalista ou clínico-director. Sendo
coordenados estes compostos, podemos verificar que também entre os seus constituintes
existe uma ordem linear com consequências a nível semântico, quer dizer, teólogo-jornalista
não é equivalente a jornalista-teólogo. O factor semântico desempenha um papel importante

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aqui. Segundo a minha interpretação uma pessoa jornalista-teólogo tem uma profissão
principal que é “ser jornalista”, ou para o director-clínico “ser director” é a profissão mais
importante (seria interessante fazer uma pesquisa com falantes nativos para verificar como é
que eles interpretam estes exemplos). No húngaro podemos observar o mesmo fenómeno, ou
seja, quando é que vamos usar para Ádám Fellegi a palavra composta zongoraművész-
műsorvezető (pianista-moderador)? Quando toca uma peça no piano, vamos usar com certeza
para ele só pianista (esta é sua profissão principal), enquanto que quando tem um outro cargo
(ou seja não toca o piano) vamos usar a palavra composta.
No exemplo (16) temos um lugar que provavelmente tem duas funções ao mesmo
tempo, mas podemos decidir qual é o mais importante? Poderíamos dizer que aquele edifício
em primeiro lugar é um cinema?
Nalguns exemplos (os azuis-e-brancos) esta alteração dos constituintes não é nada
aceitável, aliás não se percebe a palavra, como funciona da mesma maneira no húngaro: zöld-
fehérek – refere-se também a uma equipa de futebol - não é equivalente a fehér-zöldek, porque
a segunda palavra composta não poderia ser interpretada pelo falante.

Ao grupo de adjunção (compostos subordinados) pertencem os seguintes exemplos


recolhidos:

(23) os postos-chave (35) o homem-abelha


(24) os produtos-chave (36) o acordo-quadro
(25) as ideias-chave (37) o programa-quadro
(26) a mudança –chave (38) contratos-programa
(27) competências-chave (39) casal-sensação
(28) situações-chave (40) a nave-mãe
(29) a proposta-base (41) o carro-bomba
(30) o orçamento-base (42) o automóvel-bomba
(31) a operação-relâmpago (43) pistola-isqueiro
(32) as situações-tipo (44) o serial-killer
(33) projectos-piloto
(34) o homem-aranha

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No português há uma tendência forte para a formação deste tipo de compostos
(encontrei também um exemplo do inglês (44), em que o núcleo do composto se
encontra à direita, como normalmente no inglês). De todos os exemplos acima pode
verificar-se que os seus elementos são todos nomes, têm o núcleo à esquerda e o outro
constituinte do composto é um modificador nominal à direita. Vilela diz que o segundo
elemento tem um significado relativamente geral, como chave, relâmpago, etc.
A estrutura destes compostos é: N
/ \
Nnúc Nmod
O primeiro elemento é claramente o núcleo, como mostra o facto de que só ele
pluraliza (flexiona), varia em género e pode receber o sufixo Z-avaliativo (o produto-
chave - os produtos-chave)
Mas quanto à flexão, às vezes podemos verificar hesitações na formação do
plural destas palavras, como em todas as línguas românicas, esta é uma situação
bastante confusa:
p.e.: a ideia-chave - as ideias chave
o carro-bomba - os carros-bombas

Tenho um terceiro grupo entre os meus compostos recolhidos em que não


consegui decidir a que subgrupo pertencem os seus elementos (ou como nos exemplos
45-48 não consegui decidir se o segundo elemento é um nome ou um adjectivo nos
compostos), ou qual dos dois elementos pode ser o núcleo:

(45) estado-adjunto
(46) presidente-adjunto
(47) técnico-adjunto
(48) provedor-adjunto
(49) relações Igreja-Estado
(50) jogo Leixões-Aves
(51) uma operação porta-porta

Nos exemplos 49-51 temos uma situação bastante interessante, porque no


primeiro momento poderíamos pensar que se trata de compostos nominais, mas na
verdade estas palavras são só abreviações de construções sintácticas, por exemplo
’relações entre a Igreja e o Estado’.

Para tirar as conclusões finais do meu trabalho vai ser necessário continuar a
pesquisa e recolher outros exemplos em textos jornalísticos.

Bibliografia

Cunha, Celso e Cintra, Luís F. Lindley (1984): Breve Gramática do Português


Contemporâneo, Lisboa, Edições Sá da Costa
Mateus, Maria Helena et alii (1989): Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa,
Caminho
Mateus, Maria Helena et alii (2003): Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa,
Caminho
Scalise, Sergio (1994): Morfologia, Bologna, Il Mulino
Vilela, Mário (1994): Estudos de Lexicologia do Português, Coimbra, Almedina
Villava, Alina (2000): Estruturas Morfológicas, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian

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