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milplanaltos
JUL 30 2012
POR MILPLANALTOS ARTIGOS, CHRISTINE GREINER
(http://milplanaltos.files.wordpress.com/2012/07/muybridge4.gif)
Eadweard Muybridge
Um ponto de partida fundamental para compreender os trânsitos entre corpo e ambiente é o estudo da
percepção: o princípio de toda e qualquer experiência.
Ao contrário do que parecia consensual há alguns anos, a percepção não é apenas uma interpretação de
mensagens sensoriais, mas uma simulação interna da ação, assim como, uma antecipação das
conseqüências da ação.
Segundo Alain Berthoz, uma das primeiras tentativas para testar esta hipótese foi realizada em 1852
por Hermann Lotze que propunha a organização espacial das sensações visuais como resultante da sua
integração com o sentido muscular. William James também descreveu, em 1890, um circuito neuronal
que antecipava as consequências sensoriais do movimento. Assim, para os atos perceptivos haveria um
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ponto de partida determinado por um objeto complexo (a presa por exemplo) mas a representação
organizada internamente pelo organismo não se restringiria a esta relação circunstancial. Isso significa
que o ato perceptivo poderia prever também o que ainda não havia ocorrido. Assim, depois da
simulação inicial haveria uma espécie de adaptação a estimulações futuras passíveis de serem
caracterizadas por conduções perceptivas. Era preciso, portanto, suprimir a dissociação entre percepção
e ação. Com base nestes estudos, Berthoz propôs o entendimento da percepção como uma ação
simulada e o movimento como o nosso sexto sentido. É disso que se trata, provavelmente, a
improvisação em dança: de uma aliança entre percepção e ação que aciona um fenômeno perceptivo-
imaginativo e que já na ação presente prevê a ação futura.
Não há dúvida de que a afirmação de Merleau Ponty de que toda teoria do corpo já é uma teoria da
percepção, continua fundamental. No entanto, as explicações radicalizaram-se na medida em que
mudou a noção de tempo. Assim, tornou-se plausível afirmar hoje que perceber já é um modo de agir.
Alva Noë (2004) tem esclarecido que a percepção não é algo que acontece para nós ou em nós. É algo
que fazemos. O que percebemos é determinado pelo que fazemos, pelo que sabemos como fazer ou
estamos prontos para fazer. Essas ações são sutilmente diferentes entre si, mas intimamente
relacionadas.
Outro aspecto importante da abordagem enativa é a rejeição à idéia de que a percepção seja um
processo que acontece no cérebro onde o sistema perceptual constrói uma representação interna do
mundo. Sem dúvida, a percepção depende do que acontece no cérebro que organiza ininterruptamente
um fluxo de representações internas ou imagens mentais. No entanto, é importante notar que a
percepção não é um processo que se concentra exclusivamente aí. É uma espécie de atividade no
animal como um todo.
Esta explicação é bastante distinta de outras como a de Susan Hurley que propôs em 1998, uma relação
entre percepção e ação, do tipo input e out put. A sua hipótese foi muito bem aceita e até hoje é
bastante reconhecida. Para Hurley, a percepção seria um estímulo do mundo para a mente e a ação
um estímulo da mente para o mundo. Neste caso, o pensamento seria compreendido como um
processo de mediação.
Noë considera este divórcio entre percepção e ação perigoso e inadequado. Segundo ele, o pensamento
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não pode ser considerado uma mediação entre uma coisa e outra. A percepção é intrinsicamente um
pensamento, um fluxo de imagens. A base da percepção é um conhecimento prático dos modos como o
movimento aciona mudanças na estimulação. Quando se coloca um óculos ou lentes distorcidas, por
exemplo, os padrões de dependência entre movimento e estimulação são alterados. Os movimentos dos
olhos e da cabeça originam mudanças antecipadas na estimulação sensória e o resultado não é “ver
diferente”, mas falhar em ver. Criam-se lacunas entre a percepção da visão e a ação e por isso não se
pode ver.
Muitos dos importantes cientistas que estudaram a visão e a percepção, argumentaram que os seres
vivos constróem um modelo interno para perceber o mundo. Noë afirma que a visão não é um processo
através do qual o cérebro constrói um modelo interno detalhado de representação. Isso não significa
que não exista nenhuma representação, mas que a noção de representação precisa ser reconsiderada.
Ele dá o exemplo do turista que está em uma cidade estranha e quer ir a um castelo. A primeira opção
seria comprar um mapa e seguir o passo a passo até chegar ao local desejado. A segunda opção seria
aquela em que de onde se está já é possível ver o castelo. Neste caso, não há mapa mas o turista segue
intuitivamente as pistas que descobre pelo caminho até chegar ao castelo. A visão (e a percepção em
geral) seria mais como o segundo caso. Não existe necessariamente um mapa, dado a priori, mas
intuímos como seguir as pistas.
Perceber, portanto, não é apenas ter uma sensação ou receber impressões sensórias, mas ter sensações
que alguém entende. Isso implica em compreender melhor o que significa este “alguém entende” e o
que é “entendimento conceitual”.
Também não há nenhuma unanimidade neste campo. Ao contrário, trata-se de um tema bastante
polêmico que precisa ser estudado com cuidado. Para Noë, diferentemente de outros autores, a base de
entendimento é sempre conceitual. Esta hipótese é bastante peculiar porque implica no reconhecimento
de que grande parte do conteúdo perceptual já é conceitual quando, de modo geral, admite-se que
formular um conceito implica em ser capaz de fazer julgamentos, o que corresponderia a uma etapa
posterior.
Os julgamentos sempre buscam algum tipo de verdade e as leis da verdade são normalmente
consideradas leis lógicas. Para compreendê-las é preciso chegar perto da distinção entre o modo como
as coisas são e o modo como parecem ser. Tanto humanos como seres de natureza não linguistica
percebem, embora estes últimos não sejam, em sua maioria, capazes de realizar práticas intelectuais.
Noë admite que outros animais e bebês humanos percebem mas não precisam de conceitos para
perceber. Isto é importante para entendermos que ele não está dizendo que é tudo a mesma coisa. Há
uma diferença entre perceber, conceituar e julgar, no entanto, o que Noë esclarece é que estas
diferenças não são as mesmas evocadas pelo senso comum. A percepção não é algo que antecede a
conceituação, ela já é cognitiva no sentido de que é uma habilidade sensoriomotora da qual emergem
proto-conceitos. Algumas vezes precisamos de categorias para perceber, mas não temos conceitos
individuais acerca da percepção. Noë propõe que a habilidade sensoriomotora é, ela mesma, uma
habilidade conceitual. O movimento seria, neste sentido, basicamente cognitivo porque o modo como
compreendemos como as coisas acontecem é sempre em termos sensoriomotores. Assim também
representamos as propriedades que nos são dadas. Perceber já é um modo de pensar sobre o mundo
ou, em outras palavras, toda experiência, mesmo sem se configurar como um julgamento, é pensável.
Ter uma experiência, assim como improvisar, é ser confrontado com um modo possível do mundo. O
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Tais estudos podem abrir novos caminhos para reconhecermos o que é uma arte conceitual e de que
maneira o conhecimento pode ser articulado para além das práticas discursivas.
Christine Greiner
1 . A enação proposta por Francisco Varela e outros é uma crítica ao cognitivismo clássico, uma vez que
não reconhece representações pré-determinadas adequadas a mundo exterior. Ao invés disso, trata-se
de representações que emergem de situações específicas. Do corpo em movimento.
Bibliografia
James William The principles of psichology, 2 vols. New York: Dover, 1890/1950.
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