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1 Introdução
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identificar-se como herdeiros em seus cartões de visita profissionais. Conflitos judiciais
concernentes a direitos autorais que já não mais pertencem aos autores das obras –
mas, sim, a seus herdeiros – levantam grandes controvérsias tanto em razão do
acentuado valor econômico de tais direitos quanto da especificidade do regime jurídico a
eles aplicável.
É certo que o Direito das Sucessões, conforme previsto pelo Código Civil
(LGL\2002\400), encontra aplicabilidade também no âmbito dos direitos de propriedade
intelectual, porém, suas normas são em alguma medida modificadas em razão da
natureza desses direitos e, antes de tudo, da necessidade de proteção conjunta dos
direitos morais e patrimoniais dos autores. Exemplo disso é o direito detido pelos
coautores sobreviventes de acrescer à parcela de direitos autorais que cabiam ao
coautor falecido sem deixar sucessores, previsto pelo art. 42, parágrafo único, da Lei
9.610/98. Além da sucessão legítima, a transmissão causa mortis de tais direitos levanta
importantes questões sobre o grau de amplitude do exercício da autonomia privada pelo
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autor que dispõe de seus direitos em ato de última vontade.
A Constituição Federal de 1988, no inc. XXVII de seu art. 5º, garante aos autores o
direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos
herdeiros pelo tempo que a lei fixar. No inciso seguinte, ficam assegurados o direito às
participações individuais nas obras coletivas e, ainda, o direito de fiscalização do
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aproveitamento econômico dessas obras. Dessa forma, a ordem jurídica procura
proteger as criações do espírito humano através da concessão de privilégios temporários
que garantem aos autores o direito de exclusividade sobre suas obras.
Importa ressaltar que os direitos autorais devem observar determinados limites, bem
como a propriedade, que deve ser compatibilizada com outros direitos relevantes
enunciados também pelo texto constitucional. A grande limitação ao direito de autor sem
dúvida é o tempo, que estabelece, em homenagem ao interesse geral de acesso às
criações do espírito humano, termo final de fruição desses direitos. No direito brasileiro,
impõe o art. 41 da Lei de Direitos Autorais que o prazo de proteção aos direitos
patrimoniais é de 70 anos, contados do primeiro dia do ano subsequente à morte do
autor. Findo o prazo, a obra passará ao domínio público, na forma do art. 45 do mesmo
diploma. Observe-se que tal prazo se refere aos direitos patrimoniais, porém, a
Convenção de Berna, da qual o Brasil é signatário, determina em seu art. 6 bis que,
independentemente dos direitos patrimoniais e mesmo depois da cessão desses direitos,
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Transmissão causa mortis de direitos de propriedade
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os direitos morais do autor conservam-se pelo menos até a extinção dos direitos
patrimoniais. Sustenta-se, ainda, que os direitos morais seriam imprescritíveis, podendo
o autor ou seus sucessores, a qualquer tempo, insurgirem-se contra o uso indevido,
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alteração ou não atribuição de créditos.
A Lei de Direitos Autorais traz disposições específicas sobre a transmissão dos direitos de
autor, porém, é pouco detalhista no que concerne à transmissão causa mortis desses
direitos. Nas seções a seguir, serão exploradas as possibilidades e os limites da
transferência dos direitos autorais pela via da sucessão legítima ou testamentária.
3 A sucessão legítima dos direitos de propriedade intelectual
Restando claro que a face patrimonial dos direitos de propriedade intelectual é análoga à
propriedade de coisas, é também lógico que caberá ao autor o direito exclusivo de uso,
fruição e disposição da obra literária, artística ou científica que produziu (Lei 9.610/98,
art. 28). Por serem direitos patrimoniais, transmitem-se por herança ou legado com o
advento da morte do autor. No direito brasileiro, os direitos patrimoniais de autor
perduram por 70 anos contados do dia 01 de janeiro do ano seguinte a seu falecimento,
obedecida a ordem sucessória da lei civil (Lei 9.610/98, art. 41). Dessa forma, é clara a
aplicação dos preceitos do direito sucessório aos direitos de propriedade intelectual.
Vale, nesse sentido, esclarecer as peculiaridades da sucessão desses bens incorpóreos
no direito pátrio, de maneira a elucidar a amplitude das possibilidades de disposição post
mortem desses direitos.
Apesar de parecer claro o regime aplicável à transmissão legítima dos direitos de autor,
questões de direito intertemporal poderão emergir dessa matéria, tendo em vista a
longa duração de tais direitos. Dessa maneira, ainda é comum que casos de direitos
autorais sejam apreciados à luz de diplomas antigos, e não da Lei 9.610/98.
Diferentemente do diploma anterior (Lei 5.988/73), a atual lei de direitos autorais não
limita a ordem de sucessão, razão pela qual são perfeitamente aplicáveis as regras do
Código Civil (LGL\2002\400). Contudo, a longevidade dos direitos de autor ensejam
questões de direito intertemporal, à medida que a lei anterior estabelecia prazos muito
mais alongados e que a sucessão regula-se pela lei vigente à época de sua abertura (CC,
art. 1.787). Segundo o diploma de 1973, os filhos, os pais ou o cônjuge do autor
gozarão de forma vitalícia dos direitos de autor que lhes forem transmitidos mortis causa
(art. 42, § 1º), ao passo que os demais sucessores gozavam de prazo de 60 anos para
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fruir dos direitos herdados (art. 42, § 2º). Observe-se que a lei de 1973, em seu art. 47,
considerava sucessores apenas os seus herdeiros até o segundo grau, na linha reta ou
colateral, bem como o cônjuge, legatários ou cessionários. Na lei de 1998, ora vigente,
aplica-se a ordem de vocação hereditária conforme exposta no Código Civil de 2002.
Note-se, no entanto, que a longevidade dos direitos autorais pode também ensejar
questões de direito intertemporal entre o Código Civil de 1916 e o de 2002, o que pode
ser ilustrado com dois casos concretos expostos a seguir.
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Em caso julgado em 2007 pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, decidiu-se que a
sobrinha de Plínio Corrêa de Oliveira (fundador da conhecida Sociedade Brasileira de
Defesa da Tradição, Família e Propriedade, morto em 1995, antes da Lei 9.610/98), não
seria sua herdeira para efeito da Lei de Direitos Autorais, de maneira que os negócios
jurídicos por ela praticados para a cessão dos direitos do tio seriam nulos, tendo os
direitos passado ao domínio público por ausência de sucessores. O TJSP apreciou
questão relativa ao direito intertemporal também em 2004, quando julgou caso relativo
aos direitos autorais sobre as obras do escultor Victor Brecheret. No acórdão em
comento, afirmou-se a incidência das normas do Código Civil de 1916 à sucessão do
escultor, morto em 1955, de maneira que seus direitos foram transmitidos aos seus
filhos, com exclusão da viúva. Por essa razão, foi declarada nula a parte de contrato de
doação celebrado pela viúva que versava sobre a cessão dos direitos autorais de
Brecheret, pois a mesma não era titular desses direitos.
Importa, ainda, notar que os herdeiros não são obrigados a manter os direitos autorais
recebidos em sua indivisibilidade, sendo perfeitamente possível a realização de partilha
de tais ativos. Pode-se tanto partilhar direitos de obras diversas entre os herdeiros, em
havendo pluralidade de obras na sucessão, quanto partilhar direitos específicos que
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emergirem do feixe de direitos autorais. Por exemplo, é possível que se atribua a um
herdeiro o direito de reprodução da obra e a outro o direito de traduzi-la ou, em outro
exemplo, pode-se atribuir a um herdeiro o direito de reprodução da obra nos países
americanos, enquanto a outro herdeiro caberá reproduzi-la nos países europeus.
Em síntese, embora a sucessão de direitos autorais seja regulada pela Lei 9.610/98 e
subsidiariamente pelo Código Civil (LGL\2002\400), a sucessão por morte de tais direitos
apresenta peculiaridades importantes, verificáveis sobretudo em casos concretos.
Importante questão é a referente à passagem ao domínio público, que merece ser
abordada em item específico.
3.3 A transferência ao domínio público por força de lei
A razão de ser dessa exceção à regra geral do Direito das Sucessões provém tanto do
interesse geral de que a obra caia no domínio público e seja, então, acessível ao público
geral, quanto dos embaraços eventualmente trazidos ao Estado se fosse incumbido de
gerir esses direitos. Caberá ao Estado tão somente a defesa da integridade da autoria da
obra caída em domínio público, na forma do § 2º do art. 24 da Lei 9.610/98.
Não parece defensável – e sequer foi desenvolvida pelo STJ no julgado acima citado – a
tese segundo a qual aos direitos autorais não se aplica o procedimento da herança
jacente e que, em contrapartida, aplica-se a saisine. Esse ponto de vista prejudicaria em
grande medida os direitos de herdeiros que sejam desconhecidos no momento da
sucessão. Não se pode perder de vista que direitos de propriedade intelectual refletem
relação de domínio e, portanto, podem ser quantificados em valores econômicos, de
maneira que seria ilegítima a supressão da propriedade dos herdeiros, ainda que a
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princípio desconhecidos. Por essa razão, em conformidade com a opinião de Pouillet, a
passagem das obras ao domínio público depende de uma sucessão vacante, sendo o
Estado legitimado para defender a integridade das obras tanto durante o período de
jacência quanto após a vacância.
Por fim, não se pode esquecer que as obras cairão em domínio público também em
razão do advento do termo final do direito de exclusividade próprio aos direitos autorais.
4 A sucessão testamentária dos direitos de propriedade intelectual: reflexões sobre o
planejamento sucessório
Expostos os contornos da sucessão legítima dos direitos autorais, a presente seção tem
por objetivo delinear as modulações pelas quais a autonomia privada permite que passe
a sucessão de direitos de propriedade intelectual. Embora seja o direito de autor matéria
regulada por lei específica e que dispõe de algumas regras próprias para a sucessão, tal
especificidade não tem o condão de tolher a vontade do autor no que diz respeito às
suas obras, mas, sim, de possibilitar exploração e circulação econômica de seus direitos
patrimoniais. O direito patrimonial de autor, como já se comentou, pode ser dividido em
diversos elementos, como direitos de reprodução em mídias diversas, de edição, de
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atualização, entre outros direitos que, como aponta Pontes de Miranda, estão
desatrelados dos suportes físicos que os representam.
Importa discorrer, dessa forma, sobre em que medida são válidas as cláusulas
testamentárias por meio das quais o autor reparte os elementos de seus direitos autorais
e, ainda, em que medida poderão essas cláusulas apartar o direito moral do direito
patrimonial, à medida que o direito brasileiro determina a sucessão de alguns dos
direitos morais do autor. Trata-se de discussão essencial para o tema do planejamento
sucessório e, no caso específico do direito de autor, para o cumprimento da última
vontade do titular dos direitos autorais no que concerne à manutenção e à defesa de sua
obra, tendo em vista as inúmeras dificuldades advindas de potenciais conflitos entre
herdeiros.
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O testamento, segundo Nevares, é negócio que serve à realização da dignidade da
pessoa humana, à medida que serve para que o particular estabeleça tanto a destinação
de seu patrimônio quanto a realização de atos concernentes a seus direitos de
personalidade. Trata-se de verdadeira função promocional do testamento, que se
apresenta no âmbito dos direitos autorais sobretudo nas determinações relativas ao
exercício do direito de paternidade, da integridade e da divulgação das obras. Por essa
razão, a ideia de planejamento sucessório adquire caráter especial, pois se refere não
apenas à divisão do patrimônio intelectual conforme à vontade do autor morto, mas
também à realização de sua vontade final. A publicação contrária à vontade do autor,
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por essa razão, será ilícita e não concederá justa causa ao privilégio de exploração
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econômica da obra.
No caso de Kafka, não haveria quem reclamasse pelo respeito a seu desejo final, porém,
seria possível sustentar que herdeiros legítimos em casos semelhantes se insurgissem
contra ato do herdeiro testamentário que atentasse contra a vontade do testador. É
certo que os herdeiros ou legatários de direitos de propriedade intelectual detêm o
direito de publicar obra inédita, porém, a vontade do autor pode obstá-lo ou garantir tal
faculdade a terceiro. Contudo, não se pode esquecer que direitos autorais produzem
reflexos pecuniários e que, portanto, são de interesse também dos credores do autor
defunto.
Por essa razão, a menos que os herdeiros possam demonstrar que a publicação da obra
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inédita prejudicaria o bom nome do autor, os credores poderiam, no sentir de Stolfi,
pleitear judicialmente a publicação da obra para posterior incremento do monte
hereditário. Sendo demasiadamente gravosa, tal medida poderia ser substituída – na
discordância dos herdeiros – pela compensação dos credores pelos lucros não
percebidos. Não pode o ordenamento, por óbvio, aceitar que herdeiros, sem qualquer
motivo, recusem-se a publicar obra cuja edição não foi oposta pelo morto, prejudicando
em grande medida o direito de credores. Tal ponto de vista encontra guarida no direito
brasileiro, tendo em vista inclusive que, segundo o art. 1.813 do Código Civil
(LGL\2002\400), os credores poderiam até mesmo aceitar a herança em nome de
herdeiros que renunciassem a seus direitos sucessórios.
Com isso, a disposição dos direitos concernentes a obras protegidas pelo direito de autor
deverá também levar em conta a legítima. Se determinado autor tem como seus únicos
bens os seus direitos autorais, não faz sentido sustentar que, por ato de sua vontade,
pode-se burlar a regra legal. Inclusive, tendo em vista que a vontade do testador poderá
modular os direitos a ser transmitidos, é necessário que tais atos somente possam
prevalecer se ocorridos no âmbito da parte disponível do patrimônio do morto. Atos de
disposição, aqui, não serão apenas aqueles que destinam os bens a outrem, mas
também aqueles que limitam os direitos a ser recebidos a título de herança ou legado.
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Transmissão causa mortis de direitos de propriedade
intelectual
A transmissão causa mortis dos direitos de propriedade intelectual é tema ainda pouco
trabalhado pela doutrina brasileira, muitas vezes exposto de forma difusa e com pouca
reflexão sobre os desdobramentos dessa transferência. O presente artigo teve por
objetivo mapear o arcabouço jurídico aplicável à sucessão dos direitos autorais e, então,
apresentar interpretações capazes de conformar e conciliar os direitos patrimoniais –
enquanto efetivo direito de propriedade – e os direitos morais de autor – enquanto
instância de proteção da personalidade e da dignidade do artista.
A pesquisa levada a cabo neste trabalho evidenciou que falta clareza quanto aos
procedimentos aplicáveis à sucessão dos direitos autorais, o que decorre inclusive de
termos inadequados empregados pelos tribunais. Os precedentes explorados ao longo do
artigo demonstram, ainda, que os conflitos verificados atualmente são regidos pela
antiga Lei de Direitos Autorais, tendo em vista a longevidade de tais direitos, razão pela
qual é essencial que seja claro o debate sobre direito intertemporal no âmbito da
propriedade intelectual.
Por fim, os casos apresentados neste trabalho, mesmo sendo referentes aos direitos de
personalidades altamente reconhecidas no meio cultural, apresentam conflitos que em
substancial medida poderiam ser evitados ou ao menos mitigados mediante a realização
de testamento. O testamento, por conseguinte, deve ser entendido não somente como
meio de garantia da partilha na forma almejada pelo testador, mas também como
instrumento eficaz de proteção à sua dignidade.
6 Bibliografia
ASCENÇÃO, José de Oliveira. Direito civil: sucessões. 4. ed. Coimbra: Coimbra Editora,
1989.
BUTLER, Judith. Who owns Kafka? London Review of Books. v. 33, n. 5, p. 3-8, mar.
2011.
JARACH, Giorgio. Manuale del diritto d’autore. Milão: U. Mursia & C, 1968.
MERRYMAN, John Henry. Two ways of thinking about cultural property. The American
journal of international law. v. 80, n. 4, p. 831-853, out. 1986.
OHLY, Ansgar. Geistiges Eigentum? JuristenZeitung, v. 58, n. 11, p. 545-554, jun. 2003
RECHT, Pierre. Le droit d’auteur, une nouvelle forme de propriété . Paris: Librairie
générale de droit et de jurisprudence, 1969.
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São Paulo:
Malheiros, 2003
TARTUCE, Flavio. Direito civil: Direito das sucessões. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2015.
3 Segundo José Afonso da Silva (Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São
Paulo: Malheiros, 2003. p. 276), não haveria razão plausível para a posição dos direitos
de propriedade intelectual entre os direitos individuais do art. 5º, à medida que não têm
natureza de direito fundamental do homem. Segundo o autor, seria mais razoável que se
inserissem entre as normas da ordem econômica. Nesse sentido, entende Denis Borges
Barbosa (Direito civil da propriedade intelectual: o caso da usucapião de patentes. 2. ed.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 41-42) que a opção do constitucionalista pelo
ingresso da propriedade intelectual no núcleo duro constitucional teve como objetivo a
legitimação extrema dos proprietários, sendo necessária a compatibilização dessas
disposição com outros direitos constitucionais sensíveis.
5 OHLY, Ansgar. Geistiges Eigentum? JuristenZeitung, v. 58, n. 11, jun. 2003. p. 547.
7 Nesse sentido, ver: RECHT, Pierre. Le droit d’auteur, une nouvelle forme de propriété.
Paris: Librairie générale de droit et de jurisprudence, 1969.
11 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.
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Transmissão causa mortis de direitos de propriedade
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12 É o que defende José de Oliveira Ascensão (Direito civil: sucessões. 4. ed. Coimbra:
Coimbra Editora, 1989. p. 47), para quem “Tudo nos leva a concluir que não há
nenhuma aquisição dos direitos pessoais do de cuius. Estes, mesmo quando não são
direitos de personalidade, trazem sempre a marca da personalidade do titular”. O direito
moral, conforme ressalta o Visconde de Carnaxide (Tratado da propriedade literária e
artística. Porto: Renascença Portuguesa, 1918. p. 234; 256), “resulta da soberania plena
dos autores sôbre as suas obras tanto antes como depois da sua publicação”. A
reprodução ou a alteração das obras literárias, artísticas e científicas podem ser
obstadas em razão da vontade do autor não pelo fato de tais atos poderem acarretar em
perda pecuniária, já que os direitos patrimoniais podem ser livremente cedidos, mas,
sim, por interferirem na dignidade e na liberdade intelectual do autor. Com a morte do
autor, a defesa de sua personalidade pode ser exercida inclusive em face dos herdeiros e
mesmo que a obra tenha caído em domínio público.
13 JARACH, Giorgio. Manuale del diritto d’autore. Milão: U. Mursia & C., 1968. p. 184.
15 Nesse sentido, ver: STJ, REsp 1.209.474/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino,
Data de Julgamento: 10.09.2013, 3ª Turma, Data de Publicação: 23.09.2013; STJ, REsp
1.422.699/SP, Rel. Min. Humberto Martins, Data de Julgamento 01.09.2015, 2ª Turma,
Data de Publicação: DJe 24.09.2015.
18 É o que também preceitua José de Oliveira Ascensão (Direito autoral. Rio de Janeiro:
Forense, 1980. p. 133): “Quando não há titularidade dos direitos pessoais, o herdeiro
fica excluído de qualquer exercício do direito de autor. Não quadra ao sistema da lei que
ele possa ainda arrogar-se a defesa de valores da personalidade do autor defunto, sem
fundamento em faculdades compreendidas no direito de autor”.
24 Ver, por todos: TARTUCE, Flavio. Direito civil: Direito das sucessões. 8. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2015. p. 64.
30 Questão polêmica foi tratada em caso apreciado pelo Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro (TJRJ, AI 0011414-69.1995.8.19.0000, Rel. Des. Newton Paulo Azeredo da
Silveira, Data de Julgamento: 19.12.1995, 8ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ
08.03.1996), referente aos direitos autorais do maestro Heitor Villa-Lobos. Os direitos de
Villa-Lobos foram transmitidos mortis causa a sua viúva, Lucilia Guimarães Villa-Lobos,
que por sua vez legou os direitos a seus irmãos. Entendeu o TJRJ que “O direito autoral
possui cadeia sucessória restrita e própria. Nela, não se incluem pessoas estranhas, à
relação legal. Com isso se assegura a propagação da arte e do belo, para enlevo da
humanidade, sem embaraços”. Com isso, e tendo em vista que os negócios jurídicos
referentes a direitos autorais devem ser interpretados de forma restritiva (incluindo,
portanto, os testamentos), entendeu o Tribunal que os direitos do maestro deveriam cair
em domínio público em vez de passarem ao legatário, pois o interesse geral e público
em acessar as referidas obras se sobrepõe ao particular. Ocorre, no entanto, que direitos
patrimoniais de autor encerram relação de domínio e somente poderão ser limitadas pelo
advento do termo final de duração do direito de exclusividade, razão pela qual a decisão
a que chegou o TJRJ é extremamente controvertida.
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