Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
4 Brincadeiras Na Idade Media PDF
4 Brincadeiras Na Idade Media PDF
ISSN 2177-6687
1
Neste texto, optamos por registrar o nome do pintor flamengo conforme aparece na maioria das obras
que consultamos. Todavia, nas citações, preservamos o registro do autor do texto.
1
Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais
ISSN 2177-6687
Sabemos que a leitura ou mesmo o gosto estético com relação a uma obra de
Arte é muito variável. Cada “observador” a partir de seu chão, de seu conhecimento e
leitura de mundo é que estabelece os seus critérios de estética, de gosto e, portanto, de
leitura de uma obra. Nas palavras de Manguel (2001, p. 32) “Cada obra de arte se
expande mediante incontáveis camadas de leituras, e cada leitor remove essas camadas
a fim de ter acesso à obra nos termos do próprio leitor. Nessa última (e primeira) leitura,
nós estamos sós”.
Nesta perspectiva, é que observamos que a obra Jogos Infantis já foi objeto de
muitas leituras e interpretações. No entanto, no caso em específico, depreendemos
algumas reflexões (comentários) acerca das práticas corporais dos homens medievais,
os seus modos livres de expressão, a forma como adultos e crianças brincavam.
Observamos, ainda, que os movimentos livres, com o tempo, foram
transformados em regras e disciplina, a base da educação do corpo no século XIX
(SOARES, 1998). Dentre as muitas possibilidades de sentimentos e de mobilização de
sentidos que uma obra de arte pode ocasionar no “observador”, aqui a tomaremos por
este ângulo: o da reflexão em torno das práticas corporais no período medieval e as
transformações ocorridas nestas práticas, como princípio disciplinador do corpo
humano, portanto, as sementes das práticas corporais contemporâneas.
Neste texto, apresentamos, inicialmente, alguns pontos relativos ao contexto
histórico articulados aos dados biográficos do pintor Pieter Bruegel. Consideramos que
a compreensão do tempo - o século XVI -, do contexto - o período renascentista europeu
– e do espaço – a arte na região de Flandres – ajudam a compreender o artista e a obra.
Na sequencia, faremos a leitura da pintura Jogos Infantis, tomando como parâmetro
conhecer o modo como adultos e crianças brincam neste período, apontando a
necessidade de regras de comportamento no século XVI, presentes no processo de
civilização. Uma das problematizações que a obra nos inspira a pensar refere-se às
práticas corporais contemporâneas, especialmente, as que estão presentes no currículo
escolar da disciplina de Educação Física.
Ainda que a título de reflexão, esta obra nos possibilita a pensar o modo como a
Educação Física é planejada na escola atual. No caso específico do Estado do Paraná,
sabemos por meio de dois documentos - as Diretrizes Curriculares da Educação Básica
2
Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais
ISSN 2177-6687
2
A disciplina de Educação Física, baseada em uma concepção Crítico-Superadora, encontra-se
organizada em cinco núcleos curriculares ou “Conteúdos Estruturantes”: Jogos e Brincadeiras, Esportes,
Danças, Lutas e Ginástica.
3
Este livro apresenta algumas imagens produzidas por Bruegel, como ilustração. Assim, no conteúdo de
dança, na página 186, aparece o quadro Os camponeses dançam grande (1567) e, na página 223, A Dança
do Casamento (1566) e; nas páginas que marcam a divisão dos capítulos, enfatizando os núcleos
estruturantes, são utilizados recortes da pintura Jogos Infantis (1560).
4
É importante ressaltar que esta construção histórica em conteúdos estruturantes é uma perspectiva de
Educação Física entre outras perspectivas tais como Crítico Emancipatória (KUNZ, 1994), Construtivista
(FREIRE, 1988), Ensino Aberto (HILDEBRANDT-STRAMANN, 1986), idealizada por um grupo de
autores conhecido na Educação Física como Coletivo de Autores (SOARES ET AL. 1992). Tal
concepção é hoje determinante na construção das Diretrizes Curriculares do Paraná (PARANÁ, 2008) e
nos Livros Didáticos de Educação Física.
3
Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais
ISSN 2177-6687
humano é estudado e o desequilíbrio de suas leis próprias é que explica a causa das
doenças; a Matemática é usada sistematicamente como instrumento de pesquisa, cuja
generalização permite a integração de vários campos científicos. Para esses autores, o
domínio do homem sobre a natureza é ampliado, marcado pelas possibilidades de
comércio e conhecimentos abertos pelas novas técnicas de navegação, bem como pelas
descobertas clássicas da bússola, da pólvora e da imprensa. Assim, ciência e técnica
estão mais voltadas para o homem enquanto ser natural e não enquanto resultado da
intervenção divina (OLIVEIRA; ALBUQUERQUE, 1981).
Na concepção de Nunes (1980) o Renascimento italiano marca uma mudança de
olhar do homem. A cultura da religiosidade presente na Idade Média, em que em várias
situações da vida o homem voltava seu olhar para Deus, no Renascimento, os homens
começam a olhar as aparências das coisas, desviando-se da Face divina. Assim,
4
Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais
ISSN 2177-6687
5
Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais
ISSN 2177-6687
Para Gombrich (1999), a arte nos Países Baixos – um país protestante - não foi
abalada com a crise da Reforma. Isto se deve, segundo o autor, pelo fato dos artistas se
especializarem em assuntos que a Igreja Protestante não se opusesse, concentrando-se
na imitação da natureza. Desse modo,
6
Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais
ISSN 2177-6687
Casamento Aldeão, considerado por Gombrich (1999) como “uma das mais perfeitas
comédias humanas de Bruegel” é um exemplo bastante ilustrativo do aspecto satírico.
Neste quadro, o pintor mostra os convidados do casamento concentrados na atividade de
comer e beber, durante a festa, realizada em um celeiro com palhas amontoadas ao
fundo. Muitas “coisas” ocorrem na cena, dentre elas: ao centro, está a noiva com sorriso
de satisfação; um homem que serve a bebida e tem muitos jarros vazios para encher
(canto esquerdo); no primeiro plano, em uma bandeja improvisada, dois homens
transportam os pratos de comida e um dos convidados passa-os para a mesa; uma
criança usando um chapéu maior que a sua cabeça, sentada no chão, saboreia a comida;
no canto direito, um frade e um magistrado presos em sua própria conversa; um dos
músicos possui expressão de desconsolo e fome; ao fundo, muitas pessoas tentam entrar
no celeiro (GOMBRICH, 1999, p. 382).
7
Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais
ISSN 2177-6687
Vlieghe (2001, p. 149) afirma que “As caleidoscópicas cenas pintadas por Pieter
Bruegel, o Velho, com sua multidão de figurinhas coloridas situadas contra um plano de
fundo íngreme, permaneceram populares até bem avançado o século XVII”. O pintor
Abel Grimmer (1570-c 1619) - também foi mestre na Guilda de São Lucas, na
Antuérpia, filho do pintor de paisagens Jacob Grimmer -, assim como os filhos,
trabalhou fazendo cópias das cenas campestres de Brueguel, o Velho. (VLIEGHE,
2001). Segundo Vlieghe (2001), os trabalhos de reprodução das obras do velho
Brueguel, e os acréscimos às composições, contribuíram para a difusão da “pintura de
gênero” até meados do século XVII.
Com relação à pintura Jogos Infantis, de 1560, Bruegel retrata,
aproximadamente, 250 personagens - crianças e adultos – envolvidos em 84
brincadeiras diferentes. Algumas destas brincadeiras não mais existem e as existentes,
permanecem com variações. Aqui, da mesma forma que no Casamento Aldeão, a
riqueza de detalhes não se apresenta de forma confusa. A distribuição dos personagens
leva o nosso olhar a percorrer livremente diversas direções na obra. Com a imagem,
percebemos que a prática de jogos e brincadeiras é comum para crianças e adultos da
época. As crianças, em suas fisionomias não se diferem muito dos adultos e todos se
mostram ocupados com a atividade em si.
8
Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais
ISSN 2177-6687
Entendemos que esta obra, como toda obra, produz sentidos ao seu
observador/leitor, proporcionando experiências surpreendentes nos modos de ver,
refletir, sentir e criar (BUENO, 2008). O pintor, fugindo às regras do Renascimento
italiano, faz uso de traços, linhas, cores e formas leves e alegres para registrar
momentos de diversão entre crianças e adultos camponeses, em um espaço comum: a
rua.
Não sabemos ao certo, os motivos que levaram Pieter Bruegel a pintar esta obra,
se foi uma encomenda, se pretendia apenas registrar uma forma de diversão, ou satirizar
os modos dos homens simples ou, ainda, representar de modo grotesco os camponeses,
para distingui-los dos homens “[...] de status mais elevado que iriam observar as
imagens” (BURKE, 2004, p. 172). Entendemos que a pintura, enquanto uma criação do
pintor registra as suas impressões sobre uma determinada realidade e, por isso, não é
neutra. Todavia, o sentido que percebemos, no quadro, é o de comportamentos
partilhados livremente em brincadeiras e jogos por adultos e crianças, os quais registram
práticas corporais de um determinado momento histórico.
Philippe Ariès (1981), em estudo ao minucioso diário do médico Heroard sobre
o jovem Luís XIII, na França, nos mostra como seria a vida de uma criança no início do
século XVII. Este estudo mostra que a criança toma emprestado ou faz com os adultos
os seus divertimentos. A criança participa de festividades coletivas, dança, canta, joga;
assiste a torneios, lutas, farsas e comédias. Assim, neste momento, “[...] não existia uma
separação tão rigorosa como hoje entre as brincadeiras e os jogos reservados às crianças
e as brincadeiras e jogos dos adultos. Os mesmos jogos eram comuns a ambos”
(ARIÈS, 1981, p.88). Segundo, este autor, a partir dos séculos XVI e XVII, a
iconografia começa a diferenciar a infância, marcando a separação do mundo social da
criança e do adulto. No quadro observamos, que as crianças são representadas com
rostos de adultos, uma característica da iconografia medieval. Áries (1981) explica que,
a partir do século XV, a iconografia mostra crianças não muito pequenas brincando. Os
brinquedos representados nas pinturas como o cavalo de pau, o catavento, o pássaro
preso a um fio e bonecas – mais raramente – eram reservados às crianças pequenas. Para
Áries (1981), da mesma forma que as crianças de hoje se animam em imitar as atitudes
dos adultos, dirigindo um carro ou caminhão, algumas brincadeiras medievais, parecem
ter nascido desta mesma forma de imitação. Desse modo, o surgimento do cavalo de
pau está vinculado a uma
9
Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais
ISSN 2177-6687
Soares (1998), por sua vez, ao discutir as imagens da educação no corpo para a
construção da trajetória da ginástica francesa no século XVI, vale-se da imagem de
Jogos Infantis para evidenciar que as práticas corporais eram realizadas, no século XVI,
em forma de livre-expressão sem determinações específicas para cada gesto corporal.
Para a autora, estas práticas foram, historicamente substituindo-se, adaptando-se e,
muitas delas, permanecem até hoje, outras foram perdidas durante os anos. Em Jogos
Infantis podemos observar brincadeiras e jogos (com arcos, saquinhos, brincadeiras de
pega, de cavalinho); referências de atividades em duplas, ou giros, que podem sugerir
danças; elementos de equilíbrio em vigas e cercas, contorsão que sugerem a prática da
ginástica; inferências a lutas e atividades na água. Soares (1998) explica que estas
práticas corporais ainda não eram atividades físicas estruturadas, e sim movimentos
livres (SOARES, 1998).
Costa (s/d) nos apresenta algumas brincadeiras e jogos registrados no quadro
Jogos Infantis de Bruegel e que permanecem na diversão de crianças brasileiras, ainda
hoje, com algumas variações.
10
Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais
ISSN 2177-6687
11
Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais
ISSN 2177-6687
12
Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais
ISSN 2177-6687
5
Francisco Amoros y Odeano nasceu em Valença, Espanha, em 19 de fevereiro de 1790. Sua vida militar
iniciou-se aos 9 anos de idade quando ingressou no exército espanhol. Em 1781, com 17 anos, foi
nomeado segundo tenente e, em 1803, coronel. Foi secretário particular do rei da Espanha, Carlos IV, a
quem também adestrava alguns exercícios, bem como tutor de seu filho, o infante D. Francisco de Paula.
A base da educação do infante foi a ginástica, esgrima, natação e equitação, que mais tarde, adotaria na
França. No levante espanhol contra a dominação napoleônica, francesa, Amoros declarou-se inimigo de
Fernando VII e uniu-se a José Bonaparte, ficando ao lado dos franceses. Foi deportado para a França
entre 1814 e 1815, naturalizando-se em 1816 e, a partir de 1820, começou a publicar seus estudos sobre
ginástica (SOARES, 1998, p. 25).
13
Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais
ISSN 2177-6687
Neste sentido, concordamos com Soares (1998) que afirma que ao estudarmos
as imagens da educação no corpo, percebemos que o conteúdo das artes plásticas – no
caso Jogos Infantis - revela a presença de uma educação no corpo ou, ainda, amplia a
nossa compreensão das ações humanas no tempo. Esta autora, no ensino da Educação
Física, é defensora da cultura corporal, que implica nas práticas corporais como práticas
sempre historicamente construídas (SOARES, 1992). Evidenciamos que esta concepção
está presente como “fundamento para o estudo e o ensino da Educação Física” no
currículo do Paraná, pois “[...] possibilita a análise crítica das mais diversas práticas
corporais, não restringindo o conhecimento da disciplina somente aos aspectos técnicos
e táticos dos Conteúdos Estruturantes” (PARANÁ, 2006, p.11).
Vemos que a adoção da imagem da pintura Jogos Infantis, enquanto objeto de
análise da construção histórica das práticas corporais, pelos professores de Educação
Física com as crianças, pode significar uma importante contribuição para superar/refletir
as práticas corporais controladas, científicas, produzidas no século XIX. Mais ainda,
redescobrir algumas práticas corporais, especificamente, os seus aspectos de liberdade e
ludicidade, tão caros aos homens e às crianças de hoje. Nas palavras de Lauand (2010,
p.1), quando trata do lúdico no pensamento de São Tomás de Aquino: “Ludus est
necessarius ad conversationem humanae vitae, o brincar é necessário para a vida
humana (e para uma vida humana)”. Para Tomás, continua o autor, “[...] assim como o
homem precisa de repouso corporal para restabelecer-se pois, sendo suas forças físicas
limitadas, não pode trabalhar continuamente; assim também precisa de repouso para a
alma, o que é proporcionado pela brincadeira”.
Finalizamos, pensando com Joly (2006, p. 59), que a imagem, que é uma
“produção humana que visa estabelecer uma relação com o mundo”, quando
interpretada, possibilita conhecer objetos, lugares, pessoas, paisagens, comportamentos,
portanto, um instrumento que permite conhecer e preservar a história.
REFERÊNCIAS
14
Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais
ISSN 2177-6687
BUENO, Luciana Estevam Barone. Linguagens das artes visuais. Curitiba: Ibpex,
2008.
COSTA, Maria Você sabe quem foi que inventou a Maria-cadeira? Folha Online,
Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fol/brasil500/brinca8.htm Acesso em: 20
jul 2012.
ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes. Tradução de Ruy
Jungman. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. v. 1.
JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. 12. ed. Campinas, SP: Papirus,
1996.
15
Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais
ISSN 2177-6687
OLIVEIRA, José Carlos de et ALBUQUERQUE, Rui H.L. de. Notas sobre a relação
ciência, técnica e sociedade. Departamento de Engenharia Elétrica, UFRJ, Ciência e
Cultura, 33 (6), junho de 1981, p. 821-825 (mimeo).
16
Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais
ISSN 2177-6687
17