Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Como visto, o contrato veio mudando e evoluindo com o passar do tempo, tendo
em sua bagagem uma vasta carga histórica, carga esta que possibilitou um sutil rompimento
do direito das obrigações (diz-se 'rompimento' porque até certo período os contratos não
possuíam uma tese apartada, sendo inteiramente englobada no capítulo dos direitos das
obrigações, mesmo ainda fazendo parte do mesmo livro na codificação civil brasileira) e
criação de uma requintada teoria geral contratual. Neste capítulo será desenvolvido um pouco
dessa teoria geral, mantendo o foco na formação contratual no âmbito da doutrina e justiça
brasileira, desde sua concepção até sua extinção, bem como a conceitualização de asserções
necessárias para o percebimento do presente tema – a teoria do adimplemento substancial.
1
MELO, Nehemias domingos de . Lições de Direito Civil: Dos Contratos e dos Atos Unilaterais, (V. 3). Atlas,
05/2014. págs. 36.
2
AZEVEDO, Álvaro Villaça . Teoria geral dos contratos típicos e atípicos, 3ª edição. Atlas, 08/2009. pág. 37.
Como supra explicitado e de acordo com a legislação brasileira (artigo 427 e ss,
Código Civil 3 ) haverá três fases para a formação de qualquer contrato – a oferta, o
conhecimento pela outra parte interessada e o encontro de vontades das mesmas -, podendo
ser expressos - Que pode se revelar por palavras, tanto de forma verbal, quanto escrita, por
instrumento público ou particular (dependendo do caso, até mesmo por gestos) - ou tácitos -
Quando o agente age em conformidade com o negócio entabulado, demonstrando ter aceitado
a proposta -, este último, diferente do silencio (ou não demonstrar nada), que é, nem declínio,
nem aceitação da proposta – aquela máxima que diz que “quem cala consente”, juridicamente
não vale absolutamente nada – não constituindo por fim o pacto.
Mas há, contudo, exceções à regra, contratos nos quais não bastam tão somente os
três passos descritos anteriormente, como exemplo, existem os contratos reais, que necessitam
da tradição do bem para que haja o aperfeiçoamento do negócio jurídico – tais como os
contratos de comodato, depósito, doação, compra e venda e etc. (MELO, Nehemias, 2014,
pág. 37).
É legítimo às partes, por força dos princípios contratuais – tal como o da primazia
das vontades entre as partes -, bem como com a Codificação Civil Brasileira em seu artigo
435 – “Reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto.” – proporem o local
em que será celebrado o negócio, sendo considerado para fins jurídicos o mesmo como o local
do contrato. Tal determinação influencia na competência de julgamento em uma possível
propositura de ação futura.
Para além do local que haverá o pacto, é permitido às partes convencionarem
acerca de um “foro de eleição”, foro este que deverá julgar as ações futuras (caso em que haja
alguma), independente do local do contrato, como explica NEHEMIAS MELO:
3
BRASIL, Lei 10.406/2002. Código Civil. Legislação Federal. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>.
4
Ibidem, pág. 37.
Vale ressaltar que, de acordo com o artigo 9º, § 2º da Lei de Introdução às normas
do Direito Brasileiro (Decreto-lei no 4.657, de 4 de setembro de 1942) é incisivo ao asseverar
que, no âmbito do Direito Internacional Privado, “a obrigação resultante do contrato reputa-
se constituída no lugar em que residir o proponente”; nesta feita, se um brasileiro contrata
com um italiano (sendo o brasileiro o proponente), por exemplo, será aplicada a legislação
brasileira para o negócio (AZEVEDO, Álvaro Villaça, 2009)5.
5
Ibidem, pág. 40.
6
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Volume 3º - Contratos e Atos Unilaterais. 14ª edição.
Saraiva, 2017. Pág. 71.
contidas nos arts. 3º e 4º do Código Civil; exigindo até que nenhuma das partes seja portadora
de inaptidão específica para contratar, tal como é descrito pelo mesmo autor:
7
PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. III - Contratos, 21ª edição. Forense, 01/2017.
cap. 187.
óbvio de que não haverá objeto a ser prestado por uma parte e exigido pela outra. Em relação
aos objetos lícitos, tratam-se de bens que não são proibidos por lei, não podendo ser
constituídos em contrato, objetos ilícitos (provindos de roubo, por exemplo). E por fim, deve
o objeto ser exigível, possível (não podendo ser sobre coisas impossíveis, como ferver uma
água em uma temperatura de 30º ºC, fazer o ser humano voar, etc.), ou seja, dentro dos limites
absolutos, físicos e jurídicos (NADER, Paulo, 2015, p. 20).8
Os outros critérios acima descritos, são entendidos pela doutrina como relativos,
visto que há divergências acerca dos mesmos - a viabilidade econômica do objeto, natureza
jurídica e forma - porquanto alguns doutrinadores entendem por serem essenciais e outros
vêem que são relativos à espécie contratual. Bem, a viabilidade econômica é peculiar, pois há
doutrinadores que acreditam que a mera separação entre cônjuges é em si um contrato, já
outros acreditam que é preciso de um objeto com valor pecuniário; outro ponto é que é de
suma importância especificar a natureza do pacto (compra e venda, comodato, mútuo), mas o
mesmo é relativizado quando faz-se vista de que há contratos nominados e inominados.
A forma é considerado elemento essencial pela doutrina majoritária, mas em regra
geral, não há que se falar em formalismo nos contratos, ficando seu teor de inteira
responsabilidade e vontade das partes, bem como dita o Código Civil de 2002 em seu artigo
107, “A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando
a lei expressamente a exigir.”, ou seja, somente em casos específicos em que a própria lei
indicar, será necessário forma específica, sob pena de nulidade do ato jurídico, como visa o
artigo 166, IV do mesmo dispositivo legal.
8
NADER, Paulo. Curso Direito Civil - Vol. 3 - Contratos, 8ª edição. Forense, 12/2015. pág. 20.
“(...) em muitos casos, o ajuste entre as partes é conseguido mediante laboriosa fase
pré-contratual, em que os interessados, de transigência em transigência, vão
eventualmente chegando a um acordo final. (...) Em rigor, se as partes se
encontraram ainda na fase de negociações preliminares, por definição mesmo não
contrataram, não se havendo estabelecido entre elas, desse modo, qualquer laço
convencional. (...) De maneira que, se no curso do debate uma delas apura o
inconveniente do negócio, é justo que dele deserte, recusando-se a prestar sua
anuência definitiva. Nenhuma responsabilidade lhe pode daí advir, pois as
negociações preliminares ordinariamente não obrigam os contratantes.” 9
9
RODRIGUES, Silvio. DIREITO CIVIL – Dos Contratos e das Declarações Unilaterais da vontade, vol. 3. 29ª
edição. Ed. Saraiva, 2003. Pág. 69.
10
FIUZA, César. DIREITO CIVIL – Curso Completo. 17ª edição. Ed. Revista dos tribunais/ Ed. Del Rey, 2014.
Pág. 592/593.
11
BRASIL, Lei 10.406/2002. Código Civil. Legislação Federal. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>.
danos, salvo os juros moratórios e os encargos do processo.”12; seguindo as mesmas normas
de qualquer outro contrato, com a única diferença do objeto, que por ser um contrato
acessório, segue dependendo do principal para existir.
Nesse tocante, de forma resumida, para uma boa assimilação do presente assunto,
dividir-se-á a extinção em três partes: extinção por cumprimento pactual – que pode ser
instantâneo, diferido ou continuado -, extinção por fatores anteriores à celebração – que
podem gerar nulidade, anulabilidade ou ineficácia ao pacto – e por fatores posteriores –
motivo de resolução, resilição, cessação ou caducidade contratual -, esses últimos, geralmente,
sendo extintos judicialmente.
No que concerne aos fatores anteriores à celebração pactual, são os que afetam a
validade ou a eficácia do contrato, que de alguma maneira infringem normas imperativas,
sendo nulos, anuláveis e/ou ineficazes – como, por exemplo, anulação por vício de defeito
12
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n° 412. Disponível em
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_401_500>.
13
WALD, Arnoldo. Direito Civil - Direito das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos, vol. 2. 20ª edição. ed.
Saraiva, 2011. pag. 376/377.
grave ou leve, menoridade relativa do contratante, e demais dispositivos abrangidos nos
artigos 166, 167 e 171, CC -, ou seja, extinção do contrato por vício existente no contrato
(problema de validade) ou alguma cláusula referente à autonomia privada.
Já aos fatores posteriores, é imperioso que se faça vista de todas consequentes
extinções, haja vista que uma delas é o grande fato gerador da teoria do adimplemento
substancial.
Ab initio, resilição é modalidade de revogação que se realiza quando as próprias
partes do contrato deliberam dissolvê-lo mediante negócio extintivo (contrarius consensus).
Os que criaram pela vontade comum, podem pela vontade comum destruir. E assim, o vínculo
contratual pode, a qualquer tempo, desatar-se pelo concurso das vontades daqueles que o
formaram, como explica ORLANDO GOMES:
A cessação é quando ocorre a morte de uma das partes, que em regra, no direito
contratual, não extingue o mesmo, exceto os casos de serem acordos personalíssimos (intuitu
personae), fato o qual torna tal ocorrido como incapacidade superveniente de cumprimento
pactual; de certa maneira, não é possível afirmar-se que resolve o contrato, mas impossibilita
sua execução, ou faz cessá-la definitivamente (daí o nome de tal instituto), desta maneira, não
pode ser considerada inexecução involuntária, porque seus efeitos não se igualam aos do caso
fortuito. Não se justifica, também, enquadrá-la entre as causas de resilição, como procede a
doutrina francesa, pois a resilição se caracteriza por ser conseqüência de manifestação da
vontade de um ou dos dois contratantes (GOMES, Orlando, 2007, p. 227)15.
14
GOMES, Orlando. Contratos, 26ª edição. Editora Forense, 2007. pág. 222.
15
Ibidem, pág. 227.
E, por fim, a resolução, o meio de extinção que enseja à teoria em análise no
presente trabalho; é a inexecução do contrato por uma das partes, podendo ocorrer por:
inexecução voluntária, involuntária e por onerosidade excessiva. Basicamente, trata-se de um
“remédio jurídico” que a parte prejudicada se vale para terminar o acordo.
Na primeira hipótese, quando há inexecução voluntária (com dolo ou culpa em
inadimplir), haverá responsabilidade civil contratual pelas perdas e danos e,
consequentemente, a resolução do contrato; pari passu, a inexecução involuntária é quando
ocorrem as hipóteses de caso fortuito e/ou força maior, e como tal, sem culpa do inadimplente,
em regra, resolve-se o contrato sem que haja perdas e danos, como reza o artigo 393, caput,
CC, in verbis,“O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força
maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado”, ou seja, salvo quando,
houver previsão contratual, legal (art. 583, CC), ou houver mora por parte do devedor (art.
399, CC), haverá responsabilidade por parte do contratante em dívida (CASSETTARI,
Christiano, 2013, p.259 ss).16
A resolução por onerosidade excessiva é regrada pelos artigos 478 a 480, CC, bem
como respaldada nos princípios da onerosidade excessiva e do equilíbrio contratual e somente
se dará nos pactos de execução continuada ou diferida; trata-se da idéia de evitar um
desequilíbrio futuro entre as partes nos contratos comutativos (os que exigem certa
equivalência em seu bojo), evitando assim, o enriquecimento ilícito, como preceitua SILVIO
RODRIGUES:
16
CASSETTARI, Christiano. Elementos de Direito Civil - DIG, 5th edição. Editora Saraiva, 2013. Pág. 259 e ss.
17
Ibidem, pág. 134.
“(...) refere-se à aplicaç ão da teoria da imprevisão nas hipóteses em que não há
possibilidade de se promover a revisão judicial do contrato. O objetivo da doutrina
é permitir a aplicaç ão do princípio da conservaç ão do contrato, conforme nos
ensina o Enunciado 367 do CJF: ‘Em observância ao princípio da conservaç ão do
contrato, nas aç ões que tenham por objeto a resoluç ão do pacto por excessiva
onerosidade, pode o juiz modificá-lo equitativamente, desde que ouvida a parte
autora, respeitada a sua vontade e observado o contraditório’”.18
18
Ibidem, pág. 260 e 261.
19
Ibidem, pág. 260.