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Nos últimos tempos, parece que virou moda o diagnóstico de L.E.R. (Lesões por Esforços de
Repetição) também chamado de DORT (Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho)
para as pessoas que usam com frequência o computador. Qualquer dorzinha que apareça nos
braços ou nas mãos faz com que muitos imaginem equivocadamente que estão com L.E.R., uma
doença que causa lesões definitivas e deixa várias sequelas.
Isso acontece porque o tema está cercado de mal-entendidos. Na verdade, sob o rótulo de L.E.R.
e sem nenhum fundamento científico, enquadra-se um conjunto de problemas ortopédicos que
envolvem nervos, tendões e músculos e cujo tratamento demanda diagnóstico preciso e equipe
multidisciplinar.
L.E.R. NÃO É DOENÇA
Drauzio – O que é realmente L.E.R.?
Rames Mattar – L.E.R. (lesões por esforço por repetição) envolve mecanismos de agressão que
incluem desde esforços de repetição até outros mecanismos relacionados a algumas atividades
de trabalho como vibração e postura inadequada, ocasionando em nosso corpo uma série de
problemas que poderiam ser evitados. A grande confusão, porém, está em considerar L.E.R. uma
doença. Às vezes, o próprio paciente colabora para isso quando declara – “Sou portador de
L.E.R.”.
No entanto, não há descrição da entidade L.E.R. em nenhum livro de medicina como uma doença
com fisiopatologia própria, ou seja, um mecanismo causador de quadro anatomopatológico, de
um tecido alterado de determinada forma. Essa confusão ocorre em muitos países e gera uma
interpretação errônea nos pacientes, na área médica e paramédica e até do ponto de vista
judicial.
Drauzio – Em geral, quando se ouve falar em L.E.R., logo se pensa numa lesão causada por um
esforço repetitivo no trabalho, não é?
Rames Mattar – É exatamente isso que acontece. Inclusive, existe uma discussão a respeito da
melhor forma de definir essa condição. Outras siglas como DORT (Distúrbios Osteomusculares
Relacionados ao Trabalho) ou AMERT (Afecções Musculares Relacionadas ao Trabalho)
empregadas para nomear o problema indicam sempre a conotação de uma doença que teria
nexo causal com o trabalho.
Nesse aspecto, algumas considerações devem ser feitas. Se pegarmos um grupo de pessoas
que trabalha num mesmo ambiente e sob as mesmas condições, verificaremos que algumas
desenvolvem tenossinovite ou uma compressão do nervo mediano no canal do carpo. Se essas
patologias estão relacionadas a atividades como a digitação, por exemplo, por que todas as
outras pessoas que trabalham sob as mesmas condições não apresentam tais problemas?
É obvio que, na maioria das vezes, ao atender o paciente no consultório, por não conhecer seu
ambiente de trabalho, o médico tem dificuldade em estabelecer o nexo causal das queixas que
ouve. Por isso, o especialista em Medicina do Trabalho é o profissional melhor capacitado para
atender esse paciente, porque domina os meios para analisar as condições do ambiente de
trabalho e de ergonomia, o modo como a pessoa desempenha suas atividades, a quantidade de
horas dedicadas ao trabalho e ao repouso, a pressão que recebe de seu superior em relação à
produtividade e o nível de angústia e ansiedade a que está exposta. Com se pode perceber, é
uma tarefa bastante complicada.
RELAÇÃO ENTRE L.E.R. E O USO DE COMPUTADORES
Drauzio – Qual a relação entre L.E.R. e os computadores, já que as pessoas atribuem os
sintomas ao uso constante desse equipamento?
Rames Mattar – Com a introdução dos meios de informática no ambiente de trabalho, houve
quase uma epidemia mundial de casos de L.E.R. Em alguns países, a coisa ficou tão séria do
ponto de vista socioeconômico, que a patologia foi destituída de seu caráter de entidade. A
Austrália, por exemplo, considerou por decreto que o problema não existe, embora a realidade
demonstre exatamente o contrário.
O que se pode dizer em relação ao computador é que ele passou a ser usado constantemente,
não apenas durante o trabalho, mas em casa por horas a fio. Às vezes, a digitação é feita de
forma obstinada e compulsiva, numa postura inadequada o que pode certamente gerar
problemas musculoesqueléticos e de fadiga. Fenômeno semelhante acontece com os músicos
que, em algumas fases da vida, estudam doze, quatorze, dezesseis horas por dia e acabam
sofrendo as consequências de tamanho esforço.
Não se pode negar, porém, que a informática trouxe consigo uma revolução nas formas
convencionais de trabalho. E não foi só isso. Nas últimas décadas, também ocorreu uma
transformação importante na forma de encarar o trabalho. Competitividade, produtividade e
manutenção do emprego são palavras-chave nesse universo, o que acaba aumentando os níveis
de angústia e ansiedade e o indivíduo se nega o direito a uma pausa a fim de cuidar
adequadamente de seu organismo. Esse conjunto de fatores pode explicar a epidemia mundial
relacionada às dores do sistema musculoesquelético.
Houve uma fase em que a lombalgia (dor na região lombar) era a causa principal de afastamento
do trabalho. O País atravessava um momento de grande produção industrial e de pouco cuidado
em relação à postura dos trabalhadores e ao esforço relacionado à produção. Agora, a
informática transferiu o problema para os membros superiores e brinco que, num futuro não muito
distante, ele será transferido para o aparelho fonador, porque já existem computadores capazes
de reconhecer a voz dos usuários e digitar o que escutam.
COMPLEXIDADE DO DIAGNÓSTICO
Drauzio – É possível estabelecer o tipo de problema neuromuscular mais frequente nos
digitadores?
Rames Mattar – É muito complicado estabelecer esse quadro. Na esmagadora maioria dos
casos, o diagnóstico é dor miofacial ou dores generalizadas que migram pelo corpo e que são
características da fibromialgia.
Estudo que fizemos no ambulatório do Hospital das Clínicas com um grupo de pacientes
demonstrou que apenas 17% dos digitadores afastados de sua função tinham um diagnóstico
bem definido. A maior parte apresentava quadros de neuropatias compressivas, principalmente
da síndrome do túnel do carpo.
Drauzio – Você poderia explicar o que são neuropatias compressivas e síndrome do túnel do
carpo?
Rames Mattar – Os nervos periféricos que conectam o cérebro à pele para conduzir os estímulos
externos até ele, também recebem, no caminho inverso, ordem cerebral para contrair os
músculos. Eles são uma espécie de cabos que passam pelo interior de canais.
Está provado que a hiperflexão do punho provoca um aumento da pressão dentro de um
canalzinho ali existente. Portanto, se a pessoa fica muitas horas com o punho fletido, pode
desencadear uma compressão do nervo mediano. Nos digitadores, principalmente nos que
assumem a postura de flexão do punho enquanto usam o teclado, existe incidência grande da
síndrome do túnel do carpo. Há, porém, outros fatores predisponentes para essa patologia. A
compressão do nervo mediano é mais frequente em diabéticos, nos indivíduos com
hipotireoidismo e em certos grupos familiares.
PRINCIPAIS SINTOMAS DA SÍNDROME DO TÚNEL DO CARPO
Drauzio – Quais são os sintomas que aparecem nesses casos?
Rames Mattar – Em geral, a pessoa sente dor no punho, na mão e formigamento nos dedos,
principalmente durante a execução de algumas atividades manuais. Outro sintoma característico
é acordar no meio da noite com a mão formigando, porque se repetiu a postura de flexão do
punho durante o sono. Além disso, pela falta de movimentação dos dedos, pode formar-se um
edema, isto é, um acúmulo de líquido dentro do canal, o que aumenta a compressão do nervo.
Essa não é a única causa, porém, pois outros tipos de compressão de nervos podem estar
associados ao problema.
Na realidade, quando um paciente, que se queixa de dores nos membros superiores, diz – “Eu
sou um digitador” – os médicos procuram levantar uma história clínica detalhada para entender
exatamente o tipo de atividade que exerce, qual a postura que adota para trabalhar, como é o
ambiente profissional, a fim de localizar a alteração anatômica e orientá-lo o mais
adequadamente possível.
OUTRAS ATIVIDADES LIGADAS A L.E.R.
Drauzio – Quais são as outras atividades que podem provocar essas lesões por esforços
repetitivos?
Rames Mattar – No que se refere à digitação, é preciso ressalvar que não existe até hoje nenhum
estudo científico que demonstre claramente que o computador seja a causa da incidência maior
de compressões do nervo, tendinites ou tenossinovites, por exemplo. Isso é muito pesquisado,
ainda. No entanto, já se estabeleceu nexo causal entre algumas profissões e a incidência de
certas doenças. Pessoas que operam britadeiras certamente manifestam mais a síndrome do
túnel do carpo e aquelas que trabalham com o punho desviado na direção do dedo mínimo estão
mais sujeitas a desenvolver tendinite na região próxima ao polegar, a chamada Tendinite De
Quervain, em homenagem ao médico que descreveu essa entidade, um século atrás.
Drauzio – Quais são os sintomas desse tipo de tendinite?
Rames Mattar – Os sintomas dessa tendinite são dor intensa na região lateral do punho que piora
muito com seu desvio na direção do dedinho. Alguns teclados de computador foram
redesenhados e divididos em duas metades inclinadas para obrigar a pessoa a trabalhar numa
posição neutra e evitar o desvio ulnar do punho. Engenheiros que estudam ergonomia
empenham-se em desenvolver novos equipamentos visando ao conforto e ao bem-estar dos
usuários.
ERGONOMIA AJUDANDO A ALIVIAR O PROBLEMA
Drauzio – O que é ergonomia?
Rames Mattar – Ergonomia é uma ciência que estuda a postura, o conforto, a parte mecânica do
corpo humano em relação à atividade de trabalho. Vou citar alguns exemplos. Se o trabalho é
realizado num túnel muito pequeno ou na linha de montagem de alguns aviões menores, são
selecionados indivíduos anões, porque ergonomicamente é melhor do que escalar longilíneos
para tais funções.
Engenheiros especialistas em ergonomia estudam qual o biótipo ideal para determinadas
ocupações e também, por exemplo, o modelo de cadeira, de mesa e a relação entre a altura das
duas mais indicados para atender às necessidades de cada profissão. Com certeza, a mesma
cadeira não é adequada para oferecer conforto a um jogador de basquete e a um ginasta
olímpico, que normalmente é mais baixinho.
Da mesma forma, a altura da mesa em relação à estatura do indivíduo, a posição do teclado, o
apoio para o antebraço, entre outros, são detalhes que podem fazer diferença no que se refere à
gênese da dor e do desconforto. Quando escolhemos uma cama confortável para dormir, de
certa forma, estamos pondo em prática alguns princípios da ergonomia.
RECONHECENDO CAUSAS E SINTOMAS
Drauzio – Às vezes, até nós médicos temos dificuldade para caracterizar as lesões por esforços
repetitivos. O que não dizer, então, da dificuldade dos leigos em reconhecer esse problema. Que
dicas podem ser dadas para as pessoas desconfiarem que possam estar com L.E.R.?
Rames Mattar – Os sintomas mais frequentes são dores nos membros superiores, nos dedos,
dificuldade para movimentá-los e formigamento. Na maioria das vezes, esses sintomas estão
relacionados a uma atividade inadequada não só dos membros superiores, mas de todo o corpo.
Não é normal, nem fisiológico ficar sentado diante da tela do computador por oito ou dez horas
seguidas. O corpo humano não foi projetado para isso e se ressente.
Drauzio – E nem para lidar com uma britadeira o dia todo.
Rames Mattar – Nem para desempenhar atividades desse tipo. A máquina de escrever antiga
não gerava tantos sintomas desagradáveis. Por quê? Naquela época, as pessoas não corriam
tanto, não se estressavam da mesma forma, não buscavam obstinadamente informação.
Drauzio – Mas, o que dizer dos datilógrafos que batiam à máquina o dia inteirinho?
Rames Mattar – O ritmo de vida era diferente. Qual seria a outra explicação? O teclado era mais
duro. As máquinas elétricas representaram um avanço importante não faz muito tempo, mas a
dor não era um problema naquela época. Minha interpretação, que compartilho com um grupo de
especialistas, é que a causa principal das dores nos membros superiores e na cintura escapular
(região dos ombros e pescoço) está ligada à tensão, à contração muscular exagerada. É o preço
do estresse, da correria, da má qualidade de vida.
A pessoa acorda às quatro horas da manhã, locomove-se num transporte que deixa muito a
desejar, permanece horas no trânsito e, depois, fica na frente do computador o dia inteiro.
Houve um tempo em que se media eficiência pela quantidade de teclas digitadas por minuto. O
bom trabalhador era o que digitava mais teclas em menos tempo, o que determinava uma
espécie de neurose.
Tenho a impressão de que, atualmente, essa é a causa do problema que gera um prejuízo
socioeconômico muito grande para o País. Por isso, ao notarem o número de afastamentos de
funcionários provocados pela incidência desses distúrbios, algumas empresas decidiram investir
na qualidade de vida. Promovem, a cada hora, uma pausa de dez a quinze minutos dedicada à
atividade física, ginástica, alongamentos sob a supervisão de um professor de educação física ou
de um terapeuta e a incidência caiu para zero. Às vezes, num ambiente fechado, colocar uma
janela para que as pessoas pudessem ver o céu foi o suficiente para resolver a questão.
Na literatura médica, uma série de publicações aborda o tema dessa forma. A causa das lesões
talvez não seja o computador, mas sim um conjunto de fatores decorrentes das modificações no
estilo de vida que ocorreram nas últimas décadas. Nós nos estressamos muito mais e corremos
muito mais atrás de informação do que faziam as gerações que precederam a nossa. Depois de
um dia de trabalho estafante, chegamos em casa e ligamos o computador, frequentemente
olhando também para a televisão, com o braço numa posição inadequada, suspenso no ar, sem
apoio algum. Isso acontece com a maioria das pessoas e gera fadiga e dor, sinais de que foram
extrapolados os limites que o organismo pode tolerar.
Drauzio – Existem lesões por esforços por repetição em corredores também, não é?
Rames Mattar – Seguramente. Se formos pensar que L.E.R. é um mecanismo de trauma que
pode gerar uma série de doenças bem conhecidas, concluiremos que qualquer região do corpo
pode ser afetada. O indivíduo que sobrecarrega a coluna lombar no trabalho vai ter L.E.R. na
coluna lombar; aquele que caminha muito pode ter dor no calcâneo (talalgia), ou tendinite no
tendão de Aquiles, ou tendão calcâneo como é chamado modernamente.
Se formos pensar na semântica das palavras Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao
Trabalho ( DORT), os carteiros podem ter tendinite no membro inferior porque andam o dia todo.
Por isso, é um erro considerar que as lesões afetem apenas os membros superiores dos
digitadores.
TRATAMENTO INDIVIDUALIZADO
Drauzio – Por isso o tratamento vai depender das características específicas de cada caso, não
é?
Rames Mattar – Exatamente. Nós buscamos obstinadamente um diagnóstico que, às vezes, não
é feito na primeira consulta. É comum o próprio paciente procurar-nos com a interpretação de que
o membro superior está doendo porque digita muito e precisa mudar de profissão, pois sofre de
uma doença incurável que lhe deixou sequelas para o resto da vida. Isso é uma inverdade
absoluta, divulgada até pela imprensa. L.E.R. nem sequer é uma doença. É um conjunto de
problemas que podem estar relacionados ao esforço exagerado. Durante a consulta, tentamos
entender qual é a alteração anatômica que se instalou. Há inflamação do tendão ou do tecido
sinovial? O nervo está comprimido?
O paciente é examinado cuidadosamente, levanta-se sua história clínica de vida. São casos
difíceis, que podem demandar alguns retornos. Na maioria das vezes, a conclusão é que se trata
de dores migratórias que não caracterizam nenhuma doença em particular e requerem uma visão
multidisciplinar. Fisiatras, reumatologistas, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos e
psiquiatras se unem para entender o caso e, quase sempre, o diagnóstico revela uma dor
miofacial, um problema relacionado à fadiga, ou à fibromialgia.
IMPORTÂNCIA DO DIAGNÓSTICO PRECISO
Drauzio – Quer dizer que a maioria dos casos que vocês recebem como L.E.R. são episódios de
outras patologias?
Rames Mattar – Por isso nos preocupamos tanto com o diagnóstico. Procuramos verificar se não
se trata de tendinites, tenossinovites ou compressões nervosas. Na maioria das vezes, é difícil
compreender qual é o problema anatômico que se instalou.
Drauzio – Fica difícil estabelecer se o esforço por repetição é realmente a causa do problema?
Rames Mattar – Fica difícil estabelecer o nexo causal entre o trabalho e as queixas do paciente.
Nesses casos, recorremos ao médico do trabalho que conhece melhor as condições operacionais
de cada profissão.
AUXÍLIO DA FISIOTERAPIA NO TRATAMENTO
Drauzio – A fisioterapia ajuda nesses casos?
Rames Mattar – A fisioterapia ajuda bastante. O tratamento de grande parte desses pacientes
com dor crônica envolve um conjunto de atitudes. Primeiro, ele precisa compreender bem tudo o
que explicamos até aqui. Depois, procuramos localizar a alteração anatômica que pode ter-se
desenvolvido. Se do ponto de vista clínico tudo estiver normal, mas a dor persistir, devemos
levantar como causas o estresse e a ansiedade. E aí, não é só a fisioterapia que funciona. É
preciso buscar a reabilitação do paciente como um todo, preconizar uma atividade física e, às
vezes, uma terapia de apoio. Isso torna o tratamento muito complexo.
Drauzio – O que se vê normalmente é que feito um diagnóstico desse tipo, as pessoas são
encaminhadas para fisioterapeutas não especializados e os resultados não costumam ser dos
mais animadores, não é?
Rames Mattar – Essa é a nossa realidade. Tanto que os melhores resultados são obtidos nas
empresas grandes que detectaram uma alta incidência de afastamento dos funcionários por
causa desse problema e procuraram a ajuda de um grupo de profissionais para promover
mudanças no ambiente de trabalho e na qualidade de vida dos funcionários. Tais providências
reduziram o número de casos praticamente a zero.
Na verdade, há muito tempo estamos diante de uma situação de saúde pública difícil para o país
como um todo. Alguns países, que possuem estatísticas a respeito do assunto, concluíram que a
dor nos membros superiores e na cintura escapular, que abrange os ombros e a região do
pescoço, é a principal causa de afastamento do trabalho.
MEDIDAS DE PREVENÇÃO
Drauzio – Quais são as medidas gerais de prevenção que você aconselha para evitar as lesões
por esforços repetitivos?
Rames Mattar – Para prevenir a dor nos membros superiores, vale o que a medicina preconiza
de modo geral. A pessoa deve levar vida saudável e, na medida do possível, afastar-se das
situações que geram ansiedade. Atividade física também é fundamental. Está provado que o
sedentarismo é um fator seguramente relacionado com a gênese do problema. Cuidar da
postura, fazer exercícios de alongamento e fortalecimento muscular e pausas de dez minutos a
cada hora durante o trabalho certamente são medidas importantes para aumentar muito a
produtividade.
Drauzio – Em se tratando do computador, que é a preocupação de muitos, quais são os cuidados
mais importantes?
Rames Mattar – É preciso cuidar da postura. Os membros inferiores devem ficar bem apoiados
no solo. Outra recomendação importante é não trabalhar com os membros superiores sem apoio
nenhum porque o peso vai ser exercido totalmente na região escapular e provocar dor. Portanto,
o teclado não pode ficar muito perto da borda da mesa de trabalho e a altura do monitor deve
evitar flexão ou extensão maior da coluna cervical.
Especialmente a pessoa que trabalha muitas horas na frente do computador deve preocupar-se
em garantir o máximo de conforto possível durante as horas de trabalho.
Dor no ombro
DR. SÉRGIO LUIZ CECCHIA É MÉDICO. PROFESSOR DE ORTOPEDIA, CHEFIA O GRUPO DE
ESPECIALISTAS EM OMBRO E COTOVELO NA FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS DA SANTA
CASA DE SÃO PAULO. 2 de outubro de 2012
Revisado em 18 de maio de 2018
Depois da dor na coluna, dores no ombro talvez sejam a queixa mais frequente ouvida
por ortopedistas. Elas não respeitam sexo nem idade. Ocorrem em crianças, adultos e
idosos, homens e mulheres, esportistas ou sedentários. São especialmente
desagradáveis, porque limitam movimentos simples, como erguer e abaixar os braços,
e têm o mau hábito de piorar durante a noite, depois que a pessoa se deita.
Em grande parte dos casos, dores no ombro são sintomas de lesões provocadas pela
repetição de movimentos que machucam os tendões e por processos crônico-
degenerativos que ocorrem depois dos 40, 50 anos de idade.
O tratamento da dor no ombro evoluiu muito nos últimos anos. Pode ser clínico ou
cirúrgico. Neste caso, a artroscopia representou um avanço considerável, porque evita
complicações inerentes ao ato cirúrgico a céu aberto.
ANATOMIA DO OMBRO
Drauzio – Quais são as principais características anatômicas do ombro?
Sérgio Luiz Cecchia – O ombro é uma das articulações (ponto onde os ossos se
encontram) que têm mais movimento. Por causa desse ângulo exagerado de
movimento em relação às outras articulações do organismo, pode sofrer lesões, como
deslocamentos e tendinites.
Fazem parte da articulação do ombro a clavícula (osso fino e em forma de S), a
omoplata ou escápula (termo adotado pela nova nomenclatura médica), que tem
vários músculos a seu redor, e o úmero, osso do braço com cabeça arredondada e
coberta de cartilagem, o que amplia as possibilidades de movimento.
DR. OSMAR JOSÉ DOS SANTOS DE MORAES É NEUROCIRURGIÃO, RESPONSÁVEL PELO SETOR
DE DIRETRIZES E CONDUTAS DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE COLUNA VERTEBRAL. 22 de agosto
de 2011
Revisado em 20 de maio de 2018
A coluna vertebral é composta por 33 vértebras: sete cervicais, doze torácicas, cinco
lombares, cinco sacrais fundidas formando o osso sacro e quatro coccígeas também
fundidas e formando o cóccix. Dentro delas há um canal por onde passa a medula
nervosa ou medula espinhal.
Entre as vértebras cervicais, torácicas e lombares, localizam-se os discos
intervertebrais, que têm o feitio de um anel constituído por tecido cartilaginoso e
elástico cuja função é evitar o atrito entre uma vértebra e outra e amortecer o impacto.
A hérnia de disco aparece quando parte dessa estrutura sai de sua posição normal e
comprime as raízes nervosas que emergem da coluna e se dirigem para o resto do
corpo.
Hérnia de disco pode ser assintomática ou provocar dor de moderada e leve
intensidade até dor muito forte e incapacitante.
FORMAÇÃO E PREVALÊNCIA
Drauzio – Como se forma a hérnia de disco?
Osmar José S. de Moraes – A coluna vertebral sustenta todos os ossos do corpo.
Como a carga que suporta é muito grande, possui um sistema de amortecimento para
dar-lhe estabilidade. As estruturas mais importantes desse sistema são os discos
intervertebrais constituídos por um tecido elástico que suporta deformação, mas que
se desgasta com o uso repetitivo. Esse desgaste favorece o aparecimento de
pequenas rupturas que facilitam o extravasamento de parte do disco, ou seja, a
formação de uma hérnia, ocorrência muito mais comum do que se imagina, mas,
geralmente, de boa evolução.
Drauzio – Qual é prevalência da hérnia de disco na população?
Osmar José S. de Moraes – Acredita-se que 15% da população mundial tenham
algum tipo de protusão ou herniação discal. Ou seja, aproximadamente 800 milhões
de pessoas no mundo são portadoras de algum tipo de alteração anatômica na coluna
vertebral.
Drauzio – As hérnias de disco costumam aparecer em que região da coluna?
Vera Lúcia Rodrigues – São Leopoldo/RS – Uma vez operada, a hérnia pode
recidivar?
Osmar José S. de Moraes – Pode. Segundo o protocolo da técnica cirúrgica mais
usada, retira-se apenas a hérnia que se formou e preserva-se o resto do disco. Por
isso, é fundamental manter um programa de reabilitação permanente para evitar o
aparecimento de outra hérnia.
Traumas na coluna
MARIA HELENA VARELLA BRUNA 22 de agosto de 2011
Revisado em 10 de maio de 2017
A coluna vertebral é composta por 33 vértebras: sete cervicais (C1, C2, C3, C4, C5,
C6, C7), doze torácicas que vão de T1 até T12, cinco lombares (L1, L2, L3, L4, L5),
cinco sacrais soldadas formando o osso sacro e quatro coccígeas, que se fundem
formando o cóccix. As vértebras são unidas por vários ligamentos e entre uma e outra
existe um disco cartilaginoso semelhante a um anel cuja função é reduzir o impacto.
Pelo canal existente no interior das vértebras, passa a medula nervosa ou medula
espinhal que transporta os comandos emitidos pelo cérebro para todos os órgãos e
músculos do corpo.
Um trauma na coluna pode provocar a fratura de uma vértebra e, consequentemente,
lesões na medula espinhal. Quanto mais alta for a lesão, danos mais graves trará para
o indivíduo.
Infelizmente, traumas de coluna vertebral ocorrem com muita frequência. Na maior
parte das vezes, causados por acidentes de trânsito, quedas de lajes, mergulhos em
águas rasas e ferimentos com arma de fogo, são responsáveis por grande sofrimento
pessoal e dramas familiares muito graves. Em geral, as vítimas são jovens, em plena
fase produtiva, dependem de tratamentos intensivos nem sempre disponíveis e que
representam custo alto para o País.
PRINCIPAIS CAUSAS
Drauzio – Quais são as causas mais freqüentes dos traumas de coluna vertebral?
Osmar José S. de Moraes – No Brasil, os acidentes de trânsito – incluindo nesse
grupo os acidentes com carros, motos, alguns veículos mais leves e os
atropelamentos – são a principal causa dos traumas de coluna. A seguir, vêm os
traumas provocados por queda de lajes e os ferimentos com armas de fogo.
Drauzio – É impressionante como o telhado desapareceu na periferia de todas as
cidades brasileiras. As casas são cobertas por uma laje que, muitas vezes, por falta de
opção, os moradores utilizam para estender roupa, apanhar um pouco de sol ou fazer
churrasco no domingo e ninguém se preocupa em providenciar uma proteção, por
mais rudimentar que seja, para evitar que alguém despenque lá de cima.
Osmar José S. de Moraes – É verdade. As coisas se passam mais ou menos assim.
No final de semana, a família faz um churrasco em cima da laje, mas alguém toma
uma cervejinha a mais, aproxima-se da beirada sem querer, perde o equilíbrio e cai.
Geralmente, cai de lado, dobra a cabeça sobre o ombro, e a coluna, que é o eixo
central do corpo, não suporta o impacto e rompe em algum lugar. Ou, então, cai
sentado, as vértebras que formam o cóccix e a bacia empurram as outras para cima e
a coluna sofre um achatamento com consequências desastrosas.
Esse tipo de acidente não ocorre só com os adultos. As crianças, muitas vezes, sobem
na laje para empinar pipa, distraem-se com o brinquedo e caem.
Talvez por ignorar os danos que uma queda de três, quatro metros de altura, pode
causar, cuidados com a prevenção não existem. Por isso, já é tempo de pôr em prática
um programa de conscientização para alertar os donos dessas casas sobre a
necessidade de fazer pelo menos um cercado em torno das lajes.
Drauzio – Outro acidente comum que provoca lesões na coluna ocorre com pessoas
que mergulham em lugares rasos. Nesses casos, qual é a região mais afetada da
coluna vertebral?
Osmar José S. de Moraes – Quando mergulha sem conhecer a profundidade do lugar,
em geral, o mergulhador bate a cabeça, porque o peso do corpo faz com que penetre
na água muito rápido. Como normalmente percebe que vai bater, numa reação
instintiva, vira a cabeça. Essa torção fragiliza a coluna cervical e favorece a ocorrência
de lesões nessa área.
No Brasil, aproximadamente 1.500 casos/ano de lesão cervical completa acontecem
por causa de mergulho em águas rasas, número quase igual ao dos casos provocados
por quedas de laje e ferimentos por arma de fogo.
Diante da prevalência desses acidentes, a Sociedade Brasileira de Lesão Medular
pleiteou que o Ministério da Saúde fizesse uma campanha sobre a importância de
colocar primeiro os pés na água para certificar-se da profundidade antes de a pessoa
mergulhar num rio, lagoa ou uma piscina, visto que, na maior parte das vezes, a lesão
cervical por mergulho costuma ser completa.
CONSEQUÊNCIAS DO TRAUMA
Drauzio – Você poderia explicar como os traumatismos de coluna provocam lesões na
medula espinhal?
Osmar José S. de Moraes – O interior das vértebras é constituído por um estojo ósseo
por onde passa o cordão medular . Os nervos que saem do cérebro e controlam
nossas pernas e braços, o movimento do abdômen e o funcionamento dos demais
órgãos do corpo humano, fazem parte desse feixe nervoso que pode sofrer lesões
provocadas por traumatismos. Por exemplo, quando cai sentada, a pessoa pode
pressionar a coluna para cima, achatar uma vértebra e empurrar um fragmento de
osso contra a medula. Ou então, se fizer um movimento brusco demais com a cabeça,
o cordão medular se rompe e a comunicação do cérebro com os braços e as pernas
fica interrompida ou danificada.
Drauzio – A gravidade do quadro que se instala, nesses casos, depende da região da
coluna em que ocorreu o trauma.
Osmar José S. de Moraes – Como ao longo de toda a coluna saem raízes nervosas
que se dirigem para cada parte do corpo, as consequências do trauma estão
relacionadas com a altura em que ocorreu a lesão. Se, por exemplo, ela estiver
situada abaixo da sexta vértebra cervical, o paciente preserva algum movimento nos
braços, porque os nervos responsáveis por esse tipo de mobilidade já saíram do canal
e não foram afetados, mas perde o movimento das pernas, fica paraplégico, o que
também acontece se o trauma afetar a coluna torácica e o começo da coluna lombar.
Lesões na coluna cervical um pouco acima da sexta vértebra deixam o indivíduo
tetraplégico e acima de C4 interrompem o controle da respiração e ele para de respirar
instantaneamente.
Esses quadros graves são comuns nos acidentes automobilísticos por causa do uso
incorreto do cinto de segurança ou porque o banco do carro não possui o equipamento
ideal para apoiar a cabeça e minimizar o movimento de chicote (movimento para frente
e para trás da cabeça provocado pela freada brusca de um veículo em velocidade),
que pode ser forte a ponto de tracionar a medula. Lesão acima da vértebra C4 provoca
morte instantânea, embora não exista nenhum ferimento aparente.
Drauzio – Nos acidentes de trânsito, existe algum segmento da coluna que é atingido
com mais frequência?
Osmar de Moraes – Em geral, quando os motociclistas caem, as lesões se instalam no
plexo braquial, um conjunto de nervos cujas raízes saem da coluna cervical e vão dar
força e sensibilidade aos braços.
Já as pessoas que usam cinto de segurança de apenas duas pontas estão mais
expostas às lesões torácicas, porque o cinto segura o corpo na região da barriga, mas
não impede que ele seja jogado para frente nas colisões ou freadas bruscas. Quem
cai sentado porque levou um escorregão ou subiu na laje, em geral, tem lesões
lombares.
Infelizmente, lesões na coluna cervical são as mais frequentes e as mais
devastadoras. A pessoa para de mexer as pernas e, em alguns casos, não consegue
sequer andar de cadeira de rodas, porque também não movimenta os braços.
Drauzio – Nas cidades grandes, é enorme o número de acidentes com moto. Há algo
que possa ser feito para proteger o motociclista nessas situações tão graves?
Osmar José S. de Moraes – O capacete articulado parece que protege um pouco mais
a região posterior da coluna cervical. O maior problema, entretanto, está na
imprudência dos motociclistas no trânsito.
PREVENÇÃO
Drauzio – No caso dos condutores e passageiros de outros veículos, como
automóveis, ônibus e caminhões, há algo que se possa fazer?
Osmar José S. de Moraes – Muitos acidentes graves desse tipo podem ser
prevenidos se o respeito a certos conceitos da ergonomia for observado na fabricação
do veículo. Entre eles, destacam-se três: o suporte posterior para a cabeça, o cinto de
três pontas e a ausência de objetos contundentes dentro da cabine.
Drauzio – Como deve ser usado o cinto de segurança?
Osmar José S. de Moraes – O cinto de segurança deve ter três pontos de fixação. Se
tiver apenas dois, não vai segurar a pessoa direito. Vai fixá-la somente na região da
bacia, o que é insuficiente para impedir que se dobre com violência sobre o eixo
central do corpo, que é a coluna, se houver um choque.
Cintos de segurança automáticos com três pontos de fixação evitam a rotação da
coluna que faz a medula parar de funcionar, mesmo quando a pessoa não foi
submetida a um trauma direto. Portanto, o correto é que todos tenham uma faixa para
proteger o tórax, a cintura escapular e os ombros, e outra para conter o corpo na altura
da bacia.
Drauzio – O cinto precisa ficar sempre bem colado ao corpo? O ganchinho usado a fim
de afastá-lo um pouco do corpo para não amassar a camisa ou a blusa atrapalha seu
funcionamento?
Osmar José S. de Moraes – Não é necessário que o cinto fique totalmente colado ao
corpo. Mas, distância muito grande entre ele e o objeto da contenção pode promover
um retardo em sua resposta automática, que deveria evitar o movimento de chicote,
por exemplo. Se o carro possuir outro sistema de segurança além do cinto, como
o airbag, aí sim, quanto mais próximo do corpo ele estiver, mais efetivo vai ser.
Apesar de não ser boa ideia colocar o ganchinho para manter o cinto muito longe do
corpo, desde que o espaço não ultrapasse cinco, dez centímetros, o resultado pode
não ser muito comprometedor.
ATENDIMENTO AO TRAUMATIZADO
Drauzio – O que se deve fazer quando uma pessoa caiu da laje, mergulhou e bateu a
cabeça ou sofreu um acidente de trânsito e está caída no chão?
Osmar José S. de Moraes – Se não houver alguém por perto que saiba como prestar o
primeiro atendimento, o melhor é movimentá-la o menos possível. Por quê? Porque
pode ter ocorrido uma fratura não de vértebras, mas de ligamentos entre um osso e
outro. Tentar pegá-la no colo ou transportá-la para outro lugar, pode fazer com que
flexione demais a cabeça para trás ou para frente e seccione a medula que não tinha
sofrido uma lesão.
Se a pessoa estiver muito torta, vale a pena estabilizar o segmento da cabeça em
relação ao corpo. A ideia é mobilizá-la como um bloco. Alguém segura a cabeça,
enquanto outros ajeitam o resto do corpo. Isso evita que ocorram lesões completas
não só na coluna cervical como na coluna torácica.
Felizmente, em muitas cidades do Brasil, o primeiro atendimento é feito por
paramédicos ou por bombeiros muito bem treinados, que chegam depressa ao local
do acidente. Na maior parte das vezes, um simples telefonema pode salvar as pernas
e a capacidade de locomoção de um indivíduo.
Drauzio – Qual é o número do serviço de resgate?
Osmar José S. de Moraes – Em São Paulo, discando 190, a ligação é transferida
diretamente da PM para os bombeiros. Existe em cada cidade um outro número de
telefone que pode ser usado nessas situações.
PARAPLEGIA E TETRAPLEGIA
Drauzio – Qual é a diferença entre paraplegia e tetraplegia?
Osmar José S. de Moraes – Quando a lesão ocorre abaixo da sexta vértebra cervical,
a pessoa para de mexer as pernas. Isso se chama paraplegia. Quando a lesão se
instala acima de C6 provoca tetraplegia, que pode ser completa ou incompleta. Na
tetraplegia completa, há perda total do movimento das pernas e dos braços; na
incompleta, se o trauma tiver comprometido C5 ou C6, sobrou ainda uma parte intacta
da enervação que possibilita mexer um pouco os braços.
Drauzio – Quando recebe um traumatizado que não mexe as pernas nem os braços,
logo no primeiro exame, você sabe qual será o déficit motor que ele vai apresentar no
futuro?
Osmar José S. de Moraes – Nem sempre. Na admissão do acidentado, quando o
exame clínico revela que existe desnível na coluna porque houve um deslocamento de
vértebras, e a resposta aos exames de sensibilidade e de reflexos está alterada, pode-
se inferir que ele ficará paraplégico.
Às vezes, porém, a pessoa sofreu traumatismo e chega ao hospital com choque
medular, que se caracteriza pela interrupção do funcionamento da medula espinhal.
Se a lesão não foi completa, entretanto, ela pode recuperar-se. O tempo de duração
do choque medular varia muito. Pode durar 24 horas, mas existem descrições de
casos que o paciente começou a apresentar algum grau de recuperação só depois de
seis meses.
Para determinar a existência ou não de déficit motor e qual sua extensão, a avaliação
clínica, a tomografia e a ressonância magnética, entre outros, são exames muito
importantes.
TRATAMENTO
Drauzio – Os leigos não entendem a demora dos médicos em operar uma pessoa que
sofreu um traumatismo para liberar a porção da medula espinhal comprimida entre as
vértebras. O que explica essa conduta terapêutica?
Osmar José S. de Moraes – A coluna é uma sequência de vértebras empilhadas, uma
em cima da outra, que se dobra e volta à posição anterior. Se a medula foi
seccionada, não há o que fazer. Entretanto, quando o indivíduo cai sentado ou capota
o carro, por exemplo, pode fraturar uma vértebra. Se um de seus fragmentos penetrar
na coluna, o paciente precisa ser operado imediatamente para retirar o pedaço de
osso que está empurrando a medula. Infelizmente, isso não é o que mais acontece. O
mais frequente é um trauma grave provocar a ruptura completa da medula e não uma
compressão apenas.
Drauzio – Quais as consequências de uma secção parcial da medula?
Osmar José S. de Moraes – Paciente com secção parcial da medula continua sendo
capaz de realizar alguns movimentos. Dependendo do grau da lesão, mantém o
controle da bexiga, a função sexual e a sensibilidade. Mais do que isso, conta com
alternativas de tratamento que podem melhorar sua qualidade de vida.
Veja um exemplo: a lesão incompleta pode comprometer mais o funcionamento de
uma perna do que da outra. Colocando uma órtese que estabilize a perna ou a bacia
do lado mais afetado, o paciente volta a andar e dispensa o uso da cadeira de rodas.
A bexiga ficou com problemas? Uma cirurgia para abrir um pouquinho a uretra pode
abolir a necessidade de usar uma sonda urinária permanente.
Drauzio – Nos casos das bexigas neurogênicas, que não funcionam espontaneamente
por causa da secção da medula, e nos de impotência sexual provocada traumatismos
na coluna, que regiões foram mais afetadas?
Osmar José S. de Moraes – Nas lesões lombares baixas, os pacientes preservam o
controle vesical. Se ocorrerem na área de transição entre a coluna torácica e lombar,
ou acima, dificilmente esse controle será mantido.
No entanto, quando a lesão da medula é incompleta, alguns pacientes permanecem
com reflexo na bexiga e determinadas cirurgias ajudam a evitar as sondagens
intermitentes. A proposta de uma delas é dilatar o espaço por onde sai a urina a fim de
que, fazendo uma pressão manual sobre a bexiga, a pessoa consiga esvaziá-la um
pouco.
Mesmo nos casos de lesão completa é possível ampliar a capacidade da bexiga para
reter urina e, em vez de três ou quatro sondagens por dia, uma ou duas podem ser
suficientes para esvaziá-la.
COMPLICAÇÕES
Drauzio – Que complicações provoca a perda de movimentos das pernas e dos
braços?
Osmar José S. de Moraes – Existem complicações adicionais à devastação que a falta
de mobilidade e o fato de não ser autossuficiente, por si só, representam. A perda da
sensibilidade pode fazer com que os pacientes permaneçam sentados na mesma
posição durante muito tempo. Isso provoca úlceras de pressão, ou escaras, isto é,
pequenas feridas na bacia, na porção lateral do corpo, às vezes nas costas e nos pés,
que ficam apoiados no calcanhar, e se transformam numa grande complicação à
medida que progridem e infeccionam. Daí, a importância da fisioterapia no
acompanhamento desses pacientes.
Outra complicação, às vezes fatal, a que estão expostos é o tromboembolismo. Como
não possuem boa circulação nos membros inferiores, podem formar-se coágulos de
sangue num vaso que sobem e vão parar no pulmão, causando embolia pulmonar.
Para evitar a formação de êmbolos, esses pacientes precisam ser mobilizados
constantemente e tomar medicamentos anticoagulantes.
Embora essas duas sejam as complicações mais graves, existem outras como a
infecção urinária e as provocadas por tombos. No Brasil, como são poucos os lugares
adaptados para a circulação de cadeiras de rodas, frequentemente os portadores de
deficiência caem e se machucam.
USO DE SONDAS E ATIVIDADE SEXUAL
Drauzio – Você mencionou o uso intermitente de sondas para a retirada da urina. É
um processo doloroso?
Osmar José S. de Moraes – Não, porque os pacientes perderam a sensibilidade. Na
verdade, conseguem fazer isso de forma higiênica, antisséptica e com bons
resultados. Às vezes, só palpando a barriga percebem que a bexiga está cheia e,
então, realizam o esvaziamento.
Drauzio – Pacientes com lesão na coluna conseguem manter relações sexuais?
Osmar José S. de Moraes – Alguns preservam o desejo e a atividade sexual.
Atualmente, existem técnicas urológicas e medicações que ajudam os homens a
melhorar a ereção e a levar vida sexual próxima da normalidade. Valendo-se das
técnicas modernas de fertilização, também há os que conseguem ter filhos, uma
conquista importante para aqueles que sofreram lesão medular ainda jovens.
Drauzio – Quando houve secção dos nervos que vão para os genitais, as drogas para
disfunção erétil funcionam?
Osmar José S. de Moraes – Ainda não temos certeza de que funcionam como o fazem
nos homens normais, ou se apenas potencializam uma capacidade ainda preservada,
mas que os bloqueios psicológicos comuns nesses casos impediram de pôr em
prática. De qualquer forma, são drogas que ajudam muito quando o problema é esse.
Fibromialgia
DRA. LIN TCHIE YENG É MÉDICA FISIATRA E TRABALHA NO GRUPO DE DOR DO SERVIÇO DE
ORTOPEDIA DO HOSPITAL DAS CLÍNICAS DE SÃO PAULO 23 de janeiro de 2012
Revisado em 18 de maio de 2018
A fibromialgia, doença identificada apenas nas últimas décadas, caracteriza-se por dor
crônica que migra pelo corpo e manifesta-se predominantemente em um de seus
lados, embora o outro também seja sensível.
São nove os pontos fundamentais de cada lado, portanto 18 no total, em que a dor
pode instalar-se:
1) na região subocciptal (atrás da cabeça);
2) no músculo trapézio (em cima do ombro e nas costas);
3) na região supraespinal;
4) na altura das vértebras cervicais;
5) na articulação condrocostal, onde a segunda costela se insere no osso esterno;
6) no joelho, especialmente na parte de trás do joelho;
7) no trocanter, área onde o fêmur se encaixa na bacia;
8) na região glútea;
9) do lado do cotovelo.
Em 90% dos casos, a doença atinge as mulheres, o que de certa forma confundiu o
diagnóstico, uma vez que, por machismo, atribuía-se a dor à somatização de possíveis
problemas psicológicos. Hoje, sabe-se que a fibromialgia é uma doença relacionada
com o funcionamento do sistema nervoso central e o mecanismo de supressão da dor.
Além da dor, ela provoca outros sintomas como fadiga, falta de disposição e
alterações do sono.
IMPORTÂNCIA DO DIAGNÓSTICO
Drauzio – Existem nove pontos em cada lado do corpo em que a dor pode instalar-se.
Como isso ocorre?
Lin Tchie Yeng – Normalmente, a dor da fibromialgia aparece num ponto determinado.
A pessoa se queixa, por exemplo, de dor no braço e o médico suspeita de tendinite ou
LER (lesões por esforços repetitivos). No outro dia, ela reaparece no ombro ou nas
regiões lombar e cervical. É uma dor migratória que, na ausência de diagnóstico e
tratamento adequado, pode espalhar-se por todo o corpo.
Drauzio – Você poderia explicar o que é LER?
Lin Tchie Yeng – LER (lesões por esforços repetitivos), ou DOT (distúrbios
osseomusculares relacionados ao trabalho), é uma doença bastante comum
atualmente. Estima-se que, em São Paulo, de 5% a 8% dos trabalhadores apresentem
dor no braço ou na região cervical como consequência de suas atividades
profissionais. No Hospital das Clínicas, mais ou menos 30% das pessoas com
tendinite provocada pela repetição contínua de certos movimentos, sofrem também de
fibromialgia e isso causa diagnósticos e tratamentos equivocados.
Não se sabe ainda explicar, porém, se a falta de tratamento adequado faz com que
essa dor de início localizada se irradie por todo o corpo. O que se sabe é que nessas
pessoas o sistema supressor da dor, que coordena a relação entre dor e analgesia,
não funciona direito.
Drauzio – Quando você atende um paciente que se queixa de dor no braço ou nas
costas que persiste por alguns dias quando escreve no computador por mais tempo, o
que a faz suspeitar de que esse sintoma não seja resultado da má postura e da
repetição dos movimentos, mas indique um processo de fibromialgia em
desenvolvimento?
Lin Tchie Yeng – Sabe-se que 70% a 80% das pessoas já sentiram, em algum
momento, dor nas costas. Essas dores, no entanto, são benignas e costumam
melhorar espontaneamente, sem tratamento. As dores da fibromialgia duram pelo
menos três meses e, em geral, não apresentam resposta satisfatória aos tratamentos
clássicos com analgésicos, anti-inflamatórios e fisioterapia. Por isso, quando a dor for
crônica, é importante procurar um especialista para diagnóstico preciso e indicação de
tratamento adequado.
Drauzio – Você acha que talvez muitos médicos ainda menosprezem esse tipo de
quadro de dor migratória e generalizada?
Lin Tchie Yeng – Nos Estados Unidos, até aproximadamente quatro anos atrás,
apenas 25% dos profissionais reconheciam a existência de fibromialgia. No Brasil, a
tendência maior tem sido atribuir a causa dessa dor a fatores de ordem psicológica ou
familiar. Assim, é comum receber pacientes tratados sem sucesso durante cinco ou
seis anos e aos quais foi indicado consultar um psicólogo ou psiquiatra.
Drauzio – Quando a dor está localizada em um único ponto, o que a faz suspeitar de
fibromialgia?
Lin Tchie Yeng – A dor é apenas um sintoma e é preciso descobrir suas possíveis
causas. Se a pessoa se posiciona mal diante da escrivaninha ou do computador, usa
travesseiros inadequados, ou dorme de mau jeito, pode sentir dores no pescoço ou
nas costas que tendem a desaparecer quando eliminados os fatores desencadeantes.
No entanto, se a dor não melhora ou melhora pouco, é recidivante e não responde de
maneira satisfatória aos tratamentos convencionais, médico e paciente devem levantar
a possibilidade de um caso de fibromialgia.
Outro indício da doença é existirem, quase sempre, vários pontos dolorosos. Algumas
vezes, a dor predomina numa região, mas podem doer todos os músculos do corpo.
No exame clínico, o paciente só não se queixa de dor na testa; o resto dói tudo. Além
desses, a presença de sintomas como cansaço, falta de energia e ausência de sono
reparador deve ser levada em conta para o diagnóstico da doença.
Drauzio – Você disse que a fibromialgia não provoca apenas dores musculares. Há
alterações de sono e no funcionamento dos intestinos, por exemplo. Essas alterações
associadas à dor muscular estão sempre presentes?
Lin Tchie Yeng – Não necessariamente, mas entre 50% e 80% dos casos algumas
dessas queixas estão associadas à dor muscular. Na verdade, essas alterações
sugerem que não está havendo um processamento adequado dos estímulos dolorosos
que vêm do ambiente. A dor piora se vai chover ou faz frio e o estresse também
aumenta a vulnerabilidade à dor.
Drauzio – Qual é o peso da falta de sono reparador nessa patologia?
Lin Tchie Yeng – Existe uma relação muito próxima entre dor e falta de sono, uma vez
que ela é uma das principais causas da alteração do sono e que quem dorme mal fica
mais susceptível à dor.
ASSOCIAÇÃO DE MEDICAMENTOS
Drauzio – Que tipo de exercício físico é mais indicado para esses pacientes?
Lin Tchie Yeng – Todos esses pacientes precisam ser avaliados individualmente.
Entretanto, de maneira geral, os exercícios de relaxamento e alongamento são muito
importantes, como é importante orientar a postura no trabalho, em repouso, nas
atividades de lazer e o condicionamento físico para fortalecer o sistema
cardiovascular. Carregar pesos costuma piorar a dor.
Vencida a fase dolorosa, além desse programa de exercícios, os médicos costumam
recomendar ioga, hidroginástica e caminhadas.
Drauzio – Exercícios de maior impacto como levantamento de pesos, corridas, etc. são
desaconselháveis para essas pessoas?
Lin Tchie Yeng – Para essas pessoas que apresentam maior sensibilidade à dor, é
melhor indicar exercícios de menor impacto. Hoje, se fala muito em Pilates, um
método de trabalho físico que envolve ou não alguns aparelhos. Na verdade, é muito
parecido com alongamento global e condicionamento físico. A dança mostrou ser outra
atividade interessante para os pacientes atendidos no Hospital das Clínicas. Eles
ouvem música e vencem o medo de se mexer e sentir dor. Ali, a receptividade dessas
aulas tem sido muito boa, porque os pacientes saem com a cabeça mais leve e o
corpo mais relaxado.
Drauzio – Acupuntura ajuda nos casos de fibromialgia?
Lin Tchie Yeng – A acupuntura estimula o sistema supressor da dor. Alguns pacientes
com fibromialgia, porém, precisam receber um número menor de agulhas, porque são
mais sensíveis à dor das picadas.
Drauzio – Fibromialgia é uma doença crônica. Como costuma evoluir no decorrer dos
anos?
Lin Tchie Yeng – Alguns trabalhos mostram que o mais importante nessa doença é
fazer o diagnóstico. Saber o que tem deixa a pessoa mais tranquila, pois é complicado
sentir dores sem nenhuma causa aparente. Como a mídia tem tratado frequentemente
do assunto, alguns pacientes se diagnosticam corretamente antes de ir ao médico.
Todavia, eles precisam saber que têm uma disfunção de regulação da dor provocada
por distúrbios físicos e psicológicos, e precisam aprender a lidar com ela visando à
melhora de sua qualidade de vida. Precisam conhecer a proposta de tratamento que
inclui medicação e atendimento psicológico e emocional.
Drauzio – Alguns doentes ficam curados?
Lin Tchie Yeng – A fibromialgia não é necessariamente uma doença crônica. É como o
diabetes e a hipertensão arterial para os quais existe controle dos sintomas. Já foram
registrados casos em que houve uma exacerbação da enfermidade por causa de um
episódio de estresse agudo. A vida corria tranquila, mas algo aconteceu, quebrou o
equilíbrio e veio a crise. Por outro lado, há pacientes que conseguiram a remissão
seguindo corretamente o tratamento. Essa remissão, porém, não será definitiva se não
houver a correção dos fatores desencadeantes.
Drauzio – Então, não há necessidade de manter a medicação indefinidamente como
se faz com o diabetes e a hipertensão?
Lin Tchie Yeng – Pacientes que conseguem controlar os fatores que desencadeiam a
dor e os que a suprimem podem necessitar de pequena dose de antidepressivos só
para estimular o sistema supressor. Aqueles que conseguem manter o equilíbrio com
outras atividades podem prescindir desses medicamentos.
É importante lembrar que episódios agudos podem ocorrer esporadicamente, mas isso
não significa que tenha havido uma recaída séria. Às vezes, basta corrigir o fator que
desencadeou o processo para que o equilíbrio seja retomado.
REPERCUSSÕES PSICOLÓGICAS