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Síndrome do túnel do carpo

MARIA HELENA VARELLA BRUNA 22 de agosto de 2011


Revisado em 13 de março de 2018

Túnel do carpo é um canal formado por pequenos


ossos situados no punho, que lhe servem de base, e um ligamento transverso, que
compõe o teto do túnel. Por esse canal, passam o nervo mediano e nove tendões
responsáveis pela flexão dos dedos. O nervo mediano que vem do antebraço e passa
para a mão através desse canal estreito, enerva o polegar, as duas faces do indicador
e do dedo médio e a face interna do quarto dedo. A sensibilidade e a motricidade de

parte do quarto dedo e o quinto dedo são supridas pelo


nervo ulnar. Na imagem 2 , um corte transverso deixa ver a região do carpo, os
ossículos e o ligamento transverso.
A síndrome do túnel do carpo (STC) é uma neuropatia resultante da compressão do
nervo mediano no canal do carpo.
CARACTERÍSTICAS ANATÔMICAS
Drauzio – Quais são as principais características anatômicas do canal do carpo?

Arnaldo Zumiotti – A imagem 3 mostra a região do


carpo desprovida da pele que a recobre. O canal do carpo tem, em média, 3cm de
largura e continua proximalmente com a fáscia antebraquial, um tecido fibroso no qual
se fixam alguns músculos. O ligamento anular do carpo delimita o túnel na região
ventral e os ossos o delimitam na região dorsal. Essas características anatômicas
fazem dele um túnel rígido e qualquer aumento de pressão em seu interior comprime o
nervo mediano contra o ligamento transverso, gerando a síndrome do túnel do carpo.
Drauzio – Se o nervo passasse sozinho pelo túnel do carpo dificilmente sofreria
compressão. O problema é que passa junto com os tendões flexores da mão.

Arnaldo Zumiotti – A imagem 4 traz uma


representação gráfica do túnel do carpo. Seu assoalho e paredes laterais são
constituídos por pequenos ossos e o teto, por um ligamento forte e inelástico. Dentro
desse túnel rígido, passam os tendões flexores e o nervo mediano. Todas as situações
que provocam aumento do tecido sinovial, que reveste os tendões e serve para nutri-
los, sejam elas traumáticas, inflamatórias, tumorais ou medicamentosas, aumentam
também a pressão dentro desse canal, o que gera compressão do nervo e o
aparecimento de diversos sintomas.
SINTOMAS
Drauzio – Quais os principais sintomas da síndrome do túnel do carpo?
Arnaldo Zumiotti – O principal sintoma é a parestesia que ocorre fundamentalmente na
região da enervação do nervo mediano, ou seja, no polegar, no indicador, no dedo
médio e na face interna do dedo anular. É uma sensação de formigamento que se
manifesta mais à noite por causa da retenção de líquido comum nesse período.
Depois disso, a deterioração da sensibilidade dificulta manipular estruturas pequenas
e executar tarefas simples como pregar um botão, enfiar uma agulha ou pegar uma
xícara.
Drauzio – A dor é um sintoma presente?
Arnaldo Zumiotti – A dor não é, embora possa ocorrer no início da síndrome e ser
provocada pela compressão abrupta do nervo mediano no túnel do carpo.
CAUSAS
Drauzio – Salvo poucas variações, a anatomia é a mesma para todos os indivíduos na
região do carpo: o nervo mediano passa pelo interior do túnel junto com os nove
tendões que vão fletir os dedos da mão. Por que alguns apresentam a doença e outros
não?
Arnaldo Zumiotti – O primeiro motivo pode estar relacionado com as doenças
ocupacionais que são, genericamente, chamadas de L.E.R (Lesão do Esforço
Repetitivo), geradas por movimentos repetitivos, tais como escrever à maquina ou no
computador ou tocar instrumentos musicais, por exemplo.
Drauzio – Que tipo de movimento repetitivo está mais associado à síndrome do túnel
do carpo?
Arnaldo Zumiotti – Fundamentalmente, são os movimentos de flexo-extensão. Isto é, a
flexão e a extensão do punho geram situações de atrito dos tendões. Como o tecido
sinovial que os recobre é muito sensível, a pressão dentro do canal aumenta e o nervo
mediano é comprimido contra o ligamento transverso.
Drauzio – A primeira causa da síndrome do túnel do carpo são as lesões provocadas
por movimentos repetitivos. Quais são as outras?
Arnaldo Zumiotti – Existem causas traumáticas, como quedas e fraturas, que
provocam compressão aguda do nervo mediano, e causas inflamatórias. Por exemplo,
o aumento do tecido sinovial que ocorre em algumas doenças, entre elas a artrite
reumatoide, também pode comprimir esse nervo. Existem, ainda, causas hormonais.
Daí a razão de as mulheres estarem mais sujeitas à síndrome no período
do climatério.
Drauzio – Como a alteração dos hormônios interfere no túnel formado pelos ossos e o
ligamento da mão?
Arnaldo Zumiotti – Não existe ainda uma explicação concreta. Acredita-se que no
tecido sinovial existam receptores para o estrógeno. Nível normal desse hormônio
impede que o esse tecido prolifere. No entanto, à medida que a produção do hormônio
vai caindo, os receptores ficam livres, o tecido sinovial começa a crescer e,
consequentemente, a aumentar a pressão dentro do túnel do carpo.
É importante dizer que não é só a alteração do hormônio sexual feminino que produz a
compressão no nervo mediano. Alterações dos hormônios da tireoide e de doenças
como diabetes também produzem uma neuropatia compressiva.
Drauzio – Os diabéticos são mais suscetíveis a desenvolver a síndrome?
Arnaldo Zumiotti – São mais suscetíveis não só por causa da alteração do tecido
sinovial, mas porque o nervo mediano apresenta alterações secundárias decorrentes
da glicemia elevada.
Drauzio – Quais são os profissionais mais sujeitos a desenvolver a síndrome do túnel
do carpo?
Arnaldo Zumiotti – São os bancários que trabalham com o computador e os
profissionais que utilizam máquinas de calcular para fazer contas.
Veja também: Fibromialgia
DIAGNÓSTICO
Drauzio – Como se faz o diagnóstico da síndrome do túnel do carpo?
Arnaldo Zumiotti – O primeiro passo é ouvir as queixas do paciente. Formigamento
noturno, dormência, dificuldade para pegar pequenos objetos podem acometer
inicialmente uma das mãos. Nos casos mais avançados, comprometem as duas.
Existem dois testes que ajudam a estabelecer o diagnóstico clínico: o teste de Phalen
e o teste de Tinel. O primeiro consiste em dobrar o punho do paciente e mantê-lo
fletido durante um minuto. Como nessa posição aumenta a pressão intracarpeana de
quatro a cinco vezes, se houver compressão do nervo, os sintomas pioram na área
enervada. O outro teste, que não é tão específico quanto o de Phalen, consiste em
percutir o nervo mediano, o que provoca sensação de choque e formigamento se ele
estiver comprometido.
Embora o diagnóstico seja basicamente clínico, podemos recorrer a um exame
complementar, a eletroneuromiografia, para esclarecer alguns casos.
Drauzio – Como é feito esse exame?
Arnaldo Zumiotti – São colocadas agulhas em determinados pontos. Essas agulhas
estão ligadas a um aparelho que emite um pequeno choque, o que torna possível
medir a condução sensitiva e motora do nervo dentro do túnel.
Drauzio – A eletroneuromiografia não é um exame absolutamente necessário para
fechar o diagnóstico.
Arnaldo Zumiotti – Não é absolutamente necessário, mas em algumas situações
recomendo que seja realizado. Nas causas trabalhistas, que muitas vezes envolvem
litígio entre as partes, a eletroneuromiografia é uma comprovação definitiva do
diagnóstico.
Ela também deve ser feita quando o paciente não consegue expressar claramente os
sintomas da síndrome e nos casos em que os sintomas possam resultar da
compressão do nervo mediano na coluna cervical, por exemplo.
TRATAMENTO
Drauzio – Como deve ser orientado o tratamento para os portadores da síndrome do
túnel do carpo?
Arnaldo Zumiotti – O tratamento deve levar em conta o grau de comprometimento da
doença: leve, moderado e grave. Se for leve, indica-se a colocação de uma órtese, isto
é, de um aparelho que mantém o punho em posição de extensão e associar o uso de
um anti-inflamatório não hormonal por boca.
Drauzio – Por quantos dias a imobilização deve ser mantida?
Arnaldo Zumiotti – Durante um mês, período em que deve ocorrer a melhora dos
sintomas. Se por ventura esse tratamento for ineficaz, cabe utilizar uma medida um
pouco mais agressiva, ou seja, a aplicação de cortisona dentro do canal (imagem 6).
Essa droga diminui a reação do tecido sinovial que, ao proliferar, comprime o nervo. O
alívio da pressão acarreta melhora dos sintomas. Como procedimento prévio, coloca-
se xilocaína para adormecer a área em que vai ser aplicada a injeção com cortisona.
Drauzio – As injeções intra-articulares com cortisona foram muito usadas,
principalmente, na articulação dos joelhos. Essa, que faz parte do tratamento da
síndrome do túnel do carpo, o que tem de diferente?
Arnaldo Zumiotti – Essa é aplicada dentro do canal e não na articulação. De qualquer
modo, não está isenta de complicações e deve ser indicada com muito critério.
Drauzio – Quando o tratamento clínico não resolve, como é feita a cirurgia?
Arnaldo Zumiotti – Como se pode ver na imagem 7, a cirurgia promove a abertura do
ligamento anular do carpo. É muito importante entender que essa abertura deve ser
feita distante do nervo mediano. Não é raro encontrar, na nossa prática clínica, casos
em que a cirurgia não deu certo, porque a abertura foi feita inadvertidamente na
projeção do nervo, que continua prensado, provocando até piora dos sintomas.
Drauzio – Essa abertura causa alguma alteração nos movimentos da mão?
Arnaldo Zumiotti – Provoca uma alteração que deve desaparecer em três meses. Nas
primeiras quatro semanas depois da cirurgia, especialmente, há perda de força da
mão, porque o canal do carpo aumenta de diâmetro e isso provoca uma alteração
biodinâmica dos tendões.
Drauzio – Caso a força não volte, é sinal de complicação mais séria?
Arnaldo Zumiotti – Em geral, a força sempre volta. A complicação mais frequente é a
permanência dos sintomas, que ocorre quando o ligamento do canal é aberto na
projeção do nervo mediano.
Drauzio – Depois da cirurgia ainda existe possibilidade de a síndrome recidivar?
Arnaldo Zumiotti – A cirurgia é um tratamento definitivo que faz desaparecer os
sintomas. A recidiva só acontece quando a proliferação sinovial é decorrente de uma
doença anterior que continua sem tratamento adequado.
Site
www.cirurgiadamao.org.br
https://dr

Sobre o autor: Maria Helena Varella Bruna


Redatora e revisora, trabalha desde o início do Site Drauzio Varella, ainda nos anos
1990. Escreve sobre doenças e sintomas, além de atualizar os conteúdos do Portal
conforme as constantes novidades do universo de ciência e saúde.

L.E.R. (Lesão por Esforço


Repetitivo)

DR. RAMES MATTAR É MÉDICO, PROFESSOR DE ORTOPEDIA DA UNIVERSIDADE SÃO PAULO E


PRESIDENTE DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE CIRURGIA DA MÃO. 22 de setembro de 2011
Revisado em 20 de maio de 2018

Nos últimos tempos, parece que virou moda o diagnóstico de L.E.R. (Lesões por Esforços de
Repetição) também chamado de DORT (Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho)
para as pessoas que usam com frequência o computador. Qualquer dorzinha que apareça nos
braços ou nas mãos faz com que muitos imaginem equivocadamente que estão com L.E.R., uma
doença que causa lesões definitivas e deixa várias sequelas.
Isso acontece porque o tema está cercado de mal-entendidos. Na verdade, sob o rótulo de L.E.R.
e sem nenhum fundamento científico, enquadra-se um conjunto de problemas ortopédicos que
envolvem nervos, tendões e músculos e cujo tratamento demanda diagnóstico preciso e equipe
multidisciplinar.
L.E.R. NÃO É DOENÇA
Drauzio – O que é realmente L.E.R.?
Rames Mattar – L.E.R. (lesões por esforço por repetição) envolve mecanismos de agressão que
incluem desde esforços de repetição até outros mecanismos relacionados a algumas atividades
de trabalho como vibração e postura inadequada, ocasionando em nosso corpo uma série de
problemas que poderiam ser evitados. A grande confusão, porém, está em considerar L.E.R. uma
doença. Às vezes, o próprio paciente colabora para isso quando declara – “Sou portador de
L.E.R.”.
No entanto, não há descrição da entidade L.E.R. em nenhum livro de medicina como uma doença
com fisiopatologia própria, ou seja, um mecanismo causador de quadro anatomopatológico, de
um tecido alterado de determinada forma. Essa confusão ocorre em muitos países e gera uma
interpretação errônea nos pacientes, na área médica e paramédica e até do ponto de vista
judicial.
Drauzio – Em geral, quando se ouve falar em L.E.R., logo se pensa numa lesão causada por um
esforço repetitivo no trabalho, não é?
Rames Mattar – É exatamente isso que acontece. Inclusive, existe uma discussão a respeito da
melhor forma de definir essa condição. Outras siglas como DORT (Distúrbios Osteomusculares
Relacionados ao Trabalho) ou AMERT (Afecções Musculares Relacionadas ao Trabalho)
empregadas para nomear o problema indicam sempre a conotação de uma doença que teria
nexo causal com o trabalho.
Nesse aspecto, algumas considerações devem ser feitas. Se pegarmos um grupo de pessoas
que trabalha num mesmo ambiente e sob as mesmas condições, verificaremos que algumas
desenvolvem tenossinovite ou uma compressão do nervo mediano no canal do carpo. Se essas
patologias estão relacionadas a atividades como a digitação, por exemplo, por que todas as
outras pessoas que trabalham sob as mesmas condições não apresentam tais problemas?
É obvio que, na maioria das vezes, ao atender o paciente no consultório, por não conhecer seu
ambiente de trabalho, o médico tem dificuldade em estabelecer o nexo causal das queixas que
ouve. Por isso, o especialista em Medicina do Trabalho é o profissional melhor capacitado para
atender esse paciente, porque domina os meios para analisar as condições do ambiente de
trabalho e de ergonomia, o modo como a pessoa desempenha suas atividades, a quantidade de
horas dedicadas ao trabalho e ao repouso, a pressão que recebe de seu superior em relação à
produtividade e o nível de angústia e ansiedade a que está exposta. Com se pode perceber, é
uma tarefa bastante complicada.
RELAÇÃO ENTRE L.E.R. E O USO DE COMPUTADORES
Drauzio – Qual a relação entre L.E.R. e os computadores, já que as pessoas atribuem os
sintomas ao uso constante desse equipamento?
Rames Mattar – Com a introdução dos meios de informática no ambiente de trabalho, houve
quase uma epidemia mundial de casos de L.E.R. Em alguns países, a coisa ficou tão séria do
ponto de vista socioeconômico, que a patologia foi destituída de seu caráter de entidade. A
Austrália, por exemplo, considerou por decreto que o problema não existe, embora a realidade
demonstre exatamente o contrário.
O que se pode dizer em relação ao computador é que ele passou a ser usado constantemente,
não apenas durante o trabalho, mas em casa por horas a fio. Às vezes, a digitação é feita de
forma obstinada e compulsiva, numa postura inadequada o que pode certamente gerar
problemas musculoesqueléticos e de fadiga. Fenômeno semelhante acontece com os músicos
que, em algumas fases da vida, estudam doze, quatorze, dezesseis horas por dia e acabam
sofrendo as consequências de tamanho esforço.
Não se pode negar, porém, que a informática trouxe consigo uma revolução nas formas
convencionais de trabalho. E não foi só isso. Nas últimas décadas, também ocorreu uma
transformação importante na forma de encarar o trabalho. Competitividade, produtividade e
manutenção do emprego são palavras-chave nesse universo, o que acaba aumentando os níveis
de angústia e ansiedade e o indivíduo se nega o direito a uma pausa a fim de cuidar
adequadamente de seu organismo. Esse conjunto de fatores pode explicar a epidemia mundial
relacionada às dores do sistema musculoesquelético.
Houve uma fase em que a lombalgia (dor na região lombar) era a causa principal de afastamento
do trabalho. O País atravessava um momento de grande produção industrial e de pouco cuidado
em relação à postura dos trabalhadores e ao esforço relacionado à produção. Agora, a
informática transferiu o problema para os membros superiores e brinco que, num futuro não muito
distante, ele será transferido para o aparelho fonador, porque já existem computadores capazes
de reconhecer a voz dos usuários e digitar o que escutam.
COMPLEXIDADE DO DIAGNÓSTICO
Drauzio – É possível estabelecer o tipo de problema neuromuscular mais frequente nos
digitadores?
Rames Mattar – É muito complicado estabelecer esse quadro. Na esmagadora maioria dos
casos, o diagnóstico é dor miofacial ou dores generalizadas que migram pelo corpo e que são
características da fibromialgia.
Estudo que fizemos no ambulatório do Hospital das Clínicas com um grupo de pacientes
demonstrou que apenas 17% dos digitadores afastados de sua função tinham um diagnóstico
bem definido. A maior parte apresentava quadros de neuropatias compressivas, principalmente
da síndrome do túnel do carpo.
Drauzio – Você poderia explicar o que são neuropatias compressivas e síndrome do túnel do
carpo?
Rames Mattar – Os nervos periféricos que conectam o cérebro à pele para conduzir os estímulos
externos até ele, também recebem, no caminho inverso, ordem cerebral para contrair os
músculos. Eles são uma espécie de cabos que passam pelo interior de canais.
Está provado que a hiperflexão do punho provoca um aumento da pressão dentro de um
canalzinho ali existente. Portanto, se a pessoa fica muitas horas com o punho fletido, pode
desencadear uma compressão do nervo mediano. Nos digitadores, principalmente nos que
assumem a postura de flexão do punho enquanto usam o teclado, existe incidência grande da
síndrome do túnel do carpo. Há, porém, outros fatores predisponentes para essa patologia. A
compressão do nervo mediano é mais frequente em diabéticos, nos indivíduos com
hipotireoidismo e em certos grupos familiares.
PRINCIPAIS SINTOMAS DA SÍNDROME DO TÚNEL DO CARPO
Drauzio – Quais são os sintomas que aparecem nesses casos?
Rames Mattar – Em geral, a pessoa sente dor no punho, na mão e formigamento nos dedos,
principalmente durante a execução de algumas atividades manuais. Outro sintoma característico
é acordar no meio da noite com a mão formigando, porque se repetiu a postura de flexão do
punho durante o sono. Além disso, pela falta de movimentação dos dedos, pode formar-se um
edema, isto é, um acúmulo de líquido dentro do canal, o que aumenta a compressão do nervo.
Essa não é a única causa, porém, pois outros tipos de compressão de nervos podem estar
associados ao problema.
Na realidade, quando um paciente, que se queixa de dores nos membros superiores, diz – “Eu
sou um digitador” – os médicos procuram levantar uma história clínica detalhada para entender
exatamente o tipo de atividade que exerce, qual a postura que adota para trabalhar, como é o
ambiente profissional, a fim de localizar a alteração anatômica e orientá-lo o mais
adequadamente possível.
OUTRAS ATIVIDADES LIGADAS A L.E.R.
Drauzio – Quais são as outras atividades que podem provocar essas lesões por esforços
repetitivos?
Rames Mattar – No que se refere à digitação, é preciso ressalvar que não existe até hoje nenhum
estudo científico que demonstre claramente que o computador seja a causa da incidência maior
de compressões do nervo, tendinites ou tenossinovites, por exemplo. Isso é muito pesquisado,
ainda. No entanto, já se estabeleceu nexo causal entre algumas profissões e a incidência de
certas doenças. Pessoas que operam britadeiras certamente manifestam mais a síndrome do
túnel do carpo e aquelas que trabalham com o punho desviado na direção do dedo mínimo estão
mais sujeitas a desenvolver tendinite na região próxima ao polegar, a chamada Tendinite De
Quervain, em homenagem ao médico que descreveu essa entidade, um século atrás.
Drauzio – Quais são os sintomas desse tipo de tendinite?
Rames Mattar – Os sintomas dessa tendinite são dor intensa na região lateral do punho que piora
muito com seu desvio na direção do dedinho. Alguns teclados de computador foram
redesenhados e divididos em duas metades inclinadas para obrigar a pessoa a trabalhar numa
posição neutra e evitar o desvio ulnar do punho. Engenheiros que estudam ergonomia
empenham-se em desenvolver novos equipamentos visando ao conforto e ao bem-estar dos
usuários.
ERGONOMIA AJUDANDO A ALIVIAR O PROBLEMA
Drauzio – O que é ergonomia?
Rames Mattar – Ergonomia é uma ciência que estuda a postura, o conforto, a parte mecânica do
corpo humano em relação à atividade de trabalho. Vou citar alguns exemplos. Se o trabalho é
realizado num túnel muito pequeno ou na linha de montagem de alguns aviões menores, são
selecionados indivíduos anões, porque ergonomicamente é melhor do que escalar longilíneos
para tais funções.
Engenheiros especialistas em ergonomia estudam qual o biótipo ideal para determinadas
ocupações e também, por exemplo, o modelo de cadeira, de mesa e a relação entre a altura das
duas mais indicados para atender às necessidades de cada profissão. Com certeza, a mesma
cadeira não é adequada para oferecer conforto a um jogador de basquete e a um ginasta
olímpico, que normalmente é mais baixinho.
Da mesma forma, a altura da mesa em relação à estatura do indivíduo, a posição do teclado, o
apoio para o antebraço, entre outros, são detalhes que podem fazer diferença no que se refere à
gênese da dor e do desconforto. Quando escolhemos uma cama confortável para dormir, de
certa forma, estamos pondo em prática alguns princípios da ergonomia.
RECONHECENDO CAUSAS E SINTOMAS
Drauzio – Às vezes, até nós médicos temos dificuldade para caracterizar as lesões por esforços
repetitivos. O que não dizer, então, da dificuldade dos leigos em reconhecer esse problema. Que
dicas podem ser dadas para as pessoas desconfiarem que possam estar com L.E.R.?
Rames Mattar – Os sintomas mais frequentes são dores nos membros superiores, nos dedos,
dificuldade para movimentá-los e formigamento. Na maioria das vezes, esses sintomas estão
relacionados a uma atividade inadequada não só dos membros superiores, mas de todo o corpo.
Não é normal, nem fisiológico ficar sentado diante da tela do computador por oito ou dez horas
seguidas. O corpo humano não foi projetado para isso e se ressente.
Drauzio – E nem para lidar com uma britadeira o dia todo.
Rames Mattar – Nem para desempenhar atividades desse tipo. A máquina de escrever antiga
não gerava tantos sintomas desagradáveis. Por quê? Naquela época, as pessoas não corriam
tanto, não se estressavam da mesma forma, não buscavam obstinadamente informação.

Drauzio – Mas, o que dizer dos datilógrafos que batiam à máquina o dia inteirinho?
Rames Mattar – O ritmo de vida era diferente. Qual seria a outra explicação? O teclado era mais
duro. As máquinas elétricas representaram um avanço importante não faz muito tempo, mas a
dor não era um problema naquela época. Minha interpretação, que compartilho com um grupo de
especialistas, é que a causa principal das dores nos membros superiores e na cintura escapular
(região dos ombros e pescoço) está ligada à tensão, à contração muscular exagerada. É o preço
do estresse, da correria, da má qualidade de vida.
A pessoa acorda às quatro horas da manhã, locomove-se num transporte que deixa muito a
desejar, permanece horas no trânsito e, depois, fica na frente do computador o dia inteiro.
Houve um tempo em que se media eficiência pela quantidade de teclas digitadas por minuto. O
bom trabalhador era o que digitava mais teclas em menos tempo, o que determinava uma
espécie de neurose.
Tenho a impressão de que, atualmente, essa é a causa do problema que gera um prejuízo
socioeconômico muito grande para o País. Por isso, ao notarem o número de afastamentos de
funcionários provocados pela incidência desses distúrbios, algumas empresas decidiram investir
na qualidade de vida. Promovem, a cada hora, uma pausa de dez a quinze minutos dedicada à
atividade física, ginástica, alongamentos sob a supervisão de um professor de educação física ou
de um terapeuta e a incidência caiu para zero. Às vezes, num ambiente fechado, colocar uma
janela para que as pessoas pudessem ver o céu foi o suficiente para resolver a questão.
Na literatura médica, uma série de publicações aborda o tema dessa forma. A causa das lesões
talvez não seja o computador, mas sim um conjunto de fatores decorrentes das modificações no
estilo de vida que ocorreram nas últimas décadas. Nós nos estressamos muito mais e corremos
muito mais atrás de informação do que faziam as gerações que precederam a nossa. Depois de
um dia de trabalho estafante, chegamos em casa e ligamos o computador, frequentemente
olhando também para a televisão, com o braço numa posição inadequada, suspenso no ar, sem
apoio algum. Isso acontece com a maioria das pessoas e gera fadiga e dor, sinais de que foram
extrapolados os limites que o organismo pode tolerar.
Drauzio – Existem lesões por esforços por repetição em corredores também, não é?
Rames Mattar – Seguramente. Se formos pensar que L.E.R. é um mecanismo de trauma que
pode gerar uma série de doenças bem conhecidas, concluiremos que qualquer região do corpo
pode ser afetada. O indivíduo que sobrecarrega a coluna lombar no trabalho vai ter L.E.R. na
coluna lombar; aquele que caminha muito pode ter dor no calcâneo (talalgia), ou tendinite no
tendão de Aquiles, ou tendão calcâneo como é chamado modernamente.
Se formos pensar na semântica das palavras Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao
Trabalho ( DORT), os carteiros podem ter tendinite no membro inferior porque andam o dia todo.
Por isso, é um erro considerar que as lesões afetem apenas os membros superiores dos
digitadores.
TRATAMENTO INDIVIDUALIZADO
Drauzio – Por isso o tratamento vai depender das características específicas de cada caso, não
é?
Rames Mattar – Exatamente. Nós buscamos obstinadamente um diagnóstico que, às vezes, não
é feito na primeira consulta. É comum o próprio paciente procurar-nos com a interpretação de que
o membro superior está doendo porque digita muito e precisa mudar de profissão, pois sofre de
uma doença incurável que lhe deixou sequelas para o resto da vida. Isso é uma inverdade
absoluta, divulgada até pela imprensa. L.E.R. nem sequer é uma doença. É um conjunto de
problemas que podem estar relacionados ao esforço exagerado. Durante a consulta, tentamos
entender qual é a alteração anatômica que se instalou. Há inflamação do tendão ou do tecido
sinovial? O nervo está comprimido?
O paciente é examinado cuidadosamente, levanta-se sua história clínica de vida. São casos
difíceis, que podem demandar alguns retornos. Na maioria das vezes, a conclusão é que se trata
de dores migratórias que não caracterizam nenhuma doença em particular e requerem uma visão
multidisciplinar. Fisiatras, reumatologistas, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos e
psiquiatras se unem para entender o caso e, quase sempre, o diagnóstico revela uma dor
miofacial, um problema relacionado à fadiga, ou à fibromialgia.
IMPORTÂNCIA DO DIAGNÓSTICO PRECISO
Drauzio – Quer dizer que a maioria dos casos que vocês recebem como L.E.R. são episódios de
outras patologias?
Rames Mattar – Por isso nos preocupamos tanto com o diagnóstico. Procuramos verificar se não
se trata de tendinites, tenossinovites ou compressões nervosas. Na maioria das vezes, é difícil
compreender qual é o problema anatômico que se instalou.
Drauzio – Fica difícil estabelecer se o esforço por repetição é realmente a causa do problema?
Rames Mattar – Fica difícil estabelecer o nexo causal entre o trabalho e as queixas do paciente.
Nesses casos, recorremos ao médico do trabalho que conhece melhor as condições operacionais
de cada profissão.
AUXÍLIO DA FISIOTERAPIA NO TRATAMENTO
Drauzio – A fisioterapia ajuda nesses casos?
Rames Mattar – A fisioterapia ajuda bastante. O tratamento de grande parte desses pacientes
com dor crônica envolve um conjunto de atitudes. Primeiro, ele precisa compreender bem tudo o
que explicamos até aqui. Depois, procuramos localizar a alteração anatômica que pode ter-se
desenvolvido. Se do ponto de vista clínico tudo estiver normal, mas a dor persistir, devemos
levantar como causas o estresse e a ansiedade. E aí, não é só a fisioterapia que funciona. É
preciso buscar a reabilitação do paciente como um todo, preconizar uma atividade física e, às
vezes, uma terapia de apoio. Isso torna o tratamento muito complexo.
Drauzio – O que se vê normalmente é que feito um diagnóstico desse tipo, as pessoas são
encaminhadas para fisioterapeutas não especializados e os resultados não costumam ser dos
mais animadores, não é?
Rames Mattar – Essa é a nossa realidade. Tanto que os melhores resultados são obtidos nas
empresas grandes que detectaram uma alta incidência de afastamento dos funcionários por
causa desse problema e procuraram a ajuda de um grupo de profissionais para promover
mudanças no ambiente de trabalho e na qualidade de vida dos funcionários. Tais providências
reduziram o número de casos praticamente a zero.
Na verdade, há muito tempo estamos diante de uma situação de saúde pública difícil para o país
como um todo. Alguns países, que possuem estatísticas a respeito do assunto, concluíram que a
dor nos membros superiores e na cintura escapular, que abrange os ombros e a região do
pescoço, é a principal causa de afastamento do trabalho.
MEDIDAS DE PREVENÇÃO
Drauzio – Quais são as medidas gerais de prevenção que você aconselha para evitar as lesões
por esforços repetitivos?
Rames Mattar – Para prevenir a dor nos membros superiores, vale o que a medicina preconiza
de modo geral. A pessoa deve levar vida saudável e, na medida do possível, afastar-se das
situações que geram ansiedade. Atividade física também é fundamental. Está provado que o
sedentarismo é um fator seguramente relacionado com a gênese do problema. Cuidar da
postura, fazer exercícios de alongamento e fortalecimento muscular e pausas de dez minutos a
cada hora durante o trabalho certamente são medidas importantes para aumentar muito a
produtividade.
Drauzio – Em se tratando do computador, que é a preocupação de muitos, quais são os cuidados
mais importantes?
Rames Mattar – É preciso cuidar da postura. Os membros inferiores devem ficar bem apoiados
no solo. Outra recomendação importante é não trabalhar com os membros superiores sem apoio
nenhum porque o peso vai ser exercido totalmente na região escapular e provocar dor. Portanto,
o teclado não pode ficar muito perto da borda da mesa de trabalho e a altura do monitor deve
evitar flexão ou extensão maior da coluna cervical.
Especialmente a pessoa que trabalha muitas horas na frente do computador deve preocupar-se
em garantir o máximo de conforto possível durante as horas de trabalho.

Dor no ombro
DR. SÉRGIO LUIZ CECCHIA É MÉDICO. PROFESSOR DE ORTOPEDIA, CHEFIA O GRUPO DE
ESPECIALISTAS EM OMBRO E COTOVELO NA FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS DA SANTA
CASA DE SÃO PAULO. 2 de outubro de 2012
Revisado em 18 de maio de 2018

Depois da dor na coluna, dores no ombro talvez sejam a queixa mais frequente ouvida
por ortopedistas. Elas não respeitam sexo nem idade. Ocorrem em crianças, adultos e
idosos, homens e mulheres, esportistas ou sedentários. São especialmente
desagradáveis, porque limitam movimentos simples, como erguer e abaixar os braços,
e têm o mau hábito de piorar durante a noite, depois que a pessoa se deita.
Em grande parte dos casos, dores no ombro são sintomas de lesões provocadas pela
repetição de movimentos que machucam os tendões e por processos crônico-
degenerativos que ocorrem depois dos 40, 50 anos de idade.
O tratamento da dor no ombro evoluiu muito nos últimos anos. Pode ser clínico ou
cirúrgico. Neste caso, a artroscopia representou um avanço considerável, porque evita
complicações inerentes ao ato cirúrgico a céu aberto.
ANATOMIA DO OMBRO
Drauzio – Quais são as principais características anatômicas do ombro?
Sérgio Luiz Cecchia – O ombro é uma das articulações (ponto onde os ossos se
encontram) que têm mais movimento. Por causa desse ângulo exagerado de
movimento em relação às outras articulações do organismo, pode sofrer lesões, como
deslocamentos e tendinites.
Fazem parte da articulação do ombro a clavícula (osso fino e em forma de S), a
omoplata ou escápula (termo adotado pela nova nomenclatura médica), que tem
vários músculos a seu redor, e o úmero, osso do braço com cabeça arredondada e
coberta de cartilagem, o que amplia as possibilidades de movimento.

Numa das extremidades da clavícula, há articulação


com o esterno (um dos ossos que constituem o esqueleto do tórax) e, na outra,
articulação com o osso acrômio, que se liga também à escápula. Na verdade, existem
no ombro duas articulações diferentes: a da clavícula com o acrômio e a do ombro
propriamente dito com o osso do braço. Não se pode esquecer de mencionar, ainda, a
falsa articulação produzida pela omoplata que gira no tórax durante o movimento de
elevação do braço.
A articulação do ombro é coberta por tendões que comandam os movimentos. Entre
eles e o osso acrômio, há um espaço ocupado pela bursa (palavra de origem latina
que significa bolsa), que secreta um líquido lubrificante. As pessoas costumam chamar
de bursite a dor que sentem no ombro. Bursite não é doença. É uma inflamação
provocada por problema mecânico – atrito ou inflamação dos tendões, por exemplo –
que obriga a bursa a produzir mais líquido a fim de facilitar o deslizamento da
articulação.
Drauzio – Não se pode esquecer de que a presença de líquido nas articulações é
absolutamente fundamental para seu funcionamento.
Sérgio Luiz Cecchia – É fundamental para que haja deslizamento. Por isso, na
tentativa de facilitá-lo, a bursa produz mais líquido sempre que o deslizamento está
prejudicado por algum motivo.
Drauzio – A clavícula tem também ligamentos importantes, ou seja, cordões fibrosos
que ligam ossos articulados.
Sérgio Luiz Cecchia – A clavícula possui dois ligamentos importantes: o
coracoclavicular, que une a clavícula à escápula e o coracoacromial, que fecha e dá
apoio à parte superior que forma a abóbada da articulação.
Drauzio – O que justifica o fato de o ombro provocar tantos problemas?
Sérgio Luiz Cecchia – A repetição exagerada e intensa de alguns movimentos que
provocam atrito do osso no tendão é responsável pelo aparecimento das tendinites,
um dos problemas que mais acometem o ombro. Jogadores de vôlei e nadadores, por
exemplo, estão mais sujeitos a esse tipo de lesão.
Outra razão é que, a partir dos 50 anos, principalmente o tendão supraespinhal passa
a sofrer pressão da cabeça do úmero, o que diminui sua vascularização.
Popularmente conhecido como bursite do ombro, talvez esse processo degenerativo
possa ser explicado por falha na adaptação do ser humano à postura que o mantém
com os braços para baixo e faz tracionar esse tendão o tempo todo. Os japoneses têm
um nome especial para definir esse tipo de dor: “godilo cata”, ou “ombro dos 50 anos”.
Drauzio – Isso acontece por perda de elasticidade do tendão?
Sérgio Luiz Cecchia – Não, ocorre por um processo crônico-degenerativo precoce do
tendão, que acaba sofrendo rupturas com mais frequência. É comum ouvir a seguinte
queixa dos pacientes: “Eu sentia um pouquinho de dor quando deitava em cima do
braço. Um dia, porém, o ônibus em que eu estava deu uma brecada que me obrigou a
puxar o braço com mais força”, ou “Eu estava jogando tênis, dei um saque mais
puxado e senti uma dor intensa que reaparece mais à noite ou quando levanto o
braço”. Esses dois sintomas, dor noturna e ao levantar o braço, são indicativos de que
o tendão pode ter rompido.
Veja também: Fibromialgia
DIAGNÓSTICO E SINTOMAS
Drauzio – Como se faz o diagnóstico de problemas na articulação?
Sérgio Luiz Cecchia – Em geral, quando o problema é a síndrome do impacto ou lesão
do manguito rotador (conjunto de quatro tendões que cobre e fecha a articulação do
ombro), a história clínica é bastante típica. Se o paciente não sofreu nenhum trauma e
a tendinite é mais degenerativa, a dor aparece quando levanta o braço para pegar
alguma coisa. Como ela se irradia para o meio do braço, às vezes, é difícil convencê-
lo de que o problema está localizado na articulação do ombro e não no próprio braço.
Muitos trazem até radiografias e ressonâncias magnéticas feitas no meio braço que, é
óbvio, não esclarecem o quadro.
Repetindo, dor noturna e dor que se irradia para o braço e aumenta com sua elevação
são queixas importantes para estabelecer o diagnóstico de problemas na articulação
do ombro.
Drauzio – Quais são os sinais de que a articulação está comprometida?
Sérgio Luiz Cecchia – Como já disse levantar a história clínica é sempre muito
importante. Quase todos os pacientes se referem a uma dor noturna quando deitam
em cima do ombro ou levantam o braço, dor que foi aumentando de intensidade e
irradia-se para o braço. Eles contam que, sentados no banco da frente do automóvel,
têm dificuldade para esticar o braço quando querem pegar um objeto no banco de trás
ou colocar o cartão na catraca do estacionamento, ou que não conseguem pegar uma
garrafa mais pesada ou outro objeto qualquer com a mão do lado que dói.
No exame clínico, por meio de manobras simples, como levantar o braço segurando a
escápula para o ombro não subir, ou contra uma resistência para forçar o movimento
do ossinho saliente da clavícula contra o tendão, a dor aparece, sinal claro de que a
articulação está comprometida.
Drauzio – O que aconteceu na articulação do ombro que justifica o aparecimento
desses sintomas?
Sérgio Luiz Cecchia – As doenças variam mais ou menos de acordo com a faixa de
idade do paciente. Dos 30 e poucos aos 45, 50 anos, uma das que mais acometem a
articulação do ombro é a calcificação. Por algum motivo até hoje ignorado, forma-se
um depósito de cálcio nos tendões que funciona como verdadeiro abscesso. Sua
localização inadequada acaba por exigir a expulsão da bolinha de cálcio o que
provoca dor violenta, mas seguida de cura espontânea. Quando isso não acontece
espontaneamente, o médico é obrigado a intervir, às vezes com cirurgia, para remover
o aglomerado de cálcio.
A partir dos 45, 50 anos, o osso acrômio pode formar um gancho, um esporão, na
parte da frente do ombro, que machuca o tendão e é responsável pela dor ao erguer o
braço. Muitas vezes, essa agressão contínua ocasiona rupturas no tendão
supraespinhal que podem ser extensas e acometer vários outros tendões.
Dependendo do grau e do tempo em que o problema está instalado ou da associação
com trauma resultante de queda ou esforço, uma ruptura pequena pode ocasionar
rasgos em todos os tendões.
Drauzio – Nesse caso, ocorre limitação dos movimentos?
Sérgio Luiz Cecchia – Se a ruptura for lenta e progressiva, o paciente pode não ter
perda funcional muito grande, porque os músculos acabam desempenhando a função
dos tendões por um mecanismo chamado de vicariância. Nos traumas, há agudização
do quadro e pode ocorrer uma pseudoparalisia. Nesse caso, para levantar o braço
comprometido o paciente precisa ajudar com a outra mão.
Drauzio – Esses processos não acontecem da noite para o dia. São lentos e tornam-
se crônicos sem as pessoas lhes darem a devida atenção, porque se acostumam com
as limitações…
Sérgio Luiz Cecchia – As pessoas vão se acostumando com as limitações. Quando
deixam de levantar o braço na altura suficiente para pegar um cabide no armário,
instintivamente passam a usar o outro membro e não procuram tratamento.
Drauzio – Quais são as consequências dessa limitação de movimentos?
Sérgio Luiz Cecchia – São duas. Uma é a perda da amplitude completa do movimento
por retração dos ligamentos, da cápsula articular dos tendões ao redor. A outra é
sentir dor no outro ombro, porque ele passa a exercer a função praticamente sozinho.
Em geral, trata-se do membro não dominante e o ombro não está preparado para
suprir tal demanda. É muito frequente ouvirmos durante as consultas: “Doutor, eu tinha
uma dor num dos ombros. Agora estou preocupado porque o outro ombro está doendo
também”.
Na maioria dos casos, quando se trata o ombro primariamente sintomático, o não
dominante melhora sem tratamento por baixa da demanda funcional.
GRUPOS DE RISCO
Drauzio – Quais são os grupos populacionais ou atividades de risco para os problemas
articulares no ombro?
Sérgio Luiz Cecchia – Na juventude, são os atletas e a tendinite é provocada por
problema mecânico. Jogadores de vôlei e nadadores apresentam lesões no ombro
com frequência, porque movimentam muito o braço para cima. Obviamente, todo
esporte que requeira o uso do membro superior pode provocar lesão no ombro, mas
os que exigem movimentos repetitivos, como bater na bola acima da rede de vôlei ou
nadar quatro, cinco, seis quilômetros por dia, sobrecarregam mais a articulação.
Acima dos 50, por causa da posição do braço, costumam apresentar problemas
articulares os atletas de fim de semana que jogam tênis ou golfe, esporte que
atualmente está sendo mais praticado em nosso país.
Dos 35 aos 45 anos, calcificação é a causa mais comum. Já, por volta dos 60, 70
anos, problemas na articulação do ombro acometem mais as mulheres. Ninguém sabe
dizer se isso acontece por processo degenerativo precoce dos tendões ou por
alteração hormonal, o fato é que elas são mais vulneráveis nessa idade.
Drauzio – Alguma profissão em especial favorece o aparecimento de dor no ombro?
Sérgio Luiz Cecchia – Os dentistas têm muito problema no ombro, porque ficam com o
braço levantado por horas e horas a fio. Datilógrafos e pessoas que digitam no
computador, às vezes em posição inadequada, diante de mesas muito altas que as
obriga a levantar os braços, devem tomar alguns cuidados. O correto é apoiar o
cotovelo para deixar a musculatura relaxada e não sobrecarregar o tendão.
Veja também: Fisioterapia
ARTROSCOPIA
Drauzio – Gostaria que você falasse sobre a artroscopia, um recurso moderno para
diagnóstico e tratamento das articulações do ombro.
Sérgio Luiz Cecchia – Artroscopia, palavra que vem do grego e significa olhar dentro
da articulação, é uma técnica que permite corrigir lesões no ombro fazendo apenas
pequenos orifícios na pele.
A ótica artroscópica é constituída por cânula cilíndrica, jogo de lentes, fonte de luz e
câmara filmadora que transmite as imagens para uma tela de vídeo. Introduzida por
uma incisão pequena na pele, permite enxergar dentro da cavidade articular que foi
distendida com solução de soro fisiológico. Através dessa ótica, é possível introduzir
alguns instrumentos, como a broca artroscópica que, ligada a um motor, permite
desbastar um osso proeminente. Nos casos de ruptura do tendão, são utilizados
instrumentos para sutura introduzidos também através de pequenos cortes na pele.
A artroscopia possibilita fazer tudo o que se fazia antes com a cirurgia aberta:
desbastar o osso, tratar a junta da clavícula, costurar tendões sem o inconveniente de
grandes cortes e longas internações hospitalares.
Drauzio – Os médicos operam olhando para uma tela de televisão como as crianças
quando brincam com videogame.
Sergio Luiz Cecchia – Operamos o ombro olhando para uma tela que está a nosso
lado. A artroscopia é uma técnica de difícil aprendizado e que exige muito treinamento.
Movimentar a mão no espaço tridimensional do ombro enquanto se olha para a
imagem bidimensional projetada numa tela é complicado e requer uma noção de
profundidade que precisa ser bem desenvolvida.

Drauzio – Qual a diferença entre o pós-operatório dessa técnica e o da cirurgia


clássica?
Sergio Luiz Cecchia – A diferença é da água para o vinho. Primeiro, porque os
pacientes não sentem dor no pós-operatório. Muitos dizem que sabem que foram
operados porque veem uns furinhos na pele do ombro.
Os resultados do tratamento também são melhores. Recentemente, ao proceder a
reavaliação dos pacientes que tinham sido operados por cirurgia aberta, por técnica
mista que consistia em desbastar o osso por artroscopia e, depois, abrir o campo para
suturar a céu aberto e por técnica totalmente artroscópica, constatamos que esta
última apresentou número muito menor de complicações, uma vez que
desapareceram as complicações com o músculo e com a pele inerentes ao ato
cirúrgico.
Drauzio – Em que casos deve ser indicado o tratamento cirúrgico e quais podem ser
tratados clinicamente?
Sergio Luiz Cecchia – Embora o tratamento fisioterápico seja o indicado quando há
ruptura do tendão, é preciso colocar na balança fatores como dor, função e idade. No
passado, era comum as pessoas com mais de 60 anos quererem fazer apenas
fisioterapia. Hoje, a situação é outra. Pessoas com 60, 70 anos estão fazendo esporte.
Minha mãe tem 81 anos, joga tênis três vezes por semana e, com certeza, não
gostaria de parar por causa de uma lesão que pode ser corrigida através de
buraquinhos na pele. Por isso, é a demanda funcional que determina o tipo de
tratamento.
Drauzio – As rupturas do tendão nunca cicatrizam sozinhas?
Sérgio Luiz Cecchia – Não cicatrizam nem diminuem. Ao contrário, aumentam com o
tempo, porque o músculo está sempre puxando o tendão para executar o movimento
do osso. Se, por acaso, o tendão se afastou do osso e o músculo continua puxando-o,
a tendência é aumentar o afastamento. Há trabalhos que provam essa evolução com
clareza. Por isso, pacientes por volta dos 50, 60 anos ou mais jovens merecem ser
tratados por cirurgia artroscópica. Dessa forma, poderão evitar a ocorrência de
problemas mais sérios no futuro que requerem a indicação de cirurgia aberta.
MASSAGEM E ACUPUNTURA
Drauzio – Qual sua opinião sobre massagem e acupuntura no tratamento de
problemas no ombro?
Sérgio Luiz Cecchia – Toda a vez que temos uma lesão ou sentimos dor, o organismo
reage com uma contratura muscular que acaba provocando outras dores. Nesses
casos, métodos coadjuvantes podem auxiliar no tratamento. Massagens ajudam a
soltar os músculos e a acupuntura, além do poder analgésico, relaxa a musculatura.
Nenhuma dessas técnicas, porém, consegue fechar ou costurar o tendão nem
desbastar o esporão ósseo.
Sempre recomendo a meus pacientes que optam por tratamentos alternativos a não
abandonarem a fisioterapia para reabilitação. É preciso conseguir ganho na amplitude
do movimento e fortalecer outros músculos para que exerçam a função, por
vicariância, daquele que não está trabalhando direito.
INFILTRAÇÕES DE CORTISONA
Drauzio – No passado, as infiltrações com cortisona eram muito usadas para
tratamento da dor articular.
Sérgio Luiz Cecchia – Não adianta acabar somente com a dor com infiltrações de
cortisona, como se fazia no passado. A cortisona diminui a dor, desinflama, ou seja,
transforma um problema clínico num problema subclínico, sem sintomas. Quase
invariavelmente, porém, depois de certo tempo, ele volta, mais complicado e difícil. Por
isso, raramente utilizo infiltrações de cortisona, uma vez que o trabalho fisioterápico é
indispensável para o futuro da articulação.
Drauzio – Essas infiltrações ainda têm alguma indicação hoje em dia?
Sérgio Luiz Cecchia – Às vezes, têm. Pacientes com problemas clínicos para os quais
a cirurgia é contraindicada, ou que já fizeram todo o trabalho fisioterápico e continuam
sentindo dor, podem precisar de infiltração de cortisona. Com menos dor, terão sono
mais tranquilo e se sentirão melhor.
PREVENÇÃO
Drauzio – Como se deve usar a articulação do ombro para não ter problemas?
Sérgio Luiz Cecchia – Como já dissemos repetidas vezes, a articulação do ombro é de
movimento. Por isso, exercícios de alongamento que favoreçam a amplitude do
movimento e exercícios que fortaleçam a musculatura da escápula são essenciais. Por
outro lado, devemos evitar movimentos repetitivos com o braço acima da linha do
horizonte por tempo prolongado.
Drauzio – Quais são os exercícios indicados para trabalhar bem a musculatura da
escápula?
Sérgio Luiz Cecchia – Se puxarmos os ombros para trás, para cima e para baixo,
segurando-os um pouco nessas posições antes de soltá-los, estaremos trabalhando a
musculatura da escápula e melhorando a postura. O alongamento dos músculos
peitorais evita que os ombros sejam projetados para frente e o acrômio exerça atrito
sobre os tendões, uma vez que esse choque mecânico pode provocar a Síndrome do
Impacto do Ombro.
Drauzio – De que maneira deve ser feito o alongamento?
Sergio Luiz Cecchia – O exercício mais importante é o alongamento das estruturas
posteriores do ombro. Ele consiste em colocar a mão nas costas e erguê-la, o máximo
possível, em direção ao pescoço, ou juntar as duas mãos nas costas e erguer os
braços.
Drauzio – Pessoas saudáveis também devem fazer esses exercícios?
Sergio Luiz Cecchia – Antes da atividade física, todas as pessoas devem alongar bem
as articulações do ombro. A partir dos 45, 50 anos, alongamentos para proteger a
articulação do ombro devem virar rotina na vida das pessoas.
Drauzio – Qual a melhor posição para a pessoa que está sentada, vendo televisão, por
exemplo?
Sergio Luiz Cecchia – As pessoas devem procurar manter a cintura escapular (ou as
escápulas) na posição o mais ereta possível. Ficar com os braços levantados, mesmo
que estejam apoiados no espaldar da poltrona ou nos ombros da namorada por tempo
prolongado, acaba machucando um pouco o tendão. Da mesma forma, ficar com os
braços caídos e os ombros arcados, não é bom para a articulação do ombro.
Hérnia de disco

DR. OSMAR JOSÉ DOS SANTOS DE MORAES É NEUROCIRURGIÃO, RESPONSÁVEL PELO SETOR
DE DIRETRIZES E CONDUTAS DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE COLUNA VERTEBRAL. 22 de agosto
de 2011
Revisado em 20 de maio de 2018

A coluna vertebral é composta por 33 vértebras: sete cervicais, doze torácicas, cinco
lombares, cinco sacrais fundidas formando o osso sacro e quatro coccígeas também
fundidas e formando o cóccix. Dentro delas há um canal por onde passa a medula
nervosa ou medula espinhal.
Entre as vértebras cervicais, torácicas e lombares, localizam-se os discos
intervertebrais, que têm o feitio de um anel constituído por tecido cartilaginoso e
elástico cuja função é evitar o atrito entre uma vértebra e outra e amortecer o impacto.
A hérnia de disco aparece quando parte dessa estrutura sai de sua posição normal e
comprime as raízes nervosas que emergem da coluna e se dirigem para o resto do
corpo.
Hérnia de disco pode ser assintomática ou provocar dor de moderada e leve
intensidade até dor muito forte e incapacitante.
FORMAÇÃO E PREVALÊNCIA
Drauzio – Como se forma a hérnia de disco?
Osmar José S. de Moraes – A coluna vertebral sustenta todos os ossos do corpo.
Como a carga que suporta é muito grande, possui um sistema de amortecimento para
dar-lhe estabilidade. As estruturas mais importantes desse sistema são os discos
intervertebrais constituídos por um tecido elástico que suporta deformação, mas que
se desgasta com o uso repetitivo. Esse desgaste favorece o aparecimento de
pequenas rupturas que facilitam o extravasamento de parte do disco, ou seja, a
formação de uma hérnia, ocorrência muito mais comum do que se imagina, mas,
geralmente, de boa evolução.
Drauzio – Qual é prevalência da hérnia de disco na população?
Osmar José S. de Moraes – Acredita-se que 15% da população mundial tenham
algum tipo de protusão ou herniação discal. Ou seja, aproximadamente 800 milhões
de pessoas no mundo são portadoras de algum tipo de alteração anatômica na coluna
vertebral.
Drauzio – As hérnias de disco costumam aparecer em que região da coluna?

Osmar José S. de Moraes – No indivíduo normal (imagem 01), a porção inferior da


coluna que se articula com os membros inferiores é constituída por cinco vértebras
fundidas que formam o osso sacro. Imediatamente acima, estão as vértebras
lombares, as torácicas e as cervicais, separadas umas das outras por discos de tecido
fibroso que funcionam como amortecedores de impacto.
As hérnias de disco são mais frequentes nas regiões lombar e cervical da coluna,
porque essas são áreas mais expostas ao movimento e que suportam maior carga. Já
menos de 10% do total de hérnias se formam na coluna torácica, onde o desgaste do
disco é menor, uma vez que o gradeado costal (as costelas) impede movimentos mais
bruscos e ajuda a promover o amortecimento.
PRIMEIRO RELATO
Drauzio – Marcos, como e quando você apresentou o primeiro episódio de hérnia de
disco?
Marcos Ramon Dvoskin – Pratico esporte regularmente. No final de 2005, comecei a
sentir uma dor lombar que se irradiava para a perna esquerda. Procurei um médico,
parei com o esporte e comecei a tomar medicamentos anti-inflamatórios. Em dois ou
três meses, a dor desapareceu e voltei a fazer exercícios.
Drauzio – A dor ficava mais forte em algum momento?
Marcos Ramon Dvoskin – Era uma dor contínua, embora não tão forte como a que tive
na região da coluna cervical. Essa ia aumentando de intensidade e tomava todo o
braço esquerdo. Na verdade, nunca senti dor nas costas. A dor começou na parte de
cima do braço e foi progredindo até atingir a mão. Eu sentia também muito
formigamento nos dedos polegar, indicador e médio.
Embora os sintomas fossem piorando, a maioria dos médicos que procurei na ocasião
me aconselhou a não fazer cirurgia, porque as estatísticas mostravam que esse
quadro regride naturalmente com o tempo e o uso de medicação.
Acho importante insistir no fato de que o processo doloroso era crescente e chegou a
um ponto em que poderia defini-lo como uma dor de dente do tamanho do braço. No
último mês antes da cirurgia, precisei tomar morfina. Primeiro a cada doze horas,
depois de dez em dez e, por fim, de oito em oito horas.
EVOLUÇÃO
Drauzio – Como evoluem os quadros de hérnia de disco?
Osmar José S. de Moraes – A sustentação da coluna é feita pela musculatura. Pouco
exercício e excesso de peso podem provocar gradativamente a falência desse sistema
muscular e o aparecimento de uma dor lombar que piora com o exercício.
Com muita frequência, quem sofre da coluna lombar acaba tendo também problemas
na coluna cervical, porque para compensar o desconforto que sente nas costas, vai
mudando a curvatura da coluna, que é constituída por uma sequência de vértebras e
articulações. Essa é a evolução típica da enfermidade.
Em geral, os quadros lombares respondem bem ao tratamento conservador. As
estatísticas mostram que 90% dos pacientes com doença lombar não precisam de
nenhum outro tratamento além de um pouco de repouso, analgésicos e desenvolver
alguns bons hábitos. O mesmo não acontece quando a lesão se localiza na coluna
cervical.
Drauzio – Nesse contexto, o que se entende por “bons hábitos”?
Osmar José S. de Moraes – Basicamente, desenvolver “bons hábitos” significa
respeitar as normas estabelecidas pela Ergonomia, no dia a dia. O indivíduo deve
aprender a sentar-se de forma adequada, com as pernas dobradas em 90º, e por não
mais que 40, 50 minutos seguidos. Deve praticar atividade física regular, anaeróbica
ou aeróbica, e manter bom padrão de alongamento, pois é certo que, com o passar
dos anos, os discos diminuem de tamanho e todos perdemos um pouco de altura.
Portanto, quem faz exercícios e alongamentos com regularidade melhora a circulação
e tem menos problemas de coluna. Além disso, está estatisticamente comprovado que
os fumantes são mais vulneráveis aos problemas de coluna do que os não fumantes e
que diabetes e hipertensão são comorbidades associadas que comprometem o
resultado do tratamento conservador.
Veja também: Lesões na coluna
CARACTERÍSTICAS DA DOR
Drauzio – Marcos disse que a dor lombar irradiava para o membro inferior esquerdo.
Pegava a perna inteira?
Osmar José S. de Moraes – A dor se irradiava pela coxa inteira e alcançava a parte
posterior do joelho.
Drauzio – Qual é a explicação para esse tipo de dor?
Osmar José S. de Moraes – Vamos destacar um segmento da coluna, uma vértebra e
um disco normal funcionando como amortecedor. Nesse caso, ele está distante do
local por onde passam os nervos. O que aconteceu com Marcos? Com o passar do
tempo, essa estrutura sofreu uma pequena fissura, rompeu-se, permitindo, assim, que
um pedaço do disco escapasse e fosse pressionar a raiz do nervo que sai de dentro
da coluna, entre a quarta e quinta vértebra. No momento da rutura, ocorreu um trauma
e formou-se um hematoma, que foi regredindo aos poucos até praticamente
desaparecer.
Marcos, então, voltou a levar vida normal. Durante o período em que sentiu dor,
porém, ele provavelmente alterou a curvatura da coluna e sobrecarregou a área
cervical, que já devia ter algum comprometimento, e desenvolveu uma hérnia de disco
nessa região.
SEGUNDO RELATO
Drauzio – Quando as dores lombares começaram, você ficou de cama?
Marcos Ramon Dvoskin – Não, absolutamente. Sentia apenas uma dor chatinha,
inconveniente para o trabalho, mas que foi facilmente tratada. Quando o problema se
manifestou na cervical, a conversa foi outra. A dor é terrível. Você não consegue
trabalhar, fica impaciente, sem saúde e energia, nem vontade de comer e de dormir.
Drauzio – Os sintomas da hérnia de disco da coluna lombar regrediram em quanto
tempo?
Marcos Ramon Dvoskin – Eu diria que entre o início e o fim do processo como um
todo passaram-se uns trinta dias. Lembro que tomei anti-inflamatório durante 14 dias e
que no décimo quinto dia estava completamente sem dor.
Drauzio – Você fez algum tipo de fisioterapia?
Marcos Ramon Dvoskin – Nessa fase, não. Já quando o problema se localizou na
coluna cervical, antes de voltar a correr, Dr. Osmar aconselhou que eu fizesse
sessões de fisioterapia.
DIAGNÓSTICO
Drauzio – A hérnia de disco na coluna cervical não provocou dor nem nas costas nem
na nuca de Marcos, mas ele sentiu uma dor violenta no braço. Qual é o significado
desse sintoma para o diagnóstico da doença?
Osmar José S. de Moraes – Embora a radiografia e a ressonância magnética ajudem,
e muito, frequentemente o médico consegue fazer o diagnóstico clinico, baseando-se
nas características dos sintomas e fazendo um exame neurológico cuidadoso. O local
onde a dor se manifesta e a análise dos reflexos, tanto na perna quanto no braço,
permitem determinar se houve ou não lesão da raiz nervosa e, caso tenha ocorrido, é
possível saber qual foi a raiz afetada. Às vezes, os estudos radiológicos, tomográficos
e de ressonância magnética são acompanhados de laudos que indicam hérnias,
protusões e doenças que, na verdade, não refletem o quadro clínico, mas a evolução
de um processo de endurecimento do disco que ocorre com o envelhecimento.
Drauzio – É possível dizer com precisão em que medida a raiz foi afetada?
Osmar José S. de Moraes – Existe um exame complementar que nos ajuda a avaliar o
volume do disco que extravasou entre as vértebras. Há também exames subsidiários
para estabelecer diagnósticos diferenciais com processos inflamatórios, infecciosos,
derrames articulares, cistos sinuviais, tumores, tuberculose, esta última uma doença
ainda frequente no Brasil.
Drauzio – Às vezes, as pessoas confundem hérnia de disco com bico de papagaio,
nome popular da osteofitose Qual a diferença entre as duas afecções?
Osmar José S. de Moraes – Entende-se por hérnia de disco o extravasamento do anel
cartilaginoso situado entre as vértebras, o que pode provocar a compressão dos
nervos que saem da coluna. Já o bico de papagaio é uma cicatriz óssea decorrente de
microtraumas próximos ao disco intervertebral que provocam inflamação e,
posteriormente, calcificações que se sobrepõem adquirindo aspecto semelhante ao do
bico dessa ave.
Estudos radiológicos realizados na Europa mostraram que aproximadamente 30% da
população a partir dos 50 anos de idade apresentam alguma alteração da coluna sem
nenhum sintoma associado. Ou seja, essa evolução é parte natural do processo de
envelhecimento.
TRATAMENTO
Drauzio – Marcos teve duas hérnias de disco: uma na coluna lombar que resolveu
clinicamente e a outra na região cervical que precisou de intervenção cirúrgica. Você,
como médico, distingue uma situação da outra?
Osmar José S. de Moraes – De modo geral, a hérnia de disco é encarada como uma
afecção benigna. Na verdade, ela não é uma doença, mas a evolução de um quadro.
Obviamente, a conduta varia conforme o caso e de pessoa para pessoa, mas as
estatísticas revelam que, na primeira crise, mais de 90% dos indivíduos com dor
lombar melhoram com o tratamento clínico. Os que referem sentir dor por mais de uma
semana acabam melhorando com o mesmo tipo de tratamento em no máximo 30 dias.
Se não houver nenhum déficit motor, portanto, são aconselhados a retomar as
atividades normais depois de um ou dois dias de medicação. Se a dor persistir ou
outro sintoma aparecer, é necessário encaminhá-los para um exame radiológico.
Drauzio – Marcos continuou levando vida normal apesar da dor provocada pela hérnia
de disco na coluna lombar. No passado, os médicos recomendavam que esses
pacientes fizessem repouso. Por que essa conduta não é mais adotada?
Osmar José S. de Moraes – O mais recente estudo sobre o assunto mostrou que o
indivíduo em repouso absoluto chega a perder um grama de proteína por quilo em um
dia, por causa da retração tendínea que ocorre enquanto fica na cama. Por isso, o
melhor é manter algum movimento, mesmo que surja um pouco de dor que pode ser
aliviada com doses mais altas da medicação.
Drauzio – O que é retração tendínea?
Osmar José S. de Moraes – Quando se mobiliza um segmento do corpo como a
perna, a coxa ou o braço, a tendência é ele ir encurtando. Se a pessoa dobrar o
cotovelo e deixá-lo assim por quatro semanas, por exemplo, no final o braço estará um
pouco menor porque os tecidos (ligamentos, músculos, ossos) e a circulação, se não
forem estimulados, serão progressivamente reabsorvidos. Por isso, não havendo
déficit motor, o repouso absoluto não é recomendado. O aceitável é que o paciente
repouse por 24, 48 horas, no máximo. Hoje, não mais se discute a importância de
liberá-lo para continuar em atividade, desde que não seja pesada.
Drauzio – Acupuntura ajuda?
Osmar José S. de Moraes – Apesar das controvérsias que cercam todas as
subespecialidades, está provado que a acupuntura funciona bem como analgésico na
fase aguda.
Drauzio – Você fez acupuntura, Marcos?
Marcos Ramon Dvoskin – Fiz acupuntura na crise da coluna cervical. No meu caso,
ela não funcionou, mas também tomar morfina não adiantava mais.
Osmar José S. de Moraes – A acupuntura funciona até determinado ponto da dor. Por
isso, ao perceberem que a pessoa não responde bem ao tratamento, muitos
acupunturistas a aconselham a procurar um médico especialista. Foi o que aconteceu
com Marcos, que necessitou de uma intervenção cirúrgica, porque seu caso era mais
grave.
Drauzio – Sempre me chamou atenção no tratamento cirúrgico da hérnia de disco, o
fato de o paciente sentir dores terríveis que o obrigavam a tomar três ou quatro
comprimidos de morfina por dia e estar completamente sem dor poucas horas depois
da operação. Isso aconteceu com você?
Marcos Ramon Dvoskin – Exatamente assim. A cirurgia começou às 8 horas da noite
e terminou às 2 horas da madrugada. Às 4h, eu já estava no quarto sem nenhuma dor
e nunca mais senti aquela dor na minha vida.
Drauzio – É sempre esse o resultado da cirurgia?
Osmar José S. de Moraes – Quando bem indicada, se o disco estiver comprimindo
mecanicamente a raiz nervosa, em geral, o resultado é esse. O grande segredo da
cirurgia na coluna como um todo e principalmente na hérnia de disco é a indicação
precisa. Uma vez localizado o nervo que está com o diâmetro reduzido pela metade
por causa da compressão exercida por parte do disco que extravasou, é só corrigir o
defeito mecânico para obter alívio completo da dor.
Basicamente, foi o que aconteceu com Marcos. Entretanto, existe um mecanismo
inflamatório que ainda não é bem conhecido e, às vezes, compromete o resultado
favorável das cirurgias.
Drauzio – Quantos dias você ficou no hospital?
Marcos Ramon Dvoskin – Um dia. Fui para casa 24h depois da cirurgia com a
orientação de fazer repouso e usando um colar de proteção que só devia retirar para
dormir num travesseiro adequado à situação.
Drauzio – Que instruções você recebeu no pós-operatório?
Marcos Ramon Dvoskin – Eu deveria andar, mas com cuidado, usando o colar
cervical. Na semana seguinte, comecei as sessões de fisioterapia visando à
recuperação da musculatura. Por volta de 25, 30 dias depois, voltei a caminhar e
depois a correr, o que estou fazendo até hoje.
Drauzio – Nunca mais você sentiu dor?
Marcos Ramon Dvoskin – Nunca mais. Esse é um assunto encerrado em minha vida.
Dele, só sobrou a marca dos pontos no meu pescoço e mais nada. Estou muito feliz,
porque não posso imaginar a minha vida sem corrida.
PREVENÇÂO
Drauzio – Quais são os cuidados que uma pessoa deve tomar para prevenir a
formação de uma hérnia de disco?
Osmar José S. de Moraes – Lamentavelmente, uma pequena parcela da população
tem tendência genética para apresentar o problema. Entretanto, se essas pessoas
praticarem atividade física regular, se tiverem a musculatura abdominal e paravertebral
bem desenvolvida, mesmo que apresentem uma hérnia de disco, raramente são
candidatas ao tratamento cirúrgico.
De qualquer modo, para prevenir a instalação de problemas na coluna, o importante é
evitar excessos: excesso de peso, de consumo de álcool e de exercícios.
Drauzio – Levantar pesos sem o devido preparo pode ser um agravante para a hérnia
de disco?
Osmar José S. de Moraes – Pode. A coluna é o eixo central do organismo. Todas as
vezes que a pessoa suporta nas pernas ou nos braços um peso acima de sua
capacidade, essa sobrecarga vai direto para a coluna. Por isso, sem o preparo
adequado, não se deve fazer levantamento de peso.
Drauzio – Fazer alongamento ajuda a prevenir o problema?
Osmar de Moraes – Atividade física bem orientada, exercícios de alongamento e
hábitos saudáveis de vida previnem o encurtamento da coluna e a formação de
hérnias de disco.
Perguntas enviadas por e-mail
Graça Barranovo – Santos/SP – Hérnia de disco pode aparecer em jovens?
Osmar José S. de Moraes – Pode. Primeiro por causa da tendência genética. Depois,
porque alguns jovens fazem esforços exagerados.
Norma Lúcia Moreira Santos – Salvador/BA – Qualquer problema na coluna pode
ocasionar uma hérnia de disco?
Osmar José S. de Moraes – Não. A hérnia é provocada por uma fraqueza própria de
uma região do disco intervetebral.

Vera Lúcia Rodrigues – São Leopoldo/RS – Uma vez operada, a hérnia pode
recidivar?
Osmar José S. de Moraes – Pode. Segundo o protocolo da técnica cirúrgica mais
usada, retira-se apenas a hérnia que se formou e preserva-se o resto do disco. Por
isso, é fundamental manter um programa de reabilitação permanente para evitar o
aparecimento de outra hérnia.
Traumas na coluna
MARIA HELENA VARELLA BRUNA 22 de agosto de 2011
Revisado em 10 de maio de 2017

A coluna vertebral é composta por 33 vértebras: sete cervicais (C1, C2, C3, C4, C5,
C6, C7), doze torácicas que vão de T1 até T12, cinco lombares (L1, L2, L3, L4, L5),
cinco sacrais soldadas formando o osso sacro e quatro coccígeas, que se fundem
formando o cóccix. As vértebras são unidas por vários ligamentos e entre uma e outra
existe um disco cartilaginoso semelhante a um anel cuja função é reduzir o impacto.
Pelo canal existente no interior das vértebras, passa a medula nervosa ou medula
espinhal que transporta os comandos emitidos pelo cérebro para todos os órgãos e
músculos do corpo.
Um trauma na coluna pode provocar a fratura de uma vértebra e, consequentemente,
lesões na medula espinhal. Quanto mais alta for a lesão, danos mais graves trará para
o indivíduo.
Infelizmente, traumas de coluna vertebral ocorrem com muita frequência. Na maior
parte das vezes, causados por acidentes de trânsito, quedas de lajes, mergulhos em
águas rasas e ferimentos com arma de fogo, são responsáveis por grande sofrimento
pessoal e dramas familiares muito graves. Em geral, as vítimas são jovens, em plena
fase produtiva, dependem de tratamentos intensivos nem sempre disponíveis e que
representam custo alto para o País.
PRINCIPAIS CAUSAS
Drauzio – Quais são as causas mais freqüentes dos traumas de coluna vertebral?
Osmar José S. de Moraes – No Brasil, os acidentes de trânsito – incluindo nesse
grupo os acidentes com carros, motos, alguns veículos mais leves e os
atropelamentos – são a principal causa dos traumas de coluna. A seguir, vêm os
traumas provocados por queda de lajes e os ferimentos com armas de fogo.
Drauzio – É impressionante como o telhado desapareceu na periferia de todas as
cidades brasileiras. As casas são cobertas por uma laje que, muitas vezes, por falta de
opção, os moradores utilizam para estender roupa, apanhar um pouco de sol ou fazer
churrasco no domingo e ninguém se preocupa em providenciar uma proteção, por
mais rudimentar que seja, para evitar que alguém despenque lá de cima.
Osmar José S. de Moraes – É verdade. As coisas se passam mais ou menos assim.
No final de semana, a família faz um churrasco em cima da laje, mas alguém toma
uma cervejinha a mais, aproxima-se da beirada sem querer, perde o equilíbrio e cai.
Geralmente, cai de lado, dobra a cabeça sobre o ombro, e a coluna, que é o eixo
central do corpo, não suporta o impacto e rompe em algum lugar. Ou, então, cai
sentado, as vértebras que formam o cóccix e a bacia empurram as outras para cima e
a coluna sofre um achatamento com consequências desastrosas.
Esse tipo de acidente não ocorre só com os adultos. As crianças, muitas vezes, sobem
na laje para empinar pipa, distraem-se com o brinquedo e caem.
Talvez por ignorar os danos que uma queda de três, quatro metros de altura, pode
causar, cuidados com a prevenção não existem. Por isso, já é tempo de pôr em prática
um programa de conscientização para alertar os donos dessas casas sobre a
necessidade de fazer pelo menos um cercado em torno das lajes.
Drauzio – Outro acidente comum que provoca lesões na coluna ocorre com pessoas
que mergulham em lugares rasos. Nesses casos, qual é a região mais afetada da
coluna vertebral?
Osmar José S. de Moraes – Quando mergulha sem conhecer a profundidade do lugar,
em geral, o mergulhador bate a cabeça, porque o peso do corpo faz com que penetre
na água muito rápido. Como normalmente percebe que vai bater, numa reação
instintiva, vira a cabeça. Essa torção fragiliza a coluna cervical e favorece a ocorrência
de lesões nessa área.
No Brasil, aproximadamente 1.500 casos/ano de lesão cervical completa acontecem
por causa de mergulho em águas rasas, número quase igual ao dos casos provocados
por quedas de laje e ferimentos por arma de fogo.
Diante da prevalência desses acidentes, a Sociedade Brasileira de Lesão Medular
pleiteou que o Ministério da Saúde fizesse uma campanha sobre a importância de
colocar primeiro os pés na água para certificar-se da profundidade antes de a pessoa
mergulhar num rio, lagoa ou uma piscina, visto que, na maior parte das vezes, a lesão
cervical por mergulho costuma ser completa.
CONSEQUÊNCIAS DO TRAUMA
Drauzio – Você poderia explicar como os traumatismos de coluna provocam lesões na
medula espinhal?
Osmar José S. de Moraes – O interior das vértebras é constituído por um estojo ósseo
por onde passa o cordão medular . Os nervos que saem do cérebro e controlam
nossas pernas e braços, o movimento do abdômen e o funcionamento dos demais
órgãos do corpo humano, fazem parte desse feixe nervoso que pode sofrer lesões
provocadas por traumatismos. Por exemplo, quando cai sentada, a pessoa pode
pressionar a coluna para cima, achatar uma vértebra e empurrar um fragmento de
osso contra a medula. Ou então, se fizer um movimento brusco demais com a cabeça,
o cordão medular se rompe e a comunicação do cérebro com os braços e as pernas
fica interrompida ou danificada.
Drauzio – A gravidade do quadro que se instala, nesses casos, depende da região da
coluna em que ocorreu o trauma.
Osmar José S. de Moraes – Como ao longo de toda a coluna saem raízes nervosas
que se dirigem para cada parte do corpo, as consequências do trauma estão
relacionadas com a altura em que ocorreu a lesão. Se, por exemplo, ela estiver
situada abaixo da sexta vértebra cervical, o paciente preserva algum movimento nos
braços, porque os nervos responsáveis por esse tipo de mobilidade já saíram do canal
e não foram afetados, mas perde o movimento das pernas, fica paraplégico, o que
também acontece se o trauma afetar a coluna torácica e o começo da coluna lombar.
Lesões na coluna cervical um pouco acima da sexta vértebra deixam o indivíduo
tetraplégico e acima de C4 interrompem o controle da respiração e ele para de respirar
instantaneamente.
Esses quadros graves são comuns nos acidentes automobilísticos por causa do uso
incorreto do cinto de segurança ou porque o banco do carro não possui o equipamento
ideal para apoiar a cabeça e minimizar o movimento de chicote (movimento para frente
e para trás da cabeça provocado pela freada brusca de um veículo em velocidade),
que pode ser forte a ponto de tracionar a medula. Lesão acima da vértebra C4 provoca
morte instantânea, embora não exista nenhum ferimento aparente.
Drauzio – Nos acidentes de trânsito, existe algum segmento da coluna que é atingido
com mais frequência?
Osmar de Moraes – Em geral, quando os motociclistas caem, as lesões se instalam no
plexo braquial, um conjunto de nervos cujas raízes saem da coluna cervical e vão dar
força e sensibilidade aos braços.
Já as pessoas que usam cinto de segurança de apenas duas pontas estão mais
expostas às lesões torácicas, porque o cinto segura o corpo na região da barriga, mas
não impede que ele seja jogado para frente nas colisões ou freadas bruscas. Quem
cai sentado porque levou um escorregão ou subiu na laje, em geral, tem lesões
lombares.
Infelizmente, lesões na coluna cervical são as mais frequentes e as mais
devastadoras. A pessoa para de mexer as pernas e, em alguns casos, não consegue
sequer andar de cadeira de rodas, porque também não movimenta os braços.

Drauzio – Nas cidades grandes, é enorme o número de acidentes com moto. Há algo
que possa ser feito para proteger o motociclista nessas situações tão graves?
Osmar José S. de Moraes – O capacete articulado parece que protege um pouco mais
a região posterior da coluna cervical. O maior problema, entretanto, está na
imprudência dos motociclistas no trânsito.
PREVENÇÃO
Drauzio – No caso dos condutores e passageiros de outros veículos, como
automóveis, ônibus e caminhões, há algo que se possa fazer?
Osmar José S. de Moraes – Muitos acidentes graves desse tipo podem ser
prevenidos se o respeito a certos conceitos da ergonomia for observado na fabricação
do veículo. Entre eles, destacam-se três: o suporte posterior para a cabeça, o cinto de
três pontas e a ausência de objetos contundentes dentro da cabine.
Drauzio – Como deve ser usado o cinto de segurança?
Osmar José S. de Moraes – O cinto de segurança deve ter três pontos de fixação. Se
tiver apenas dois, não vai segurar a pessoa direito. Vai fixá-la somente na região da
bacia, o que é insuficiente para impedir que se dobre com violência sobre o eixo
central do corpo, que é a coluna, se houver um choque.
Cintos de segurança automáticos com três pontos de fixação evitam a rotação da
coluna que faz a medula parar de funcionar, mesmo quando a pessoa não foi
submetida a um trauma direto. Portanto, o correto é que todos tenham uma faixa para
proteger o tórax, a cintura escapular e os ombros, e outra para conter o corpo na altura
da bacia.
Drauzio – O cinto precisa ficar sempre bem colado ao corpo? O ganchinho usado a fim
de afastá-lo um pouco do corpo para não amassar a camisa ou a blusa atrapalha seu
funcionamento?
Osmar José S. de Moraes – Não é necessário que o cinto fique totalmente colado ao
corpo. Mas, distância muito grande entre ele e o objeto da contenção pode promover
um retardo em sua resposta automática, que deveria evitar o movimento de chicote,
por exemplo. Se o carro possuir outro sistema de segurança além do cinto, como
o airbag, aí sim, quanto mais próximo do corpo ele estiver, mais efetivo vai ser.
Apesar de não ser boa ideia colocar o ganchinho para manter o cinto muito longe do
corpo, desde que o espaço não ultrapasse cinco, dez centímetros, o resultado pode
não ser muito comprometedor.
ATENDIMENTO AO TRAUMATIZADO
Drauzio – O que se deve fazer quando uma pessoa caiu da laje, mergulhou e bateu a
cabeça ou sofreu um acidente de trânsito e está caída no chão?
Osmar José S. de Moraes – Se não houver alguém por perto que saiba como prestar o
primeiro atendimento, o melhor é movimentá-la o menos possível. Por quê? Porque
pode ter ocorrido uma fratura não de vértebras, mas de ligamentos entre um osso e
outro. Tentar pegá-la no colo ou transportá-la para outro lugar, pode fazer com que
flexione demais a cabeça para trás ou para frente e seccione a medula que não tinha
sofrido uma lesão.
Se a pessoa estiver muito torta, vale a pena estabilizar o segmento da cabeça em
relação ao corpo. A ideia é mobilizá-la como um bloco. Alguém segura a cabeça,
enquanto outros ajeitam o resto do corpo. Isso evita que ocorram lesões completas
não só na coluna cervical como na coluna torácica.
Felizmente, em muitas cidades do Brasil, o primeiro atendimento é feito por
paramédicos ou por bombeiros muito bem treinados, que chegam depressa ao local
do acidente. Na maior parte das vezes, um simples telefonema pode salvar as pernas
e a capacidade de locomoção de um indivíduo.
Drauzio – Qual é o número do serviço de resgate?
Osmar José S. de Moraes – Em São Paulo, discando 190, a ligação é transferida
diretamente da PM para os bombeiros. Existe em cada cidade um outro número de
telefone que pode ser usado nessas situações.
PARAPLEGIA E TETRAPLEGIA
Drauzio – Qual é a diferença entre paraplegia e tetraplegia?
Osmar José S. de Moraes – Quando a lesão ocorre abaixo da sexta vértebra cervical,
a pessoa para de mexer as pernas. Isso se chama paraplegia. Quando a lesão se
instala acima de C6 provoca tetraplegia, que pode ser completa ou incompleta. Na
tetraplegia completa, há perda total do movimento das pernas e dos braços; na
incompleta, se o trauma tiver comprometido C5 ou C6, sobrou ainda uma parte intacta
da enervação que possibilita mexer um pouco os braços.
Drauzio – Quando recebe um traumatizado que não mexe as pernas nem os braços,
logo no primeiro exame, você sabe qual será o déficit motor que ele vai apresentar no
futuro?
Osmar José S. de Moraes – Nem sempre. Na admissão do acidentado, quando o
exame clínico revela que existe desnível na coluna porque houve um deslocamento de
vértebras, e a resposta aos exames de sensibilidade e de reflexos está alterada, pode-
se inferir que ele ficará paraplégico.
Às vezes, porém, a pessoa sofreu traumatismo e chega ao hospital com choque
medular, que se caracteriza pela interrupção do funcionamento da medula espinhal.
Se a lesão não foi completa, entretanto, ela pode recuperar-se. O tempo de duração
do choque medular varia muito. Pode durar 24 horas, mas existem descrições de
casos que o paciente começou a apresentar algum grau de recuperação só depois de
seis meses.
Para determinar a existência ou não de déficit motor e qual sua extensão, a avaliação
clínica, a tomografia e a ressonância magnética, entre outros, são exames muito
importantes.
TRATAMENTO
Drauzio – Os leigos não entendem a demora dos médicos em operar uma pessoa que
sofreu um traumatismo para liberar a porção da medula espinhal comprimida entre as
vértebras. O que explica essa conduta terapêutica?
Osmar José S. de Moraes – A coluna é uma sequência de vértebras empilhadas, uma
em cima da outra, que se dobra e volta à posição anterior. Se a medula foi
seccionada, não há o que fazer. Entretanto, quando o indivíduo cai sentado ou capota
o carro, por exemplo, pode fraturar uma vértebra. Se um de seus fragmentos penetrar
na coluna, o paciente precisa ser operado imediatamente para retirar o pedaço de
osso que está empurrando a medula. Infelizmente, isso não é o que mais acontece. O
mais frequente é um trauma grave provocar a ruptura completa da medula e não uma
compressão apenas.
Drauzio – Quais as consequências de uma secção parcial da medula?
Osmar José S. de Moraes – Paciente com secção parcial da medula continua sendo
capaz de realizar alguns movimentos. Dependendo do grau da lesão, mantém o
controle da bexiga, a função sexual e a sensibilidade. Mais do que isso, conta com
alternativas de tratamento que podem melhorar sua qualidade de vida.
Veja um exemplo: a lesão incompleta pode comprometer mais o funcionamento de
uma perna do que da outra. Colocando uma órtese que estabilize a perna ou a bacia
do lado mais afetado, o paciente volta a andar e dispensa o uso da cadeira de rodas.
A bexiga ficou com problemas? Uma cirurgia para abrir um pouquinho a uretra pode
abolir a necessidade de usar uma sonda urinária permanente.

Drauzio – Nos casos das bexigas neurogênicas, que não funcionam espontaneamente
por causa da secção da medula, e nos de impotência sexual provocada traumatismos
na coluna, que regiões foram mais afetadas?
Osmar José S. de Moraes – Nas lesões lombares baixas, os pacientes preservam o
controle vesical. Se ocorrerem na área de transição entre a coluna torácica e lombar,
ou acima, dificilmente esse controle será mantido.
No entanto, quando a lesão da medula é incompleta, alguns pacientes permanecem
com reflexo na bexiga e determinadas cirurgias ajudam a evitar as sondagens
intermitentes. A proposta de uma delas é dilatar o espaço por onde sai a urina a fim de
que, fazendo uma pressão manual sobre a bexiga, a pessoa consiga esvaziá-la um
pouco.
Mesmo nos casos de lesão completa é possível ampliar a capacidade da bexiga para
reter urina e, em vez de três ou quatro sondagens por dia, uma ou duas podem ser
suficientes para esvaziá-la.
COMPLICAÇÕES
Drauzio – Que complicações provoca a perda de movimentos das pernas e dos
braços?
Osmar José S. de Moraes – Existem complicações adicionais à devastação que a falta
de mobilidade e o fato de não ser autossuficiente, por si só, representam. A perda da
sensibilidade pode fazer com que os pacientes permaneçam sentados na mesma
posição durante muito tempo. Isso provoca úlceras de pressão, ou escaras, isto é,
pequenas feridas na bacia, na porção lateral do corpo, às vezes nas costas e nos pés,
que ficam apoiados no calcanhar, e se transformam numa grande complicação à
medida que progridem e infeccionam. Daí, a importância da fisioterapia no
acompanhamento desses pacientes.
Outra complicação, às vezes fatal, a que estão expostos é o tromboembolismo. Como
não possuem boa circulação nos membros inferiores, podem formar-se coágulos de
sangue num vaso que sobem e vão parar no pulmão, causando embolia pulmonar.
Para evitar a formação de êmbolos, esses pacientes precisam ser mobilizados
constantemente e tomar medicamentos anticoagulantes.
Embora essas duas sejam as complicações mais graves, existem outras como a
infecção urinária e as provocadas por tombos. No Brasil, como são poucos os lugares
adaptados para a circulação de cadeiras de rodas, frequentemente os portadores de
deficiência caem e se machucam.
USO DE SONDAS E ATIVIDADE SEXUAL
Drauzio – Você mencionou o uso intermitente de sondas para a retirada da urina. É
um processo doloroso?
Osmar José S. de Moraes – Não, porque os pacientes perderam a sensibilidade. Na
verdade, conseguem fazer isso de forma higiênica, antisséptica e com bons
resultados. Às vezes, só palpando a barriga percebem que a bexiga está cheia e,
então, realizam o esvaziamento.
Drauzio – Pacientes com lesão na coluna conseguem manter relações sexuais?
Osmar José S. de Moraes – Alguns preservam o desejo e a atividade sexual.
Atualmente, existem técnicas urológicas e medicações que ajudam os homens a
melhorar a ereção e a levar vida sexual próxima da normalidade. Valendo-se das
técnicas modernas de fertilização, também há os que conseguem ter filhos, uma
conquista importante para aqueles que sofreram lesão medular ainda jovens.
Drauzio – Quando houve secção dos nervos que vão para os genitais, as drogas para
disfunção erétil funcionam?
Osmar José S. de Moraes – Ainda não temos certeza de que funcionam como o fazem
nos homens normais, ou se apenas potencializam uma capacidade ainda preservada,
mas que os bloqueios psicológicos comuns nesses casos impediram de pôr em
prática. De qualquer forma, são drogas que ajudam muito quando o problema é esse.

Fibromialgia

DRA. LIN TCHIE YENG É MÉDICA FISIATRA E TRABALHA NO GRUPO DE DOR DO SERVIÇO DE
ORTOPEDIA DO HOSPITAL DAS CLÍNICAS DE SÃO PAULO 23 de janeiro de 2012
Revisado em 18 de maio de 2018

PRINCIPAIS PONTOS DE DOR

A fibromialgia, doença identificada apenas nas últimas décadas, caracteriza-se por dor
crônica que migra pelo corpo e manifesta-se predominantemente em um de seus
lados, embora o outro também seja sensível.
São nove os pontos fundamentais de cada lado, portanto 18 no total, em que a dor
pode instalar-se:
1) na região subocciptal (atrás da cabeça);
2) no músculo trapézio (em cima do ombro e nas costas);
3) na região supraespinal;
4) na altura das vértebras cervicais;
5) na articulação condrocostal, onde a segunda costela se insere no osso esterno;
6) no joelho, especialmente na parte de trás do joelho;
7) no trocanter, área onde o fêmur se encaixa na bacia;
8) na região glútea;
9) do lado do cotovelo.
Em 90% dos casos, a doença atinge as mulheres, o que de certa forma confundiu o
diagnóstico, uma vez que, por machismo, atribuía-se a dor à somatização de possíveis
problemas psicológicos. Hoje, sabe-se que a fibromialgia é uma doença relacionada
com o funcionamento do sistema nervoso central e o mecanismo de supressão da dor.
Além da dor, ela provoca outros sintomas como fadiga, falta de disposição e
alterações do sono.

CARACTERÍSTICAS E FREQUÊNCIA DA DOENÇA

Drauzio – A fibromialgia é uma doença muito frequente?


Lin Tchie Yeng – Estudos internacionais sugerem que a fibromialgia acomete de 7% a
9% da população, especialmente as mulheres na faixa dos 35 aos 50 anos, mas pode
também aparecer na adolescência.
Drauzio – Quais são as principais características dessa dor e quanto ela interfere na
rotina diária dos pacientes?
Lin Tchie Yeng – Dor, cansaço, falta de energia e disposição para realizar atividades
rotineiras são os principais sintomas. Muitos pacientes se referem, também, à cefaleia
(dor de cabeça), funcionamento inadequado do intestino (cólon irritável), sensibilidade
durante a micção (síndrome da bexiga irritável) e ao sono pouco reparador, o que faz
as pessoas já levantarem cansadas.

IMPORTÂNCIA DO DIAGNÓSTICO

Drauzio – Existem nove pontos em cada lado do corpo em que a dor pode instalar-se.
Como isso ocorre?
Lin Tchie Yeng – Normalmente, a dor da fibromialgia aparece num ponto determinado.
A pessoa se queixa, por exemplo, de dor no braço e o médico suspeita de tendinite ou
LER (lesões por esforços repetitivos). No outro dia, ela reaparece no ombro ou nas
regiões lombar e cervical. É uma dor migratória que, na ausência de diagnóstico e
tratamento adequado, pode espalhar-se por todo o corpo.
Drauzio – Você poderia explicar o que é LER?
Lin Tchie Yeng – LER (lesões por esforços repetitivos), ou DOT (distúrbios
osseomusculares relacionados ao trabalho), é uma doença bastante comum
atualmente. Estima-se que, em São Paulo, de 5% a 8% dos trabalhadores apresentem
dor no braço ou na região cervical como consequência de suas atividades
profissionais. No Hospital das Clínicas, mais ou menos 30% das pessoas com
tendinite provocada pela repetição contínua de certos movimentos, sofrem também de
fibromialgia e isso causa diagnósticos e tratamentos equivocados.
Não se sabe ainda explicar, porém, se a falta de tratamento adequado faz com que
essa dor de início localizada se irradie por todo o corpo. O que se sabe é que nessas
pessoas o sistema supressor da dor, que coordena a relação entre dor e analgesia,
não funciona direito.

DOR TÍPICA DA FIBROMIALGIA

Drauzio – Quando você atende um paciente que se queixa de dor no braço ou nas
costas que persiste por alguns dias quando escreve no computador por mais tempo, o
que a faz suspeitar de que esse sintoma não seja resultado da má postura e da
repetição dos movimentos, mas indique um processo de fibromialgia em
desenvolvimento?
Lin Tchie Yeng – Sabe-se que 70% a 80% das pessoas já sentiram, em algum
momento, dor nas costas. Essas dores, no entanto, são benignas e costumam
melhorar espontaneamente, sem tratamento. As dores da fibromialgia duram pelo
menos três meses e, em geral, não apresentam resposta satisfatória aos tratamentos
clássicos com analgésicos, anti-inflamatórios e fisioterapia. Por isso, quando a dor for
crônica, é importante procurar um especialista para diagnóstico preciso e indicação de
tratamento adequado.
Drauzio – Você acha que talvez muitos médicos ainda menosprezem esse tipo de
quadro de dor migratória e generalizada?
Lin Tchie Yeng – Nos Estados Unidos, até aproximadamente quatro anos atrás,
apenas 25% dos profissionais reconheciam a existência de fibromialgia. No Brasil, a
tendência maior tem sido atribuir a causa dessa dor a fatores de ordem psicológica ou
familiar. Assim, é comum receber pacientes tratados sem sucesso durante cinco ou
seis anos e aos quais foi indicado consultar um psicólogo ou psiquiatra.

OUTROS SINTOMAS DA FIBROMIALGIA

Drauzio – Quando a dor está localizada em um único ponto, o que a faz suspeitar de
fibromialgia?
Lin Tchie Yeng – A dor é apenas um sintoma e é preciso descobrir suas possíveis
causas. Se a pessoa se posiciona mal diante da escrivaninha ou do computador, usa
travesseiros inadequados, ou dorme de mau jeito, pode sentir dores no pescoço ou
nas costas que tendem a desaparecer quando eliminados os fatores desencadeantes.
No entanto, se a dor não melhora ou melhora pouco, é recidivante e não responde de
maneira satisfatória aos tratamentos convencionais, médico e paciente devem levantar
a possibilidade de um caso de fibromialgia.
Outro indício da doença é existirem, quase sempre, vários pontos dolorosos. Algumas
vezes, a dor predomina numa região, mas podem doer todos os músculos do corpo.
No exame clínico, o paciente só não se queixa de dor na testa; o resto dói tudo. Além
desses, a presença de sintomas como cansaço, falta de energia e ausência de sono
reparador deve ser levada em conta para o diagnóstico da doença.

ESPECIFICIDADE DO EXAME CLÍNICO

Drauzio – Como deve ser o exame clínico de um paciente com suspeita de


fibromialgia?
Lin Tchie Yeng – O primeiro passo é fazer um exame físico e neurológico para afastar
a possibilidade de algumas miopatias, problemas neurológicos que podem induzir
cansaço e fraqueza muscular. Depois, é feita uma avaliação das estruturas
musculares, ósseas e dos ligamentos. Esses exames são fundamentais para descartar
outras doenças. Por fim, apalpam-se os 18 pontos dolorosos já mencionados para
fechar o diagnóstico. Alguns autores defendem que, havendo de nove a onze pontos
dolorosos, a doença está caracterizada.

MULHERES SÃO MAIS VULNERÁVEIS


Drauzio – Como explicar que as mulheres representem 90% dos casos da doença?
Lin Tchie Yeng – São várias as razões. O sistema nervoso das mulheres produz
menos serotonina e por isso elas também estão mais propensas à depressão. Além
disso, por questões hormonais, durante a tensão pré-menstrual, tudo fica mais
sensível na mulher. Outro fator repousa na dupla jornada de trabalho feminina. Hoje,
as mulheres trabalham fora, mas continuam responsáveis pela execução de tarefas
dentro de casa. Sobrecarregadas, pouco tempo lhes sobra para o repouso, o que
facilita a incidência maior de dor pelo corpo. Cefaleia e dor nas costas, assim como as
manifestações psicossomáticas, também são mais comuns entre as mulheres. Todos
esses fatores somados justificam a maior incidência de fibromialgia entre elas.

PROCESSAMENTO INADEQUADO DOS ESTÍMULOS AMBIENTAIS

Drauzio – Você disse que a fibromialgia não provoca apenas dores musculares. Há
alterações de sono e no funcionamento dos intestinos, por exemplo. Essas alterações
associadas à dor muscular estão sempre presentes?
Lin Tchie Yeng – Não necessariamente, mas entre 50% e 80% dos casos algumas
dessas queixas estão associadas à dor muscular. Na verdade, essas alterações
sugerem que não está havendo um processamento adequado dos estímulos dolorosos
que vêm do ambiente. A dor piora se vai chover ou faz frio e o estresse também
aumenta a vulnerabilidade à dor.
Drauzio – Qual é o peso da falta de sono reparador nessa patologia?
Lin Tchie Yeng – Existe uma relação muito próxima entre dor e falta de sono, uma vez
que ela é uma das principais causas da alteração do sono e que quem dorme mal fica
mais susceptível à dor.

LIMIAR MAIS BAIXO DA DOR

Drauzio – O mecanismo da dor é absolutamente necessário à sobrevivência e evoluiu


para que ela impeça agressões ao funcionamento do corpo. Pode-se dizer, então, que
os doentes com fibromialgia têm um limiar mais baixo de dor?
Lin Tchie Yeng – Perfeitamente. Numa pessoa saudável, por exemplo, não geraria
desconforto na região lombar ficar sentada por algum tempo numa postura errada,
porque o sistema supressor de dor funciona a contento usando endorfinas e a
serotonina produzidas pelo organismo.
Para as pessoas com fibromialgia, esses estímulos são processados de forma
diferente e, em geral, resultam em dor. Além de o limiar ser mais baixo, o sistema
supressor de dor funciona menos.
Sabe-se, atualmente, que nas mulheres existe uma predisposição genética familiar
não verificada nos homens. Mulheres com fibromialgia, se pesquisarem em suas
famílias, descobrirão parentes próximos com queixas semelhantes de dor pelo corpo.
A soma desses fatores é responsável pelos quadros de dor crônica.
POSSIBILIDADES DE TRATAMENTO

Drauzio – Pessoas com fibromialgia possuem mecanismo do estímulo nervoso


alterado e percepção em certas áreas do sistema nervoso central também alterada.
Como o tratamento pode equilibrar mecanismos tão diversos e complexos como
esses?
Lin Tchie Yeng – Prescrever apenas analgésicos não é o suficiente. O tratamento
clássico envolve antidepressivos em doses menores do que as indicadas para a
depressão, uma vez que os neurotransmissores da dor e da depressão no sistema
nervoso são muito similares ou, às vezes, os mesmos. Quando se receitam esses
medicamentos, os pacientes precisam ser informados de suas propriedades
específicas para garantir a adesão ao tratamento.
Atividade física também é um elemento importante para melhorar o sistema supressor
da dor, pois estimula a sensação de plenitude, conforto e satisfação.

ASSOCIAÇÃO DE MEDICAMENTOS

Drauzio – Isoladamente, os anti-inflamatórios cujo uso contínuo acaba apresentando


efeitos colaterais indesejáveis não resolvem o problema da dor e por isso devem ser
associados aos antidepressivos?
Lin Tchie Yeng – Com o uso exclusivo de anti-inflamatórios, a dor melhora por uns
tempos, mas torna a aparecer. No tratamento da fibromialgia, medicação ajuda, mas
não é o suficiente. É importante trabalhar com o lado físico e psicológico do paciente.
Por isso, os antidepressivos representam uma primeira e conveniente opção.
Associados aos analgésicos e anti-inflamatórios, diminuem os sintomas da dor. No
entanto, pacientes com fibromialgia ou dores crônicas requerem abordagem
multidisciplinar para que o tratamento apresente resultados mais eficientes.
Drauzio – Fazer o diagnóstico de fibromialgia e prescrever medicamentos
antidepressivos associados a anti-inflamatórios pode ser uma conduta apenas parcial,
porque esses pacientes exigem uma abordagem mais ampla. O que você aconselha
nesses casos?
Lin Tchie Yeng – Nos casos de espasmos ou tensão muscular, por exemplo, há
necessidade de um tratamento específico. Massagens e acupuntura podem ser
métodos interessantes, só que não adianta tornar os pontos dolorosos inativos se não
forem feitos exercícios de alongamento e para corrigir a postura. Posteriormente, deve
ser indicado ainda um programa de condicionamento físico. Todos os trabalhos
demonstram que sozinha a medicação, em geral, é insuficiente como medida
terapêutica. Ela precisa estar associada a atividades físicas permanentes.
É também importante estar atento às alterações de sono desses pacientes. Os
antidepressivos têm a vantagem de regular os períodos de sono. Alguns deles, porém,
os mais modernos, devem ser tomados de manhã, porque interferem em
determinadas fases do sono o que não acontece com os tricíclicos, como a
amitriptilina, que podem ser tomados à noite porque contribuem para o relaxamento
muscular e ajudam a dormir.

EXECÍCIOS FÍSICOS E ACUPUNTURA

Drauzio – Que tipo de exercício físico é mais indicado para esses pacientes?
Lin Tchie Yeng – Todos esses pacientes precisam ser avaliados individualmente.
Entretanto, de maneira geral, os exercícios de relaxamento e alongamento são muito
importantes, como é importante orientar a postura no trabalho, em repouso, nas
atividades de lazer e o condicionamento físico para fortalecer o sistema
cardiovascular. Carregar pesos costuma piorar a dor.
Vencida a fase dolorosa, além desse programa de exercícios, os médicos costumam
recomendar ioga, hidroginástica e caminhadas.
Drauzio – Exercícios de maior impacto como levantamento de pesos, corridas, etc. são
desaconselháveis para essas pessoas?
Lin Tchie Yeng – Para essas pessoas que apresentam maior sensibilidade à dor, é
melhor indicar exercícios de menor impacto. Hoje, se fala muito em Pilates, um
método de trabalho físico que envolve ou não alguns aparelhos. Na verdade, é muito
parecido com alongamento global e condicionamento físico. A dança mostrou ser outra
atividade interessante para os pacientes atendidos no Hospital das Clínicas. Eles
ouvem música e vencem o medo de se mexer e sentir dor. Ali, a receptividade dessas
aulas tem sido muito boa, porque os pacientes saem com a cabeça mais leve e o
corpo mais relaxado.
Drauzio – Acupuntura ajuda nos casos de fibromialgia?
Lin Tchie Yeng – A acupuntura estimula o sistema supressor da dor. Alguns pacientes
com fibromialgia, porém, precisam receber um número menor de agulhas, porque são
mais sensíveis à dor das picadas.

CONTROLE E REMISSÃO DA DOENÇA

Drauzio – Fibromialgia é uma doença crônica. Como costuma evoluir no decorrer dos
anos?
Lin Tchie Yeng – Alguns trabalhos mostram que o mais importante nessa doença é
fazer o diagnóstico. Saber o que tem deixa a pessoa mais tranquila, pois é complicado
sentir dores sem nenhuma causa aparente. Como a mídia tem tratado frequentemente
do assunto, alguns pacientes se diagnosticam corretamente antes de ir ao médico.
Todavia, eles precisam saber que têm uma disfunção de regulação da dor provocada
por distúrbios físicos e psicológicos, e precisam aprender a lidar com ela visando à
melhora de sua qualidade de vida. Precisam conhecer a proposta de tratamento que
inclui medicação e atendimento psicológico e emocional.
Drauzio – Alguns doentes ficam curados?
Lin Tchie Yeng – A fibromialgia não é necessariamente uma doença crônica. É como o
diabetes e a hipertensão arterial para os quais existe controle dos sintomas. Já foram
registrados casos em que houve uma exacerbação da enfermidade por causa de um
episódio de estresse agudo. A vida corria tranquila, mas algo aconteceu, quebrou o
equilíbrio e veio a crise. Por outro lado, há pacientes que conseguiram a remissão
seguindo corretamente o tratamento. Essa remissão, porém, não será definitiva se não
houver a correção dos fatores desencadeantes.
Drauzio – Então, não há necessidade de manter a medicação indefinidamente como
se faz com o diabetes e a hipertensão?
Lin Tchie Yeng – Pacientes que conseguem controlar os fatores que desencadeiam a
dor e os que a suprimem podem necessitar de pequena dose de antidepressivos só
para estimular o sistema supressor. Aqueles que conseguem manter o equilíbrio com
outras atividades podem prescindir desses medicamentos.
É importante lembrar que episódios agudos podem ocorrer esporadicamente, mas isso
não significa que tenha havido uma recaída séria. Às vezes, basta corrigir o fator que
desencadeou o processo para que o equilíbrio seja retomado.

REPERCUSSÕES PSICOLÓGICAS

Drauzio – Dores diárias, constantes, acompanhadas de cansaço, mau funcionamento


do intestino, sono irregular podem ter repercussões psicológicas sérias. Em que
medida a psicoterapia ajuda essas pessoas?
Lin Tchie Yeng – A psicoterapia ajuda a pessoa a entender e reduzir os fatores
desencadeantes. Hoje, em vez da psicoterapia clássica muito difundida no Brasil,
defende-se a utilização das terapias cognitivo-comportamentais que buscam modificar
a percepção do que acontece ao redor e o comportamento. Se o paciente
compreender a causa da doença e desenvolver hábitos e comportamentos
adequados, saberá lidar melhor com os episódios dolorosos.

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