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O Fim Da Narrativa Da Narrativa Progressista Na América Do Sul PDF
O Fim Da Narrativa Da Narrativa Progressista Na América Do Sul PDF
Mendes
Ricardo Nery Falbo
Michael Teixeira
(Organizadores)
Editar
2016
Copyright by Alexandre F. Mendes, Ricardo Nery Falbo e Michael Teixeira
(Organizadores)
2016
Capa
Márcia Geruza
Nina Vieira
Revisão
Rogéria Carvalho
Projeto gráfico
André Luiz Gama
Editoração e impressão
Editar Editora Associada
(32) 3213-2529 / 3241-2670
Juiz de Fora – MG
Dados internacionais de catalogação na publicação
M534o Mendes, Alexandre F.
F177o Falbo, Ricardo Nery
T262o Teixeira, Michael
ISBN: 978-85-7851-158-6
CDD 340
CDU 34
Apoio:
Alexandre F. Mendes
Professor Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro - UERJ. Doutor em Direito pela Universidade do Estado
do Rio de Janeiro - UERJ (2012). Mestre em Criminologia e Direito Penal
pela Universidade Cândido Mendes - UCAM (2007). Graduado em Direito
pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ (2004). Foi Defensor
Público do Estado do Rio de Janeiro, entre 2006 e 2011, tendo coordenado o
Núcleo de Terras e Habitação (2010). Linhas de pesquisa: Filosofia política e
direito; movimentos sociais urbanos e direito à cidade. Publicou, com Bruno
Cava, o livro “A vida dos direitos. Violência e Modernidade em Foucault e
Agamben (2008).
Michael Teixeira
Acadêmico de Direito no 8º período na Faculdade de Direito da UERJ,
atualmente em mobilidade acadêmica por 1 ano (2016-2017) no Instituto
de Estudos Políticos de Rennes – Science Po (França). Editor executivo da
Revista da Faculdade de Direito da UERJ – RFD (qualis A2), e da Revista
Contexto Jurídico. É coordenador de Ensino e Pesquisa da Federação Nacional
de Estudantes de Direito. Foi bolsista do programa Jovem Pesquisador no
Centro de Justiça e Sociedade (CJUS) da FGV Direito Rio (2014-2015),
tendo pesquisado nas áreas de Direito Constitucional e Políticas Públicas,
Ciência Política, Direito Global (Internacional Público e Privado), Processo
legislativo e DIREITOS HUMANOS. Co-fundador e voluntário no projeto
social Escola de Direitos.
Autores
Bruno Cava
Bruno Cava é blogueiro e pesquisador associado à Universidade Nômade,
autor de A multidão foi ao deserto (2013). É graduado e mestre em direito
pela UERJ, e graduado e pós-graduado em engenharia de infraestrutura
aeronáutica pelo ITA.
Salvador Schavelzon
Atualmente atua como Professor e Pesquisador na Universidade Federal
de São Paulo. É Doutor em Antropologia Social pelo Museu Nacional da UFRJ
(2010). Possui graduação em Ciencias Antropológicas pela Universidad de
Buenos Aires (2003), mestrado em Sociologia e Antropologia pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (2006) e atuou como professor e pesquisador visitante
na Universidade de Califórnia (Davis). Título da Tese de doutorado: ?A
Assembléia Constituinte da Bolívia: Etnografia de um Estado Plurinacional?,
publicada como livro na Bolívia em 2012, com nova versão editada em 2013.
Tem publicações sobre Cosmopolítica Indígena, Antropologia do Estado,
Estados Plurinacionais, América Latina, Teorias Nativas sobre o Estado.
Giuseppe Cocco
Possui graduação em Sciences Politiques - Universite de Paris VIII
(1984), graduação em Scienze Politiche - Università degli Studi di Padova
(1981), mestrado em Science Technologie et Société - Conservatoire National
des Arts et Métiers (1988), mestrado em História Social - Université de Paris
I (Panthéon-Sorbonne) (1986) e doutorado em História Social - Université
de Paris I (Panthéon-Sorbonne) (1993). Atualmente é professor titular da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, membro da Pós-Graduação da Escola
de Comunicação e do Programa em Ciência de Informação (Facc-Ibict),
Pesquisador 1 do CNPq, Cientista do Nosso Estado (Faperj), é editor das
revistas - Global Brasil, - Lugar comum (1415-8604) e - Multitudes (Paris)
(0292-0107). Coordena as coleções <> (ed. DP&A) e << A Política no
Império>> (Civilização Brasileira). Tem experiência na área de Planejamento
Urbano e Regional, com ênfase em Política Urbana, atuando principalmente
nos seguintes temas: trabalho, comunicação, globalização, cidade, fordismo e
cidadania.Publicou com Antonio Negri o livro GlobAL: Biopoder e lutas em
uma América Latina globalizada, (Record:2005). O último livro publicado é
KORPOBRAZ:Por uma política dos corpos (Mauad, 2014).
Barbara Szaniecki
Professora Adjunta na Escola Superior de Desenho Industrial da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro, possui graduação em Graduação em Comunicação
Visual pela École Nationale Supérieure des Arts Décoratifs (1994), Mestrado
(2005) e Doutorado (2010) em Design pela Pontificia Universidade Catolica. Tem
ampla experiência prática na área de Design Gráfico. Atualmente é co-editora das
revistas Lugar Comum - estudos de mídia, comunicação e cultura (Universidade
Nômade, Rio de Janeiro), Multitudes - revue politique, philosophique et artistique
(Paris) e Redobra (FAU/UFBA). Suas pesquisas têm ênfase nas relações entre
Design Gráfico (em particular do cartaz) e conceitos políticos como: multidão,
poder e potência, manifestação e representação. Desenvolveu pesquisa de pós-
doutorado intitulada “tecnologias digitais e autenticidade: o estatuto da imagem
fotográfica na linguagem visual contemporânea” na Escola Superior de Desenho
Industrial da UERJ. É autora dos livros Estética da Multidão (editora Civilização
Brasileira, 2007) e Disforme Contemporâneo e Design Encarnado: Outros
Monstros Possíveis (editora Annablume, 2014).
Clarissa Naback
Doutoranda em direito no programa de pós graduação de Teoria do
Estado e Direito Constitucional da Pontífice Universidade Católica do Rio
de Janeiro (PUC-RIO). Cursou o mestrado em Teoria do Estado e Direito
Constitucional na PUC-Rio. Graduada em Direito pela Faculdade Nacional
de Direito (FND) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Já desenvolveu pesquisas na área de teoria da comunicação e direito à
comunicação. Atualmente pesquisa conflitos urbanos e direito à cidade, pela
sociologia urbana e filosofia política.
Clarissa Moreira
Professora da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Federal Fluminense (UFF). Doutora em Filosofia da Arte e da Arquitetura
pela Universidade de Paris I, Panthéon-Sorbonne (2007).
Alexandre Magalhães
Mestre em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de
Janeiro (IUPERJ) e doutor em Sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e
Políticos (IESP).
Diana Bogado
Diana Bogado é mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade
Federal Fluminense, doutoranda em Arquitetura e Urbanismo na Universidade
de Sevilha, Espanha e é professora da Universidade Anhanguera
8
estão na origem do esfacelamento do progressismo e de sua desconexão
com os movimentos constituintes que lhe deram impulso (guerra da
água e do gás na Bolívia, as mobilizações dos piqueteros argentinos,
os novos movimentos sociais brasileiros e o Fórum Social Mundial, o
movimento indígena e as insurgências urbanas no Equador, o caracazo
venezuelano etc.)
O deslocamento, cada vez mais intenso, entre os governos
constituídos na década de 2000 e as forças sociais constituintes, acaba
encontrando nas cidades e metrópoles latino-americanas um novo
terreno de contestação. Novas marchas e lutas por espaços comuns,
resistências contra as remoções forçadas, revoltas dos trabalhadores
das barragens e das grandes obras, a emergência de mobilizações
“heterodoxas” à esquerda tradicional, em suma, novos conflitos que
passam a tecer uma relação intensiva entre as capitais hiper-urbanizadas
e as pequenas cidades hibridizadas na floresta (um fio invisível entre
TIPNIS, Yasuni, Jirau, Vila Autódromo, Isidoro, Cocó, Largo Glênio
Peres etc.).
Nessa linha, o segundo conjunto de textos traz à tona, em diversas
perspectivas, o polvilhar de resistências no interior do ciclo progressista
que, de um lado, expõem os pactos “por cima” realizados por todos os
governos em prol de uma nova forma de acumulação cuja centralidade é
o espaço urbano e, de outro, apontam para formas singulares de viver a
cidade que desafiam o consenso modernizador e suas técnicas recicladas
de “governança”.
As lutas de Porto Alegre (que evidenciam o esgotamento do modelo
“participativo” de gestão pública), os embates no contexto das novas
operações urbanas do Rio de Janeiro e de Niterói (que funcionam como
um novo mecanismo de expropriação do público e de segregação de
trabalhadoras pobres, como no caso das prostitutas do prédio da Caixa
Econômica), a luta emblemática dos moradores da Vila Autódromo
(que diante da trincheira da “Barra Olímpica” afirma outras formas de
viver a cidade e de re-existência diante da violência das remoções), a
memória da resistência dos moradores da Maré no interior das ações de
urbanização propostas verticalmente pelo Estado no final da década de
1970 (que enfrentou a ainda atual e autoritária pretensão de “civilizar”
os favelados por meio da intervenção urbanística no território).
9
Assim, longe de repetir a velha fórmula que vai do geral para o
particular, o livro oferece ao leitor dois platôs de análise que poderão
ser recombinados entre si, destacados de sua primeira “origem”,
associados a outras pesquisas que estão em andamento ou, talvez o mais
importante, poderão ser usados na constituição de saberes políticos e
coletivos que nos auxiliem a enfrentar a atual crise e seus ainda nebulosos
prolongamentos.
Por fim, registramos os nossos agradecimentos à Fundação Carlos
Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ),
pelo apoio financeiro através do edital APQ2/2015, aos professores
Maurício Siqueira e Giuseppe Cocco, que integraram o evento aos
colóquios organizados anualmente na Fundação Casa de Rui Barbosa
(FCRB), ao professor Guilherme Leite Gonçalves, que coordenou as
aulas públicas da Faculdade de Direito da UERJ, ao professor Bruno
Cava, que palestrou por transmissão online no período de suas férias,
aos professores e pesquisadores Salvador Schavelzon, Marcio Taschetto
e Guilherme dal Sasso, que se deslocaram de seus estados para estarem
presentes no encontro, a todos os palestrantes e autores que colaboraram
com o livro e, especialmente, ao discente Felipe Lima (UERJ), pelo
apoio imprescindível.
Os organizadores
10
Sumário
Apresentação......................................................................................................... 7
Os organizadores
16
Bruno Cava
17
Podem os governos progressistas sobreviver ao próprio sucesso?
18
Bruno Cava
19
Podem os governos progressistas sobreviver ao próprio sucesso?
20
Bruno Cava
21
Podem os governos progressistas sobreviver ao próprio sucesso?
22
Bruno Cava
23
Podem os governos progressistas sobreviver ao próprio sucesso?
24
Bruno Cava
LOBO SUELTO, “O país banal”, editorial do blogue Lobo suelto, 21 de setembro de 2015.
34
Disponível em http://anarquiacoronada.blogspot.com.br/2015/11/o-pais-banal.html
25
El progresismo sudamericano frente a
su otro
Salvador Schavelzon35
Introducción
En los últimos años vimos como en varios aspectos el progresismo
sudamericano se acercó en su forma de gobernar a un lugar peligrosamente
– para su continuidad – parecido a lo que años antes había surgido para
superar. Líderes sindicalistas, economistas de izquierda, oposiciones
políticas al neoliberalismo habían llegado al lugar de la gestión atrás
de candidaturas progresistas o como resultado de una construcción
política impulsada por organizaciones sociales. Los gobiernos alcanzarían
estabilidad, y encontrarían espacio político para ampliar políticas
públicas con énfasis en lo social. El contraste que establecieron con las
administraciones conservadoras de la década que les antecedía, sin embargo,
se iría desdibujando y, aunque se mantenía como lugar de enunciación, en
los hechos perdería fuerza.
Lejos de que un momento positivo en la economía y de consolidación
política abriera un momento de cambios más profundos y de multiplicación
de políticas que contaban con el apoyo de las mayorías, un modelo que
afirmó haber creado una nueva clase media, que celebraba el aumento
del consumo y que se reencontraba cada vez más con herencias de un
desarrollismo nacionalista de otras décadas, empezaría a mostrar distintos
límites. Por un lado, se mostraría la imposibilidad de realizarse, a pesar de
35
Atualmente atua como Professor e Pesquisador na Universidade Federal de São Paulo. É
Doutor em Antropologia Social pelo Museu Nacional da UFRJ (2010). Possui graduação em
Ciencias Antropológicas pela Universidad de Buenos Aires (2003), mestrado em Sociologia
e Antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2006) e atuou como professor
e pesquisador visitante na Universidade de Califórnia (Davis). Título da Tese de doutorado:
A Assembleia Constituinte da Bolívia: Etnografia de um Estado Plurinacional?, publicada
como livro na Bolívia em 2012, com nova versão editada em 2013. Tem publicações sobre
Cosmopolítica Indígena, Antropologia do Estado, Estados Plurinacionais, América Latina,
Teorias Nativas sobre o Estado.
El progresismo sudamericano frente a su otro
28
Salvador Schavelzon
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El progresismo sudamericano frente a su otro
30
Salvador Schavelzon
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El progresismo sudamericano frente a su otro
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Salvador Schavelzon
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El progresismo sudamericano frente a su otro
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Salvador Schavelzon
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El progresismo sudamericano frente a su otro
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Salvador Schavelzon
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El progresismo sudamericano frente a su otro
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Salvador Schavelzon
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El progresismo sudamericano frente a su otro
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China e Brasil no olho da crise
Giuseppe Cocco36
Bruno Cava37
42
Giuseppe Cocco e Bruno Cava
43
China e Brasil no olho da crise
44
Giuseppe Cocco e Bruno Cava
A inflexão chinesa
A inflexão (ou crise) do modelo chinês de desenvolvimento é delicada
por causa de suas variáveis internas e sobretudo dessa absoluta inscrição nos
fluxos globais. Não se trata de uma questão “chinesa”, mas imediatamente
global e isso já nos antecipa a clivagem que queremos investigar: um
mundo que vai além do sistema interestatal. Para a América do Sul, essa
“mudança” e seus desafios constituem uma oportunidade para aprofundar
o debate sobre a economia global e sistema-mundo para apreender, ao
mesmo tempo, o esgotamento da governança neoliberal da globalização e
o fracasso das tentativas de saída neodesenvolvimentista.
A economia chinesa já se tornou “muito importante e grande
(demais) para fracassar: nenhum outro lugar – nem a Índia, a Rússia
ou o Brasil – oferece a escala e o potencial da China”45. Por um lado, os
riscos são internos ao modelo chinês e à narrativa que, pelo que parece,
proporcionou até agora o mix de loyalty and voice46 suficiente ao Partido
Comunista para manter-se no poder. Pelo outro, a trajetória chinesa tem
impactos gerais na economia global e, particularmente, nas economias
emergentes especializadas na exportação de commodities, como a quase
totalidade da América do Sul, pondo em risco projetos, investimentos e
circuitos econômicos em via de consolidação.
Isto não significa, como se poderia supor à primeira vista, que haja
uma dependência ferrenha entre os governos progressistas e o governo
chinês, nos termos dos teóricos da troca desigual ou do “desenvolvimento
do subdesenvolvimento”. O paradoxo é que a entrada da China se dá
mediante projetos executados de maneira integrada e planificada pelas
políticas estratégicas dos governos progressistas. Quer dizer, os próprios
governos interpretam a chegada da China como oportunidade para o
aumento e não redução do grau de soberania de sua presença no SIC, mas
de fato aprofundam a dependência47. A dependência chinesa se insere,
45
Vivian Oswald, entrevista a Kerry Brown, “A China é muito importante e grande para
fracassar”, Valor-Eu, 29 de janeiro de 2016.
46
Alberto O. Hirschman, Exit, Voice and Loyalty, Harvard, 1970.
47
Tome-se, por exemplo, o megaprojeto do Arco Norte na frontier amazônica do Brasil, que
prevê um circuito integrado de portos, hidrovias, redes de transmissão, barragens e vias inter-
oceânicas (a “Estrada do Pacífico”), integrando um gigantesco complexo agromineral, focado
na extração de soja, milho e minérios. Como alerta Camila Moreno, tal entrada violenta do
fator China na Amazônia exacerba contradições e dissemina conflitos por todos os ecossistemas
e comunidades envolvidos. Diante dessa revolução permanente do capital, difícil não pensar na
perspectiva do Antropoceno ou nas palavras de Marx e Engels, no Manifesto Comunista, sobre a
45
China e Brasil no olho da crise
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Giuseppe Cocco e Bruno Cava
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China e Brasil no olho da crise
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Giuseppe Cocco e Bruno Cava
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China e Brasil no olho da crise
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Giuseppe Cocco e Bruno Cava
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China e Brasil no olho da crise
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Giuseppe Cocco e Bruno Cava
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China e Brasil no olho da crise
54
Giuseppe Cocco e Bruno Cava
Ibid., p. 31.
75
Vanessa Jurgenfeld (entrevista a Aldo Ferrer), “Crise industrial leva países para periferia da
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China e Brasil no olho da crise
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Giuseppe Cocco e Bruno Cava
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China e Brasil no olho da crise
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Giuseppe Cocco e Bruno Cava
59
China e Brasil no olho da crise
60
Giuseppe Cocco e Bruno Cava
living below the poverty threshold in 2013. Informally levels are also high,
with around half middle-sector workers in the informal sector”92.
O que resta da dinâmica política dos novos governos na América
do Sul e da pujança econômica dos BRICS é, por um lado, a tradução
diplomática e geopolítica das relações entre Brasil, Rússia, Índia, China e
África do Sul e, pelo outro, a incontornável presença chinesa no panorama
da economia global e particularmente na economia latino-americana. Já na
ocasião da cúpula de Fortaleza – em 2014, antes da crise brasileira explodir
–, o Conselho dos think tanks oficiais dos BRICS preparou um documento
conjunto no qual se apontam alguns desafios e riscos93. O primeiro deles
é que na realidade o grupo dos BRICS seja fortemente marcado pela
assimetria entre países de escalas e realidades tão diferentes e assim se
converta num grupo de “China + 4” com a consequente convergência de
sua dinâmica em torno dos interesses da economia mais forte do grupo. Isso
implica que a consolidação diplomática do BRICS como nova realidade
de relações internacionais de tipo Sul-Sul só poderá se concretizar como
tal se esse âmbito promover reais convergências de interesses entre todos os
países. Mas isso leva para o segundo risco, quer dizer o fato que o menor
ritmo de crescimento das economias emergentes possa afetar seu empenho
em promover convergência. A transformação desse crescimento menor em
crise aberta – como no caso do Brasil e como pode acontecer também com
a China – pode chegar a afetar não apenas as vontades mas também as
capacidades de convergência. A construção do Banco de Desenvolvimento
se mostra assim, ao mesmo tempo, urgente e conturbada, pois ele poderá
logo ser chamado a atuar em situações de urgência e com isso correrá o
risco de não conseguir se consolidar como instituição financeira94.
“China has been – and will continue to be – a game changer for
the region”95. At the same time, “the world’s economic centre of gravity
has shifted away from OECD economies towards emerging economies
during the past two decades”. This is the phenomenon called “shifting
wealth”. By these changes, the relationship between Latin American
countries and China passed to involve much more then only trade. More
than a shift towards emerging economies, we had a shift towards China
economy challenging Latin American countries to face this new reality.
92
Latin American Economic Outolook 2016 – Towards a new partnership with China, OECD –
CAF – ECLAC/UN, Paris, 2016, pp. 22-3.
93
Towards a long-term strategy for BRICS - A proposal by the BRICS Think Tanks Council,.
94
Renato Baumann, “Os Brics e sua imagem”, Valor, 7 de julho de 2015.
95
Cit., p.17.
61
China e Brasil no olho da crise
96
Giorgio Agamben, La comunità che viene, Bollati – Boringhieri, Torino, 2001, p. 67.
62
A travessia de Eder Sader: da grande
tarefa aos pedaços de experiência
Alexandre F. Mendes97
Introdução
O resgate, através deste texto, da trajetória teórico-política do
sociólogo brasileiro Eder Sader possui um duplo significado: primeiro, é
uma homenagem pelos 75 anos de seu nascimento, completados, de forma
quase silenciosa98, em 07 de agosto deste ano; segundo, na linha de reflexão
deste Seminário, é uma tentativa de trazer para a atualidade um tipo de
abordagem – um olhar – que poderia nos auxiliar no enfrentamento do fim
do ciclo político iniciado, em 1988, na denominada “Nova República”.
A vida de Eder Sader, como a de outros militantes políticos da sua geração,
foi atravessada por perseguições, exílios, sofrimentos e dilemas intermináveis.
Ele assistiu, no interior das agitações latino-americanas da década de 1960, ao
progressivo desmoronamento das utopias que marcaram a sua época e ao seu
posterior esfacelamento em uma miríade de fragmentos perdidos, dispersos e
corroídos pela confusão e pela violência dos acontecimentos.
E como ele resistiu? Como ele caminhou pela tormenta? A travessia
de Eder é marcada pela paulatina descoberta de que o tempo-longo de uma
grande derrota pode ser formado também por uma série de temporalidades
intensivas e de “pedaços” de experiências que permitem novas aberturas e
possibilidades. Não nos referimos aqui a uma descoberta arquimediana,
através da qual a verdade vem à tona na forma de uma solução redentora.
Foi preciso fabricar, juntando retalhos, e com o empurrão de múltiplas e
descontínuas trajetórias de luta, as ferramentas que irão captar a emergência
de novos personagens que resistiam nas conjunturas mais adversas.
97
Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UERJ.
98
Podemos citar, como exceção, o prêmio CLASCO Eder Sader instituído em 2014, que
selecionou artigos acadêmicos, publicando-os em 2016. Cf. TAVARES, A. et al. Movimentos
populares, democracia e participação social no Brasil [et al.]; prólogo de César Barreira. Ciudad
Autónoma de Buenos Aires: CLACSO, 2016.
A travessia de Eder Sader: da grande tarefa aos pedaços de experiência
64
Alexandre F. Mendes
65
A travessia de Eder Sader: da grande tarefa aos pedaços de experiência
66
Alexandre F. Mendes
67
A travessia de Eder Sader: da grande tarefa aos pedaços de experiência
113
SADER, E. Marxismo e teoria da revolução operária. 2a edição. São Paulo: Ática, 1991.
114
Id. Ibidem, p. 55
115
Id. Ibidem, p. 56
116
Id. Ibidem.
117
Id. Ibidem, p. 57
68
Alexandre F. Mendes
69
A travessia de Eder Sader: da grande tarefa aos pedaços de experiência
70
Alexandre F. Mendes
71
A travessia de Eder Sader: da grande tarefa aos pedaços de experiência
72
Alexandre F. Mendes
73
A travessia de Eder Sader: da grande tarefa aos pedaços de experiência
134
Id. Ibidem.
135
Id. Ibidem, p. 313.
136
Id. Ibidem.
137
Id. Ibidem.
138
Id. Ibidem.
74
Alexandre F. Mendes
75
A travessia de Eder Sader: da grande tarefa aos pedaços de experiência
76
Alexandre F. Mendes
Mas como qualificar este “fim”? Por que temos a impressão de viver o
esgotamento profundo de um ciclo? É aqui que a chave de leitura operada
por Eder, e o exemplo dos próprios dilemas políticos enfrentados em sua
trajetória, podem nos ajudar em muitas direções. No mínimo, precisaríamos
realizar uma nova travessia, reunindo “pedaços” de experiências vividas nos
últimos anos, recusando o imobilismo dos velhos personagens que não
admitem sair de cena e buscando encontrar as novas subjetividades que
emergem no contexto da crise.
É do próprio léxico e dos problemas levantados por Eder Sader que
alguns elementos para futuras reflexões podem ser pontuados:
a) Autonomia: perceber a crise como o esgotamento da possibilidade
de manter em aberto uma dimensão instituinte que permita que os novos
sujeitos políticos possam continuar elaborando suas trajetórias e lutas
através de uma “voz própria”, que na verdade se articula polifonicamente
com muitas vozes produzidas desde baixo. Os últimos anos indicam que
a realidade dos próprios movimentos sociais que surgiram na década de
1980 pode ser vista como sintoma dessa crise. Incapazes de reelaborem
suas lutas através de novas práticas autônomas, acabam subordinados a
governos, burocracias ou instâncias decisivas cada vez mais externas aos
problemas reais enfrentados por seus integrantes;
b) Comum: a relação entre estado e mercado, como pressentia Eder
Sader, foi rearticulada através de novas formas de gestão que eliminaram
qualquer forma de participação ou de questionamento das decisões sobre
projetos e investimentos. A resposta brasileira à crise global de 2008 foi
reforçar dinâmicas desenvolvimentistas híbridas que mesclaram uma
imposição estatal de grandes projetos, com novas formas de privatização
e empresariamento dos espaços comuns das cidades e das florestas. A
aposta de resgatar a mobilização produtiva “por cima” não só lançou o
Brasil para uma crise ainda mais profunda, como gerou um efeito de “rolo
compressor” contra qualquer tentativa de questionamento das decisões
tomadas. Perspectivas alternativas como o marco do bem viver ou de
políticas do comum foram esquecidas ou atropeladas pela utopia modernista
de um “Brasil Maior”;
c) Novos personagens entram em cena: as novas mobilizações indicam
que a heterogeneidade que marca os movimentos sociais dos anos 1980,
não só é estendida por toda a dinâmica de funcionamento das metrópoles,
politica/ultimas-noticias/2015/03/15/a-nova-republica-acabou-diz-filosofo-vladimir-safatle.
htm Acesso em 14 de outubro de 2016.
77
A travessia de Eder Sader: da grande tarefa aos pedaços de experiência
78
Alexandre F. Mendes
uma representação política que não guarda mais qualquer relação efetiva
com elas. A constituição de uma força política através das experiências
do ciclo de Junho se constitui como um enigma que diz respeito à
recuperação da autonomia das mobilizações sociais, à reinvenção da
forma-partido através da premissa, também comentada por Eder, de que
os movimentos transbordam e não são redutíveis aos partidos políticos
(que deveriam assumir um código aberto e renunciar às pretensões de
totalização) e à necessidade de uma reforma política que não seja forjada
no interior de uma representação política em crise e que tenha como
centro as multiplicidades emergentes.
f ) Autocrítica e dispersão da esquerda brasileira: se, no tempo de
Eder, a dispersão forçada da esquerda brasileira permitiu, de um lado,
um movimento de autocrítica (mesmo com toda a dramaticidade da
situação) de seu vanguardismo anterior e, nos caminhos intuídos por
essa dispersão, um posterior encontro com novas lutas e personagens, o
momento atual exige, paradoxalmente, um deslocamento semelhante.
Um exílio que, mesmo sem precisar atravessar fronteiras geográficas, não
deixa de se configurar como um êxodo necessário. Um exílio, digamos,
ontológico. Ele implica: a recusa de novas lógicas objetivantes que
impedem um olhar adequado sobre os novos movimentos (por exemplo,
derivando o vazio deixado por uma ausência de alternativa da ascensão de
uma “onda conservadora”); a recusa do falso conforto de uma “unidade de
esquerda” que, em vez de se constituir como contrapoder por dentro da
crise, opera, ao contrário, reforçando uma subordinação das mobilizações
e das aspirações difusas à agenda e aos formatos pré-determinados de suas
decadentes figuras representativas, em especial o Partido dos Trabalhadores
(PT); um questionamento do imobilismo da tradição organizativa que
funda esta “unidade” para imaginar novas experiências de ação comum e
autônoma (movimentos em rede, sindicatos sociais, confluências eleitorais
e partidos de novo tipo); por fim, a recusa, como afirmou Eder, de todas
as “representações instituídas” que promovem o desaparecimento das
subjetividades que lutam e nos impedem de perceber os fios das novas
organizações invisíveis que já estão em atuação.
Seis pontos que indicam o mesmo movimento: dispersar, fazer uma
nova travessia, empreender um êxodo. E, quem sabe, durante a caminhada,
nos pedaços de experiência, encontrar os novos personagens que entraram
em cena.
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A travessia de Eder Sader: da grande tarefa aos pedaços de experiência
Referências bibliográficas
ALQUATI, R. Sulla FIAT e altri scritti. Milano: Feltrinelli, 1975
CENTRO DE ESTUDOS VICTOR MAYER. POLOP: Uma trajetória de luta pela
organização independente da classe operária no Brasil. Salvador: CVM, 2009. Disponível
em: http://centrovictormeyer.org.br/wp-content/uploads/2010/04/Polop-Uma-trajetoria-
de-lutas.pdf Acesso em 04 de outubro de 2016.
CORREA, Lucas Andrade Sá. Esboço para a análise de um debate no exílio: O debate
entre Érico Sachs e Eder Sader. In: Anais do VIII Colóquio Internacional Marx Engels,
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Políticos, n. 26, México D.F.: Era, outubro-dezembro, 1980.
80
Alexandre F. Mendes
81
Junho antes de Junho: o ciclo de lutas
de Porto Alegre
Guilherme Dal Sasso145
Introdução
Para o bem ou para o mal, junho de 2013 permanece um marco
para entender como se deu o fim do ciclo progressista latino-americano
no Brasil. Por um lado, intelectuais ligados ao antigo governo enxergam
naqueles eventos “a semente do golpe”, ou na melhor das hipóteses, uma
esquerda radical e inconsequente que acabou por “fazer o jogo da direita”.
Por outro lado, outras análises buscam entender aquele levante como
sintoma do esgotamento do lulismo, talvez o último sintoma com potência
política. Nesse sentido, o presente capítulo é um esforço de recompor
alguns acontecimentos que antecedem junho de 2013 na cidade de Porto
Alegre, a partir de conflitos que se desenrolavam no tecido urbano a partir
das ações de novos atores políticos.
A hipótese que esboçamos é que os eventos narrados são experiências
de resistência contra a gestão local dos grandes projetos de desenvolvimento
nacionais e seus desdobramentos metropolitanos. Se a nível estadual
o Rio Grande do Sul era governado por Tarso Genro (PT), no plano
municipal José Fortunati (PDT) governou a cidade entre 2010 e 2016,
tendo assumindo a prefeitura depois que Fogaça (PMDB), prefeito entre
2004 e 2010, se licenciou para disputar o governo estadual. Como vemos,
todos figuras de algum modo ligadas ao consenso lulista. Suas políticas não
diferiam muito da tocada pela maioria dos prefeitos de grandes centros
urbanos no Brasil: tratava-se fundamentalmente de uma gestão neoliberal
local dos grandes projetos de desenvolvimento nacionais, a exemplo da
execução do Minha Casa Minha Vida conciliada com políticas de remoção
de vilas e ocupações urbanas; grandes obras de infraestrutura (duplicação
145
Possui graduação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2010). Tem
experiência na área de Comunicação, com ênfase em Jornalismo e Editoração.
Junho antes de Junho: o ciclo de lutas de Porto Alegre
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Guilherme Dal Sasso
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Junho antes de Junho: o ciclo de lutas de Porto Alegre
152
FAGUNDES, Ariel; RODRIGUES, Leandro H. Ilhados na Miséria. Jornal Tabaré. Porto
Alegre, 2 dez. 2011. Disponível em: <https://jornaltabare.wordpress.com/2011/12/02/ilhados-
na-miseria/>. Acesso em: 17 set. 2016.
153
AZEVEDO, Gustavo; GONZATTO, Marcelo. Vandalismo, drogas e sexo ao céu aberto.
Zero Hora. Porto Alegre, 4 março 2011. Disponível em: <http://ordemeliberdadebrasil.
blogspot.com.br/2011/04/sem-limites-vandalismo-drogas-e-sexo.html>. Acesso em: 17 set.
2016.
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Guilherme Dal Sasso
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Junho antes de Junho: o ciclo de lutas de Porto Alegre
por uma via que deveria ser um parque e separa um dos maiores pontos
turísticos do resto da cidade. É necessário frisar que, apesar de Porto
Alegre ser costeada pelo rio, são raros os espaços públicos onde se tem
livre acesso à orla. Desse modo, um só projeto municipal mais uma vez
impactava as tensões já descritas em torno de mobilidade urbana, espaços
públicos e também o meio-ambiente.
Quando a prefeitura iniciou os cortes, não contava que jovens que
passavam pelo local subissem nas árvores para impedir seu corte. O que
se seguiu foi uma mobilização puxada por alguns militantes que haviam
promovido o “Defesa Pública da Alegria” na véspera da Batalha do
Tatu. Convertido em coletivo com esse mesmo nome, o Defesa Pública
da Alegria passa a ser um grupo que atua “em defesa da cidade”. São
convocados atos em Defesa Pública das Árvores, num formato parecido ao
de ocupação do Largo Glênio Peres: eventos festivos com forte divulgação
que buscam uma ocupação sistemática de um local ameaçado. Em
seguida, ergueram acampamento no local, próximo também à Câmara
de Vereadores de Porto Alegre, que durou 43 dias, e impossibilitava o
seguimento das obras. No entanto, na madrugada da quarta-feira do dia
29 de maio, a Tropa de Choque invade de surpresa o acampamento e
prende todos manifestantes, que se encontravam dormindo, mesmo sem
esses terem cometido crime algum (o que foi inclusive confessado pelo
comandante da BM). O corte começou a ser realizado às 6h e acabou
antes mesmo do amanhecer. Hoje a Avenida encontra-se duplicada e
mais congestionada do que antes.
Em junho de 2013, quando as coisas começaram a esquentar em São
Paulo, o Bloco de Lutas voltou a convocar manifestações. À semelhança
do MPL, havia adquirido legitimidade e capacidade de mobilização,
sendo o principal responsável pelo chamamento dos atos. Não há,
entanto, um dia específico de ruptura no “espírito” da manifestação:
após os acontecimentos em São Paulo e o realinhamento do discurso
da mídia hegemônica, os protestos já contavam com a presença de
mais de 10 mil pessoas, algo extremamente raro em Porto Alegre.
O que se viu não fugiu à linha dos acontecimentos do resto do país:
multiplicidade de pautas e demandas, seguindo em torno das questões de
transporte, saúde e educação; movimentos feministas e LGBT se fazem
presentes com a pauta #ForaFeliciano; outros setores, considerados
“coxinhas”, mas principalmente de jovens “desorganizados”, se somam
com pautas anticorrupção (contra a PEC 37) e já se vislumbrava com
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Guilherme Dal Sasso
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Junho antes de Junho: o ciclo de lutas de Porto Alegre
160
PELBART, Peter Pal. Anota aí: eu sou ninguém. O Povo online. Fortaleza, 30 out.
2014. Disponível em: <http://www.opovo.com.br/app/opovo/vidaearte/2014/10/30/
noticiasjornalvidaearte,3339478/leia-artigo-do-filosofo-tradutor-e-professor-peter-pal-pelbart.
shtml>. Acesso em: 19 set. 2016.
96
Eleições municipais no Brasil.
O que nos dizem as urnas, o que nos
dizem as ruínas no Rio de Janeiro
Barbara Szaniecki161
Clarissa Naback162
Clarissa Moreira163
Introdução
As eleições municipais acabaram de acontecer, mas podemos desde já
tecer algumas considerações sobre seus resultados. Enquanto o Partido dos
Trabalhadores (PT) perdeu mais de 400 cidades (638 cidades em 2012, 254
em 2016), o PSDB, sua oposição, venceu em mais cidades (695 cidades
em 2012, 803 em 2016). E o PMDB, que é não é exatamente um partido
de centro, mas que está sempre no governo, restou estável (1021 cidades
em 2012, 1028 em 2016). Vale lembrar que o PMDB estava presente
no governo de Fernando Henrique Cardoso do PSDB de 1995 a 2002,
e permaneceu no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva do PT
de 2003 a 2010, ganhando ainda mais importância sob a presidência de
Dilma Roussef. Eleita em 2010 e reeleita em 2014, seu segundo mandato
foi recentemente interrompido por um processo de impeachment que foi
denunciado como um “golpe de estado” pelo PT e por seus partidos mais
próximos.
Em outro ponto de vista, ilustrado pelo mapa dos resultados da gestão
do PMDB-PT no Rio de Janeiro, mostra que as camadas menos favorecidas,
161
Professora Adjunta na Escola Superior de Desenho Industrial da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro. É autora dos livros Estética da Multidão (editora Civilização Brasileira, 2007) e Disforme
Contemporâneo e Design Encarnado: Outros Monstros Possíveis (editora Annablume, 2014).
162
Doutoranda em direito no programa de pós-graduação de Teoria do Estado e Direito
Constitucional da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
163
Professora da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense
(UFF). Doutora em Filosofia da Arte e da Arquitetura pela Universidade de Paris I, Panthéon-
Sorbonne (2007).
Eleições municipais no Brasil. O que nos dizem as urnas, o que nos dizem as ruínas no Rio de Janeiro
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Barbara Szaniecki, Clarissa Naback e Clarissa Moreira
criminais, vendo suas ações criminalizados por uma “lei antiterrorista” (lei
13,260 / 2016) implementada pelo governo federal de Dilma Rousseff.
Para a esquerda no poder e, mais genericamente, a institucionalizada, as
redes e ruas congestionadas de pessoas indignadas eram decididamente
fascistas e contra os pobres. E os pobres, instrumentalizados pela grande
mídia e incapazes de pensar por si só. Na Academia da Polícia Militar, a
declaração de Marilena Chauí, uma das principais intelectuais do PT e da
esquerda institucionalizada, segundo a qual os Black Blocks eram fascistas
e não anarquistas, legitimavam a repressão.
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Barbara Szaniecki, Clarissa Naback e Clarissa Moreira
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http://oglobo.globo.com/brasil/derrotado-freixo-ve-pior-crise-da-esquerda-faz-autocritica-
20393757
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Eleições municipais no Brasil. O que nos dizem as urnas, o que nos dizem as ruínas no Rio de Janeiro
no poder. Agora são também as classes médias que não querem pagar com
seus salários e redução de direitos os efeitos da corrupção e com as quais
os governos terão de negociar as medidas de austeridade apesar da situação
econômica catastrófica. Será preciso que a esquerda encare as ruínas de seu
modelo de desenvolvimento ao invés de se limitar a acusar o liberalismo.
Para salvar vidas reais, em vez de biografias intelectuais, para reinventar a
política no Brasil, é preciso ter a coragem da verdade e construir um pacto
social de novo tipo. Aquele pacto estabelecido por Lula há mais de uma
década, apesar dos avanços obtidos nas medidas de inclusão social, chegou
ao seu limite com as restrições ao debate e à crítica, à própria verdade.
106
Direito à cidade: crises e alternativas em
torno de um conceito
Clarissa Naback165
Introdução
O direito à cidade foi um conceito desenvolvido por Henri Lefebvre
em sua obra Direito à Cidade (1968), que acabou se tornando um
prenúncio da irrupção social de maio de 68, que paralisou Paris. Lefebvre
apontava em seu livro que o Urbanismo (seja dos técnicos, do Estado ou
do mercado), promovia segregações urbanas e sufocava as práticas criativas,
atuando principalmente contra os pobres e trabalhadores, afastando-os da
centralidade que a cidade compõe. O direito à cidade seria então o direito
de participar dessa centralidade e a liberdade de produzir diferenças.
Quando Henri Lefebvre desenvolveu sua análise sobre o fenômeno
urbano, Paris experimentava uma crise onde a antiga cidade já não
poderia mais subsistir frente à política urbana do pós-guerra, que
objetivava transformá-la de uma cidade industrial para um centro
comercial e financeiro, segundo formulações de um urbanismo ainda
predominantemente funcionalista. Lefebvre, junto ao movimento
Internacional Situacionista, do qual fica próximo no final dos anos
1950, propunha uma reapropriação do cotidiano, que cada vez mais era
segmentado (trabalho e vida privada) e organizado a partir de atividades
de consumo (CORTÉS, 2008).166
165
Doutoranda em direito no programa de pós-graduação de Teoria do Estado e Direito
Constitucional da Pontíficia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
166
Os situacionistas se formaram no final dos anos 1950, com a junção de movimentos
artísticos e intelectuais. Suas figuras mais conhecidas são Guy Debord que escreveu Perspectivas
Conscientes da Vida Cotidiana e Sociedade do Espetáculo e Raoul Vaneigen que desenvolveu
críticas sobre urbanismo e arquitetura como ideologia na revista Internacionale Situationniste.
Eles tinham como pensamento revolucionário a própria libertação do cotidiano e pensavam
em estratégias de resistência a partir da criação de situações, que seriam práticas concretas
construídas coletivamente, que gerassem acontecimentos de ruptura e subversão da ordem do
consumo.
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de tese como de Fátima Tardin Costa (2012) de Carlos Frederico Largo Burnett (2009).
114
Clarissa Naback
Já na década de 70, Henri Lefebvre (1999) observara uma “crise”, uma zona
crítica no planejamento funcionalista. A cidade industrial dava lugar à outra
relação espacial. Tratado como um campo cego por Lefebvre, o urbano seria
essa outra coisa que surgiria no contexto pós-industrial, em que as diferenças
produzidas no encontro e na simultaneidade das cidades são reconhecidas
e levadas em consideração – de um lado por movimentos que atuaram em
direção a reapropriação da cidade, da cultura e da arte (mobilizações da década
de 1960 e 1970); do outro, pela crítica neoliberal que colocou a competição
livre das empresas em contraposição a um dirigismo estatal.
Nesse contexto, Lefebvre observa ainda que a produção se torna cada
vez mais social, extensa e intensa, não se limitando a fabricação e circulação
de objetos – “a realidade urbana torna-se força produtiva” (2008, p. 140).
Podemos, então, dizer que o cotidiano e o urbano, ou os espaços de
reprodução, são inseridos cada vez mais no circuito da produção – o valor
de troca gerado a partir da vida urbana (o valor de uso).
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116
Clarissa Naback
117
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118
Clarissa Naback
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Comum, n. 25-26. Rio de Janeiro: UFRJ, 2010, p. 201-2018.
119
Direito à cidade: crises e alternativas em torno de um conceito
120
As Prostitutas do “Prédio da Caixa”
em Niterói e a Operação Urbana
Consorciada: que diversidade o
planejamento estratégico inclui?
Ana Carolina Brito Brandão174
Introdução
No segundo semestre de 2013, o então prefeito de Niterói
apresentou à Câmara Municipal o projeto da Operação Urbana
Consorciada (OUC), que abrangeria o Centro de Niterói, bem como as
regiões São Domingos, Ponto D´Areia, São Lourenço, Morro do Estado,
Ingá, uma parte do Gragoatá e de Boa Viagem, a ser implementado nos
próximos 20 anos. A mensagem executiva apresentada aos vereadores
teve pedido expresso de urgência na tramitação175. Conforme a página
da Prefeitura de Niterói na internet, a lei que estabeleceu a OUC foi
sancionada em dezembro de 2013176 e visa à “requalificação do espaço
urbano”, para “a defesa do interesse público, do fortalecimento de
Niterói, da retomada da força e do prestígio da cidade”177. O prognóstico
do Relatório de Impacto de Vizinhança (RIV) afirma que esta proposta
se insere no contexto de grandes projetos e eventos que estão em curso
no estado do Rio de Janeiro, buscando dinamizar a economia através
da “modernização” que potencialize a vocação da região para o turismo,
o comércio e a habitação.
174
Doutoranda em direito no programa de pós-graduação de Teoria do Estado e Direito
Constitucional da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
175
Mensagem Executiva n. 21/2013/2013 do Prefeito de Niterói à Câmara Municipal, do dia
27 de agosto de 2013, para apresentação do Projeto de Lei n. 193/2013. P. 3
176
http://www.niteroi.rj.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1953:pr
efeito-de-niteroi-sanciona-lei-que-institui-a-operacao-urbana-consorciada-para-revitalizacao-
do-centro-da-cidade Último acesso: 15/04/2014 Trata-se da lei n. 3061/2013 publicada em:
http://www.ofluminense.com.br/sites/default/files/04_11.pdf Ultimo acesso: 15/04/2014
177
Idem.
As Prostitutas do “Prédio da Caixa” em Niterói e a Operação Urbana Consorciada: ...
122
Ana Carolina Brito Brandão
quase um ano depois da aprovação da OUC (como foi visto, a lei foi
sancionada em dezembro de 2013), no dia 02 de novembro de 2014182.
Imagina-se razoável pensar que de 1992 para cá houve muitas mudanças
quanto às taxas de aproveitamento do solo. Segundo o jornal eletrônico “O
Globo”183, o censo do IBGE de 2010 constatou um crescimento de 11, 7%
da população niteroense, que à época já tinha 487.562 habitantes.
A OUC184 da área central de Niterói, instituída pela lei n. 3061/2013,
é um instrumento da política urbana que tem previsão legal nos arts. 32 a 34
do Estatuto da Cidade. Trata-se de um conjunto de intervenções e medidas
coordenadas pelo poder público municipal, em associação com a iniciativa
privada, que buscam “transformações urbanísticas estruturais, melhorias
sociais e valorização ambiental” (art. 32, § 1º) sobre um determinado
território delimitado pela Área de Especial Interesse Urbanístico (AEIU).
Ela precisa ser aprovada por lei municipal baseada no Plano Diretor (art. 32)
e pode modificar índices e características de parcelamento, uso e ocupação
do solo e subsolo, bem como alterar normas edilícias, considerando o
impacto ambiental dela decorrente, além de regularizar construções,
reformas ou ampliações executadas em desacordo com a legislação em
vigência (art. 32,§2º). Criou-se a empresa de economia mista denominada
“Companhia de Desenvolvimento Urbano de Niterói (NIT-URB)”, cujo
papel é promover a reestruturação da AEIU através do gerenciamento dos
ativos patrimoniais, a coordenação e execução das concessões e parcerias,
dentre outros atributos185.
O artigo 33 do Estatuto da Cidade exige o cumprimento de alguns
requisitos que devem estar contidos na lei específica que aprovar a OUC,
dentre eles, o “programa básico de atendimento econômico e social para
a população diretamente afetada pela operação” e a “forma de controle da
operação, obrigatoriamente compartilhado com representação da sociedade
civil”. De acordo com os artigos 14 e seguintes da lei 3061/2013, esse
controle é feito pelo Conselho Consultivo da OUC da Área Central que
182
Ver: http://oglobo.globo.com/rio/bairros/audiencia-publica-vai-discutir-novo-plano-
diretor-para-cidade-14432072 Último acesso: 11/11/2014
183
Idem.
184
Em trabalho de conclusão de curso chamado “Porto Maravilha: uma análise da requalificação
do espaço através do direito à cidade a partir das contribuições de Henri Lefebvre” já fiz uma
breve investigação desse instrumento. Portanto, para mais informações, ver: BRANDÃO, Ana
Carolina. Porto Maravilha: uma análise da requalificação do espaço através do direito à cidade a
partir das contribuições de Henri Lefebvre. Monografia de Graduação em Ciências Jurídicas e
Sociais orientada pela professora Cecilia Caballero. UFRJ, 2012, mimeo.
185
http://www.ofluminense.com.br/sites/default/files/14_14.pdf Último acesso: 14/11/2014
123
As Prostitutas do “Prédio da Caixa” em Niterói e a Operação Urbana Consorciada: ...
186
http://camaraniteroi.rj.gov.br/2014/05/28/aprovada-mensagem-aumentando-numero-de-
cepacs-para-o-centro/ Último acesso: 11/11/2014
187
http://www.ofluminense.com.br/editorias/cidades/centro-mais-perto-da-revitalizacao
http://oglobo.globo.com/rio/bairros/revitalizacao-do-centro-de-niteroi-pode-ficar-sem-
terrenos-11887093 Último acesso:14/11/2014
124
Ana Carolina Brito Brandão
188
Relatório de Violações de Direitos e Reivindicações do Fórum Comunitário do Porto.
24/05/11 Disponível em: http://forumcomunitariodoporto.files.wordpress.com/2011/12/
relatc3b3rio-mpf-fcp.pdf, p. 8.
189
Anexo II da Lei 193/ 2013. Relatório de Impacto de Vizinhança, 2013, p. 108.
190
Idem.
125
As Prostitutas do “Prédio da Caixa” em Niterói e a Operação Urbana Consorciada: ...
A maioria delas estava com o rosto coberto por um lençol ou uma fronha.
Vários carros tentaram furar o bloqueio, mas as mulheres dançavam na
frente dos veículos. Com gritos de “Prostituição não é crime”, “Libera as
primas” e “Eu, eu, eu, eu só dou o que é meu”, elas pediam a legalização
da profissão193.
126
Ana Carolina Brito Brandão
195
Para o jornal “O Dia”, uma das mulheres que trabalham no edifício da caixa, Gaby, de 24
anos, que foi presa na terça-feira junto com sua colega de quarto disse: “A polícia chegou do nada
e nos levaram sob alegação de estarmos cometendo exploração sexual. Não é exploração porque
é consentido. Eu alugo o apartamento com a minha amiga e me prostituo no local. A profissão
tem que ser legalizada”, explicou. Fonte: http://odia.ig.com.br/odia24horas/2014-04-02/
prostitutas-param-o-transito-por-uma-hora-na-avenida-amaral-peixoto-em-niteroi.html
Último acesso: 14/05/2014
196
Idem.
197
Algumas dos noticiários que veicularam o ato:
http://www.ofluminense.com.br/editorias/cidades/prostitutas-fazem-novo-protesto-
no-centro-de-niteroi Último acesso: 20/10/2014
http: //w w w. j o r n a lo sa o go n c a lo. c o m.br/ s i t e/ geral/ 2014/ 4/ 19/ 60433/
prostitutas+fazem+novo+protesto+em+niter%C3%B3i Último acesso: 20/10/2014
http://www.soumaisniteroi.com.br/noticias/39-cidade/62606-prostitutas-fazem-
novo-protesto-no-centro-de-niteroi.html Último acesso: 20/10/2014
h t t p : / / w w w. c i d a d e d e i t a b o r a i . c o m . b r / 9 - n o t i c i a s - d a - c i d a d e - d e -
itabora%C3%AD/3590-prostitutas-fazem-novo-protesto.html Último acesso: 20/10/2014
127
As Prostitutas do “Prédio da Caixa” em Niterói e a Operação Urbana Consorciada: ...
Em seguida, a bela Gabriela, batalhante do 327 que havia sido levada para
o presídio de Bangu, manifestou sua imensa alegria com a mobilização das
colegas e o apoio recebido pelos simpatizantes ativistas desse movimento198.
198
http://www.umbeijoparagabriela.com/?p=3200 Último acesso: 20/10/2014
199
Ver: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/05/policiais-civis-decidem-fazer-paralisacao-
na-quarta-feira-no-rio.html Último acesso: 21/10/2014
200
Carta à Secretaria do Estado de Assistência Social de Direito Humanos (SEADH) realizada
pelo Observatório da Prostituição da Universidade Federal do Rio de Janeiro. P. 3 Disponível em:
https://observatoriodaprostituicao.wordpress.com/documentos/ Último acesso: 19/05/2015
201
Carta à Secretaria do Estado de Assistência Social de Direito Humanos (SEADH) realizada
pelo Observatório da Prostituição da Universidade Federal do Rio de Janeiro. P. 3 está disponível
em: https://observatoriodaprostituicao.wordpress.com/documentos/ Último acesso: 19/05/2015
128
Ana Carolina Brito Brandão
129
As Prostitutas do “Prédio da Caixa” em Niterói e a Operação Urbana Consorciada: ...
II
O “Plano de Desenvolvimento” continuou a seguir as etapas de
implementação da Operação Urbana Consorciada. A Prefeitura de Niterói
e o Movimento Brasil Competitivo – “uma associação civil de direito
privado, sem fins lucrativos ou econômicos, de interesse público”204,
lançaram a campanha “Niterói Que Queremos”205que afirma perseguir o
objetivo de ouvir diversos segmentos da sociedade civil para elaborar críticas
e propostas de melhorias para a cidade. Na página eletrônica, afirma-se que
a gestão municipal está empenhada em promover um debate “inclusivo
e pluralista” que traga resultados para toda a sociedade niteroiense. No
entanto, diante dos acontecimentos narrados na cidade, tendo em vista
principalmente o caso das mulheres trabalhadoras sexuais do prédio da
Caixa, é necessário problematizar que sujeitos que de fato integram esse
debate e que estão sendo interpelados pelo governo municipal.
De acordo com a socióloga Leticia Sabsay, o discurso da tolerância
à diversidade é característicos das chamadas democracias avançadas,
cujo horizonte contemporâneo evidencia um cenário multicultural com
relações desiguais crescentes, promovido pela globalização206. Para ela,
atualmente vivemos uma conjuntura política em que convivem o “rechaço
mais conservador à diferença” e a “consagração da diversidade cultural”
através do discurso da tolerância:
203
http://www.vice.com/pt_br/read/esta-prostituta-foi-roubada-estuprada-e-despejada-por-
policiais-em-niteroi Último acesso: 23/10/2014
204
Informação encontrada no site do Movimento Brasil Competitivo: http://www.mbc.org.br/
No site do Movimento Brasil Competitivo, encontramos um número enorme de empresas e
empreiteiras listadas entre os associados mantenedores como Andrade Gutierrez, Camargo Correa,
Banco Votorantim, Adidas, Eletrobras, Embraer, IBM, Microsoft, Natura, Odebrecht, OAS,
Souza Cruz, Petrobrás, Unimed, IBM, Ford, dentre outras. Na lista de associados institucionais,
também podemos citar, a título de exemplo, entidades como a CUT, CONTAG e UGT, bem
como a UNICAMP, A Embrapa, o Instituto de Engenharia, etc. Último acesso: 16/01/2015
205
Pode-se acompanhar no site: http://www.niteroiquequeremos.com.br/ Ultimo acesso:
15/04/2014
206
SABSAY, Leticia. Fronteras Sexuales: espacio urbano, cuerpos y ciudadanía. Buenos Aires:
Paidós, 2011, p. 68.
130
Ana Carolina Brito Brandão
A tolerância define hoje o caráter do democrático, mas o que não fica claro
é desde que ponto de referência se define o que é que se pode e o que se
não pode tolerar. (…) o discurso da tolerância tende a fixar e reproduzir a
diferença em termos de uma identidade clausurada e totalizadora, própria
de um pluralismo que replica a figura do indivíduo liberal207.
131
As Prostitutas do “Prédio da Caixa” em Niterói e a Operação Urbana Consorciada: ...
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Ana Carolina Brito Brandão
Nosso objetivo é trazer dignidade aos moradores deste local, que convivem
com este tipo de situação. Existem aqui moradores idosos e crianças”,
declarou o delegado.
O presidente do Conselho de Segurança de Niterói, Leandro Santiago,
comemorou a ação. “Os moradores que ali residem são intimidados com
o ambiente e muitas vezes não denunciam os casos. O crime se aproveita
disso e acaba agindo neste silêncio”213.
133
As Prostitutas do “Prédio da Caixa” em Niterói e a Operação Urbana Consorciada: ...
134
Ana Carolina Brito Brandão
Referências bibliográficas
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A Comunidade Vila Autódromo na fala
de seus moradores: um relato atípico de
fatos, temas e questões sociopolíticos
Ricardo Nery Falbo217
Introdução
Este trabalho é o resultado da realização de entrevistas e conversas
conduzidas de modo aleatório com moradores da Vila Autódromo,
localizada na Baixada de Jacarepaguá, na Cidade do Rio de Janeiro, no dia 12
de março de 2010, no contexto da atuação do Núcleo de Terras e Habitação
(NUTH) da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) junto
ao referido assentamento urbano, aqui denominado de “comunidade”. O
caráter aleatório dessa etapa do trabalho de campo pressupôs a ausência
da estruturação formal das perguntas, bem como a ausência da definição
do universo populacional a ser investigado, de acordo com a tradição das
ciências sociais. De natureza aberta, as perguntas procuraram conhecer a
dinâmica do cotidiano dos moradores, bem como a visão que eles possuíam
da comunidade em que moram. O número de moradores entrevistados
somou o total de 12 pessoas, cuja seleção não foi orientada por nenhum
critério específico, senão pela intermediação feita por integrantes do NUTH.
O objetivo dessa etapa da investigação empírica foi o da criação das
condições para a realização de um trabalho etnográfico na comunidade,
com o propósito de produzir a descrição das práticas e das visões dos
moradores da comunidade por meio da imersão em suas atividades e
situações cotidianas e assim desenhar uma agenda de pesquisa mais
tradicional estruturada segundo a relação que articula problemas e hipóteses,
tanto práticos quanto teóricos. Neste sentido, a investigação empírica
fora inicialmente concebida para ser conduzida segundo os princípios e
(UERJ).
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por quatro vezes, mostra como o contato direto do produtor (morador) com
o produto (habitação), bem como o uso de sua própria força de trabalho,
em sua relação com a sobrevivência da comunidade e de seus moradores,
caracteriza o mutirão como processo de produção da habitação de modo
artesanal, isto é, sem a rígida divisão do trabalho capitalista, ou até mesmo
se distinguindo do trabalho, como define Claus Offe (1994), como “o
fato social principal” (p.167) das tradições clássica e marxista da sociedade
burguesa. No entanto, como reconheceu Francisco de Oliveira (2003),
“a habitação, bem resultante dessa operação, se produz por trabalho não
pago, isto é, supertrabalho. (...). Assim, uma operação que é, na aparência,
uma sobrevivência de práticas de ‘economia natural’ dentro das cidades,
casa-se admiravelmente bem com um processo de expansão capitalista, que
tem uma de suas bases e seu dinamismo na intensa exploração da força de
trabalho” (p.59).
Por outro lado, a afirmação de Antonio revela também o caráter
não alienante do mutirão. Afinal, esta prática supõe a visão integral e
integrada do morador (produtor) quanto ao processo de produção de sua
habitação (produto). Aqui, o morador pode ser definido pelo que Walter
Benjamin (1970) chamou de “autor como produtor” ou definido pela
“cognoscitividade” com a qual Anthony Giddens caracteriza os atores
sociais: “Tudo o que os atores sabem (creem) acerca das circunstâncias
de sua ação e da de outros, apoiados na produção e reprodução dessa
ação, incluindo tanto o conhecimento tácito quanto o discursivamente
disponível” (p. 301).
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Ricardo Nery Falbo
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Durante a realização do trabalho de campo, foram comuns as referências que fizeram os
entrevistados ao trabalho de seus vizinhos e amigos, como sendo eletricistas, bombeiros,
porteiros, pedreiros.
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Ricardo Nery Falbo
Conclusão
A Vila Autódromo é comunidade constituída pela diversidade. Esta
é a primeira conclusão deste trabalho. Esta diversidade diz respeito não
apenas a seus moradores e suas trajetórias de vida, segundo seus papéis
sociais e suas ambições e interesses individuais ou coletivos. Ela está referida
também aos diferentes usos dos espaços e das construções que fazem os
moradores, bem como ao modo como se constituem e se consolidam as
relações de cooperação e de amizade, de trabalho e de família.
A Vila Autódromo é comunidade de tipo híbrido. Esta é outra
conclusão deste trabalho. Ela reúne diversas características que
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Ricardo Nery Falbo
Referências bibliográficas
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153
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“Memória não se remove”: a luta dos
moradores da Vila Autódromo para
continuar (re)existindo
Alexandre Magalhães223
Diana Bogado224
Introdução
A cidade do Rio de Janeiro vem passando por mudanças consideráveis
nos últimos anos. Tais “transformações”, assim como classificado pelo
discurso oficial, vêm implicando alterações significativas nos usos e fluxos
dos espaços e lugares da cidade. Há muitas décadas não se observavam
intervenções de tal magnitude. Seria possível afirmar que, na dimensão
em que ocorrem, apenas é comparável às reformas urbanas empreendidas
pelo prefeito Pereira Passos no inicio do século XX. Não à toa, o atual
prefeito, Eduardo Paes, costuma reivindicar esta herança para caracterizar
seu governo. Neste compasso, a conjuntura específica atual permitiria a
configuração das condições de possibilidade para retomada de uma ação
estatal que se considerava, até então, superada politicamente: a remoção
de favelas225.
Esta conjuntura favorável às remoções contaria com a contribuição
do programa federal de habitação “Minha Casa Minha Vida”226. Este
223
Alexandre Magalhães é mestre em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do
Rio de Janeiro (IUPERJ) e doutor em Sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos
(IESP). Atualmente é pós-doutorando em Antropologia no Museu Nacional/UFRJ
224
Diana Bogado é mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal Fluminense,
doutoranda em Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Sevilha, Espanha e é professora
da Universidade Anhanguera
225
Segundo a própria prefeitura, entre 2009 e o inicio de 2014, 20,3 mil famílias foram
removidas. Dessas, 9,3 mil estão em imóveis do Minha Casa, Minha Vida, 5 mil recebem
aluguel social e 6 mil foram indenizadas. Cf. “Mais de 20 mil famílias foram removidas nos
últimos quatro anos no Rio”, Agência Brasil, 16 maio 2014. Sobre a retomada da política de
remoções, ver Magalhães (2013).
226
Programa lançado em 2009, inicialmente como resposta do governo federal aos efeitos locais da
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“Memória não se remove”: a luta dos moradores da Vila Autódromo para continuar (re)existindo
BOGADO (2011).
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“Memória não se remove”: a luta dos moradores da Vila Autódromo para continuar (re)existindo
Referências bibliográficas
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BOGADO. Diana. Movimento Okupa: Resistência e autonomia na ocupação de imóveis
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Fluminense. Niterói, 2011
CARDOSO, Adauto Lúcio et alli. Habitação de Interesse Social: política ou mercado?
Reflexos sobre a construção do espaço metropolitano. In: XIV Encontro da Associação
164
Alexandre Magalhães e Diana Bogado
165
Porto Maravilha: entre a financeirização, o
biocapitalismo e a flexibilização do Direito
Luiz Felipe Teves de Paiva Sousa237
Introdução
Ao longo dos últimos anos, as políticas públicas implementadas
por dentro da lógica do Estado de Bem-Estar social não têm encontrado
mais lugar. Mundialmente, principalmente a partir da década de 1990,
como veremos, os novos impulsos para investimentos em quaisquer áreas,
públicas e privadas, adviriam das formas de financeirização e de garantias
que repousariam no papel central exercido pelo mercado de capitais.
Formas que cada vez mais individualizariam os investimentos e os riscos,
operacionalizando-se através de uma ótica de securitização a ser assumida
pelos sujeitos nas suas escolhas no mercado.
E, da mesma forma, as políticas públicas urbanas, de transformações
das cidades e das habitações sociais, seguem esses fluxos. Conforme
Raquel Rolnik afirma, “através da atuação dos mercados fundiários e da
regulação urbanística, a economia política da habitação implicou também
uma economia política da urbanização, reestruturando a cidade (...), com
impactos profundos no redesenho das cidades e na vida dos cidadãos”
(2015. p. 29). Formas novas de lidar com a previsão e o exercício dos
direitos, não mais a serem demandados diante do Estado providência, mas
a serem organizados através das garantias e dos mecanismos creditícios dos
mercados financeiros.
Nesse cenário, a proposta do presente artigo é entender essas
transformações mais gerais e também da economia política urbana através
de uma breve análise de um caso concreto: o projeto do Porto Maravilha. A
questão que se colocaria frente a esse desafio seria a tentativa de compreender
237
Mestre em Filosofia e Teoria do Direito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro –
UERJ. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. E-mail:
lftdps@gmail.com. Participante da rede Universidade Nômade. Telefones: (21) 994930767 /
(21) 998878733.
Porto Maravilha: entre a financeirização, o biocapitalismo e a flexibilização do Direito
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Luiz Felipe Teves de Paiva Sousa
os Jogos Olímpicos de 2016, a região portuária não estava incluída entre as localidades que
receberiam instalações relacionadas ao evento. Num momento posterior, entretanto, o prefeito
Eduardo Paes propôs às autoridades olímpicas que se transferisse para a região portuária a
construção da vila dos árbitros e da mídia, estruturas que inicialmente seriam implantadas na
mesma área onde se concentraram as principais instalações relacionadas aos jogos, na região
da Barra da Tijuca. Com essa alteração, o prefeito buscava reforçar a associação entre os Jogos
Olímpicos e o projeto de revitalização da zona portuária. Por um lado, o Porto Maravilha
passava a figurar como parte do “legado” dos jogos para a cidade. Por outro lado, aproveitava-
se o contexto dos jogos e a obrigação assumida de construir as instalações que abrigariam os
participantes do evento para impulsionar a promoção de empreendimentos imobiliários na
região portuária” (2015. p. 249-50).
239
Contudo, o instrumento da OUC já tinha as suas discussões e as propostas de longa data.
Inclusive, é possível datar a sua previsão em alguns Planos Diretores durante a década de 1990.
Ermínia Maricato e João Ferreira mostram que havia uma variação acerca da nomenclatura,
mas o instrumento já tinha inclusive sido implementado em algumas operações na cidade
de São Paulo (2002, p. 1), como nas fracassadas Operação Urbana Anhangabaú e Operação
Urbana Centro, ou nas que tiveram sucesso, como a da Faria Lima (OUCFL) e na da Água
Espraiada (OUCAE). Para mais sobre esses casos em São Paulo, conferir: PEREIRA (2015); e,
MARICATO, FERREIRA (2002).
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Porto Maravilha: entre a financeirização, o biocapitalismo e a flexibilização do Direito
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Luiz Felipe Teves de Paiva Sousa
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Porto Maravilha: entre a financeirização, o biocapitalismo e a flexibilização do Direito
Finanças e biocapitalismo
A partir do quadro jurídico-político do Porto Maravilha, a questão que
ainda remanesceria aberta no seu horizonte seria justamente a identificação
do papel das finanças. Uma questão que para ser respondida demandaria
243
Conforme Pereira aponta, a possibilidade da comercialização desses terrenos a preços baixos
estava atrelada ao contexto favorável de alinhamento entre as três esferas de governo: as coalizões
políticas entre a presidência, o governo estadual e a prefeitura (2015, p. 214).
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Luiz Felipe Teves de Paiva Sousa
Conclusão
Sendo assim, o Porto Maravilha, desde a sua concepção, teria
funcionado como um marco de um projeto para reestruturar uma
determinada região dentro de um controle sobre os fluxos produtivos. Um
controle que submeteria a vida como um todo para colocá-la para produzir
em determinados horizontes, encerrando um futuro predeterminado e
orientado pela confiança da sua implementação e pela socialização de seus
custos em caso de insucesso. A avaliação desse futuro caberia às finanças e
ao mercado de capitais, que na inflexão biocapitalista seria a esfera pública
que recairia sobre o empreendimento urbano.
Contudo, esse grande projeto, a maior operação urbana (OUC) já
realizada no Brasil, ainda remanesce aberto e em disputa. Em disputa
justamente pelas resistências em luta pelo direito à cidade, à construção
democrática da cidade. Lutas que resultaram no estancamento, mesmo
que parcial, dos processos de remoção (principalmente no Morro da
Providência) e na inclusão no projeto da construção de moradias sociais
– que resultou, ainda que criticado e insuficiente, no Plano de Habitação
de Interesse Social (PHIS-Porto). E também, lutas que ainda persistem no
cotidiano dos moradores da região, por melhores condições e por garantias
de permanência através de freios ao claro processo de gentrificação
(CONTAGEM REGRESSIVA – EPISÓDIO 3, ZONA PORTUÁRIA.
2016)
Além disso, esse projeto também se encontraria aberto pela sua real
possibilidade de falência. Uma parte das CEPACs, depois de adquiridas
pelo FGTS, foi colocada no mercado novamente em 2012, para retornar o
investimento e também para permitir as construções acima dos requisitos
urbanísticos. Foram ofertados 100 mil títulos ao dobro do preço de
aquisição inicial e, nesse negócio, apenas 26% foi adquirido pelo mercado.
Atualmente, apenas 10,8% das CEPACs foram efetivamente realizadas
como direito de construção adicional.
Essas dificuldades para a realização do investimento se justificam em
grande parte pela confiança sob a qual o projeto se baseava. Confiança que
hoje se encontraria em crise: pela desaceleração do mercado imobiliário,
181
Porto Maravilha: entre a financeirização, o biocapitalismo e a flexibilização do Direito
para não afirmar a sua bolha; pelo Brasil em termos da falência do projeto
desenvolvimentista sob o qual se uniam as três esferas de governo estatal
(municipal, estatal e federal); do porto e de seus serviços comerciais navais,
no desaquecimento da economia e também da Petrobrás, que no Rio de
Janeiro adquire um papel fundamental; e, pelas próprias empreiteiras, que
estariam envoltas nos processos decisivos da operação judicial e investigativa
da Lava Jato.
Entretanto, apesar da crise nacional e local, da ausência de confiança
na moeda do instrumento e do futuro que estaria atrelado ao projeto da
região portuária, outro grande projeto urbano está sendo gestado nos
mesmos moldes do Porto Maravilha no Rio de Janeiro. Trata-se da nova
fronteira da região das Vargens na Zona Oeste (engloba Vargem Grande,
Pequena, Camorim e parte da Barra da Tijuca e de Jacarepaguá), que
corresponderia a 25% do território do município. Apesar desse projeto não
ser recente, apenas no ano passado o seu Plano de Estruturação Urbana foi
concebido e enviado à Câmara do Rio com a previsão de uma OUC, como
consta através do Projeto de Lei Complementar 140/15. Trata-se de uma
área cerca de dez vezes maior do que a área do Porto Maravilha. E, mesmo
já existindo toda uma mobilização das resistências em vida no território
para frear o projeto, além de todo o cenário da crise, o projeto continua e
persiste como uma ameaça em aberto quanto a sua implementação, visto
que as audiências públicas na Câmara Municipal do Rio de Janeiro já
foram conduzidas no primeiro semestre do presente ano de 2016.
Dessa forma, tanto no projeto que hoje é implementado do Porto
Maravilha, ou mesmo no futuro ainda a ser construído das Vargens, as
questões se concentram sobre todas as coordenadas do biocapitalismo, da
financeirização, da gestão do território como controle sobre a produção e
da socialização dos riscos sobre as políticas públicas. Sob a crise instaurada
e o futuro do comprometimento do FGTS, que assumiu o valor total
do empreendimento (R$ 8 bilhões), não há certezas. Podemos apenas
reconhecer que as tendências atuais apontam para mais uma tentativa de
controle e de gestão que se articulou com um futuro mercantilizável e que
não mais encontra as bases, não consegue mantê-las para a valorização/
exploração.
Contudo, nesse cenário, reconhecer a crise e falência desse projeto – e
das Vargens, se realizado da mesma forma, com o comprometimento do
FGTS – significa também identificar a perda generalizada da sociedade
posta para trabalhar, da vida social produtiva. Pelos encargos forjados
182
Luiz Felipe Teves de Paiva Sousa
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Porto Maravilha: entre a financeirização, o biocapitalismo e a flexibilização do Direito
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Urbanizações democráticas e remoções
autoritárias: buscando zonas cinzentas
entre dois arquétipos através da análise
do Projeto Rio
Caroline Rocha dos Santos254
Introdução
O presente artigo pretende contribuir para o debate sobre a
construção de estratégias emancipatórias no atual momento, caracterizado
pelo esgotamento de um ciclo que se expressou pela consolidação paulatina
desde 2002 do modelo econômico marcado por uma espécie de nacional
desenvolvimentismo às avessas (GONÇALVES, 2012) 255. No contexto
urbano, as medidas necessárias para a garantia deste modelo, com lastro
numa ideologia do progresso, converteram-se a partir de 2008, período de
crise aguda do capitalismo, no forte investimento direcionado à construção
em massa de moradias, através da criação, em 2009, do programa Minha
Casa Minha Vida (PMCMV) que se apresentava como uma medida
eficaz anticrise, viabilizando a absorção de excedentes de capital e trabalho
(BASTOS, 2012).
Esta saída, todavia, que em uma primeira observação pode se
apresentar vantajosa tanto para o capital, que encontra neste ramo
uma maneira de ampliar, quanto para o trabalhador que pode acessar
o mercado da casa própria, demonstrou, ao menos na cidade do Rio
254
Mestre pelo Programa de Pós Graduação em Direito da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (PPGD/UERJ).
255
O termo é elaborado, de maneira crítica, por Reinaldo Gonçalves, para rebater as análises
que apontavam para uma mudança estrutural na matriz econômica no período lulista. Segundo
o autor, diametralmente oposto do que caracterizaria o nacional desenvolvimentismo, o modelo
econômico do governo Lula apresentaria as seguintes características: desindustrialização,
dessubstituição de importações, reprimarização das exportações, maior dependência tecnológica,
desnacionalização, perda de competitividade internacional, crescente vulnerabilidade externa
estrutural, maior concentração de capital e dominação financeira (GONÇALVES, 2012).
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O Projeto Rio
O Programa de Erradicação das Sub-habitações (Promorar), que se
destinava “à erradicação ou recuperação de favelas, palafitas ou mocambos,
através do saneamento e urbanização da área, seguido da construção de
moradias compatíveis, na área ocupada” (BNH, Relatório de atividades,
1982), é criado no contexto em que o BNH, a partir do final da década
de 1970, retoma o investimento na construção de moradias para a
população de baixa renda, devido à pressão das empresas produtoras de
material e equipamentos para a fabricação em massa de edificações que
começavam a contar com a forte participação do capital estrangeiro
(MARICATO, 1987). Ademais, havia uma preocupação dos organismos
internacionais, tais como Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) de se criar uma nova forma de
gestão dos bolsões de miséria, onde se buscava conhecê-los a fundo para
assim amenizar as condições de vida urbana através do financiamento de
projetos de melhoria nos serviços básicos e de medicina preventiva, feito
por convênios com governos locais (ABRANTES, 1986).
Conforme apontado anteriormente, o retorno dos investimentos
do BNH voltados para a produção de moradia destinada à população de
renda inferior no final dos anos 1970 estava ligado à necessidade de criação
de uma nova via para o escoamento do capital excedente, significando que
programas criados pelo banco com este intuito, tais como o Promorar,
apesar de um olhar mais atento a população mais pobre, não significaram,
evidentemente, a ruptura com o processo de acumulação do capital. A
fala de João Figueiredo, presidente à época, expressa que este momento
é de fato marcado pela reconciliação do Estado brasileiro com o setor da
indústria de construção que abarcava as empresas de edificação:
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Um casamento perfeito?
Como apontado anteriormente, a compreensão do sentido emitido
pelo Projeto Rio enquanto uma política pública supostamente paradigmática
em relação ao modelo anterior remocionista, perpassa pelo entendimento
de que havia uma conjuntura econômica, na qual medidas anticíclicas
eram realizadas via setor da construção civil, em especial aquele ligado
a edificação em massa de moradias, e uma conjuntura política marcada,
no contexto urbano carioca, pelo reavivamento das mobilizações do
movimento de favelas que voltam a lutar pela permanência das mesmas e,
portanto, contra as remoções.
É neste sentido que o Projeto Rio, ao viabilizar a permanência dos
favelados da Maré, sem o deslocamento para áreas mais distantes, ao
mesmo tempo em que propiciará a indústria de construção civil e ao
mercado imobiliário campos para ampliação do lucro, apresenta-se como
uma intervenção em que ambos, favelas e empresariado sairiam ganhando.
A possibilidade de construção de aterros ao longo da Baía de Guanabara
foi fundamental para a consolidação deste discurso, pois ao mesmo tempo
em que o capital ligado a construção civil se favorecia com a edificação das
novas unidades habitacionais e do próprio aterro, este também permitiria
que os favelados que residiam nas palafitas permanecessem na mesma
região da Maré, onde já habitavam.
Contudo o BNH não investia recursos aonde não se garantisse o
retorno do capital aplicado, ou seja, o projeto não poderia ser realizado
a custo zero. Assim, a viabilidade do Projeto Rio esteve garantida pela
destinação da maior parte do aterro não a construção de novas unidades
habitacionais, mas sim ao mercado imobiliário que, juntamente com o
setor da construção civil, será privilegiado neste processo ao ver na criação
dos aterros a possibilidade de liberação de novas áreas para a especulação259.
Os limites deste casamento, onde todos pareciam sair ganhando,
aparecerão em vários momentos ao longo da execução do Projeto Rio.
259
Os números trazidos pelo plano de detalhamento da área prioritária deixam claro a predileção
do projeto: no setor da Maré 25,2% de solo criado estaria destinado ao uso residencial, 33,3%
à construção de equipamentos regionais e 41,5% ao uso misto não residencial (Fundrem,
1980b). O relatório do grupo de trabalho instaurado no Instituto dos Arquitetos do Brasil,
departamento Rio de Janeiro (IAB/RJ) para analisar o Projeto Rio também apontava que o
aterro proposto para a região, consideradas as possibilidades de utilização para fins habitacionais
destes terrenos vazios, ultrapassava demasiadamente as necessidades impostas pela recuperação
das favelas, além do prejuízo ao eco- sistema da baía de Guanabara (IAB/RJ GT Projeto Rio-
Relatório, s/d apud Fundrem, 1981).
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“[...] Mas a maioria dos favelados da Maré, transferidos ontem para o Setor
Pinheiros do Projeto Rio acordaram repentinamente, ao entrar nas novas
moradias: são tão pequenas, que muitos não tiveram como colocar todos
os móveis dentro de casa. E nem todos vieram do lodo. Alguns saíram da
Baixa do Sapateiro e do Parque União onde moravam ate mesmo em casa
de alvenaria, como o operador de maquina Paulo Eliano Pereira. Removido
para a casa nº 14, da Travessa 4 ( Quadra 16). Paulo teve que deixar um
sofá e uma penteadeira do lado de fora: ‘ Essa casa é muito pequena. Não
dá pra nada. Muito menor que a minha antiga’’(Sonho de casa ampla no
Projeto Rio acaba no 1º dia. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 15/12/83. 1º
Caderno, pg.22).
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Regularização Fundiária
O ultimo elemento que reservava ao Projeto Rio seu lugar no rol
de intervenções urbanísticas inovadoras era a titulação da posse em
áreas faveladas. Neste trabalho, gostaríamos de limitar o escopo de
análise para dar maior atenção à forma jurídica eleita pelo projeto para a
individualização dos lotes, o regime de condomínio horizontal, aspirando
assim à simplificação deste processo.
Contudo, queremos chamar atenção para o fato de que a adoção do
regime condominial em favelas, além de se justificar pela facilitação dos
processos de regularização fundiária e urbanística, relacionava-se com uma
necessidade de estandardização do comportamento dos favelados.
A história fornece alguns exemplos de processos de disciplinarização
e controle dos pobres por meio de políticas públicas de habitação, dentre
os quais se destaca a construção dos Parques Proletários nos anos 1940.
Pandolfi & Gryspan (2002) esclarecem que os Parques Proletários, ao
desejarem transformar o favelado, então percebido como vadio, em
trabalhador se inscrevia num projeto maior do Estado Novo de construir
o novo homem brasileiro.
grande operação que começou ontem as 4h da madrugada, ainda escuro. Os 30 xerifes, cada um
em sua área, bateram de porta em porta acordando os moradores. Às 4h30m, com supervisão
dos presidentes das associações a Cedae desligou o abastecimento de água, para evitar que
máquinas pesadas rompessem as tubulações. Usando walkie-talkers os xerifes passaram a
comandar as operações na área a ser removida. Quase todos portavam revolveres na cintura
ostensivamente” (Sonho de casa ampla no Projeto Rio acaba no primeiro dia. Jornal do Brasil.
Rio de Janeiro, 15/12/1983. 1º Caderno, pg.12).
262
É o caso de Monarcha (1984), Pinheiro & Maia (1984) e Pogguiese (1982).
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“Os técnicos do Projeto Rio já encontraram a fórmula para regularizar a propriedade da
terra de quase 70 mil pessoas que vivem nas favelas da Maré: as casas serão agrupadas em
condomínios e cada família terá direito a uma fração ideal do terreno, como nos edifícios
de luxo. [...]O Secretário Estadual de Planejamento, Waldir Garcia, esclareceu que a formação
dos condomínios foi a solução jurídica encontrada para que os favelados pudessem se tornar
proprietários de seus terrenos e a partir daí, aumentar seu interesse pelo imóvel. A demarcação
dos lotes, nos moldes tradicionais era um trabalho que se estava tornando quase impossível
para os técnicos da FUNDREM [ grifo nosso] ( Projeto Rio divide terrenos entre as famílias da
Maré. Jornal do Brasil. Rio de janeiro, 31/10/1980. 1º Caderno, Cidade, pg. 7).
267
“[...] a administração de condomínios importa a utilização de complexas normas que
objetivam a harmonia das relações sociais correspondentes, bem como a adoção por todos
os condôminos de determinados padrões de comportamento compatíveis com o regular
funcionamento do condomínio. Estes padrões e normas, que se impõe, poderão ser
inadequados ao nível econômico e social e aos correspondentes valores culturais da
população favelada, beneficiária do programa, o que corresponderia, em ultima análise
a contrariar os próprios interesses dessas populações” [grifo nosso] (VACONCELOS,
1986, p.58).
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Caroline Rocha dos Santos
Conclusão
O trabalho enfatiza que projetos que visavam à urbanização
de espaços favelados, ainda que não prevejam ações remocionistas
mais explícitas, não podem ser enxergados intrinsecamente como
democráticos. Assim, indicamos que a regularização fundiária e
urbanística, além de não ser capaz de romper com o processo de
estigmatização destes espaços, em certa medida ela confirma-o, por
ter como pressuposto o fato de que as favelas enquanto lugar do
desvio da lei, precisa se adequar a ela para garantir a permanência aos
seus moradores.
No caso específico do Projeto Rio, este mecanismo foi agudizado
pela própria forma como a intervenção urbanística e fundiária fora
implementada, através da instauração de condomínios horizontais,
que trazia consigo a necessidade de “civilizar” os favelados, do uso
explícito da violência para garantir a remoção dos favelados que
viviam nas palafitas para as novas unidades habitacionais, bem como
da ausência de canais efetivos de participação que desse voz aos
anseios e propostas dos favelados afetados pelo projeto. Percebemos
assim que os elementos que, a princípio, caracterizam o Projeto Rio
como uma ação estatal diferenciada, expressando a reinstauração da
democracia que já apontava no horizonte, quando olhados a partir da
maneira pela qual foram de fato implementados refletem a maneira
pela qual a repressão e o autoritarismo tornava-se uma experiência
real e cotidiana da vida dos favelados.
Contudo, pensar na criação de estratégias resilientes implica
no reconhecimento de que o Estado ao mesmo tempo em que se
apropria das lutas populares, como quando promove a regularização
fundiária de algumas favelas da Maré diante das mobilizações contra
as remoções, também é, evidentemente, um campo de disputas.
Logo, se inscreve também no cerne desta regularização urbanística
e fundiária efetivada pelo Projeto Rio as lutas históricas travadas por
aquela população para que pudesse ocupar aquele local enquanto
lugar de moradia digna.
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