Você está na página 1de 36

• Ações cardiovasculares dos hormônios

sexuais femininos

• Doenças cardiovasculares e as terapias


de reposição hormonal

• Caso clínico:
Hipertensão arterial acelerada-maligna
induzida por contraceptivo oral

• Efeito das dietas Mediterrânea e DASH


na prevenção de doenças
cardiovasculares

• Fisiopatologia da pré-eclâmpsia

• A relação entre o tamanho do


manguito e o braço na
medida indireta da pressão arterial
Revisão sobre o assunto

• Agentes anti-hipertensivos e efeitos


sobre o metabolismo da glicose

• O papel da genética na síndrome


da apnéia obstrutiva do sono
Implicações para o sistema cardiovascular

■ VOLUME 8 REVISTA DA
o
■ N 3 ■ 2005 SOCIEDADE BRASILEIRA DE HIPERTENSÃO
http://www.sbh.org.br
EDITORIAL
EDITORIAL

As amplas repercussões do XIII Congresso


da Sociedade Brasileira de Hipertensão

Toda iniciativa de sucesso alcança sempre dimensões maiores a partir de


suas repercussões tanto em sua área específica como nos segmentos mais
próximos que também se beneficiam de seus resultados.

Essa verdadeira irradiação de bons fluídos vem sendo observada com a


expansão dos conhecimentos apresentados e discutidos ao longo das atividades
científicas do XIII Congresso da Sociedade Brasileira de Hipertensão.

Presidido pelo Dr. Fernando Nobre, de reconhecida competência, o evento


foi realizado em Ribeirão Preto, SP, na primeira semana de agosto de 2005, com a
participação de estudiosos da Doença Hipertensiva de todos os quadrantes do
país.

Ao lado das valiosas contribuições dos relatores convidados do Brasil e do


exterior, mereceu particular atenção a apresentação de 160 trabalhos das áreas
de pesquisas básicas e clínicas. Foi uma demonstração inequívoca da alta
capacidade de produção científica do público médico brasileiro interessado em
aprofundar os fundamentos sobre a Hipertensão Arterial.

Segue abaixo a lista dos trabalhos premiados.

Dra. Maria Helena Catelli de Carvalho


Editora

PRÊMIO JOVEM PESQUISADOR


Patrocínio: OMRON – PERÓXIDOS

ÁREA CLÍNICA ÁREA BÁSICA


1º LUGAR Avaliação da função endotelial em adultos jovens com e sem 1º LUGAR Transplante de medula óssea reduz pressão arterial sistêmica e
antecedente familiar de hipertensão arterial e sua associação melhora a função endotelial em ratos espontaneamente
com as isoformas da enzima conversora de angiotensina (ECA) hipertensos
na urina Machado MPR, Rocha AM, Romão TM, Voltarelli JC*, Silva VJD –
Fernandes FB, Teixeira MAS, Bocaletti AP, Christofalo DMJ, Ajzen SA, Departamento de Ciências Biológicas, Faculdade de Medicina do Triangulo
Plavnik FL, Marson O, Casarini DE – Disciplina de Nefrologia e de Mineiro, Uberaba, MG, *Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto–USP,
Diagnóstico por Imagem, Fundação Oswaldo Ramos, São Paulo, SP Ribeirão Preto, SP

2º LUGAR Controle pressórico – monoterapia versus politerapia em 2º LUGAR O mimético da superóxido dismutase, tempol, não restaura a
hipertensos acompanhados em Centros/Ligas de Hipertensão disfunção endotelial das arteriolas mesentéricas de
no Brasil camundongos APO e “knockout” com hipertensão renovascular
Mion Jr D, Pierin AMG, Machado CA, Pontes C, Almeida F, Plavnik FL, Fuchs Vasquez EC, Arruda RMMP, Meyrelles SS – Programa de Pós-graduação em
F, Ortega K, Magalhães L, Gomes MAM, Jardim PC, Oigman W – Unidade de Ciências Fisiológicas da UFES e EMESCAM, Vitória, ES
Hipertensâo do HC–FMUSP, São Paulo, SP
3º LUGAR Electrical stimulation of the aortic depressor nerve in conscious
3º LUGAR Hereditariedade e marcadores de risco para hipertensão arterial
Nazareno LS, Moreira HG, Jardim PCB, Veiga PCBV, Nascimento LS, Diniz
SHR and normotensive rats produces similar hemodynamic
AA, Souza WKSB, Almeida EC, Silva RCA, Monego ET – Liga de Barale AR, Castania JA, Fazan Jr R, Machado BH, Salgado HC –
Hipertensão Arterial – Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Departamento de Fisiologia – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da
Goiás, Goiânia, GO Universidade de São Paulo – Ribeirão Preto, SP

Volume 8 / Número 3 / 2005 83



ÍNDICE


ÍNDICE








Ações cardiovasculares dos



hormônios sexuais femininos .................................................................... 86





Doenças cardiovasculares e as terapias



de reposição hormonal .............................................................................. 91





Caso clínico:

Hipertensão arterial acelerada-maligna induzida



por contraceptivo oral ............................................................................... 95


Efeito das dietas Mediterrânea e DASH


na prevenção de doenças cardiovasculares ................................................ 98

Fisiopatologia da pré-eclâmpsia .............................................................. 103

A relação entre o tamanho do manguito e HIPERTENSÃO


Revista da Sociedade
o braço na medida indireta da pressão arterial Brasileira de Hipertensão
Revisão sobre o assunto .......................................................................... 107
EDITORA
DRA. MARIA HELENA C. DE CARVALHO

Agentes anti-hipertensivos e EDITORES SETORIAIS


efeitos sobre o metabolismo da glicose .................................................... 110 MÓDULOS TEMÁTICOS
DR. EDUARDO MOACYR KRIEGER
DR. ARTUR BELTRAME RIBEIRO
O papel da genética na
CASO CLÍNICO
síndrome da apnéia obstrutiva do sono
DR. DANTE MARCELO A. GIORGI
Implicações para o sistema cardiovascular ............................................ 114
EPIDEMIOLOGIA/PESQUISA CLÍNICA
DR. FLÁVIO D. FUCHS
Agenda 2005 ........................................................................................... 122 DR. PAULO CÉSAR B. VEIGA JARDIM

FATORES DE RISCO
DR. ARMÊNIO C. GUIMARÃES

AVALIAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL


DRA. ANGELA MARIA G. PIERIN
EXPEDIENTE DR. FERNANDO NOBRE
DR. WILLE OIGMAN
Produção Gráfica e Editorial - BestPoint Editora
Rua Ministro Nelson Hungria, 239 - Conjunto 5 - 05690-050 - São Paulo - SP TERAPÊUTICA
Telefax: (11) 3758-1787 / 3758-2197. E-mail: bg@uol.com.br.
DR. OSVALDO KOHLMANN JR.
Médico / Jornalista Responsável: Benemar Guimarães - CRMSP 11243 / MTb 8668.
Assessoria Editorial: Marco Barbato, Eliane R. Palumbo.
BIOLOGIA MOLECULAR
Revisão: Márcio Barbosa.
DR. JOSÉ EDUARDO KRIEGER
DR. AGOSTINHO TAVARES
DR. ROBSON AUGUSTO SOUZA SANTOS
As matérias e os conceitos aqui apresentados não expressam necessariamente
a opinião da Boehringer Ingelheim do Brasil Química e Farmacêutica Ltda. PESQUISA BIBLIOGRÁFICA
CARMELINA DE FACIO

84 HIPERTENSÃO
SBH
Sociedade
Brasileira de
Hipertensão

DIRETORIA

Presidente
Dr. Robson A. Souza dos Santos

Vice-Presidente
Dr. Artur Beltrame Ribeiro
Sociedade Brasileira de Hipertensão
Tel.: (11) 3284-0215
Tesoureiro
Fax: (11) 289-3279
E-mail: sbh@uol.com.br Dr. José Márcio Ribeiro
Home Page: http://www.sbh.org.br
Secretários
Dr. Dante Marcelo A. Giorgi
Dr. Elisardo C. Vasquez

Presidente Anterior
Dr. Ayrton Pires Brandão

Conselho Científico
Dra. Andréa Araujo Brandão
Dra. Angela Maria G. Pierin
Dr. Armênio Costa Guimarães
Dr. Artur Beltrame Ribeiro
Dr. Ayrton Pires Brandão
Dr. Carlos Eduardo Negrão
Dr. Celso Amodeo
Dr. Dante Marcelo A. Giorgi
Dr. Décio Mion Jr.
Dr. Eduardo Moacyr Krieger
Dr. Elisardo C. Vasquez
Dr. Fernando Nobre
Dr. Hélio César Salgado
Dr. Hilton Chaves
Dr. José Eduardo Krieger
Dr. José Márcio Ribeiro
Dra. Lucélia C. Magalhães
Dra. Maria Claudia Irigoyen
Dra. Maria Helena C. Carvalho
Dr. Osvaldo Kohlmann Jr.
Dr. Robson A. S. Santos
Dr. Wille Oigman

Volume 8 / Número 3 / 2005 85



MÓDULO TEMÁTICO


Ações cardiovasculares dos





hormônios sexuais femininos













Autora: Além de exercerem função primária como reguladores do



sistema reprodutivo, os hormônios sexuais femininos têm demons-


trado atuar como importantes moduladores em diferentes tecidos


não-sexuais, como ossos, tecidos do sistema nervoso central e do



sistema cardiovascular. Embora esse ainda seja um tópico de muita


Ana Paula Villela Dantas, PhD


discussão e controvérsia, alguns cientistas acreditam que os hor-

Professora Assistente de Medicina –


mônios sexuais femininos, especialmente o estrógeno, exerçam


“Center for the Study of Sex Differences in importante papel protetor sobre o sistema cardiovascular. Muitos
Health, Aging and Disease” estudos têm demonstrado que a incidência de doenças cardiovas-
culares aumenta significativamente em mulheres após a meno-
pausa1. O mesmo tem sido observado após intervenção cirúrgica2
ou medicamentosa3 para inibição da produção hormonal pelos
ovários em mulheres jovens, indicando que o fator idade não é o
Resumo único determinante para o aumento da incidência de doenças car-
diovasculares em mulheres na menopausa. A redução ou ausên-
Os hormônios sexuais femininos, em especial o estróge- cia da produção dos hormônios ovarianos pode ser considerada
no, possuem efeitos hemodinâmicos, metabólicos e vasculares fator responsável pela perda da proteção cardiovascular durante a
que têm sido diretamente correlacionados à proteção cardio- menopausa. De fato, alguns estudos epidemiológicos avaliando a
vascular em mulheres na pré-menopausa. O efeito protetor do relação entre a terapia de reposição hormonal e doenças cardio-
estrógeno está associado às ações do hormônio sobre a modu- vasculares mostram fortes evidências de que o tratamento hor-
lação de fatores de risco cardiovascular, tais como formação monal é benéfico em mulheres na menopausa, reduzindo signifi-
da placa de ateroma e aumento do tono vascular. O estrógeno cativamente a mortalidade por essas doenças4, 5. Embora os me-
pode promover efeito antiaterosclerótico por ação indireta, canismos pelos quais os hormônios sexuais femininos promo-
interferindo no metabolismo de lipoproteínas ou por ação di- vem esses efeitos ainda não estejam bem estabelecidos, alguns
reta na parede do vaso modulando a produção de fatores que trabalhos têm sugerido que a proteção cardiovascular observada
regulam os processos de proliferação da musculatura lisa vas- na mulher durante a pré-menopausa está associada às ações do
cular e adesão e migração transendotelial. Além disso, o es- estrógeno sobre a modulação de fatores envolvidos na patogene-
trógeno exerce papel regulatório sobre o tono vascular e con- sia de doenças cardiovasculares.
seqüentemente sobre a pressão arterial e perfusão tecidual. O Como exemplo, estudos têm demonstrado que o estrógeno
estrógeno pode promover redução do tono vascular por meio exerce papel modulatório em fatores que contribuem para a ori-
do bloqueio de canais de cálcio no músculo liso vascular e gem da placa de ateroma. Um dos mecanismos mais aceitos se dá
conseqüente vasodilatação, ou pela modulação negativa da por meio de modificações do perfil lipídico, elevando a síntese
atividade simpática e do sistema renina-angiotensina. Os hor- de HDL e o catabolismo de LDL. Estudos clínicos têm relatado
mônios sexuais femininos podem ainda exercer seus efeitos que mulheres na pré-menopausa apresentam menores níveis de
protetores na vasculatura pela modulação da função da célula LDL e maiores níveis de HDL em comparação com mulheres na
endotelial, aumentando a liberação de fatores relaxantes deri- menopausa. Após a menopausa a mulher desenvolve perfil lipí-
vados do endotélio (EDRF) e concomitantemente reduzindo a dico mais aterôgenico, com elevação dos níveis de LDL e dimi-
ação de fatores contráteis derivados do endotélio (EDCF). nuição de HDL. Pesquisadores têm descrito que baixas doses de
estradiol (próximas ao fisiológico) diminuem os níveis de LDL e
aumentam os níveis de HDL em cerca de 14% a 16%, reduzindo
o risco cardiovascular em mulheres na menopausa. Além disso, o
Endereço para correspondência: estrógeno tem mostrado possuir propriedades antioxidantes (fato
Georgetown University – 4000 Reservoir Road, NW melhor discutido a seguir) e é capaz de reduzir a concentração de
Room 381, Building D – Washington, DC 20057 radicais livres que promovem oxidação do LDL, importante fa-
(T) 1-202 687-5525 /0 (F) 1-202 687-7278 tor de risco para a formação da placa de ateroma. Estudos têm
E-mail: apd29@georgetown.edu mostrado, tanto em modelos experimentais para hipercolestero-

86 HIPERTENSÃO
lemia quanto em mulheres na menopausa, que a administração relaxamento ao antagonizar os efeitos do cálcio9. Estudos reali-
de estradiol diminui significativamente o tempo e a taxa de oxi- zados em anéis de aortas ou coronárias sem endotélio demons-
dação de LDL no plasma6. A proliferação de células do músculo traram que a incubação com diferentes concentrações de estróge-
liso vascular, importante componente em lesões vasculares, tam- no promove redução da contração dependente de cálcio induzida
bém parece ser modulada pelos hormônios sexuais femininos. O por diferentes agentes. Reforçando a hipótese de que o estrógeno
estrógeno tem se mostrado eficaz em reduzir a proliferação celu- tem propriedade antagonista de cálcio, outros trabalhos utilizan-
lar na camada íntima e adventícia da parede vascular em vários do marcadores fluorescentes para o cálcio mostraram que o es-
modelos experimentais. Esse efeito tem sido associado à ação do trógeno promove redução da concentração de cálcio intracelular
estrógeno na modulação de fatores envolvidos nesse processo, de forma similar aos bloqueadores de canais de cálcio9, 15.
como inibição da atividade da proteína quinase ativada por mitó- Além da habilidade em regular diretamente a contratilidade
geno (MAPK) e/ou aumento da produção de óxido nítrico (NO)7. do músculo liso vascular, vários grupos têm descrito que os hor-
O estrógeno também pode prevenir a formação da placa atero- mônios sexuais femininos podem modular a reatividade vascular
matosa ao exercer ação inibitória na expressão de importantes interferindo na função da célula endotelial. Após a importante
fatores pró-inflamatórios, como citocinas e moléculas de adesão, descoberta da participação do endotélio no relaxamento induzi-
envolvidos no processo de adesão e migração transendotelial. Es- do pela acetilcolina, por Furchgott e Zawadzki16, a célula endote-
tudos têm descrito que o início da menopausa está associado ao lial passou a representar mais do que uma simples barreira de
aumento espontâneo da produção de moléculas pró-inflamatóri- difusão entre substâncias do sangue para os tecidos. Hoje o endo-
as, como interleucinas (IL) IL-1 e IL-6, e do fator de necrose télio é considerado um verdadeiro órgão endócrino liberando subs-
tumoral – alfa (TNF-α), sendo que a terapia de reposição hormo- tâncias vasodilatadoras (“endothelium-derived relaxing factors –
nal é capaz de reverter esse quadro8. Além disso, um estudo pros- EDRFs”) e constritoras (“endothelium-derived contracting factor
pectivo e randomizado em mulheres normotensas mostrou que o – EDCFs”), que modulam o tono e o crescimento do músculo
tratamento com baixas concentrações de estrógeno ou estrógeno liso vascular. Está bem estabelecido que o desequilíbrio da gera-
associado a progesterona é eficaz em reduzir a expressão das mo- ção/liberação desses fatores (disfunção endotelial) está envolvi-
léculas de adesão ICAM-1 e VCAM-18, 9. do na fisiopatologia de doenças cardiovasculares, tais como ate-
A redução dos níveis de estrógeno na pós-menopausa pode rosclerose e hipertensão17. Por esse motivo, a modulação da fun-
alterar ainda a vasoatividade arterial (vasoespasmo), ocasionan- ção endotelial pelo estrógeno tem despertado grande interesse
do aumento do tônus vascular e conseqüentemente elevação da entre os pesquisadores. Na última década, vários estudos têm ob-
pressão arterial e diminuição do fluxo sangüíneo tecidual. A me- servado dimorfismo sexual na disfunção endotelial em indivídu-
nopausa tem sido apontada como um dos fatores que contribuem os hipertensos. Em 1995, Kauser e Rubanyi18 demonstraram pela
para o desenvolvimento da hipertensão em mulheres. Além dis- primeira vez que o relaxamento dependente do endotélio induzi-
so, redução da pressão arterial sistólica em mulheres hipertensas do pela acetilcolina é maior em ratas espontaneamente hiperten-
na menopausa tratadas com terapia estrogênica oral também tem sas (SHR) do que em machos da mesma espécie. Além disso, a
sido relatada10. Também em ratas hipertensas ovariectomizadas, resposta contrátil induzida pela acetilcolina, característica da dis-
a administração aguda ou crônica de estrógeno é capaz de pro- função endotelial, está menos acentuada em vasos isolados de
mover queda significativa da pressão arterial11, 12. Embora os fêmeas em comparação com aqueles isolados de machos. Dados
mecanismos pelos quais o estrógeno promove esses efeitos ainda semelhantes foram demonstrados posteriormente em microva-
não estejam bem estabelecidos, estudos têm sugerido que essas sos de ratos hipertensos SHR19 e DOCA-sal20, assim como na
alterações hemodinâmicas estão associadas às ações do estróge- artéria braquial de homens e mulheres hipertensos21. Dessa for-
no sobre fatores que modulam a reatividade vascular. ma, fêmeas/mulheres hipertensas podem apresentar disfunção
Alguns autores têm proposto que o estrógeno pode modular endotelial menos acentuada do que machos/homens, em decor-
o tônus vascular por meio da regulação da atividade simpática. rência de menor desequilíbrio entre EDRFs e EDCFs existentes
Resultados de estudos prévios sobre a reatividade vascular à no- na hipertensão. Paralelamente, estudos avaliando a influência dos
radrenalina têm mostrado que a redução dos níveis de hormônios hormônios sexuais na modulação da função endotelial passaram
sexuais femininos pela ovariectomia em animais promove hiper- a demonstrar que o estrógeno exerce importante papel na regula-
reatividade à noradrenalina em diferentes leitos vasculares, efei- ção do endotélio. Experimentos realizados em fêmeas ovariecto-
to esse restaurado pelo tratamento com estradiol11,13. O estrógeno mizadas têm mostrado que a remoção dos ovários potencia a dis-
parece reduzir a resposta adrenérgica diretamente através da di- função endotelial nos mais diversos leitos vasculares de diferen-
minuição da expressão de receptores α-adrenérgicos. Gisclard et tes modelos animais para doenças cardiovasculares. Também em
al.14 demonstraram, em coelhas ovariectomizadas, que o trata- mulheres hipertensas, a entrada na menopausa, seja de forma
mento com 17α-estradiol reduz a reatividade vascular induzida natural ou pela remoção dos ovários, tem sido associada ao de-
pela ativação de receptores α-adrenérgicos, bem como o número senvolvimento ou exacerbação da disfunção endotelial. Além dis-
desses receptores. Logo, a diminuição dos níveis de estrógeno so, a terapia de reposição com estradiol reverte essas modifica-
promovida pela remoção dos ovários ou pela menopausa pode ções adversas da função da célula endotelial tanto em fêmeas
levar ao aumento da reatividade à noradrenalina ou fenilefrina ovariectomizadas quanto em mulheres na menopausa, confirman-
por meio do aumento do número de receptores α-adrenérgicos. do que o estrógeno também confere proteção cardiovascular por
Outros pesquisadores acreditam ainda que o estrógeno pode agir meio da modulação da função endotelial10, 22.
diretamente na célula da musculatura lisa vascular e promover Muitos trabalhos têm apontado o óxido nítrico (NO) como

Volume 8 / Número 3 / 2005 87






o principal mediador dos efeitos induzidos pelo estrógeno sobre aumento da geração de ROS após isquemia/reperfusão em artéri-

a função endotelial. O estrógeno é capaz de estimular a síntese de as coronárias e prevenir a oxidação do colesterol LDL (como

NO em diferentes leitos vasculares, como artéria uterina, micro- comentado anteriormente) em concentrações farmacológicas27.

vasos da circulação mesentérica e muscular esquelética e na aor- Mais recentemente, um estudo de microscopia intravital demons-

ta. Aumento da produção de NO, determinada pela concentração trou in vivo que o estrógeno também possui propriedades anti-

urinária de seus metabólitos nitrito e nitrato, também tem sido oxidantes em concentrações fisiológicas28.

observado em mulheres na menopausa que recebem terapia de Alguns trabalhos têm atribuído o efeito antioxidante do es-

reposição hormonal. O mecanismo mais provável para explicar o trógeno à sua estrutura fenólica, a qual seqüestra ROS indepen-

aumento da produção de NO seria maior atividade da NO sintase dentemente da interação com seu receptor. Entretanto, nesses

endotelial (eNOS) decorrente da indução da expressão gênica estudos o efeito seqüestrante do estrógeno só pode ser observado

dessa enzima pelo estrógeno. É fato conhecido que o estrógeno em concentrações superiores a 1µMol29. Considerando que as con-

(assim como outros hormônios esteroidais) ao se ligar em seu centrações plasmáticas de estrógeno, em condições fisiológicas,

receptor nuclear se transforma em fator de transcrição gênica, estão na faixa de nMol é provável que a ação direta como seqües-

que é reconhecido por regiões promotoras no DNA e modula a trante não seja o principal mecanismo antioxidante do hormônio.

transcrição de uma série de proteínas. Seqüências de reconheci- De fato, alguns trabalhos têm mostrado que o efeito antioxidante

mento do complexo estrógeno/receptor têm sido detectadas na do 17α-estradiol em concentrações inferiores a 1µMol é especí-

região promotora do gene que codifica a eNOS, sugerindo que o fico, não é observado com 17α-estradiol (estrogênio com baixa

estrógeno aumenta e expressão gênica dessa enzima7, 9. De fato, afinidade pelo receptor e com mesma estrutura fenólica que 17α-
vários autores têm descrito a influência do 17α-estradiol na ex- estradiol) e pode ser bloqueado na presença de um antagonista27.
pressão de RNAm para eNOS em cultura de células endoteliais7, Nesse caso, o estrógeno pode estar exercendo sua ação antioxi-
9
. Outros autores demonstraram ainda que a ovariectomia promo- dante por meio da modulação da atividade/expressão de enzimas
ve redução significativa da expressão e atividade da eNOS em anti ou pró-oxidantes. A administração de estradiol tem sido as-
diferentes leitos vasculares, e que o tratamento das fêmeas ovari- sociada a elevados níveis de enzimas antioxidantes, como gluta-
ectomizadas com estradiol restaura a expressão e atividade dessa tiona peroxidase e superóxido dismutase (SOD). Capel et al.30
enzima para os níveis observados em fêmeas não-castradas23. demonstraram que mulheres usuárias de contraceptivos orais apre-
Apesar do efeito genômico do estrógeno sobre a eNOS ser o mais sentam maior atividade da glutationa peroxidase em comparação
explorado e aceito pelos cientistas, estudos têm demonstrado que com as não-usuárias. Outros estudos experimentais observaram
o estrógeno pode aumentar a atividade da eNOS por mecanismos que o tratamento com estradiol modula a expressão da SOD (en-
não-genômicos. Por meio do tratamento de cultura de células en- zima que degrada o ânion superóxido) em diferentes tecidos do
doteliais com um composto impermeável à membrana celular sistema cardiovascular31. Entretanto esses efeitos somente pude-
(estradiol ligado à albumina), Kim et al.24 observaram que o es- ram ser observados com concentrações de estradiol superiores à
trógeno promove indução rápida da liberação de NO. Isso sugere 1nMol (suprafisiológica), indicando que a atividade antioxidante
a existência de um sítio de ação para o estrógeno na membrana do estrógeno em concentrações fisiológicas não deve depender
plasmática cuja ativação desencadeia a cascata de segundos men- desse mecanismo de ação. Dessa forma, estudos passaram a es-
sageiros que levam à ativação rápida da eNOS. Apesar da nature- pecular que o efeito antioxidante do estrógeno, em concentra-
za desse receptor para o estrógeno na membrana ainda ser uma ções fisiológicas, é decorrente de sua ação inibitória sobre as
incógnita, os segundos mensageiros envolvidos nesse efeito têm vias pró-oxidantes. Recentes trabalhos têm observado ação mo-
sido descritos como pertencentes à via da proteína quinase dulatória do estrógeno sobre a expressão e/ou atividade de uma
fosfatidilinositol-3-OH (PI3-quinase)9, 24. das maiores fontes de geração de superóxido na vasculatura, a
Por outro lado, o estrógeno pode estar aumentando a dispo- enzima NAD(P)H-oxidase. Estudos têm descrito que a redução
nibilidade de NO, interferindo com a sua degradação. Interessan- dos níveis de estrógeno pela ovariectomia induz aumento da ati-
temente, Wassmann et al.25 observaram que o agravamento da vidade da NAD(P)H-oxidase e conseqüente aumento da geração
disfunção endotelial em anéis de aorta isolados de fêmeas SHR, de superóxido, efeito esse revertido pela reposição com estróge-
após a remoção dos ovários, não depende da redução da expres- no em concentrações fisiológicas28. O aumento da atividade da
são da eNOS. O aumento do estresse oxidativo observado nas NAD(P)H-oxidase na ausência do estrógeno pode ser resultante
ratas ovariectomizadas parece ser a explicação mais plausível para da inibição da expressão gênica dessa enzima pelo estrógeno.
a exacerbação da disfunção endotelial nesses animais. Está bem Embora regiões de reconhecimento do complexo estrógeno/re-
estabelecido que, na presença de espécies reativas de oxigênio ceptor no gene para a NAD(P)H-oxidase ainda não tenham sido
(ROS), como o ânion superóxido, o NO sintetizado pela célula descritas, trabalhos têm mostrado que diferentes doses de estró-
endotelial transforma-se em peroxinitrito. Essa reação ocorre antes geno promovem regulação negativa da expressão da enzima em
de sua liberação para os tecidos tornando-o, portanto, menos dis- células vasculares32.
ponível26. O estrógeno pode então modular a função endotelial Outros pesquisadores observaram, ainda, que o estrógeno
por meio da diminuição da concentração de ROS, como ânion também pode modular a função endotelial, interferindo com a
superóxido, e de seus efeitos deletérios sobre o NO. De fato, es- síntese de outros EDRFs ou EDCFs. Como exemplo, estudos têm
tudos realizados in vivo e in vitro têm demonstrado que o estró- demonstrado que o estrógeno modula as respostas vasculares
geno possui ação antioxidante. Como exemplo, o estrógeno tem mediadas pelos produtos da ciclooxigenase. O tratamento crôni-
se mostrado eficaz em atenuar os efeitos deletérios induzidos pelo co de fêmeas normotensas com estrógeno promove aumento da

88 HIPERTENSÃO
síntese de prostaciclina (prostanóide vasodilatador) induzida pela cular ao aumentar as ações da angiotensina (1-7) (Ang-(1-7). Nos
acetilcolina. Por outro lado, o estrógeno parece não interferir na últimos anos a Ang-(1-7) passou a despertar grande interesse na
geração de prostaciclina em ratas hipertensas, mas inibe a síntese comunidade científica devido ao seu potencial de antagonizar os
da prostaglandina vasoconstritora PGH2, induzida pelo mesmo efeitos cardiovasculares promovidos pelaAng-II, promovendo va-
agente vasodilatador11. Essa variação na ação do estrógeno sobre sodilatação e inibição da proliferação celular. Está bem estabele-
a síntese de prostaglandinas pode ser explicada pelo fato de esses cido que aumento dos níveis plasmáticos e teciduais de Ang-I
estudos terem sido realizados em indivíduos que apresentavam resulta em aumento da formação, pela ação de endopeptidases
condições distintas. Os mecanismos pelos quais o estrógeno atua sobre a Ang-I. Dessa forma, a redução da atividade da ECA em
na cascata da ciclooxigenase e promove efeitos tão distintos em presença de altas concentrações de Ang-I, como ocorre em pre-
diferentes organismos continuam indefinidos. sença de estrógeno, promove inversão da quantidade dos peptí-
Outro importante fator derivado do endotélio que sofre mo- deos formados a partir da Ang-I, ou seja, diminuição da forma-
dulação pelo estrógeno é o EDCF endotelina-1 (ET-1). Estudos ção de Ang-II e aumento da geração de Ang-(1-7). De fato,
têm demonstrado que ovariectomia altera e a reposição com es- Brosnihan et al. observaram em ratas ovariectomizadas que, após
trógeno restaura a resposta vascular a ET-1. Hiper-reatividade à o tratamento crônico com estrógeno, essas ratas passaram a apre-
ET-1 tem sido descrita em fêmeas ovariectomizadas de diferen- sentar diminuição da atividade da ECA e menor concentração de
tes espécies animais, sendo esse efeito revertido pela reposição Ang-II circulante, enquanto os níveis plasmáticos de Ang-(1-7)
hormonal33. O estrógeno é capaz de modular a via da ET-1 em estavam aumentados34.
diferentes pontos, possivelmente através da regulação da expres- Enquanto muitos estudos têm estabelecido importante corre-
são dos peptídeos envolvidos nessa cascata. Regulação negativa lação entre o estrógeno e a proteção cardiovascular em mulheres,
da expressão do precursor da ET-1 (prepro-ET-1) pelo estrógeno pouco se conhece sobre os efeitos da progesterona no sistema car-
tem sido observada em células endoteliais em cultura. Além dis- diovascular. A progesterona tem sido amplamente utilizada em as-
so, a redução dos níveis de estrógeno pela ovariectomia têm mos- sociação com o estrógeno na terapia de reposição hormonal, com a
trado promover aumento da expressão da enzima conversora de finalidade de diminuir o risco de câncer no endométrio. Por essa
ET-1 (ECE-1) e conseqüente aumento da concentração da ET-1. razão a maioria dos trabalhos tem avaliado os efeitos da combina-
Finalmente, trabalhos mais recentes têm demonstrado que o es- ção estrógeno + progesterona ao invés de explorar os efeitos car-
trógeno também pode modular os efeitos da ET-1 através da re- diovasculares da progesterona per se. Entretanto, alguns estudos
gulação da expressão de seus receptores ETa e ETb9. experimentais e epidemiológicos avaliando os efeitos isolados da
O sistema renina-angiotensina (SRA), outro importante sis- progesterona têm demonstrado que esse hormônio não exerce efei-
tema de regulação do tono e crescimento da parede vascular, tam- to no sistema cardiovascular. Tampouco a progesterona parece in-
bém parece sofrer influência dos hormônios sexuais femininos. terferir nos efeitos promovidos pelo estrógeno. Estudos epidemio-
Embora informações contraditórias relatando a influência do es- lógicos observaram similaridade no decréscimo da incidência do
trógeno sobre o SRA tenham sido encontradas na literatura, acre- desenvolvimento de doenças cardiovasculares entre mulheres que
dita-se que o balanço final dos efeitos promovidos pelo estróge- fazem uso apenas de estrógeno e usuárias da associação estrógeno/
no no SRA pode ser considerado benéfico para o sistema cardio- progesterona35. Outro estudo demonstrou que a adição de proges-
vascular. Por um lado tem sido mostrado que o estrógeno estimu- terona à terapia de reposição em mulheres na menopausa não inter-
la o SRA aumentando os níveis de renina e angiotensina I (Ang- fere nas respostas dependentes do endotélio mediadas pelo estró-
I) tecidual e circulante. A Ang-I é convertida, através da ação da geno36. Também em modelos animais, tanto a reposição hormonal
enzima conversora de angiotensina (ECA), em angiotensina II utilizando apenas estrógeno quanto aquela associada à progestero-
(Ang-II), potente agente vasoconstritor e indutor da proliferação na promoveram efeitos benéficos similares na pressão arterial e
da musculatura lisa vascular. Logo, o aumento dos níveis plas- reatividade vascular11. Contrariando esses estudos, outros traba-
máticos de renina e Ang-I induzido pelo estrógeno pode levar ao lhos têm descrito que a adição de um progestágeno à terapia de
aumento dos níveis de Ang-II circulante, e conseqüentemente reposição hormonal pode diminuir alguns dos efeitos promovidos
promover aumento da resistência vascular periférica. Nesse caso, pelo estrógeno, principalmente no que se refere ao metabolismo de
o uso de estrógeno pode ser considerado fator de risco para o lipoproteínas.Tem sido relatado que alguns progestágenos promo-
sistema cardiovascular34. Alguns autores têm, inclusive, proposto vem redução moderada dos níveis de HDL-colesterol. Em um es-
que esse é o modo pelo qual os anticoncepcionais orais podem tudo comparativo realizado pelo “Post Menopausal Estrogen/
elevar a pressão arterial. Por outro lado, tem sido demonstrado Progestin Interventional Trial (PEPI)” foi observado que, embora
que o tratamento com estrógeno diminui a atividade da ECA tan- todos os esquemas de reposição hormonal elevem os níveis de HDL
to em ratas ovariectomizadas quanto em mulheres na menopau- em relação ao placebo, a terapia com estrógeno isolado promove
sa, promovendo conseqüente redução dos níveis de Ang-II. O maior aumento dos níveis de HDL quando comparada à terapia
estrógeno também pode modular os efeitos da Ang-II ao inibir a com estrógeno associada à medroxiprogesterona5. As diferenças
expressão gênica de seus receptores (AT1). Estudos têm mostra- observadas podem estar associadas ao tipo e à concentração do
do importante correlação negativa entre os níveis de estrógeno progestágeno utilizado. Estudos mais detalhados sobre os efeitos
circulante e a expressão desses receptores em diferentes tecidos, de diferentes tipos de progestágenos, associados ou não ao estró-
tais como vasos, rim e adrenal9, 34. geno, são necessários para o desenvolvimento de uma terapia de
Além de reduzir os efeitos deletérios da Ang-II sobre a vas- reposição hormonal que apresente melhor proteção cardiovascular
culatura, o estrógeno também pode exercer proteção cardiovas- com menor taxa de efeitos colaterais.

Volume 8 / Número 3 / 2005 89






Conclusões ções do músculo liso e do endotélio. Através desses mecanis-



mos, o estrógeno pode causar diminuição da resistência peri-


Os hormônios sexuais femininos, particularmente o es- férica e inibição da proliferação da musculatura lisa vascular,

trógeno, exercem múltiplos efeitos no sistema cardiovascular


bem como pode prevenir a formação das placas de ateroma.


que podem conferir cardioproteção às mulheres. O estrógeno Considerando que esses fatores são determinantes no desen-

pode promover seus efeitos benéficos indiretamente, diminuin- volvimento de doenças cardiovasculares, sua redução pode

do os níveis de colesterol total e aumentando os níveis de HDL traduzir-se em grande impacto em termos de eventos cardio-

ou agindo diretamente no tecido vascular, modulando as fun- vasculares.





Referências bibliográficas

1. ROSSI, R.; GRIMALDI, T.; ORIGLIANI, G.; FANTINI, G.; COPPI, F.; 20. TOSTES, R. C.; DAVID, F. L.; CARVALHO, M. H. C.; NIGRO, D.;

MODENA, M. G. Menopause and cardiovascular risk. Pathophysiol. SCIVOLETTO, R. E.; FORTES, Z. B. Gender differences in vascular reactivity

Haemost. Thromb., v. 32, p. 325–328, 2002. to endothelin-1 in deoxycorticosterone acetate-salt hypertensive rats. J.

2. VIRDIS, A.; GHIADONI, L.; PINTO, S.; LOMBARDO, M.; PETRAGLIA, Cardiovasc Pharmacol., v. 35, p. S99–S101, 2000.

F.; GENNAZZANI, A.; BURALLI, S.; TADDEI, S.; SALVETTI, A. 21. TADDEI, S.; VIRDIS, A.; GHIADONI, L.; MATTEI, P.; SUDANO, I.;

Mechanisms responsible for endothelial dysfunction associated with acute BERNINI, G.; PINTO, S.; SALVETTI, A. Menopause is associated with

estrogen deprivation in normotensive women. Circulation, v. 101, p. 2258– endothelial dysfunction in women. Hypertension, v. 28, p. 576–582, 1996.

2263, 2000. 22. CID, M. C.; SCHNAPER, H. W.; KLEINMAN, H. K. Estrogens and the vas-

3. YIM, S. F.; LAU, T.K.; SAHOTA, D. S.; CHUNG, T. K.; CHANG, A. M.; cular endothelium. Ann. N. Y. Acad. Sci., v. 966, p. 143–157, 2002.
HAINES, C. J. Prospective Randomized Study of the Effect of “Add-Back” 23. DANTAS, A. P. V.; PASSAGLIA, R. C.; NIGRO, D.; FORTES, Z. B.; CAR-
Hormone Replacement on Vascular Function During Treatment With VALHO, M. H. C. Estrogen can modulate endothelial function in
Gonadotropin-Releasing Hormone Agonists. Circulation, v. 98, p. 1631– spontaneously hypertensive rats by an antioxidant mechanism. FASEB J., v.
1635, 1998. 15, p. A784, 2001.
4. STAMPFER, M. J.; COLDITZ, G. A.; WILLETT, W. C.; MANSON, J. E.; 24. KIM, H. P.; LEE, J. Y.; JEONG, J. K.; BAE, S. W.; LEE, H. K.; JO, I.
ROSNER, B.; SPEIZER, F. E.; HENNEKENS, C. H. Postmenopausal estrogen Nongenomic stimulation of nitric oxide release by estrogen is mediated by
therapy and cardiovascular disease: ten-year follow-up from the nurse’s health estrogen receptor alpha localized in caveolae. Biochem. Biophys. Res.
study. N. Eng. J. Med., v. 325, p. 756–762, 1991. Commun., v. 263, p. 257–262, 1999.
5. THE WRITING GROUP FOR THE PEPI TRIAL. Effects of estrogen or 25. WASSMANN, S.; BAUMER, AT.; STREHLOW, K.; VAN, EICKELS, M.;
estrogen/progestin regiments on heart disease risk factors in postmenopausal GROHE, C.; AHLBORY, K.; ROSEN, R.; BOHM, M.; NICKENIG, G.
women. The Postmenopausal Estrogen/Progestin Intervention (PEPI) Trial. Endothelial dysfunction and oxidative stress during estrogen deficiency in
JAMA, v. 273, p. 199–208, 1995. spontaneously hypertensive rats. Circulation, v. 103, p. 435–441, 2001.
6. RACKLEY, C. E. Hormones and coronary atherosclerosis in women. 26. MADAMANCHI, N. R.; VENDROV, A.; RUNGE, M. S. Oxidative stress
Endocrine, v. 24, p. 245–250, 2004. and vascular disease. Arterioscler. Thromb. Vasc. Biol., v. 25, p. 29–38, 2005.
7. ORSHAL, J. M.; KHALIL, R. A. Gender, sex hormones, and vascular tone. 27. KIM, Y. D.; CHEN, B.; BEAUREGARD, J.; KOURETAS, P.; THOMAS, G.;
Am. J. Physiol. Regul. Integr. Comp. Physiol., v. 286, p. R233–249, 2004. FARHAT, M.Y.; MYERS, A. K.; LEES, D. E. 17-β estradiol prevents
8. PFEILSCHIFTER, J.; KODITZ, R.; PFOHL, M.; SCHATZ, H. Changes in dysfunction of canine coronary endothelium and myocardium and reperfusion
proinflammatory cytokine activity after menopause. Endocr. Rev., v. 23, p. arrhythmias after brief ischemia/reperfusion. Circulation, v. 94, p. 2901–
90–119, 2002. 2908, 1996.
9. TOSTES, R. C.; NIGRO, D.; FORTES, Z. B.; CARVALHO, M. H. Effects of 28. DANTAS, A. P. V.; TOSTES, R. C. A.; FORTES, Z. B.; COSTA, S. G.; NIGRO,
estrogen on the vascular system. Braz. J. Med. Biol. Res., v. 36, p. 1143– D.; CARVALHO, M. H. C. In vivo evidence for antioxidant potential of
1158, 2003. estrogen in microvessels of female spontaneously hypertensive rats.
10. STAESSEN, J.; BULPITT, C. J.; FAGARD, R.; LIJNEN, P.; AMERY, A. The Hypertension, v. 39, p. 405–411, 2002.
influence of menopause on blood pressure. J. Hum. Hypertens., v. 3, p. 427– 29. DUBEY, R. K.; TYURINA, Y. Y.; TYURIN, V. A.; GILLESPIE, D. G.;
433, 1998. BRANCH, R. A.; JACKSON, E. K.; KAGAN, V. E. Estrogen and tamoxifen
11. DANTAS, A. P. V.; SCIVOLETTO, R.; FORTES, Z. B.; NIGRO, D.; CARVA- metabolites protect smooth muscle cell membrane phospholipids against
LHO, M. H. C. Influence of female sex hormones on endothelium-derived peroxidation and inhibit cell growth. Circ. Res., v. 84, p. 229–239, 1999.
vasoconstrictor prostanoid generation in microvessels of spontaneously 30. CAPEL, I.; JENNER, M.; WILLIAMS, D. The effect of prolonged oral
hypertensive rats. Hypertension, v. 34, p. 914–919,1999. contraceptives steroid use on erythrocyte glutathione peroxidase activity. J.
12. HINOJOSA-LABORDE, C.; CRAIG, T.; ZHENG, W.; JI, H.; HAYWOOD, Steroid. Biochem., v. 14, p. 729–732, 1981.
J. R.; SANDBERG, K. Ovariectomy augments hypertension in aging female 31. SI, M. L.; AL-SHARAFI, B.; LAI, C. C.; KHARDORI, R.; CHANG, C.; SU,
Dahl salt-sensitive rats. Hypertension, v. 44, p. 405–409, 2004. C. Y. Gender difference in cytoprotection induced by estrogen on female and
13. NIGRO, D.; FORTES, Z. B.; SCIVOTETTO, R.; CARVALHO, M. H. male bovine aortic endothelial cells. Endocrine, v. 15, p. 255–262, 2001.
Simultaneous release of endothelium-derived relaxing and contracting factors 32. WAGNER, A. H.; SCHROETER, M. R.; HECKER, M. 17beta-estradiol
induced by noradrenaline in normotensive rats. Gen. Pharmacol., v. 21, p. inhibition of NADPH oxidase expression in human endothelial cells. FASEB
443–446, 1990. J., v. 15, p. 2121–2130, 2001.
14. GISCLARD, V.; FLAVAHAN, N. A.; VANHOUTTE, P. M. Alpha-adrenergic 33. DAVID, F. L.; CARVALHO, M. H.; COBRA, A. L.; NIGRO, D.; FORTES, Z.
responses of blood vessels of rabbits after ovariectomy and administration of B.; REBOUÇAS, N. A.; TOSTES, R. C. Ovarian hormones modulate
17 beta-estradiol. J. Pharmacol. Exp. Ther., v. 240, p. 466–470, 1986. endothelin-1 vascular reactivity and mRNA expression in DOCA-salt
15. FARHAT, M. Y.; LAVIGNE, M. C.; RAMWELL, P. W. The vascular protective hypertensive rats. Hypertension, v. 38, p. 692–696, 2001.
effects of estrogen. FASEB J., v. 10, p. 615–624, 1996. 34. BROSNIHAN, K. B.; SENANAYAKE, P. S.; LI, P.; FERRARIO, C.M. Bi-
16. FURCHGOTT, R. F.; ZAWARDZKI, J. V. The obligatory role of endothelial directional actions of estrogen on the renin-angiotensin system. Braz. J. Med.
cells in the relaxation of arterial smooth muscle by acetylcholine. Nature, v. Biol. Res., v. 32, p. 373–381, 1999.
288, p. 373–376, 1980. 35. PSATY, B. M.; HECKBERT, S. R.; ATIKINS, P.; SISCOVICK, D. S.;
17. ENDEMANN, D. H.; SCHIFFRIN, E. L. Endothelial dysfunction. J. Am. KOEPSELL, T. D.; WAHL, P. W.; LONGSTRETH JR, W. T.; WEISS, N. J. A
Soc. Nephrol., v. 15, p. 1983–1992, 2004. review of the association of estrogen and progestins with cardiovascular
18. KAUSER, K.; RUBANYI, G. M. Gender difference in endothelial dysfunction disease in postmenopausal women. Arch. Intern. Med., v. 153, p. 1421–
in the aorta of spontaneously hypertensive rats. Hypertension, v. 25, p. 517– 1427, 1993.
523, 1995. 36. GERHARD, M.; WALSH, B. W.; TAWAKOL, A.; HALEY, E. A.; CREAGER,
19. HUANG, A.; SUN, D.; KALEY, G.; KOLLER, A. Estrogen preserves S. J.; SEELY, E. W.; GANZ, P.; CREAGER, M. A. Estradiol therapy combined
regulation of shear stress by nitric oxide in arterioles of female hypertensive with progesterone and endothelium-dependent vasodilation in postmenopausal
rats. Hypertension, v. 31, p. 309–314, 1998. women. Circulation, v. 98, p. 1158–1163, 1998.

90 HIPERTENSÃO
MÓDULO TEMÁTICO
Doenças cardiovasculares e as
terapias de reposição hormonal

Autores: bem desenhados devem ser estimulados. Sociedades de especialistas


têm orientado, por meio de manuais e consensos, que a utilização cor-
reta da TRH deve obedecer critérios bem estabelecidos de escolha de
Celso Luiz Borrelli* drogas e doses, bem como do período em que serão utilizadas.
Supervisor da Equipe de Oncoginecologia do Hospital
Brigadeiro Introdução
Patrícia Gonçalves de Almeida Nas últimas décadas, a maioria dos países ocidentais experi-
Assistente do Grupo de Climatério em Pacientes Pós- mentou melhoras na atenção à saúde que se traduziram em aumento
tratadas de Câncer do Serviço de Oncoginecologia do da expectativa de vida. Mesmo assim, a despeito de enormes avan-
Hospital Brigadeiro ços no diagnóstico, no entendimento dos mecanismos e no trata-
mento, as doenças cardiovasculares (DCV) continuam sendo a prin-
Resumo cipal causa de morbidade e mortalidade em indivíduos acima de 50
anos de idade1. Quando se considera o grupo de indivíduos acima de
O uso de Terapias de Reposição Hormonal (TRH) em mulheres na
50 anos, as doenças cardiovasculares ocupam o primeiro lugar. Em
pós-menopausa é assunto cada vez mais discutido entre especialistas
termos de morbidade, as doenças cardiovasculares ocupam o segun-
de diversas áreas, como ginecologistas, cardiologistas, endocrinologistas
e geriatras. Apesar de vários estudos observacionais mostrarem efeitos do lugar, ficando atrás apenas das doenças osteoarticulares. De modo
benéficos da TRH na prevenção de doença cardiovascular (DCV), há geral existe carência de informações epidemiológicas abrangentes a
ensaios clínicos de grande porte que mostram que o uso prolongado de respeito do desenvolvimento e da prevenção das doenças cardiovas-
hormonioterapia de reposição pode acarretar aumento do risco para culares em idosos e, provavelmente, o melhor entendimento do pa-
doença coronariana. Contudo, quando esses estudos são analisados com pel dos fatores de risco nesse contexto permitiria uma adequação de
uma visão mais crítica, é possível detectar interpretações que acabam medidas que poderiam alterar a evolução dessas doenças2.
gerando dúvidas sobre suas conclusões. Estudos experimentais têm de- A incidência de DCV na população aumenta dramaticamente com
monstrado resultados favoráveis, sugerindo que novos ensaios clínicos o envelhecimento. Esse aumento se processa temporalmente de maneira
diferente entre os sexos3 (figura 1). A morbi-letalidade no sexo feminino

FIGURA 1
tem maior incidência após a menopausa e em mulheres jovens com perda
da função gonadal (especialmente se for pós-cirúrgica). A partir da sétima
INCIDÊNCIA DAS DOENÇAS CARDIOVASCULARES, década ocorre uma diminuição do predomínio de eventos no sexo mas-
DE ACORDO COM A IDADE E O SEXO culino e após os 85 anos a incidência passa a ser maior nas mulheres.
Comparando-se mulheres de mesma idade entre 40 e 54 anos e
agrupando-as em pré e pós-menopáusicas observa-se que as perten-
centes ao segundo grupo apresentam duas vezes mais DCV4. Esses
dados podem pressupor um papel protetor da ação estrogênica ova-
riana junto aos vasos. É evidente que outros fatores de risco, tais
como tabagismo, dislipidemia, história familiar e hipertensão arte-
rial, poderão somar-se, aumentando o risco para DCV.

Interação entre estrogênios e endotélio


White e cols.,1950 As camadas arteriais funcionalmente importantes são repre-
sentadas por células musculares lisas e endotélio. Sabe-se que os
estrogênios exercem efeitos diretos e indiretos sobre os vasos. Um
*Endereço para correspondência: dos principais efeitos indiretos é a ação estrogênica sobre o metabo-
Hospital Brigadeiro – SUS lismo lipídico. Talvez esta seja uma das maiores evidências do efeito
Av. Brigadeiro Luís Antonio, 2.651 adverso da falência ovariana sobre as DCV. Vários estudos compara-
01404-901 – São Paulo, SP ram os níveis de colesterol e suas frações lipoprotéicas entre ho-
Tel.: (11) 3284-8974 – E-mail: clborrelli@globo.com mens e mulheres e, nestas, entre as usuárias ou não de TRH.

Volume 8 / Número 3 / 2005 91






Assim, verifica-se que as taxas de colesterol total, bem como da sua Embora no passado sempre tenha havido certa preocupação em prescre-

fração lipoprotéica de baixa densidade (LDL), aumentam com a idade em ver TRH a pacientes cardiopatas, hoje se sabe que a hormonioterapia de

ambos os sexos, mas se tornam mais evidentes nas mulheres pós- reposição nessas pacientes não piora a função cardíaca.

menopausadas. Estudos em animais demonstram a relação entre hormô- O risco do tabagismo sobre o sistema cardiovascular é muito

nios estrogênicos e o aumento dos receptores de LDL, sugerindo que a bem demonstrado por inúmeros estudos, seja como fator isolado ou

queda natural dos estrogênios diminui os níveis desses receptores com fator de somação quando associado à hipertensão arterial e dislipi-

conseqüente aumento da referida lipoproteína. Outros estudos demons- demias. Além disso, estima-se que o tabagismo inveterado pode an-

traram efeito oposto em relação às lipoproteínas de alta densidade (HDL)5. tecipar a menopausa em um a dois anos, quando se compara com a

Também foi demonstrado que a TRH reduz os níveis plasmáticos da situação de mulheres não-fumantes.

lipoproteína A (Lpa), importante fator de risco para a doença arterial crô- Finalmente vale destacar que, apesar de parecer oportuno correla-

nica, que tem determinação genética e cujos níveis pouco se alteram com cionar o aumento das DCV nas mulheres com níveis estrogênicos redu-

medidas higiênico-dietéticas6. Mais recentemente descreveu-se a ação an- zidos, estudos epidemiológicos não puderam mostrar tal correlação. A

tioxidante dos estrogênios sobre partículas de LDL-colesterol. Os estudos seguir apresentaremos os principais estudos que analisam o tema, bem

demonstraram que a velocidade de oxidação dessas partículas diminui como consensos estabelecidos por sociedades brasileiras e estrangeiras,

com a reposição hormonal com estrogênios. O LDL-colesterol modera- tentando dar uma visão prática e abrangente sobre o assunto.

damente oxidado é importante fator aterogênico, além de estimular a pro- Dentre as diversas publicações recentes, as de maior repercus-

dução do plasminogênio tecidual, modulador do sistema fibrinolítico são foram os estudos HERS I e II e o estudo WHI.

endógeno, que por sua vez também aumentaria o risco para DCV. Dessa
forma os estrogênios, além de reduzirem os níveis de LDL-colesterol, Estudo HERS I e II (“Heart and
impedem sua oxidação e indiretamente acabam por diminuir a atividade Estrogen/Progestin Replacement Study”)
fibrinolítica7. Os melhores trabalhos que comprovam o efeito benéfico
dos estrogênios sobre o metabolismo lipídico foram relacionados com Este estudo randomizado e duplo-cego, que teve início em me-
mulheres na vigência de hormonioterapia de reposição, com aumento sig- ados dos anos 90, foi liderado por pesquisadores da Universidade da
nificativo do HDL e diminuição do LDL-colesterol. Califórnia, São Francisco. Foram observadas 2.763 mulheres na pós-
Efeitos vasculares diretos também podem ser detectados. Os menopausa, portadoras de alguma cardiopatia, com idade abaixo de
receptores de estrogênio são encontrados nas células musculares li- 80 anos (média de 67 anos) e que não tivessem sido submetidas a
sas e no endotélio das artérias, e quando ativados atuam sobre o óxi- histerectomia11.
do nítrico, nas moléculas de adesão de células vasculares lisas, nas Os resultados no primeiro ano do estudo sugeriam que as pacientes
células musculares lisas e em macrófagos8, 9. com TRH e usando 0,625 mg de estrogênios conjugados com 2,5 mg de
No endotélio normal observamos a liberação de óxido nítrico acetato de medroxiprogesterona (EEC+AMP) tinham um risco aumenta-
mediante diferentes estímulos induzindo vasodilatação. Quando te- do para eventos de DCV quando comparadas com o grupo placebo. O
mos disfunção endotelial, há menor liberação de óxido nítrico, com estudo original previa uma avaliação média de 4,1 anos. Entretanto, após
conseqüente contração das células musculares lisas e vasoconstrição. o terceiro ano e até o quinto ano de observação os resultados mostraram
Os estrogênios podem promover vasodilatação agudamente e os me- que esse risco poderia ser menor entre as usuárias de TRH versus grupo
canismos vasodilatadores ocorrem por meio de efeitos sobre a função placebo, sugerindo a possibilidade de prevenção secundária da DCV. Por
dos canais de íons e estimulação na formação do óxido nítrico9, 10. esse motivo estendeu-se o estudo por um período adicional de 2,7 anos –
Além de atuarem no metabolismo lipídico, os estrogênios re- completando um total de 6,8 anos –, o que se denominou HERS II. Dessa
vertem a obesidade andróide (central), em que há aumento da gor- fase participaram 2.321 mulheres que passaram a ter conhecimento da
dura visceral e da gordura subcutânea abdominal (relação cintura/ medicação em uso (TRH ou placebo), com a opção de interromper ou
quadril > 0,85) e que hoje vêm sendo relacionadas com aumento de trocar seus tratamentos. Ao final concluiu-se que as mulheres usuárias de
risco para doença coronariana isquêmica (DCI). TRH não apresentaram diminuição no número de eventos coronarianos
Os estrogênios têm uma ação inotrópica positiva no coração, ou morte por DCV quando comparadas com o grupo placebo, sugerindo
provocando aumento do débito cardíaco e da velocidade do fluxo então que o uso de TRH não promove prevenção secundária para DCV.
arterial. Isso acontece por meio do aumento da massa ventricular, Contudo, ao nosso ver, apesar de gerar grande impacto junto à
aumentando a fração de ejeção ventricular. Ocorre, ainda, aumento comunidade médica, esse estudo mereceu algumas críticas. Em primei-
dos volumes plasmático e sangüíneo, por ação direta no miocárdio e ro lugar, todas as mulheres eram portadoras de doença cardíaca e estes
melhora das contrações das células musculares cardíacas, por blo- resultados podem não se aplicar a mulheres sem doença prévia. Segun-
queio da entrada de cálcio no espaço intracelular. do, o fato de algumas mulheres terem interrompido o tratamento e/ou
Embora a pressão sangüínea na mulher obedeça tendência a au- mudado de grupo na última fase reduz o poder do estudo para detectar a
mentar gradualmente com a idade, a relação direta entre a hipertensão persistência dos possíveis benefícios da TRH no controle de eventos de
arterial e o período pós-menopausal ainda não foi estabelecida em gran- doença cardíaca. Terceiro, apesar de as mulheres serem indagadas sobre
de parte dos estudos que tentaram demonstrar tal associação.Também o uso de outras medicações, como aspirina, redutores de colesterol, ou-
não podem ser esquecidas as alterações da massa corpórea, que costu- tros hormônios e betabloqueadores, não há como avaliar os efeitos des-
mam ocorrer nesse período da vida da mulher, e as evidências da asso- sas outras drogas no resultado do estudo. Finalmente, pode-se também
ciação desse evento com alterações das pressões sistólica e diastólica. argumentar que o emprego de outros tipos de hormonioterapia de repo-
Assim é possível que o aumento dos níveis pressóricos na mulher sição poderia levar a diferentes conclusões, sugerindo que novos estu-
climatérica esteja mais relacionado à idade do que às taxas hormonais. dos randomizados devem ser realizados.

92 HIPERTENSÃO
Estudo WHI (“Women’s Health Initiative”)
FIGURA 2
Talvez seja um dos estudos mais discutidos nos últimos três anos GRÁFICO DOS EVENTOS AVALIADOS NO ESTUDO WHI
em sociedades de ginecologistas de todo o mundo, provavelmente por
se tratar de estudo multicêntrico, randomizado, duplo-cego e envol-
vendo 27.347 mulheres na pós-menopausa. Todas tinham entre 50 e
79 anos e foram divididas em dois grupos; um deles foi composto por
16.608 mulheres com útero intacto, e metade delas recebeu TRH com
a mesma formulação e dosagem do estudo HERS I; a outra metade
recebeu placebo. O outro grupo era composto por mulheres que ha-
viam sido submetidas a histerectomia por causas não-oncológicas. Des-
sas, metade recebeu somente estrógenos eqüinos conjugados (EEC:
0,625 mg) e foi radomizada com grupo placebo11.
Entre outros, um dos objetivos desse estudo era obter prevenção
primária para DCV durante avaliação prevista para oito anos. Após 5,2
anos, em julho de 2002 o comitê de segurança resolveu interromper o
estudo para o grupo das usuárias de formulação combinada EEC + AMP.
Modificado de WHI study website (www.whi.org)
Um dos motivos, contrariamente ao que se esperava, foi a constatação
de um acréscimo em 29% do risco para DCV (RR 1,29: IC 95%; 1,02 –
1,63), com sete eventos/ano a mais por 10 mil mulheres avaliadas, quan- A escolha dessa espécie de macacas deveu-se ao fato de que elas com-
do comparadas com o grupo placebo (37 x 30). Porém, o grupo de mu- partilham com as mulheres 90% do seu genoma. Quando maduras, têm
lheres histerectomizadas continuou sendo observado até março de 2004, estros de 28 dias com variações de esteróides sexuais e gonadotrofinas
quando os pesquisadores responsáveis pelo estudo, julgando a avaliação semelhantes às da mulher. Além disso, as macacas cynomolgus asseme-
suficiente, interromperam o estudo. Assim, o uso de EEC isolado para lham-se com humanos na suscetibilidade de apresentarem aterosclerose
mulheres na pós-menopausa (sem útero), apesar de não apresentar sig- dieta-induzida. Dois anos de menopausa induzida nos animais são equi-
nificância estatística, mostrou quatro eventos/ano a menos por 10 mil valentes a seis anos na espécie humana14–16.
mulheres, em comparação com o grupo placebo (49 x 53). Em um de seus estudos Clarkson dividiu as macacas em três gru-
Em nossa avaliação, apesar de se apresentar como um estudo muito pos. Em uma primeira fase (pré-menopausa), dois grupos são mantidos
bem desenhado, o WHI revela alguns pontos controversos. Pois bem, um com dietas saudáveis hipo-aterogênicas e um terceiro grupo é mantido
dos objetivos do estudo era demonstrar que a hormonioterapia pelo mesmo período com dieta essencialmente aterogênica. Após 24 me-
estroprogestativa poderia ser útil na prevenção primária da DCV, ou seja, ses todas foram submetidas à ooforectomia bilateral criando-se o modelo
inibir a formação e progressão da aterogênese, papel que vem sendo experimental da pós-menopausa. Após a castração, alguns grupos muda-
sugerido em estudos observacionais e em modelos experimentais12, 13. ram seus regimes dietéticos (figura 3) e imediatamente passaram a rece-
Contudo, dois terços das mulheres do estudo tinham mais de 60 ber hormonioterapia com estrogênios eqüinos conjugados (EEC) 0,625
anos (média etária de 63,2 anos) e com dez anos ou mais em período mg/dia (simulando TRH precoce). O último grupo foi subdividido em
pós-menopáusico. Quase 80% nunca havia recebido TRH. Grande parte dois outros que, durante 24 meses, se mantiveram apenas com dietas pro-
já apresentava fator de risco para as complicações encontradas: 35% gramadas. Após esse período um deles passou a receber EEC (simulando
das mulheres em tratamento eram comprovadamente hipertensas, 34% TRH tardia). Todos os grupos foram comparados com macacas que rece-
apresentavam índice de massa corporal acima de 30 e mais da metade beram o mesmo cuidado alimentar utilizando-se placebo.
do grupo (55%) era fumantes ou ex-fumante. É muito provável que Espécimes das artérias coronárias de todos os grupos foram sub-
nessas condições uma grande parte dessas mulheres já havia desenca- metidos a estudo histológico. Os pesquisadores constataram que no
deado a formação de placas ateromatosas (com inflamação e necro- material estudado das macacas pertencentes ao primeiro grupo havia
se), tornando a prevenção primária improvável12, 13. 70% menos comprometimento ateromatoso; no segundo, 50% e no ter-
Estudos experimentais bem desenhados em macacas sugerem ceiro, 0% quando comparados com os grupos placebos (figura 3).
que tal prevenção é possível. Assim, os resultados do estudo WHI
devem ser considerados válidos apenas para TRH com a formulação FEBRASGO – SOBRAC – ACOG
e dosagem oferecidas e quando administrada a mulheres com as ca-
racterísticas apresentadas. A prevenção primária ainda deve ser con- No Brasil, a Sociedade Brasileira das Associações de Ginecolo-
siderada e estudos bem desenhados, com outras associações e gia e Obstetrícia (FEBRASGO), por meio de seu manual de orienta-
baixas dosagens, devem ser estimulados. ção de 2004, manifesta suas diretrizes ressaltando que: “O objetivo da
prevenção primária é inibir a progressão da aterosclerose na coronária,
Estudos experimentais impedindo a formação, o crescimento e a instabilidade da placa
aterosclerótica. Várias evidências mostram que o estrogênio pode exer-
Clarkson TB, do “Comparative Medicine Clinical Research cer este papel”. O manual enfatiza ainda: “Apesar das recentes publi-
Center”, “Wake Forest University School of Medicine, Winston-Salem”, cações é possível, com base na plausibilidade biológica e nos estudos
Carolina do Norte, protagonizou inúmeros estudos experimentais com observacionais, que os estrogênios possam ter papel importante na
macacas cynomolgus pós-menopausadas através de castração cirúrgica. prevenção primária da DCV quando iniciados precocemente”.

Volume 8 / Número 3 / 2005 93






FIGURA 3 tuir as medidas de prevenção das doenças cardiovasculares já consa-



gradas pela comunidade médica”.


DESENHO DE ESTUDO EXPERIMENTAL COM MACACAS Por sua vez o “American College of Obstetricians and

CYNOMOLGUS – RANDOMIZADO TRH X PLACEBO NA


Gynecologists” (ACOG), em sua reunião anual, em abril de 2004 na


DIMINUIÇÃO ATEROGÊNICA Filadélfia , afirma em suas recomendações que a hormonioterapia



não deve ser recomendada para prevenção primária ou secundária da


DCV, porém os dados dos estudos HERS ou WHI não podem ser

extrapolados para pacientes na perimenopausa ou menopausa prema-



tura, pois essas mulheres poderão ser beneficiadas com a terapia de re-

posição hormonal, conforme direcionam alguns estudos experimentais.




Conclusões


Após todas as considerações aqui abordadas e valorizando os ní-



veis de evidência e graus de recomendação dos estudos e consensos,


queremos enfatizar que as conclusões obtidas a partir dos estudos de



grande impacto são válidas para aquelas pacientes que obedeceram a


Clarkson TB seus critérios de inclusão, com faixas etárias médias de 64 a 67 anos e


regimes terapêuticos com drogas e doses que já fazem parte do passado,
A Sociedade Brasileira de Climatério (SOBRAC) por sua vez não-usuais nos dias de hoje.
reuniu cerca de 50 especialistas e em agosto de 2004 divulgou seu Conforme orientação das diversas sociedades de especialistas,
“Consenso sobre a Terapêutica Hormonal na Menopausa”. Nesse do- achamos que as terapias hormonais de reposição devem ter indica-
cumento a SOBRAC vai mais além e relata um aspecto importante ções precisas e serão particularmente beneficiadas aquelas pacien-
da TRH versus o risco vascular, a chamada “janela de oportunida- tes que sofrem com os sintomas de hipoestrogenismo, como ondas
de”, que pressupõe a existência de um período oportuno para iniciar de calor, sintomas urogenitais (dispareunias com alterações no de-
a terapia e prevenir as conseqüências da deficiência estrogênica. Se sempenho sexual, incontinência e infecções urinárias), fadiga, insô-
ultrapassada esta fase ou perdida a oportunidade, a TRH não seria nia e alterações do humor. Apesar de não se apresentar como sinto-
eficaz para prevenir distúrbios do coração. matologia declarada, a TRH também é indicada na prevenção e tra-
O consenso informa ainda que: “Não se pode afirmar que a tamento da osteoporose. Estudos experimentais sugerem que a tera-
TRH só apresente riscos cardiovasculares e não ofereça qualquer pia estroprogestativa apresenta benefícios ao sistema conectivo. Ape-
benefício de proteção. Apesar da necessidade de confirmação por sar de não haver proteção comprovada para DCV, acreditamos que,
estudos controlados, parece que a terapia, se corretamente emprega- especialmente nos casos de perimenopausa e menopausa recente é
da, pode ser de grande valor na prevenção primária das DCV”. O possível atingir estes benefícios. Assim também compartilhamos a
documento finaliza suas considerações sobre o assunto afirmando idéia de que estudos bem desenhados, utilizando compostos em do-
que: “Devido à ausência de comprovação deste aspecto, esta indica- ses baixas e formulações atuais, devem esclarecer, em futuro próxi-
ção não pode ser recomendável. Além disso, a TRH não deve substi- mo, as controvérsias do presente.

Referências bibliográficas
1. WAJNGARTEN, M. Epidemiologia das doenças cardiovasculares. 10. MOCANDA, S.; HIGGS, A. The l-arginine-nitric oxide pathway. N. Engl. J.
Cardiogeriatria. São Paulo: Rocca, 2004. p. 3–11. Med., v. 329, p. 2002–2012, 1993.
2. GIATTI, L.; BARRETTO, S. M. Women’s work and health among Brazilian 11. GRADY, D. et al. Cardiovascular disease outcomes during 6.8 years of
elderly. Rev. Saúde Pública, v. 19, p. 759–771, 2003. hormone replacement therapy. Heart and Estrogen/Progestin Replacement
3. WHITE, N. K.; EDWARDS, J. E.; DRY, T. J. The relationship of the degree of Study Follow-up (HERS II). J. Am. Med. Association., v. 288, p. 49–57,
coronary atherosclerosis with age. Circulation, v. 1, p. 645–654, 1950. 2002.
4. MCCUBBIN, J. A.; HELFER, S. G.; SWITZER, F. S. 3RD.; PRICE, T. M. Blood 12. NAFTOLIN, F.; TAYLOR, H. S.; CLARKSON, T. B. et al. The Women’s
pressure control and hormone replacement therapy in postmenopausal women at Health Initiative could not have detected cardioprotective effects of starting
risk for coronary heart disease. Am. Heart. J., v. 143, p. 711–717, 2002. hormone therapy during the menopausal transition. Fertil. Steril., v. 81, p.
5. WALSH, B. W.; SCHIFF, I.; ROSNER, B. et al. Efeccts of póst-menopausal 1498–1501, 2004.
estrogen replacement on the concentrations and metabolism of plasma 13. GOODMAN, N.; GOLDIZIEHER, J.; AYALA, C. R. N. Critique of the report
lipoproteins. N. Engl. J. Med., v. 325, p. 1196–1204, 1991. from the Writing Group of the WHI. American Society for Reproductive
6. SOMA, M. R.; OSNAGO-GADDA, I.; PAOLETTI, R. et al. The lowering of Medicine. Menopausal. Med., v. 10, p. 1–5, 2003.
lipoprotein[a] induced by estrogen plus progesterone replacement therapy in 14. RICHARD, H. K.; CLARKSON, T. B. Considerations in interpreting the car-
post-menopausal women. Arch. Intern. Med., v. 153, p. 1462–1468, 1993. diovascular effects of hormone replacement therapy observed in the WHI:
7. SACK, M. N.; RADER, D. J.; O‘CANNON III, R.O. Oestradiol and inhibition timing is everything. American Society for Reproductive Medicine.
of oxidation of low-density lipoproteins in postmenopausal women. Lancet, Menopausal. Med, v. 10, p. 8–12, 2003.
v. 343, p. 269–270, 1994. 15. WILLIAMS, J. K.; HONORE, E. K.; WASHBURN, S. A.; CLARKSON, T.
8. POWER, R. F.; MANI, S. K.; CODINA, J. et al. Dopaminergic and ligand- B. Effects of hormone replacement therapy on reactivity of atherosclerotic
independent activation of steroid hormone receptors. Science, v. 254, p. 1636– coronary arteries in cynomolgus monkeys. J. Am. Coll. Cardiol., v. 24,
1639, 1991. p.1757–1761, 1994.
9. GEBARA, O. C. E.; VIEIRA, N. W.; ALDRIGHI, J. M. Interações entre 16. ANTHONY, M.S.; CLARKSON, T. B. Does extent of pretreatment
estrogênios e endotélio. In: LUZ, P. L.; LAURINDO, F. R. M.; CHAGAS, A. atherosclerosis influence the effects of conjugated equine strogens on
C. P. O Endotélio. São Paulo: Atheneu, 2003. p. 281–295. atherosclerosis progression? J. Am. Coll. Cardiol., v. 39, p. 248A, 2002.

94 HIPERTENSÃO
Hipertensão arterial

C



ASO


acelerada-maligna




LÍNICO


induzida por





contraceptivo oral






Comentários: Paciente de 21 anos de idade, bran- térica, eupnéica, hidratada.


ca, foi admitida no hospital com quadro • Pressão arterial: 280/180 mmHg.
clínico de cefaléia intensa, náuseas e • Freqüência cardíaca: 92 bati-
Luiz Aparecido Bortolotto coma. Paciente previamente hígida, sem mentos por minuto rítmico.
Médico Assistente da Unidade de antecedentes cardiovasculares e sem sin- • Neurológico: paciente inconsci-
Hipertensão do InCor tomas, foi submetida sete meses antes da ente, reagindo a estímulos com
internação a um parto cesáreo após uma reflexos presentes, sem sinais
gravidez normal durante a qual a pres- localizatórios.
são arterial se manteve dentro dos níveis • Coração: bulhas rítmicas, B2 hi-
de normalidade durante todo o período. perfonética em foco aórtico e 4a
Um mês após o parto, ela iniciou uso de bulha sem sopros.
contraceptivo oral (etinilestradiol 30 µg • Pulmões: murmúrio vesicular
e levonorgestrel 150 µg). Três meses mais presente e sem ruídos adventí-
tarde desenvolveu quadro de cefaléia e cios.
fadiga de moderada intensidade e, no • Abdome globoso, flácido, indo-
dia da admissão, ela apresentou quadro lor, ruídos hidroaéreos presen-
de intensa cefaléia acompanhada de ná- tes e normais.
useas e vômitos seguido de convulsões, • Membros sem edemas.
sendo admitida em unidade de terapia in- • Pulsos presentes e simétricos
tensiva. bilateralmente.
• Fundoscopia; papiledema bila-
Antecedentes pessoais: sem histó- teral, exsudatos algodonosos em
ria de cirurgia prévia exceto o parto ce- ambos os olhos e algumas he-
sáreo. Não fazia uso de qualquer outro morragias perimaculares.
medicamento, exceto o anticoncepcional,
e não apresentava história de consumo Laboratório de admissão
de drogas ilícitas. • Uréia: 66 mg/dL;
• Creatinina sérica: 2,3 mg/dL;
Hábitos: negava tabagismo e etilis- • “Clearance” de creatinina: 54
mo. Não fazia atividade física regular. ml/min;
• Sódio: 142 mEq/L;
Antecedentes familiares: pai hi- • Potássio: 3,5 mEq/L;
pertenso. Mãe hipertensa e com dislipi- • Hemoglobina: 13,5;
demia. • Hematócrito: 38%;
Endereço para correspondência: • Glicemia de jejum: 88 mg/dL;
Unidade de Hipertensão • Colesterol total: 160 mg/dL;
Instituto do Coração Admissão • HDL-colesterol: 48 mg/dL;
Av. Dr. Enéas Carvalho Aguiar, 44 • LDL-colesterol: 100 mg/dL;
Cerqueira César Exame Físico • Triglicérides 150 mg/dL;
05403-904 – São Paulo – SP • Estado geral: MEG, paciente em • Ácido úrico 8,3 mg/dL;
E-mail: hipluiz@incor.usp.br coma, eupnéica, acianótica anic- • Sedimento urinário normal;

Volume 8 / Número 3 / 2005 95


• Proteinúria de 24 horas negati- te, restabelecendo-se após o quinto dia ta, hiperaldosteronismo primário e feo-
va; com níveis de uréia de 50 mg/dL e crea- cromocitoma, foram afastadas. Havia
• Eletrocardiograma: sinais de hi- tinina de 2,0 mg/dL. Realizou então a uma associação muito clara do desenvol-
pertrofia ventricular esquerda investigação laboratorial assinalada aci- vimento da hipertensão arterial com o
(índice de Sokolow 40; altera- ma, e após sete dias a paciente recebeu uso de contraceptivo oral, pois previa-
ções de repolarização ventricu- alta em boas condições, com pressão ar- mente ao uso a paciente era compro-
lar tipo “strain”. terial de 140/95 mmHg, creatinina de 2,1 vadamente normotensa, inclusive com
mg/dL, em uso de furosemida 40 mg, uma gestação normal antecedendo ao
Ecocardiograma: captopril 150 mg/dia, propranolol 160 uso do contraceptivo. Além disso, hou-
• Espessura septal: 13 mm; mg/dia, sem o uso do contraceptivo oral ve melhora importante do controle da
• Diâmetro diastólico ventricular: e com a recomendação de utilizar outro pressão arterial após a suspensão do
49 mm; método contraceptivo não-hormonal. contraceptivo e a paciente não apresen-
• Fração de ejeção: 72%; Após três anos de seguimento, a tou mais quadro semelhante na evolu-
• Índice de massa ventricular: paciente está normotensa, usando ape- ção a longo prazo.
190 g/m2. nas uma medicação anti-hipertensiva, Embora rara, alguns casos de hiper-
Exames para pesquisa de hiperten- com melhora da função renal (creatini- tensão maligna induzidos por anticon-
são secundária: na 1,5 mg/dL) e regressão da hipertrofia cepcionais orais foram descritos na lite-
• Metanefrinas urinárias: 0,9 mg/ ventricular esquerda (ecocardiograma = ratura. A associação de hipertensão ar-
mg de creatinina; espessura septal = 10 mm; diâmetro dias- terial e contraceptivo oral é descrita des-
• T4 livre: 1,3 mg/dL; tólico ventricular = 40 mm; índice de de a introdução do método, por volta de
• TSH: 2,0 mg/dL; massa ventricular = 100 g/m2). 1960. De um modo geral, os contracep-
• Atividade de renina plasmática: tivos contendo estrógenos e progestero-
10 pg/ml/h; na podem aumentar a pressão arterial de
• Aldosterona plasmática: 18 pg/ml, Discussão 4 a 9 mmHg em relação à pressão arteri-
• Arteriografia renal normal. al basal. Freqüentemente essa elevação
• Outros exames: tomografia de A paciente em questão apresenta di- da pressão arterial é sem relevância clí-
crânio: edema cerebral difuso; agnóstico de hipertensão arterial acele- nica, mas 5% das mulheres jovens usuá-
exames para pesquisa de cola- rada-maligna induzida por anticoncepci- rias de contraceptivos orais atingem os
genoses incluindo FAN, anti- onal oral. O diagnóstico de hipertensão critérios para o diagnóstico de hiperten-
DNA, anticardiolipina foram acelerada-maligna foi suspeitado pelo são arterial (PA > 140/90 mmHg). A hi-
negativas. quadro clínico de encefalopatia hiperten- pertensão arterial é duas vezes mais fre-
• Biopsia renal: nefrosclerose ma- siva (cefaléia intensa, náuseas, convul- qüente em mulheres usuárias de anticon-
ligna (necrose fibrinóide de ar- são e coma) pelos níveis de pressão ar- cepcionais do que naquelas que não usam
teríolas aferentes). terial extremamente elevados (280/180 a pílula. O risco aumenta com idade,
mmHg), e confirmado pelo fundo de duração do uso e com o aumento da mas-
olho, que demonstrou papiledema e ex- sa corporal. O efeito hipertensivo dos
Evolução sudatos e hemorragias (grau IV da clas- contraceptivos também é maior com do-
sificação de Keith-Wagener). Além dis- ses mais elevadas de estrógeno e quase
A paciente reverteu do quadro co- so, esse diagnóstico pôde ser corrobora- não existe nas pílulas contendo apenas
matoso 24 horas depois do controle da do pela presença de lesões graves e pro- progestágenos. Os contraceptivos orais
pressão arterial com nitroprussiato de gressivas em órgãos-alvo da hipertensão em uso atualmente têm doses mais bai-
sódio na unidade de terapia intensiva. A arterial, quer seja a encefalopatia, a in- xas de etinilestradiol do que as anterior-
paciente começou a ingerir medicações suficiência renal e a hipertrofia ventri- mente usadas (20–35 mg). Dessa forma
via oral para o controle da pressão arte- cular esquerda importante demonstrada a incidência atual de hipertensão arteri-
rial, iniciando com furosemida 40 mg/ pelo ecocardiograma, e teve a confirma- al induzida por contraceptivo oral pode
dia, captopril 150 mg/dia e propranolol ção definitiva pela biopsia renal, que evi- ser menor do que previamente relatado.
160 mg/dia, sendo retirado o nitroprus- denciou a nefrosclerose maligna, carac- No entanto, dados recentemente publi-
siato 36 horas após a admissão. terizada por necrose fibrinóide das arte- cados sugerem que mesmo esses contra-
A paciente evoluiu com melhora ríolas renais. Em uma paciente jovem ceptivos com baixa dosagem aumentam
progressiva do quadro neurológico e no com esse diagnóstico, deve ser obriga- o risco de hipertensão arterial e que o
quinto dia da internação estava consci- toriamente afastada uma causa secundá- risco aumenta com a duração do uso. Na
ente, orientada, mantendo pressão arte- ria de hipertensão arterial, pois a preva- paciente em questão, a dose do estróge-
rial de 140/90 mmHg em uso do esque- lência de hipertensão secundária induzin- no era baixa. Os contraceptivos orais
ma terapêutico assinalado acima. Apre- do hipertensão maligna fica ao redor de podem causar hipertensão “de novo” ou
sentou, nas primeiras 48 horas, elevação 30%. Na paciente em questão, todas as podem simplesmente acelerar uma pro-
da uréia e creatinina, chegando a níveis causas mais freqüentes, tais como hiper- pensão para a hipertensão primária que
de 120 mg/dL e 4 mg/dL, respectivamen- tensão renovascular, coarctação de aor- eventualmente apareceria espontanea-

96 HIPERTENSÃO
mente. O mecanismo exato para a hiper- va e controle da pressão arterial com dro- minuir a quantidade de medicações ou
tensão induzida por contraceptivo oral é gas parenterais, no caso o nitroprussiato até suspender se a pressão se mantiver
desconhecido, mas alterações hemodinâ- de sódio. O controle deve ser rápido, mas sob controle após seis meses de suspen-
micas, do sistema renina-angiotensina- não excessivamente rápido e nem para são do contraceptivo. A paciente cujo
aldosterona e à sensibilidade na insulina níveis normais de pressão arterial, pois caso discute-se aqui permaneceu com
têm sido identificadas. Os estrógenos devido aos mecanismos de auto-regula- três medicações no inicio, devido à gra-
sintéticos e a progesterona aumentam a ção a queda rápida e excessiva da pres- vidade do processo hipertensivo, mas de-
síntese hepática do substrato da renina são arterial nesses casos poderia causar pois de seis meses conseguiu controle da
por induzir a expressão do mRNA angi- hipofluxo e isquemia cerebral. O ideal é pressão apenas com uma medicação e na
otensinogênio, e conseqüentemente fa- programar uma redução de 25% da pres- evolução de longo prazo manteve-se bem
cilitam a ativação do sistema renina-an- são arterial média na primeira hora e controlada com apenas baixas doses de
giotensina. manutenção da pressão ao redor de 160/ diurético. Essa boa evolução após sus-
A hipertensão maligna é rara em pa- 100 mmHg nas horas seguintes, introdu- pensão do contraceptivo vai ao encontro
cientes com hipertensão induzida por an- zindo-se medicação por via oral assim da melhor sobrevida de hipertensão ma-
ticoncepcional oral, mas pode ocorrer que possível. Na hipertensão maligna, ligna relacionada ao uso de CO (90% em
por formação de microtrombos provoca- como existe comprovada hiperatividade dez anos) do que a observada na hiper-
dos pelo uso do contraceptivo que indu- do sistema renina-angiotensina-aldoste- tensão maligna por outras etiologias
ziria isquemia renal, além de provável rona e do sistema nervoso simpático, (50% em dez anos).
disfunção endotelial associada que de- uma associação eficaz pode ser obtida De acordo com as recomendações
sencadearia o processo de malignização. com o uso de bloqueadores adrenérgicos da OMS, contraceptivos orais são con-
(betabloqueadores ou agonistas adrenér- tra-indicados somente se a pressão arte-
gicos centrais) e inibidores da enzima rial estiver maior ou igual a 160/100
Abordagem terapêutica conversora, além de diurético, se for ne- mmHg, mas devido ao risco aumentado
cessária uma terceira classe, como foi de AVC e infarto do miocárdio em usuá-
A paciente foi admitida no hospital utilizado nessa paciente. rias de contraceptivos orais, os médicos
apresentando quadro de encefalopatia hi- Quanto à abordagem da hipertensão devem ter cautela ao prescrever esses
pertensiva superajuntado ao diagnóstico arterial induzida por anticoncepcional contraceptivos mesmo em mulheres com
de hipertensão acelerada-maligna. A oral, recomenda-se suspensão do contra- discreta elevação da pressão arterial. Ne-
maioria dos casos de hipertensão malig- ceptivo e observação por três a seis me- nhum dado mostra que o tratamento anti-
na se apresenta como urgência hiperten- ses, que é o tempo esperado de reversão hipertensivo modifica riscos cardiovas-
siva, em que não existe risco iminente da hipertensão induzida pelos contracep- culares em usuárias de anticoncepcio-
de morte, mas ocorrem lesões progres- tivos orais. Não se deve esquecer que a nais, embora os riscos sejam reduzidos
sivas de órgãos-alvo, e o controle da pres- suspensão da pílula deve ser feita após em mulheres que não usam esse méto-
são arterial deve ser feito de 24 a 72 ho- confirmação do uso de um outro méto- do.
ras para bloquear a evolução das lesões, do contraceptivo, visto que uma gravi- Embora seja preferível evitar o uso
principalmente rins e coração, responsá- dez pode ter mais riscos do que a hiper- de contraceptivos em mulheres com pres-
veis pela morbidade e mortalidade nes- tensão existente. Essa recomendação são elevada, essa modalidade de contra-
ses pacientes. No entanto, nossa pacien- pode ser feita principalmente nos casos cepção pode ser considerada em pacien-
te apresentava quadro de emergência hi- de hipertensão leve, mas nos casos mais tes cuidadosamente selecionadas quan-
pertensiva, qual seja, a encefalopatia hi- graves deve ser introduzida medicação do o risco de uma gestação parece ser
pertensiva, cujo tratamento implica in- anti-hipertensiva para o controle da pres- maior do que os riscos de uma hiperten-
ternação em unidade de terapia intensi- são e depois pode-se gradativamente di- são leve.

Volume 8 / Número 3 / 2005 97



EPIDEMIOLOGIA


Efeito das dietas Mediterrânea e





DASH na prevenção de doenças




cardiovasculares








Autoras: As doenças crônicas não-transmissíveis constituem a prin-


cipal causa de morte no mundo, com destaque para a doença



cardiovascular, responsável por cerca de 17 milhões de óbitos


Ruth Liane Henn em 20021. No Brasil, cerca de 32% das 810 mil mortes ocorri-

Doutoranda do Programa de Pós-graduação em das em 2000 foram decorrentes de doenças do aparelho circu-

Epidemiologia, Faculdade de Medicina, Universidade latório, sendo que cardiopatia isquêmica e doença cerebro-

vascular foram responsáveis por dois terços dos óbitos2.


Federal do Rio Grande do Sul


Entre os fatores de risco para doença cardiovascular, a
Analisa Celestini hipertensão arterial, as dislipidemias e o tabagismo são os
mais freqüentemente investigados3,4. Estudos realizados em
Carolina de Ávila Rodrigues várias cidades do Brasil identificaram que 22% a 44% da
Mestranda do Programa de Pós-graduação em população adulta apresenta hipertensão arterial5; 8% a 21%,
Medicina, Ciências Médicas, Faculdade de Medicina, obesidade6, e 8,8% possui níveis elevados de colesterol7. Além
Universidade Federal do Rio Grande do Sul desses fatores de risco para doença cardiovascular, destaca-se
o risco decorrente do consumo de uma dieta não-saudável.
Sandra Costa Fuchs* Não há um padrão único de dieta não-saudável, mas elemen-
Doutora em Medicina, Clínica Médica, UFRGS; Pós- tos comuns que incluem o consumo elevado de carne verme-
lha, gordura saturada, carboidratos simples e ingestão reduzi-
Doutorado na Johns Hopkins University, EUA;
da de fibras. Esse padrão caracteriza a dieta ocidental, asso-
Coordenadora do Programa de Pós-graduação em
cia-se a epidemia de obesidade e a prevalência de doenças
Medicina, Ciências Médicas, Faculdade de Medicina, não-transmissíveis8.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul No contexto de prevenção há duas dietas: Mediterrânea,
“DASH – Dietary Approaches to Stop Hypertension”, para as
quais há evidências de efeito benéfico, seja reduzindo a inci-
dência de doença cardiovascular ou os níveis pressóricos9.
Neste artigo revisa-se o efeito das duas dietas, Mediterrânea e
DASH, na prevenção de doença cardiovascular.

Dieta Mediterrânea
Em 1958, Keys e colaboradores investigaram o efeito da
dieta sobre a etiologia da doença coronariana arrolando
12.763 homens com idade entre 40 e 59 anos, provenientes de
sete países “Seven Countries Study” – Estados Unidos, Ja-
pão, Finlândia, Holanda, Itália, Grécia e antiga Iugoslávia – e
acompanhando-os durante 25 anos. Verificou-se uma diferen-
ça de até dez vezes na incidência de doença coronariana entre
os países, sendo que a população de Creta apresentou a menor
taxa, apesar do consumo elevado de gordura total. Os resultados
foram atribuídos ao alto consumo de azeite de oliva, rico em
ácido graxo monoinsaturado, e à baixa ingestão de gordura
saturada, dando origem ao conceito de dieta Mediterrânea10.
*Endereço para correspondência: Não existe uma dieta Mediterrânea única, uma vez que
Rua Felipe de Oliveira, 987 – apto 901 mais de 15 países cercam o Mar Mediterrâneo e as populações
90630-000 – Porto Alegre – RS possuem culturas, religiões e hábitos alimentares diferentes. A
E-mail: scfuchs@terra.com.br dieta tradicional da Grécia e de algumas regiões da Itália tem

98 HIPERTENSÃO
TABELA 1 freqüência de consumo alimentar, mortalidade
geral e por doença coronariana. Os autores cons-
CARACTERÍSTICAS DA DIETA MEDITERRÂNEA E DA DIETA truíram um escore a partir da distribuição de con-
RECOMENDADA PELA “AMERICAN HEART ASSOCIATION” (AHA) sumo de cada alimento, estabelecendo ingestão
ETAPA I UTILIZADAS NO ESTUDO DE LYON benéfica de acordo com a quantidade: ingestão
igual ou superior à mediana para o consumo de
Características Dieta Mediterrânea Etapa I da AHA vegetais, legumes, frutas, nozes, cereais, peixe,
Total de calorias 1947 Atingir e manter predomínio de azeite de oliva; e inferior à medi-
o peso desejável ana para produtos lácteos, alimentos contendo
Gordura (% das calorias totais) 30,4 < 30 lipídios saturados, carne vermelha e frango (ta-
Gordura saturada (% das calorias totais) 8 8–10 bela 2)16. O consumo regular de álcool, princi-
palmente de vinho, durante as refeições fazia
Gordura poliinsaturada (% das calorias totais) 4,6 < 10 parte da dieta. Atribuíram um ponto para o con-
Gordura monoinsaturada (% das calorias totais) 12,9 < 15 sumo recomendado ou zero para a ingestão
Proteínas (% das calorias totais) 16,8 ≈ 15 aquém daquela recomendada, gerando um esco-
re que variou de 0 a 9, com valores elevados
Fibras (g/dia) 18,6 20–30 indicando maior adesão à dieta. Em 44 meses de
Colesterol (mg/dia) 203 < 300 seguimento, observou-se redução de 25% na
Fonte: Kris-Etherton et al13
mortalidade total e de 33% na mortalidade por
doença coronariana entre os participantes que
aumentaram dois pontos no escore em relação à
sido preconizada como uma dieta saudável, e levou à constru- linha de base.
ção de uma pirâmide com os componentes da dieta Mediterrâ- O efeito do consumo elevado de frutas e verduras, um
nea tradicional11,12. dos componentes da dieta do Mediterrâneo, foi investigado
O “Lyon Diet Study” foi o primeiro estudo a documen- em uma grande coorte americana17. Os participantes que con-
tar o efeito da dieta Mediterrânea em ensaio clínico rando- sumiam frutas ou verduras em maior quantidade (quintil su-
mizado12. Pacientes com idade inferior a 70
anos, sobreviventes do primeiro infarto
agudo do miocárdio, foram alocados alea- TABELA 2
toriamente para seguir uma dieta do tipo
FREQÜÊNCIA DE CONSUMO E PORÇÕES DOS ALIMENTOS
Mediterrânea ou não receberam recomen-
QUE COMPÕEM AS DIETAS MEDITERRÂNEA* E DASH**
dação específica. Os participantes do gru-
po controle foram orientados por seus mé- Alimentos Dieta Mediterrânea Dieta DASH
dicos a consumir uma dieta à base de fru-
Cereais e derivados – preferencialmente
tas, verduras, grãos integrais, frango e pei-
não-refinados (arroz, massa ou pão integral) 8 /dia 7–8 /dia
xe, a chamada dieta prudente 8. A tabela 1
apresenta os componentes da dieta utiliza- Laticínios com baixo teor ou sem gordura 2–3 /dia
da no estudo e a recomendação da Laticínios com teor usual de gordura 2 /dia
“American Heart Association”13. Diante dos Frutas 3 /dia 4–5 /dia
resultados da análise interina, realizada aos Vegetais 6 /dia
4–5 /dia
27 meses de seguimento, mostrando uma Batata 2–3 /semana
redução relativa de 76% de infarto não-fa-
Azeitonas 3–4 /semana
tal e óbito por doença coronariana devido
Tipo de óleo Oliva adicionado ou na Oliva, canola,
à dieta Mediterrânea, o ensaio clínico foi
preparação da comida girassol, milho
interrompido e os resultados divulgados
Óleo, maionese, molhos para salada 2–3 colheres /dia
aos participantes. Passados 19 meses, os par-
ticipantes foram reavaliados e o grupo origi- Nozes, amêndoas, amendoim 3–4 /semana 4–5 /semana
nalmente alocado para dieta Mediterrânea Feijão, lentilha e outras leguminosas 3–4 /semana 4–5 /semana
apresentou uma redução relativa de aproxi- Peixe 5–6 /semana
madamente 70% na incidência de reinfarto Carne vermelha (ou embutidos) 4 /mês
não-fatal ou óbito por doença coronariana14. ≤ 2 /dia
Frango 4 /semana
Recentemente, Trichopoulou e colabo-
Ovos ≤ 3 /semana
radores15 publicaram os resultados de um es-
Doces 3 /semana 5 /semana
tudo de coorte, com 22.043 gregos adultos,
em que investigaram a associação entre o se- Bebidas alcoólicas, preferencialmente Homens: ≤ 30 g /dia
guimento de um padrão de dieta Mediterrâ- vinho tinto com as refeições Mulheres: ≤15 g/dia
* Fonte: http://www.nut.uoa.gr/english/Greekguid.htm; ** Fonte: http://www.nhlbi.nih.gov/health/public/heart/hbp/dash/index.htm
nea, avaliado através de um questionário de

Volume 8 / Número 3 / 2005 99






perior) apresentaram redução de 20% de doença coronariana, menor do que 160 mm Hg e diastólica entre 80 e 95 mmHg,

comparando-se com aqueles no quintil inferior. O estudo per- que não usavam medicamentos anti-hipertensivos, foram alo-

mitiu identificar o efeito benéfico do aumento de uma porção cados aleatoriamente para receber uma de três dietas, a ameri-

diária no consumo de frutas ou verduras (RRR – redução rela- cana típica, a americana acrescida de frutas e vegetais ou a

tiva de risco = 4%), de vegetais verdes (RRR = 23%) e de dieta DASH, rica em frutas, vegetais, laticínios com baixo teor

frutas e vegetais ricos em vitamina C (RRR = 6%) sobre a de gordura, pobre em gordura saturada e gordura total reduzi-

incidência de doença coronariana. da (tabela 3)25. Durante oito semanas os participantes recebe-

Estudo de casos (indivíduos com o primeiro evento coro- ram refeições preparadas especialmente para a pesquisa,

nariano) e controles (pacientes hospitalizados por outras cau- mantendo o teor de sódio constante em 3.000 mg/dia e com

sas) identificou que aqueles que ingeriam pelo menos cinco calorias adequadas para a manutenção do peso. Ao final de

porções de frutas ou três vegetais por dia, comparados com os oito semanas houve maior redução nas pressões sistólica e

que consumiam menos de uma porção por dia, apresentavam diastólica dos participantes recebendo a dieta DASH, em com-

18
menor chance de eventos . paração com as outras duas dietas. Em média, os participantes

Outro componente da dieta do Mediterrâneo é o ácido que receberam a dieta DASH apresentaram uma redução de

graxo ômega-3, cujos componentes são o ácido eicosapenta- 5,5 mmHg na pressão sistólica e 3,0 mmHg na pressão diastó-

nóico (EPA), presente em peixes; ácido docosahexanóico lica comparando-se com o grupo controle.

(DHA) e o ácido α-linoléico (ALA), precursor presente em Entre os resultados, destaca-se que a redução da pressão

alimentos de origem vegetal. As evidências atuais sobre o arterial foi demonstrada em indivíduos sem hipertensão ou
efeito do ácido graxo ômega-3 baseiam-se em estudos epide- com pré-hipertensão e que a magnitude da redução foi equi-
miológicos e em três ensaios clínicos randomizados. Os en- parável àquela obtida com medicamentos anti-hipertensivos.
saios clínicos de prevenção secundária de doença coronaria- Embora o ensaio não tenha sido desenhado para identificar
na ou mortalidade cardiovascular foram realizados em ho- os componentes da dieta responsáveis pelo efeito hipotensor,
mens com infarto prévio do miocárdio. Todos mostraram especulou-se que o potássio e, eventualmente, o cálcio pode-
uma redução de 16% a 30%, na taxa de eventos coronaria- riam estar envolvidos.
nos, e de 45% para morte súbita19. Esses resultados justifi- Caracterizado o efeito da dieta DASH sobre a pressão
cam a recomendação de consumo de peixe ou a arterial, novo ensaio clínico acrescentou o componente de
suplementação, variável em quantidade e segundo a pre- restrição de sódio às dietas. Sacks e colaboradores26 arrolaram
sença de comorbidades, pela “American Heart Association”20. indivíduos adultos, com pressão arterial normal, pré-hiper-
O consumo de ácidos graxos monoinsaturados, presente tensão ou estágio I, os quais foram alocados aleatoriamente
na dieta do Mediterrâneo, é exemplificado pelo consumo de para dieta típica americana ou dieta DASH, com diferentes
azeite de oliva. Comparados com ácidos graxos saturados, conteúdos de sódio. Alto teor de sódio foi caracterizado pelo
eles reduzem os níveis de lipoproteína de baixa
densidade - colesterol (LDL-C) e aumentam os
níveis de lipoproteína de alta densidade - coles-
21
TABELA 3
terol (HDL-C) . CARACTERÍSTICAS DAS DIETAS EMPREGADAS NO ENSAIO CLÍNICO
O efeito do vinho sobre a incidência de doen- RANDOMIZADO DASH QUANTO AO NÚMERO DE PORÇÕES DIÁRIAS DOS
ça cardiovascular tem sido atribuído à ação anti- ALIMENTOS E À COMPOSIÇÃO NUTRICIONAL*
oxidante de polifenóis e flavonóides e à redução
na agregação plaquetária. Esses efeitos não são Componentes Dieta padrão Dieta americana rica Dieta
exclusivos do vinho e podem ser encontrados na americana em frutas e vegetais DASH
cerveja preta e na uva. Apesar dos efeitos aparente-
mente benéficos22, estudos observacionais suge- Gordura total (% das calorias totais) 37 37 27
rem que o consumo de bebidas alcoólicas eleva a Gordura saturada 16 16 6
prevalência de hipertensão arterial19 e a incidên- Gordura monoinsaturada 13 13 13
cia de doença coronariana em homens americanos
da raça negra, achado inverso ao detectado em ame- Gordura poliinsaturada 8 8 8
ricanos brancos23. Os autores questionam se o efei- Carboidratos (% das calorias totais) 48 48 55
to protetor cardiovascular do álcool é real ou de- Proteína (% das calorias totais) 15 15 18
corrente de estilo de vida. Colesterol (mg/dia) 300 300 150
Fibra (g/dia) 9 31 31
Dieta DASH Potássio (mg/dia) 1.700 4.700 4.700
Magnésio (mg/dia) 165 500 500
O estudo “Dietary Approaches to Stop Cálcio (mg/dia) 450 450 1.240
Hypertension” (DASH)24 investigou os efeitos de
Sódio (mg/dia) 3.000 3.000 3.000
diferentes padrões de dieta sobre a pressão arte-
rial. Indivíduos adultos com pressão sistólica Adaptado de Appel et al24. *Valores para uma dieta com 2.100 kcal.

100 HIPERTENSÃO
consumo de 150 mmol por dia em uma dieta com 2.100
kcal, o que reflete o consumo típico americano; nível in- FIGURA 1
termediário baseou-se no consumo de 100 mmol por dia PRESSÃO SISTÓLICA E DIASTÓLICA MÉDIA SEGUNDO O
e baixo teor incluía a ingestão de 50 mmol por dia. Ob- TIPO DE DIETA E A INGESTÃO DE SÓDIO23
serva-se na figura 1 o efeito marcante e significativo da
restrição de sódio sobre a pressão sistólica promovendo
uma redução de 6,7 mmHg, ao comparar-se o alto com o
baixo teor de sódio no grupo controle, e de 3 mmHg no
grupo que recebeu a dieta DASH, para a mesma variação
no conteúdo de sódio. Ao comparar-se a pressão sistólica
dos participantes recebendo dieta controle com alto teor
de sódio com a pressão daqueles em dieta DASH com
baixo teor de sódio, verificou-se uma redução de 8,9
mmHg.
Nesse ensaio clínico foi possível demonstrar que o
consumo de níveis intermediários ou baixos de sódio,
tanto na dieta tradicional quanto na DASH, reduzem os
níveis de pressão arterial. O efeito combinado da dieta
DASH com baixo teor de sódio foi superior aos efeitos de
cada uma das intervenções isoladamente22. A crítica a esse
estudo, assim como ao anterior, envolvia a curta duração
e as condições artificiais em que as intervenções foram
administradas.
Caracterizado o efeito da dieta DASH e da redução
adicional de pressão arterial obtida com a restrição de
sódio em condições propícias a maior adesão, o estudo
PREMIER27 avaliou os efeitos da administração simultâ-
nea da dieta DASH e de mudanças no estilo de vida sobre
a pressão arterial em condições mais próximas às da vida real. Dos indivíduos sem hipertensão na linha de base, 40% no
Em um ensaio clínico randomizado com duração de seis me- grupo II e 47% no grupo III atingiram níveis ótimos de pres-
ses, indivíduos adultos com pressão sistólica entre 120–159 são arterial após seis meses de intervenção. Os resultados des-
mmHg e diastólica entre 80 e 95 mmHg, sem uso de medica- se estudo demonstram que mudanças no estilo de vida
ção anti-hipertensiva e com índice de massa corporal entre adotadas simultaneamente produzem efeitos benéficos na pres-
18,5 e 45 kg/m2, foram alocados para um de três grupos. O são sangüínea e reduzem a pressão arterial (figura 2). O tempo
grupo controle recebeu apenas aconselhamento. O grupo II de duração do estudo, a heterogeneidade dos participantes e a
recebeu orientações, individuais e em grupo, sobre mudanças livre escolha dos alimentos para atingir as recomendações
de estilo de vida, incluindo redução de peso, prática de ativi- sugerem que essa abordagem poderia ser implementada em
dade física moderada a intensa, ingestão diminuída de sódio nível populacional.
e gordura saturada, ingestão de gordura total até 30% do total A abordagem dietética da hipertensão arterial deve con-
de calorias e restrição ao consumo de bebidas alcoólicas. O templar o nível de evidência, identificado nos ensaios clíni-
grupo III recebeu as mesmas orientações do grupo II e a reco- cos randomizados, e o grau de recomendação deve ser obriga-
mendação para seguir a dieta DASH. Ao final dos seis meses tório, ou seja, pacientes com pré-hipertensão ou estágio I de
de seguimento, os indivíduos dos grupos II e III reduziram o hipertensão devem ser orientados a seguir a dieta DASH com
peso, melhoraram a aptidão física e diminuíram a ingestão de restrição salina, e pacientes com doença cardiovascular de-
sódio, significativamente. A pressão arterial declinou, pro- vem receber orientação sobre a dieta Mediterrânea e os bene-
gressivamente, nos três grupos, durante o período do estudo. fícios decorrentes da adesão a essa dieta.
Porém, quando se comparou grupo a grupo, observou-se que As duas dietas privilegiam o consumo aumentado de fru-
as reduções obtidas com o grupo II e III foram significativa- tas, verduras, grãos integrais, peixe, aves e gordura monosatu-
mente maiores do que a redução observada no grupo I. Em rada, além de recomendarem ingestão reduzida de gordura
comparação com o grupo controle, os participantes do grupo saturada, carne vermelha, processada e consumo moderado
II apresentaram uma redução de 3,7 mmHg na pressão sistóli- de álcool. Embora não haja informações sobre a adesão e,
ca e entre os participantes do grupo III, a redução foi de 4,3 conseqüente, a efetividade dessas recomendações a longo pra-
mmHg. Não houve redução estatisticamente significativa na zo, os dados disponíveis justificam o caráter imperativo da
pressão sistólica dos participantes do grupo III em compara- recomendação. O manejo dietético de pacientes com hiper-
ção com o grupo II. Ao final de seis meses, somente 23% dos tensão arterial, associado a mudanças no estilo de vida, pode
indivíduos do grupo III, que eram hipertensos no início do contribuir para a redução da morbi-mortalidade decorrente de
estudo, apresentavam hipertensão, contra 52% no grupo I. doenças cardiovasculares.

Volume 8 / Número 3 / 2005 101






FIGURA 2



PRESSÃO SISTÓLICA E DIASTÓLICA NO ESTUDO PREMIER24






















Referências bibliográficas
1. World Health Organization. The World Health Report 2003 – Shaping the 16. DIETARY GUIDELINES FOR ADULTS IN GREECE. Ministry of Health
Future. Geneva, Switzerland: WHO, 2003. and Welfare. Supreme Scientific Health Council. Disponível em: http://
2. DATASUS. Sistema de Informação de Mortalidade – SIM. Disponível em: www.nut.uoa.gr/english/Greekguid.htm. Revisado em 13/10/2004.
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?idb2002/c04.def. Acessado em 17. JOSHIPURA, K. J.; HU, F. B.; MANSON, J. E.; STAMPFER, M. J.; RIMM, E.
junho de 2004. B.; SPEIZE, F. E.; COLDITZ, G.; ASCHERIO, A.; ROSNER, B.; SIEGELMAN,
3. BARRETO, S. M.; PASSOS, V. M. A.; CARDOSO, A. R. A.; LIMA-COSTA, D.; WILLETT, W. C. The effect of fruit and vegetable intake on risk for coronary
M. F. Quantifying the risk of coronary artery disease in a community. The heart disease. Ann. Intern. Med., v. 134, p. 1106–1114, 2001.
Bambuí Project. Arq. Bras. Cardiol., v. 81, p. 556–561, 2003. 18. PANAGIOTAKOS, D. B.; PITSAVOS, C.; KOKKINOSD, P.; CHRYSOHOOU,
4. MORAES, R. S.; FUCHS, F. D.; MOREIRA, L. B.; WIEHE, M.; PEREIRA, C.; VAVURANAKIS, M.; STEFANADIS, C.; TOUTOUZAS, P. Consumption
G. M.; FUCHS, S. C. Risk factors for cardiovascular disease in a Brazilian of fruits and vegetables in relation to the risk of developing acute coronary
population-based cohort study. Int. J. Cardiol., v. 90, p. 205–211, 2003. syndromes, the CARDIO2000 case-control study. Nutr. J., v. 2, p. 1, 2003.
5. IV DIRETRIZES BRASILEIRAS DE HIPERTENSÃO ARTERIAL. Arq. Disponível em: http://www.nutritionj.com/content/2/1/2.
Bras. Cardiol., v. 82, p. S1–S14, 2004. 19. HU, F. B.; WILLETT, W. C. Optimal diets for prevention of coronary heart
6. GIGANTE, D. P.; BARROS, F. C.; POST, C. L.; OLINTO, M. T. Prevalência disease. JAMA, v. 288, p. 2569, 2002.
e fatores de risco para obesidade em adultos. Rev. Saúde Pública, v. 31, p. 20. KRIS-ETHERTON, P. M.; HARRIS, W. S.; APPEL, L. J. Fish consumption,
236–246, 1997. fish oil, omega-3 fatty acids, and cardiovascular disease. Circulation, v. 106,
7. III Diretrizes Brasileiras Sobre Dislipidemias e Diretriz de Prevenção da Ate- p. 2747–2757, 2002.
rosclerose do Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Car- 21. KRIS-ETHERTON, P. M. Monounsaturated fatty acids and risk of cardio-
diologia. Arq. Bras. Cardiol., v. 77, p. S1–S48, 2001. vascular disease. Circulation, v. 100, p. 1253–1258, 1999.
8. HU, F. B.; RIMM, E. B.; STAMPFER, M. J.; ASCHERIO, A.; SPIEGELMAN, 22. GOLDBERG, IJ.; MOSCA, L.; PIANO, MR.; FISHER, EA. Wine and your
D.; WILLETT, W. C. Prospective study of major dietary patterns and risk of heart – a science advisory for healthcare professionals from the Nutrition
coronary heart disease in men. Am. J. Clin. Nutr., v. 72, p. 912–921, 2000. Committee, Council on Epidemiology and Prevention, and Council on Car-
9. KROMHOUT, D.; MENOTTI, A.; KESTELOOT, H.; SANS, S. Prevention of diovascular Nursing of the American Heart Association. Circulation, v. 103,
coronary heart disease by diet and lifestyle – evidence from prospective cross- p. 472–475, 2001.
cultural, cohort, and intervention studies. Circulation, v. 105, p. 893–898, 2001. 23. FUCHS, FD.; CHAMBLESS, LE.; FOLSOM, AR.; EIGENBRODT, ML.;
10. SIMOPOULOS, A. P. The Mediterranean diets: what is so special about the DUNCAN, BB.; GILBERT, A.; SZKLO, M. Association between alcoholic
diet of Greece? The scientific evidence. J. Nutr., v. 131, p. 3065S–3073S, 2001. beverage consumption and incidence of coronary heart disease in whites and
11. PITSAVOS, C.; PANAGIOTAKOS, D. B.; CHRYSOHOOU, C.; blacks: The Atherosclerosis Risk in Communities Study. Am. J. Epidemiol.,
PAPAIOANNOU, I.; PAPIDIMITRIOU, L.; TOUSOULIS, D.; STEFANADIS, v. 160, p. 466–474, 2004.
C.; TOUTOUZAS, P. The adoption of Mediterranean diet attenuates the 24. APPEL, L. J.; MOORE, T. J.; OBARZANEK, E.; VOLLMER, W. M.;
development of acute coronary syndromes in people with the metabolic SVETKEY, L. P.; SACKS, F. M.; BRAY, G. A.; VOGT, T. M.; CUTLER, J.
syndrome. Nutr J., v. 2, p. 1, 2004. http://www.nutritionj.com/content/2/1/1. A.; WINDHAUSER, M. M.; LIN, P. H.; KARANJA, N. A clinical trial of the
12. DE LORGERIL, M.; SALEN, P.; MARTIN, J. L.; MAMELLE, N.; effects of dietary patterns on blood pressure. N. Engl. J. Med., v. 336, p.
MONJAUD, I.; TOUBOUL, P.; DELAYE, J. Effect of a Mediterranean-type 1117–1124, 1997.
of diet on the rate of cardiovascular complications in coronary patients: 25. NATIONAL HEALTH AND LUNG BLOOD INSTITUTE. The DASH Eating
insights into the cardioprotective effect of certain nutriments. J. Am. Coll. Plan. Disponível em: http://www.nhlbi.nih.gov/health/public/heart/hbp/dash/
Cardiol., v. 28, p. 1103–1108, 1996. index.htm. Revisado em 13/10/2004.
13. KRIS-ETHERTON, P.; ECKEL, R. H.; HOWARD, B. V.; St JEOR, S.; BAZZARRE, 26. SACKS, F. M.; SVETKEY, L. P.; VOLLMER, W. M.; APPEL, L. J.; BRAY,
Tl. Lyon Diet Heart Study – benefits of a Mediterranean-style, National Cholesterol G. A.; HARSHA, D.; OBARZANEK, E.; CONLIN, P. R.; MILLER, E. R.;
Education Program/American Heart Association Step I dietary pattern on cardio- SIMONS-MORTON, D. G.; KARANJA, N.; LIN, P. H. Effects on blood
vascular disease. Circulation, v. 103, p. 1823–1825, 2001. pressure of reduced dietary sodium and the dietary approaches to stop
14. DE LORGERIL, M.; SALEN, P.; MARTIN, J.-L.; MONJAUD, I.; DELAYE, hypertension (DASH) diet. N. Engl. J. Med., v. 344, p. 3–10, 2001.
J.; MAMELLE, N. Mediterranean diet, traditional risk factors, and the rate 27. APPEL, L. J.; CHAMPAGNE, C. M.; HARSHA, D. W.; COOPER, L. S.;
of cardiovascular complications after myocardial infarctation. Circulation, OBARZANEK, E.; ELMER, P. J.; STEVENS, V. J.; VOLLMER, W. M.; LIN,
v. 99, p. 779–785, 1999. P. H.; SVETKEY, L. P.; STEDEMAN, S. W.; YOUNG, D. R. Writing Group
15. TRICHOPOULOU, A.; COSTACOU, T.; BAMIA, C.; TRICHOPOULOS, D. of the PREMIER Collaborative Research Group. Effetcs of comprehensive
Adherence to a Mediterranean diet and survival in a Greek population. N. lifestyle modification on blood pressure control: main results of the PREMIER
Engl. J. Med., v. 348, p. 2599–2608, 2003. clinical trial. JAMA, v. 289, p. 2083–2093, 2003.

102 HIPERTENSÃO
FATORES DE RISCO
Fisiopatologia da pré-eclâmpsia

Autores: endotelial generalizada, associada ao aumento da resistência vas-


cular periférica e à ativação do sistema de coagulação2, 3. Na prática
Nelson Sass* clínica pode apresentar desde discreta elevação na pressão arterial
no final da gestação até grave comprometimento de vários apare-
Professor Adjunto-Doutor do Departamento de
lhos, principalmente quando se instala antes de 34 semanas de ges-
Obstetrícia, Universidade Federal de São Paulo –
tação. Destacam-se, entre os principais fatores de risco, condições
Escola Paulista de Medicina, Responsável pelo Setor em que ocorreu contato pouco freqüente de proteínas de origem
de Hipertensão Arterial e Nefropatias na Gestação paterna com o sistema imune materno (primigestas, primipaterni-
Álvaro Nagib Atallah** dade, uso de preservativo masculino), doenças, como o lúpus sistê-
Professor Titular da Disciplina de Medicina de Urgência mico, que exacerbam do sistema inflamatório materno, ou condi-
ções obstétricas que cursam com maior quantidade de tecido pla-
e Medicina Baseada em Evidências do Departamento de
centário e antígenos específicos, como gestação múltipla e doença
Medicina da Universidade Federal de São Paulo – Escola
trofoblástica gestacional4–6. A hipertensão arterial crônica associa-
Paulista de Medicina, Chefe da Disciplina de MU-MBE, se com incidência de pré-eclâmpsia em torno de 12%7.
Diretor do Centro Cochrane do Brasil
Fisiopatologia
Resumo Apesar dos avanços no conhecimento de vários aspectos en-
volvidos na doença, a real causa da PE permanece desconhecida.
Pré-eclâmpsia (PE) é caracterizada por hipertensão ar-
Não existem dúvidas, porém, que o início do processo depende
terial, proteinúria e por comprometimento sistêmico. A fre-
da presença de tecido placentário e dos mecanismos envolvidos
qüência da PE varia entre 2% e 7% entre nulíparas saudá-
em sua adaptação ao organismo materno, sendo possível afirmar
veis. Apresenta como fundamentos fisiopatológicos o envolvi-
que a doença já está instalada em fases precoces da placentação,
mento do sistema imunológico materno em face de antígeno
ainda que sua manifestação clínica ocorra na maioria das vezes
de origem paterna e disfunção endotelial generalizada, acar-
após a 20a semana de gestação.
retando comprometimento variável em rins, fígado, sistema
Teorias que apontam a isquemia da circulação placentária como
cardiovascular, homeostase cerebral e fluxo placentário.
o gatilho inicial da doença têm atualmente dificuldade de sustenta-
ção diante da diversidade de formas clínicas e principalmente pelo
Introdução fato de muitas vezes ser possível encontrar o feto em boas condições
enquanto paradoxalmente se observam condições maternas devasta-
Pré-eclâmpsia (PE) é uma síndrome obstétrica, caracterizada doras e vice-versa8. Ainda que não exista total conhecimento de sua
por hipertensão arterial, proteinúria e por graus variáveis de compro- origem, é possível afirmar que mecanismos inadequados de adapta-
metimento sistêmico. Representa em todo o mundo uma das mais ção materna aos antígenos de origem paterna iniciem uma série de
importantes causas de mortalidade materna e perinatal1. A freqüên-
cia da PE varia entre 2% e 7% entre nulíparas saudáveis, sendo que
nesses casos se apresenta em cerca de 75% das vezes sob formas TABELA 1
clínicas leves e com discreta repercussão materna e perinatal. Por
PRINCIPAIS FATORES DE RISCO RELACIONADOS À PRÉ-ECLÂMPSIA1
outro lado, a freqüência e a gravidade da doença podem se elevar de
forma substancial em face de fatores de risco que não devem ser l Exposição vaginal limitada ao sêmen (uso de condom)
negligenciados na identificação inicial da paciente (tabela 1). l Primipaternidade
l Gestação após fertilização assistida (doação de oócito ou embrião)
Apresenta-se como afecção multissistêmica com disfunção l Gestação múltipla
l Pré-eclâmpsia grave em gestação precedente
Endereço para correspondência: l Hipertensão arterial crônica
Centro Cochrane do Brasil l Nefropatia
l Obesidade e resistência à insulina
Rua Pedro de Toledo, 598 – Vila Clementino l Colagenoses (lúpus sistêmico)
04039-001 – São Paulo, SP l Trombofilias
*E-mail: nelsonsa.alp@terra.com.br l História familiar de PE
**E-mail: atallahmbe@uol.com.br l Doença trofoblástica gestacional

Volume 8 / Número 3 / 2005 103






eventos que terão como alvo principal a ativação endotelial. Pode-se células NK têm importante papel no mecanismo da placentação,

dizer que a pré-eclâmpsia danifica a função e forma endotelial. uma vez que apresenta capacidade de secretar citocinas envolvidas

na angiogênese e estabilidade vascular, tais como fator de cresci-


Aspectos imunológicos envolvidos na


mento endotelial (VEGF), fator de crescimento placentário (PIGF),


angiopoetina 2 e interferon γ (IFN γ), indispensáveis para que o tro-


gênese da pré-eclâmpsia

foblasto promova adequada invasão da túnica muscular das arterío-



Algumas evidências apontam na direção do envolvimen- las espiraladas12. Especula-se que alterações em todo esse mecanis-

to do sistema imune materno no seu desenvolvimento. A par- mo podem estar relacionadas à origem da pré-eclâmpsia. Ocorreri-

tir do estímulo antigênico originário no trofoblasto, ocorreria am alterações placentárias determinando fenômenos hipóxicos e

lesão endotelial, provavelmente mediada por sítios antigêni- oxidativos que conduzem a uma intensa resposta inflamatória medi-

cos comuns em sua superfície, acarretando maior reatividade ada principalmente por fator de necrose tumoral (TNF-α), culmi-

vascular, vasoespasmo generalizado, alterações na permeabi- nando com o comprometimento sistêmico característico da doença.

lidade capilar e ativação do sistema de coagulação.


Alguns fatores de risco para seu desenvolvimento pare- O papel do endotélio



cem estar fortemente relacionados a questões imunológicas,


tais como a primiparidade, nas multigestas em que houve a


O endotélio parece ser o alvo principal para os produtos


troca de parceiro, nas gestações resultantes de inseminação circulantes, explicando assim as lesões em múltiplos órgãos ha-

artificial, e o padrão da coabitação sexual, como tempo de bitualmente observadas. O trofoblasto parece ser a origem do
exposição ao esperma e uso de preservativo1. estímulo antigênico indutor de ativação endotelial, acarretando
Especificamente em relação aos antígenos HLA e sua possível maior reatividade vascular, vasoespasmo generalizado, alterações
associação com PE, verifica-se na literatura a referência ao “dangerous na permeabilidade capilar e ativação do sistema de coagulação.
father”, isto é, alguns homens, cujas mulheres desenvolveram PE, A ativação endotelial verificada na pré-eclâmpsia acarreta um
determinavam risco diferenciado para o desenvolvimento da enfer- transtorno generalizado, interferindo na regulação do tônus vascular,
midade em gestações com diferentes parceiras, levando a crer que o levando neutrófilos e macrófagos a transpor a barreira endotelial e
complexo principal de histocompatibilidade (CPH) desses homens ativando o sistema de coagulação. O endotélio produz substâncias
seria mau indutor do mecanismo de tolerância.A deficiência mater- vasoconstritoras, sendo a endotelina 1 a principal representante. Essa
na em desenvolver um sistema imunoprotetor envolveria antígenos substância é dez vezes mais potente que a angiotensina II, sendo
de histocompatibilidade (HLA), anormalidades nos fatores de su- liberada em resposta à adrenalina e à hipoxia, tem meia-vida bastan-
pressão, anticorpos bloqueadores e antipaternos, desencadeando ati- te curta e age principalmente nos vasos sangüíneos locais e nos rins.
vação do sistema inflamatório materno e uma série de mecanismos Sua função em pequenas doses é manter o tônus do vaso, mas em
que resultariam clinicamente em respostas extremas, como o aborta- pacientes com pré-eclâmpsia seus níveis são elevados.
mento ou possivelmente a PE9–11. A lesão induz o endotélio a ter propriedades pró-coagulantes,
Seria possível afirmar que esses mecanismos seriam decor- a formar moléculas vasoativas, citocinas e fatores de crescimento.
rentes da resposta imune celular responsável pelas reações de Todos os fatores já citados anteriormente que geram um estresse
hipersensibilidade tardia e pela rejeição de transplantes, sendo os oxidativo irão ativar genes nas células vasculares, estimulando a
linfócitos T os principais mediadores dessa resposta. Particular- síntese endotelial de fatores vasoconstritores, citocinas pró-
mente significativa é a participação das citocinas nesse processo infamatórias, de fatores de crescimento e trombogênicos.
promovendo a secreção de fatores citotóxicos que, atuando siste- Assim, na disfunção endotelial a redução da biodisponi-
micamente, induzem a lesão endotelial. Apura-se elevação dos bilidade de NO aumenta o excesso de oxidantes e a expressão
níveis séricos de moléculas de adesão e alterações na produção de moléculas de adesão, contribuindo não somente para a ini-
de citocinas inflamatórias. Segundo sua ação biológica, vários ciação, mas também para a progressão da formação de placas
tipos de citocinas foram descritas, porém alguns tipos específi- de aterosclerose, engatilhando os eventos cardiovasculares. Os
cos parecem se relacionar com PE, como IL 1, 2, 6, 12, fator de mecanismos responsáveis pela vasodilatação associada a gra-
necrose tumoral alfa (TNF-α), interferon γ (IFN γ) e o fator de videz normal ainda são pouco compreendidos, mas estudos
transformação do crescimento (TGF-β)9–11 (tabela 2). sugerem que o NO é o mediador mais importante para a redu-
Alguns estudos indicam que existe aumento dos níveis de ção da resistência vascular, além de ser o mais importante re-
TNF-α no soro e líquido amniótico em pacientes com PE, sendo gulador do tônus vascular, incluindo o efeito neuro-humoral.
que essa citocina age alterando o sistema de coagulação e indu-
zindo liberação de IL-6 e dano do endotélio vascular, verifican-
do-se elevações significativas desses marcadores e de substânci- TABELA 2
as inespecíficas relacionadas à ativação inflamatória9–11.
MARCADORES DA ATIVAÇÃO INFLAMATÓRIA NA PRÉ-ECLÂMPSIA8
Se por um lado parece ocorrer na PE exacerbação da resposta
imune, alguns aspectos de sua fisiopatologia poderiam ser relacio- Não- grávidas Gestantes normais Pré-eclâmpsia
nados com possíveis anomalias na ação de células reguladoras, que Proteína C (mg/ml) 1,33 2,49 4,11
têm como função participar de forma ativa nos mecanismos de vigi- TNF alfa (pg/ml) 2,76 8,31 15,74
lância, mantendo a tolerância periférica ao mesmo tempo em que Interleucina 6 (pg/ml) 1,25 5,07 12,91
habilita o organismo a montar resposta imune contra patógenos. As

104 HIPERTENSÃO
Parece contribuir para a ativação endotelial na PE o hipoflu- subcapsular focal ou confluente provocando sua distensão,
xo placentário, devido a invasão trofoblástica inadequada, com proporcionando dor em região epigástrica ou em hipocôndrio
redução de oxigênio e formação de radicais livres. Esses radicais direito, podendo ocasionar ruptura hepática com hemorragia.
podem ser tóxicos para o endotélio e causar a disfunção. O acú- Essa congestão hepática é progressiva e pode levar à for-
mulo de radicais livres e homocisteína reduz o nível de NO e mação de hematoma subcapsular ou mesmo ruptura hepática
eleva a pressão arterial. Esses achados parecem se relacionar com nos casos mais graves, acarretando hemorragia maciça, cho-
a disfunção endotelial encontrada na PE13–15. que e usualmente morte materna.
Alterações cerebrais
Pré-eclâmpsia e danos multissistêmicos Os achados histopatológicos nas pacientes com pré-
Ainda que se reconheça que a pré-eclâmpsia é uma doença eclâmpsia grave e eclâmpsia são vários, indo desde edema,
obstétrica com provável origem em anomalias da resposta imunoló- hiperemia focal, trombose, até hemorragia.
gica materna, é necessário entender que se reveste de caráter multis- Ainda se considera que os principais motivos para a ocorrên-
sistêmico, podendo comprometer simultaneamente múltiplos órgãos. cia de convulsões são: edema, coagulopatia e deposição de fibrina,
Alguns aspectos são relevantes para o entendimento da expressão assim como encefalopatia hipertensiva. A vasoconstrição na eclâm-
clínica da doença e os pontos principais são a seguir destacados. psia pode ser seletiva e estudos com Doppler em artérias orbitárias
sugerem que paradoxalmente pode ocorrer redução de resistência
Alterações cardiocirculatórias cerebral mesmo diante de vasoconstrição periférica evidente.
Em mulheres que irão desenvolver pré-eclâmpsia ocorrem Alterações renais
alterações na reatividade vascular detectadas já ao redor da 20a Em gestações normais ocorre notável elevação da taxa de
semana de gestação. O aumento da pressão sangüínea ocorre prin- filtração glomerular decorrente do maior fluxo plasmático renal.
cipalmente devido à falta de vasodilatação característica na gesta- O mesmo é observado após a expansão de volume em mulheres e
ção normal, substituída, por um aumento na resistência vascular modelos experimentais. Como resultado, verifica-se menor con-
periférica. A parede vascular de gestantes normotensas manifesta centração plasmática de creatinina, uréia e ácido úrico em ges-
uma diminuição na resposta pressora a vários peptídios e aminas tantes saudáveis, em comparação com mulheres não-gestantes.
vasoativas, principalmente à angiotensina II. Em mulheres com De modo contrário, na pré-eclâmpsia se observa diminuição da
pré-eclâmpsia os vasos se tornam muito mais responsivos a esses filtração glomerular como resultado de lesões intrínsecas e pelo
hormônios, e no caso da angiotensina II tais mudanças podem ocor- volume plasmático reduzido, sendo que se associam lesões que
rer meses antes do aparecimento clínico da hipertensão. também proporcionam perda seletiva de proteínas.
Em pacientes com PE, não se encontra a hipervolemia normal- Entre os órgãos afetados na pré-eclâmpsia, os rins exibem
mente esperada. A hemoconcentração encontrada nessas pacientes lesões aparentemente com maior especificidade, haja vista a im-
seria decorrente de vasoconstrição generalizada, alterações na per- portância da proteinúria na própria definição da doença. Consi-
meabilidade capilar e por redução da pressão colóide do plasma. derando-se que as características morfológicas e funcionais do
Alterações pulmonares órgão são freqüentemente alteradas diante de doenças que afe-
A hipersecreção da árvore respiratória é ocorrência comum tam o sistema auto-imune, seria razoável supor que os danos glo-
nas pacientes com pré-eclâmpsia, como resultado do maior ingurgi- merulares verificados na pré-eclâmpsia podem apresentar inter-
tamento venoso. Ainda em decorrência do vasoespasmo verifica-se faces comuns às doenças com origem imunológica.
aumento do gradiente alvéolo-capilar possibilitando, em algumas O conjunto de alterações denominado glomeruloendote-
situações, dificuldades adicionais para adequada troca gasosa. liose se caracteriza por espessamento da parede capilar, pre-
sença de células endoteliais com citoplasma de volume au-
Alterações hematológicas mentado, vacuolização, células espumosas, condensação das
Os achados hematológicos mais significativos na pré- membranas e proliferação de organelas citoplasmáticas.
eclâmpsia são a plaquetopenia e a hemólise. Devido ao vaso- Novos achados associados à doença relacionam aumento das
espasmo generalizado associado à lesão endotelial, verifica-se células e da matriz mesangial, que se interpõem entre a membrana
ativação e consumo plaquetário. A plaquetopenia (contagem basal e as células endoteliais. Com relação aos depósitos subendote-
inferior a 100 mil/mm3) é associada a maior morbidade e mor- liais foi descrita não só a presença de depósitos de fibrina, mas tam-
talidade materno-fetal, sendo que sua presença exige cautela. bém a presença de IgM e material constituinte da própria membrana
O vasoespasmo intercalado com vasodilatação segmen- basal e da matriz mesangial. A simples presença de lesões glomeru-
tar torna o lúmen vascular extremamente irregular, e as hemá- lares parece não se correlacionar de forma direta com a presença de
cias, ao passar por tal caminho, acabam por se romper, ocor- proteinúria, sendo possível observar tais lesões em pacientes com
rendo assim a anemia hemolítica microangiopática. hipertensão arterial sem identificação laboratorial de proteinúria. Para
que ocorra proteinúria, é necessário que modificações avancem de
Alterações hepáticas forma que aconteça uma quebra na integridade de barreiras respon-
Quanto ao comprometimento hepático, observam-se le-
sáveis pela seletividade glomerular em relação às proteínas16.
sões isquêmicas periportais com evolução até necrose hemor-
Além da glomeruloendoteliose, também são descritas le-
rágica, na dependência da intensidade do angioespasmo, de-
sões que recebem o nome de glomeruloesclerose segmentar fo-
terminando graus variáveis de disfunção com elevação dos
cal (GESF), marcadas por segmentos glomerulares com capila-
níveis de transaminases. Pode ocorrer edema ou hemorragia

Volume 8 / Número 3 / 2005 105






res colabados, membrana basal enrugada, FIGURA 1



hipertrofia celular, figuras de mitose e va-


cuolização das células epiteliais viscerais, CAUSAS HIPOTÉTICAS E FISIOPATOLOGIA DA PRÉ-ECLÂMPSIA



além de depósitos hialinos subendoteliais.


É possível considerar à luz dos conhe-


cimentos atuais que a GESF integra as alte-



rações glomerulares decorrentes da pré-


eclâmpsia, e parece estar correlacionada com



graus de gravidade da doença, acarretando


maior tempo após o parto para que se veri-



fique normalização funcional do órgão.


Diversas enfermidades exibem lesões



glomerulares semelhantes àquelas encontra-


das na pré-eclâmpsia. Entre elas destaca-se a



necrose tubular aguda, a síndrome hemolíti-


ca urêmica, o lúpus eritematoso sistêmico, a


rejeição ao rim transplantado, a hipertensão



maligna e a esclerodermia. Assim sendo, as


modificações estruturais denominadas glo-
meruloendoteliose, referidas como patognomônicas para pré-eclâm- Por outro lado, o uso de cálcio, de 500 a 2.000 mg/dia,
psia, parecem estar presentes também em outras entidades nosoló- em pacientes de risco, diminui a incidência de pré-eclâmpsia
gicas com freqüência variável, sendo provável que façam parte de e o agravamento da hipertensão arterial em mulheres com baixa
um conjunto de modificações renais, provavelmente inespecíficas ingestão de cálcio18.
e inerentes à resposta renal diante de diversas agressões. O uso profilático do sulfato de magnésio nas pacientes com
É intrigante verificar a semelhança de lesões glomerulares hipertensão e proteinúria, reduz a incidência de eclâmpsia em mais
em situações clínicas que têm em comum o envolvimento do siste- de 50% em relação ao grupo controle19. Essas três observações aci-
ma imune. Esses achados parecem reforçar a idéia de que os fato- ma decorrem de revisões sistemáticas e “mega trials” são de interes-
res desencadeantes da doença estão correlacionados com a ativa- se para a criação de novos questionamentos e geração de pesquisas
ção transitória do sistema imunológico materno. básicas sobre a fisiopatologia e para a terapêutica da pré-eclâmpsia.
Interessante notar que o uso de aspirina em baixas doses, Os ensaios clínicos testam hipóteses terapêuticas originadas em pes-
que ativa a redução da agregação plaquetária, na coagulação e a quisas de bancada e os resultados dos testes terapêuticos respondem
relação tromboxane-prostaglandina, tem efeito muito discreto na sobre a adequacidade das teorias fisiopatológicas, podendo gerar no-
prevenção secundária da pré-eclâmpsia17. vas hipóteses para entendermos a pré-eclâmpsia.

Referências bibliográficas
1. SIBAI, B.; DEKKER, G.; KUPFERMINC, M. Pre-eclampsia. Lancet, v. 365, Gynecol. Reprod. Biol., v. 100, p. 143-145, 2002.
p. 785–799, 2005. 11. RINEHART, B. K.; TERRONE, D. A.; LAGOO-DEENADALAYAN, S.;
2. Report of the National High Blood Pressure Education Program. Working BARBER, W. H.; HALLE, E. A.; MARTIN, J. N.; BENNET, W. A. Expression
group report on high blood pressure in pregnancy. Am. J. Obstet. Gynecol., of the placental cytokines tumor necrosis factor alpha, interleukin ! beta and
v. 183, p. S1–S22, 2000. interleukin 10 is increased in preeclampsia. Am. J. Obstet. Gynecol., v. 181,
3. NESS, R. B.; ROBERTS, J. M. Heterogeneous causes constituting the single p. 915–920, 1999.
syndrome of preeclampsia: a hypothesis and its implications. Am. J. Obstet. 12. BOYSON, J. E.; RYBALOV, B.; KOOPMAN, L. A.; EXLEY, M.; BALK, S.
Gynecol., v. 175, p. 1365–1370, 1996. P.; RACKE, F. K.; SCHATZ, F.; MASCH, R.; WILSON, S. B.;
4. VATTEN, L. J.; SKJAERVEN, R. Is pre-eclampsia more than one disease? STROMINGER, J. L. CD1 and invariant NKT cells at the human maternal-
BJOG, v. 111, p. 298–302, 2004. fetal interface. Immunology, v. 15, p. 13741–13746, 2002.
5. HAUTH, J. C.; EWELL, M. G.; LEVINE, R. L.; ESTERLITZ, J. R.; SIBAI, B. 13. ENDEMANN, D. H.; SCHIFFRIN, E.L. Endothelial dysfunction. J. Am. Soc.
M.; CURET, L. B. Pregnancy outcomes in healthy nulliparous women who Nephrol., v.15, p. 1983–1992, 2004.
subsequently developed hypertension. Obstet. Gynecol., v. 95, p. 24–28, 2000. 14. CHAMBER, J. C.; FUSI, L.; MALIK, I. S. et al. Association of maternal
6. CONDE-AGUDELO, A.; VILLAR, J.; LINDHEIMER, M. World Health endothelial dysfunction with preeclampsia. JAMA, v. 285, p. 1607–1614, 2001.
Organization systematic review of screening tests for preeclampsia. Obstet. 15. VAR, A.; YILDIRIM, A.; ONUR, E. et al. Endothelial dysfunction in
Gynecol., v. 104, p. 1367–1391, 2004. preeclampsia. Gynecol. Obstet. Invest., v. 56, p. 221–224, 2003.
7. ATALLAH, A. N.; MESQUITA, M. R. S.; DUARTE, M. L.; FERNANDES, 16. MORAN, P.; LINDHEIMER, M. D.; DAVISON, J. M. The renal response to
M. C. A.; SUSTOVICH, D. R.; GEBARA, M.; CAMANO, L.; GRISSO, J. A. preeclampsia. Semin. Nephrol., v. 24, p. 588–595, 2004.
Estudo prospectivo “cohort” de gestantes e hipertensão crônica: complica- 17. ATALLAH, A. ECCPA: randomized trial of low dose aspirin for the prevention
ções maternas e fetais. J. Bras. Nefrol., v. 12, p. 113–120, 1990. of maternal and fetal complications on high risk pregnant women (letter).
8. REDMAN, C. W. G.; SARGENT, I. L. Pre-eclampsia, the placenta, and the Br. Obstet. Gynaecol., v. 103, p. 719–720, 1996.
maternal systemic inflammatory response. A review. Placenta, v. 24, p. S21– 18. ATALLAH, A. N.; HOFMEYR, G. J.; DULEY, L. Calcium supplementation
S27, 2003. during pregnancy for preventing hypertensive disorders and related problems.
9. TERAN, E.; ESCUDERO, C.; MOYA, W.; FLORES, M.; VALLANCE, P.; Cochrane Database Syst Rev, 2002; (1): CD001059. [update of: Cochrane
LOPEZ-JARAMILLO, P. Elevated C-reactive protein and pro-inflammatory Database Syst Rev 2000; (2): CD001059; update in: Cochrane Database Syst
cytokines in Andean women with preeclampsia. Intern. J. Gynecol. Obstet., Rev 2000; (3): CD001059].
v. 75, p. 243–249, 2001. 19. THE MAGPIE COLLABORATIVE GROUP. Do women with pre-eclampsia,
10. SERIN, Y. S.; ÖZÇELIK, B.; BAPBUO, M.; KYLYÇ, H.; OKUR, D.; EREZ, and their babies benefit from magnesium sulphate? The Magpie Trial: a
R. Predictive value of tumor necrosos alpha in preeclampsia. Eur. J. Obstet. randomized placebo controlled trial. Lancet, v. 359, p. 1877–1890, 2002.

106 HIPERTENSÃO
AVALIAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL
A relação entre o tamanho do
manguito e o braço na medida
indireta da pressão arterial
Revisão sobre o assunto
Autora: mostrou que 97% não usavam manguito de tamanho apropriado
ao braço do paciente1 . Desse modo, o uso de manguito estreito
em relação ao braço, pela não compressão total do vaso, pode
falsamente elevar os valores da pressão arterial2–4 . Em pessoas
Angela Maria Geraldo Pierin obesas, o uso de manguitos pequenos pode acarretar inclusive
diagnóstico incorreto de hipertensão arterial – expondo essas
Professora Livre-Docente do Departamento de pessoas a um tratamento desnecessário – ou o hiper tratamento
Enfermagem Médico-Cirúrgica da Escola de de pessoas hipertensas. Fonseca-Reyes et al.5 mostraram que, em
Enfermagem da Universidade de São Paulo pessoas com braço de circunferência acima de 33 cm, a pressão
foi significativamente maior quando o manguito padrão foi usa-
do. Para cada 5 cm de aumento na circunferência, iniciando a
Resumo partir de 35 cm, houve aumento de 2 a 5 mmHg na pressão sistó-
lica e 1 a 3 mmHg na diastólica. Por outro lado, em pessoas com
A medida da pressão arterial é feita pelo método indireto braços finos, o uso inapropriado de manguitos largos pode levar
com uso de esfigmomanômetro aneróide, de coluna de mercú- à falsa diminuição da pressão arterial, às vezes deixando de iden-
rio ou com aparelhos automáticos ou semi-automáticos. Essa tificar precocemente a hipertensão4,6 .
técnica exige relação adequada entre o tamanho do manguito
e o braço do paciente para que haja compressão total da arté-
ria na inflação. O uso de manguito estreito em relação ao
Aspectos históricos
braço pode falsamente elevar os valores da pressão arterial e Em 1901, Von Recklinghausen apontou que a largura da
o inverso é verdadeiro. As recomendações têm indicado que a bolsa inflável do manguito idealizado por Riva-Rocci, de 4,5 cm
bolsa de borracha deve ter comprimento correspondente a 80% de largura, causava leituras erroneamente altas, por ocasião da
e largura a 40% da circunferência do braço do paciente, guar- medida da pressão pelo método palpatório. Em 1936, Woodbury
dando uma relação de 2:1. A última recomendação da “Ame- e cols.7 afirmaram que a medida indireta não diferia muito da
rican Heart Association” (AHA) indica que a largura da bol- direta, sendo a pressão sistólica indireta 3 a 4 mmHg mais baixa
sa correspondente a 46% da circunferência do braço atende e a diastólica 9 mmHg mais alta na medida indireta em relação à
melhor a adequação entre ambos. intra-arterial. Entretanto, Robinow e cols. ressaltavam a necessi-
dade de se utilizarem manguitos de tamanhos adequados para
medidas precisas. No final da década de 30 existia concordância
Introdução quanto à padronização do manguito de 13 cm de largura para
adultos, como havia recomendado Von Recklinghausen, mas, tra-
A medida da pressão arterial ainda é o recurso mais utiliza- tando-se de crianças, admitia-se que a largura deveria correspon-
do para o diagnóstico e tratamento da hipertensão arterial. A der à circunferência do braço. Acreditava-se também que
medida rotineira da pressão arterial é feita pelo método indireto manguitos de 13 cm poderiam ocasionar leituras baixas em bra-
com uso de esfigmomanômetro aneróide, de coluna de mercúrio ços finos, não tendo sido referidas observações em braços maio-
ou com aparelhos automáticos ou semi-automáticos. Essa técni- res8 . Ragan e Bordley foram os primeiros a estudarem a relação
ca, em uso há mais de cem anos, exige relação adequada entre o existente entre a largura do manguito e a circunferência do braço.
tamanho do manguito e o braço do paciente para que haja com- Esses estudiosos usaram larguras de 13 a 20 cm, ou seja, respec-
pressão total da artéria na inflação. Estudo com 114 médicos tivamente o manguito padrão e outro bem mais largo, em 51 pes-
soas, os autores afirmavam que o método indireto de medida da
pressão era razoavelmente fidedigno para algumas pessoas, mas
Endereço para correspondência: em um número significativo a informação poderia ser errônea,
Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo especialmente naqueles com braços muito grossos ou muito fi-
Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 419 nos, podendo o erro exceder até 30 mmHg em ambas as direções.
05403-906– São Paulo – SP Com os dados de Ragan e Bordley, Pickering e cols.9
Tel.: (11) 3066-7564 – E-mail: pierin@usp.br relacionaram as medidas diretas e indiretas e calcularam o

Volume 8 / Número 3 / 2005 107






coeficiente de regressão entre elas, encontrando uma relação A atual recomendação para medida da pressão arterial da

de 0,50 para a pressão sistólica e 0,41 para a pressão diastóli- AHA salienta que o manguito “ideal” deve ter bolsa de borracha

ca. A partir da equação os autores construíram uma tabela de com comprimento correspondente a 80% e largura a 40% da cir-

correção cuja utilização eliminaria ou minimizaria erros de- cunferência do braço do paciente, guardando uma relação de 2:1.

correntes da largura inadequada, ressaltando, todavia, que “pes- Porém, salienta que estudo “recente”, publicado no ano de 2000,

soas com circunferências semelhantes poderiam apresentar que comparou medida intra-arterial com medida indireta pelo

divergências entre as medidas direta e indireta”. método auscultatório concluiu que o erro pode ser minimizado

quando a largura da bolsa do manguito corresponder a 46% da



circunferência do braço18 . Diante dessas considerações a tabela


As recomendações da

1 apresenta a mais recente recomendação da AHA.


“American Heart Association” (AHA)


A recomendação da AHA coloca que, nessa nova apresenta-


ção, o antigo manguito-padrão, com bolsa de 12 x 22 cm, agora



A primeira recomendação da AHA para a medida da pressão destina -se a braços pequenos. Nos manguitos para braços maiores

arterial que foi publicada em 1939 indicava bolsa de borracha do e coxa, a recomendação de que a largura corresponda a 46% da

manguito com largura de 12 a 13 cm10 . Em sua recomendação circunferência do braço carece de praticidade, pois resultaria em

seguinte, em 1951, apontava que a largura da bolsa de borracha do manguitos com bolsas de 20 cm e 24 cm respectivamente. Nesse

manguito deveria ser 20% maior que o diâmetro do braço11 . As sentido foi mantida a mesma largura, de 16 cm, independentemen-

duas recomendações seguintes indicavam que a largura da bolsa te do aumento da circunferência do braço de 27 até 52 cm, varian-
de borracha do manguito deveria corresponder a 40% da circunfe- do apenas o comprimento da bolsa de borracha, resguardando a
rência do braço e o comprimento deveria envolver pelo menos 80% recomendação de que a bolsa deve envolver 80% do braço.
do braço12–13 . Desse modo, para o adulto com circunferência de 27 A adoção na prática clínica da recomendação da AHA
a 34 cm era indicado o uso de manguito com bolsa de borracha pode apresentar dificuldades. A primeira que destaco é que a
com 13 cm de largura por 30 cm de comprimento; para o adulto nossa vivência, infelizmente, tem revelado que muitos servi-
com circunferência entre 35 e 44 cm, bolsa de borracha com 16 cm
de largura por 38 cm de comprimento; e para adultos com circun-
ferência de braço de 45 a 52 cm, bolsa de borracha com 20 cm de TABELA 1
largura por 42 cm de comprimento, que é o manguito de coxa.
A recomendação da AHA13 de 1993, que indica que a largu- DIMENSÃO DA BOLSA DE BORRACHA DO MANGUITO,
ra da bolsa de borracha do manguito deveria corresponder a 40% DE ACORDO COM A CIRCUNFERÊNCIA DO BRAÇO – AHA15
da circunferência do braço, foi questionada por Marks & Groch14, Circunferência do braço Nome Dimensão da bolsa
que compararam medida direta e indireta da pressão arterial e 22 cm a 26 cm Adulto pequeno 12 cm x 22 cm
27 cm a 34 cm Adulto 16 cm x 30 cm
mostraram que a largura ideal do manguito não é diretamente 35 cm a 44 cm Adulto grande 16 cm x 36 cm
proporcional à circunferência do braço, mas proporcional ao 45 cm a 52 cm Adulto coxa 16 cm x 42 cm
logaritmo da circunferência do braço, que é expressado pela equa-
TABELA 2
ção largura do manguito = 9,34 log 10 da circunferência do braço.
A recomendação mais recente da AHA15 , publicada em ja-
neiro de 2005, apresenta mudanças consideráveis no tocante às DIMENSÃO DA BOLSA DE BORRACHA DOS MANGUITOS, DE
qualificações das dimensões da bolsa de borracha do manguito. ACORDO COM A CIRCUNFERÊNCIA DO BRAÇO (CM) PARA
Para justificar as mudanças, a primeira consideração relaciona- EQUIPAMENTOS DE AUTOMEDIDA DA PRESSÃO E MEDIDA CASUAL17
se ao aumento das dimensões ocorridas nos braços das pessoas
Circunferência do braço
norte-americanas. De acordo com dados do “National Health and Fabricante Manguito adulto Manguito adulto grande
Nutritional Examination Survey”16 , NHANES III (1988–1991 e Welch-Alyn (Tycos) 27,9 cm a 41,7 cm 33 cm a 50,8 cm
1991–1994), em relação ao NHANES de 2000 (1999–2000) a Mabis 23 cm a 33 cm 31 cm a 40 cm
Baumanometer (V-Lok®) 25 cm a 35 cm 33 cm a 47 cm
média da circunferência do braço da população geral aumentou
Omron 27 cm a 40 cm 33 cm a 43 cm
significativamente (31,83 ± 0,08 vs. 32,86 ± 0,15 cm, p < 0,001), Graham-Field (Labtron) 19 cm a 31 cm 30 cm a 45 cm
apesar de não ocorrer na população de hipertensos analisada (33,07 Datascope 24 cm a 36 cm 30 cm a 45 cm
± 0,16 para 33,861 ± 0,30 cm, p = 0,11). Tal fato não surpreende,
pois nos Estados Unidos houve aumento da obesidade, que pas- TABELA 3
sou de 22,9% para mais de 30% no mesmo período. Comprovan-
do esse fato, Graves17 analisou 430 hipertensos, constatando que DIMENSÕES DA BOLSA DE BORRACHA DO MANGUITO, DE
61% apresentaram circunferência do braço acima ou igual a 33 ACORDO COM A CIRCUNFERÊNCIA DO BRAÇO –
cm. Dessa forma, torna-se inegável a necessidade de manguitos “BRITISH HYPERTENSION SOCIETY”21
com bolsas de maiores dimensões, o que não ocorre na prática Indicação Dimensões da Circunferência
clínica rotineira, cuja disponibilidade na maioria das vezes é ape- bolsa de borracha do braço
nas do manguito padrão, o que não atende às necessidades tanto Adulto pequeno/criança 12 cm x 18 cm < 23 cm
Adulto padrão 12 cm x 26 cm < 33 cm
dos braços de pessoas obesas quanto de pessoas com braços mais Adulto grande 12 cm x 40 cm < 50 cm
finos, levando a erro na avaliação da medida da pressão arterial.

108 HIPERTENSÃO
ços ainda possuem apenas manguitos de dimensão correspon- mento que deve atender às normas das entidades afins e quanto à
dente ao “antigo padrão”, com bolsa de borracha em torno de colocação correta do aparelho, mantido no nível do coração.
12 x 23 cm, para uso em adultos, independentemente do ta-
manho do braço. Outro ponto que saliento é a possível difi- Conclusão
culdade na aquisição dos novos manguitos, em virtude da di-
versidade de denominações e dimensionamentos oferecidos Em 1996 O’Brien20 escreveu um artigo de revisão que apon-
pelos fabricantes, como pode ser observado na tabela 2. tava para a confusão existente há um século em relação às dimen-
A recomendação da AHA indica também que em pacientes sões do manguito e a acurácia da medida da pressão arterial, e
obesos, principalmente os que têm obesidade mórbida, situação após quase uma década parece que ainda permanece. A última
em que geralmente os braços são curtos e de forma cônica ocor- recomendação da AHA, que modifica o comprimento da bolsa
rem dificuldades de adaptação do manguito no braço. Nessa si- de borracha do manguito à medida que a circunferência do braço
tuação a AHA recomenda que a medida pode ser realizada no aumenta e praticamente mantém estável a largura, é um exemplo
antebraço, com ausculta dos sons na artéria radial. Estudo reali- de que ainda mais investigações devem ser realizadas, pois é apre-
zado em nosso meio19 com pessoas obesas mostrou que a pres- sentado apenas um estudo18 para fundamentar a adoção das no-
são arterial medida no braço com manguito adequado (124 ± 21/ vas dimensões mostradas na tabela 1. A “British Hypertension
73 ± 13 mmHg) foi significativamente mais baixa (p < 0,05) do Society”21 considera que a largura da bolsa do manguito é um
que a medida realizada no antebraço com manguito padrão (136 fator relevante e que a recomendação de correspondência de 40%
± 19/82 ± 13 mmHg). Em função do resultado foi possível deter- com a circunferência do braço deve ser mantida. Porém, na tabe-
minar valores de correção para a medida da pressão arterial rea- la 3, pode-se observar que essa entidade também mantém fixa a
lizada no antebraço para pacientes que possuíam circunferência largura da bolsa de borracha alterando apenas o comprimento em
de braço entre 32 e 44 cm. A equação de correção para pressão função do aumento da circunferência do braço. A “Canadian
sistólica e diastólica pode ser expressada da seguinte forma: pres- Hypertension Society”22 em suas recomendações publicadas em
são sistólica = 33,2 + 0,68 x pressão sistólica do antebraço e pres- 2004, se limitam à seguinte observação: no manguito ideal a lar-
são diastólica = 25,2 + 0,59 x pressão diastólica do antebraço. gura da bolsa é igual à circunferência do braço dividida por 2,5 e
Acrescenta-se ainda que o recurso da medida da pressão o comprimento deve envolver 80% a 100% o braço. As IV Dire-
realizada no pulso com aparelhos próprios para essa finalidade, trizes Brasileiras de Hipertensão23, que seguiram as recomenda-
que seria uma opção para as pessoas obesas, deve ser seguida de ções da AHA vigentes na época, em sua próxima edição devem
cuidados especiais quanto à certificação da validação do equipa- analisar cuidadosamente esse aspecto.

Referências bibliográficas
1. MCKAY, D. W.; CAMPBELL, N. R. C.; PARAB, L. S. et al. Clinical for human blood pressure determinations by sphygmomanometers. Report
assessment of blood pressure. J. Hum. Hypertens., v. 4, p. 639–645, 1990. of a Special Task Force Appointed by the Steering Committee. American
2. GUAGNANO, M. T.; MURRI, R.; MARCHIONE, L.; MERLITTI, D.; Heart Association. Hipertension, v. 11, p. 209A–222A, 1988.
PALITTI, V. P.; SENSI, S. Many factors can affect the prevalence of 13. PERLOFF, D.; GRIM, C.; FLACK, J. Human blood pressure determination
hypertension in obese patients: role of cuff size and type of obesity. by sphygmomanometry. Circulation, v. 88, p. 2460–2467, 1993.
Panminerva Med., v. 40, p. 22–27, 1998. 14. MARKS, L. A.; GROCH, A. Optimizing cuff width for noninvasive
3. MAXWELL, M. H. et al. Error in blood pressure measurement due to measurement of blood pressure. Blood Press. Monit., v. 5, p. 153–158, 2000.
incorrect cuff size in obese patients. Lancet, v. 2, p. 33–36, 1982. 15. PICKERING, T. G.; HALL, J. E.; APPEL, L. J. Recommendations for blood
4. RUSSEL, A. E.; WING, L. M.; SMITH, S. A. et al. Optimal size of cuff pressure measurement in humans and experimental animals. Hypertension,
bladder for indirect measurement of arterial pressure in adults. J. Hypertens., v. 45, p. 142–161, 2005.
v. 7, p. 607–613, 1989. 16. GRAVES, J. W.; BAILEY, K. R.; SHEPS, S. G. The changing distribution of
5. FONSECA-REYES, S.; ALBA-GARCIA, J.; PARRA-CARRILLO, J. et al. arm circumferences in NHANES III and NHANES 2000 and its impact on
Effect of standard cuff on blood pressure readings in patients with obese the utility of the “standard adult” blood pressure cuff. Blood Press. Monit.,
arms. How frequent are arms of large circumference? Blood Press. Monit., v. 8, p. 223–227, 2003.
v. 8, p. 101–106, 2003. 17. GRAVES, J. W. Prevalence of blood pressure cuff sizes in a referral practice of
6. ARCURI, E. A. M.; SANTOS, J. L. F.; SILVA, M. R. Is early diagnoses of 430 consecutive adult hypertensives. Blood. Press. Monit., v. 6, p. 17–20, 2001.
hypertension a function of cuff width? J. Hypertens., v. 7, p. S60–S61, 1989. 18. MARKS, L. A.; GROCH, A. Optimizing cuff width for noninvasive
7. WOODBURY, R. A.; ROBINOW, M.; HAMILTON, W. F. Blood pressure measurement of blood pressure. Blood. Press. Monit., v. 5, p. 153–158, 2000.
studies on infants. Am. J. Physiol., v. 122, p. 472–479, 1938. 19. PIERIN, A.; ALAVARCE, D.; GUSMÃO, J. et al. Blood pressure measurement
8. ROBINOW, M.; WOODBURY, R. A.; HAMILTON, W. F.; VOLPITTO, P. P. in obese patients: comparison between upper arm and forearm measurements.
Accuracy of clinical determinations of blood pressure in children. Am. J. Blood. Press. Monit., v. 9, p. 101–105, 2004.
Dis. Child., v. 58, p. 102–118, 1939. 20. O’BRIEN, E. Review: a century of confusion; which bladder for accurate
9. PICKERING, G. W.; ROBERTS, J. A. F.; SOWRT, G. S. C. The effect of blood pressure measurement? J. Hum. Hypertens., v. 10, p. 565–572, 1996.
correcting for arm circumference on the growth rate of arterial pressure with 21. PARATI, G.; MENDIS, S.; ABEGUNDE, D. et al. Recommendations for
age. Clin. Sci., v. 13, p. 267–271, 1954. blood pressure measuring devices for office/clinic use in low resource settings.
10. BARKER, M. H.; ERLANGER, J.; MEAKINS, J et al. Standardization of Blood Press. Monit., v. 10, p. 3–10, 2005.
blood pressure readings. Joint Recommendations of the American Heart As- 22. HEMMELGARN, B. R.; ZARNKE, K. B.; CAMPBELL, N. R, C. et al. The
sociation and the Cardiac Society of Great Britain an Ireland. Am. Heart. J., 2004 Canadian Hypertension Education Program recommendations for the
v. 17, p. 95101, 1939. management of hypertension: Part I blood pressure measurement, diagnosis,
11. BORDLEY, J.; COMNOR, C. A. R.; HAMILTON, W. F.; KERR, W. J.; and assessment of risk. Can. J. Cardiol., v. 20, p. 31–40, 2004.
WIGGERS, C. J. Recommendations for human blood pressure determinations 23. DIRETRIZES DE HIPERTENSÃO ARTERIAL, 4. Campos do Jordão. So-
by sphygmomanometers. JAMA, v. 147, p. 632–634, 1951. ciedade Brasileira de Hipertensão, Sociedade Brasileira de Cardiologia, So-
12. FROHLICH, E. D.; GRIM, C.; LABARTHE, D. R. et al. Recommendations ciedade Brasileira de Nefrologia, 2002.

Volume 8 / Número 3 / 2005 109



TERAPÊUTICA


Agentes anti-hipertensivos e efeitos


Tratamento



sobre o metabolismo da glicose












Autores: Aspectos gerais



O tratamento da hipertensão arterial deve levar em conta não


Frida Liane Plavnik*


Professora Afiliada da Disciplina de Nefrologia, somente a redução dos níveis pressóricos, mas também o controle ou

redução dos fatores de risco e a subseqüente redução na morbi-mor-


Universidade Federal de São Paulo–Escola


talidade cardiovascular, e é desejável que os fármacos usados tenham


Paulista de Medicina, Hospital do Rim e Hipertensão


um efeito neutro ou favorável com relação ao perfil metabólico, uma

Osvaldo Kohlmann Júnior vez que a hipertensão arterial é considerada, pelo menos parcialmen-
Professor Adjunto da Disciplina de Nefrologia, te, um estado de resistência à insulina, independentemente do peso
Universidade Federal de São Paulo–Escola corporal1–2 e este estado de resistência à insulina é um dos fatores de
Paulista de Medicina, Hospital do Rim e Hipertensão risco mais importante para o desenvolvimento do diabetes melito tipo
2. Essa característica, isto é, a influência sobre o perfil metabólico em
pacientes hipertensos é importante, à medida que, os agentes anti-
Resumo hipertensivos podem por si só reduzir o benefício da redução pressó-
rica se os mesmos induzirem a uma piora dos fatores de risco cardio-
A ação dos diferentes agentes anti-hipertensivos sobre o me- vascular, como a intolerância à glicose.
tabolismo da glicose é conhecida há mais de 50 anos. Diferentes Entre as classes de drogas indicadas para o tratamento da hi-
estudos têm demonstrado ao longo das últimas quatro décadas pertensão arterial é bem conhecido que os diuréticos tiazídicos e os
que os diuréticos e betabloqueadores exercem efeitos deletérios betabloqueadores são capazes de promover efeitos metabólicos ad-
sobre o metabolismo da glicose, levando à diminuição na sensibi- versos, como intolerância à glicose ou mesmo a evolução para o
lidade à insulina, além de poderem desencadear o aparecimento diabetes melito tipo 23–5, enquanto os antagonistas dos canais de
de diabetes melito. Apesar de os mecanismos não estarem ainda cálcio, tanto diidropiridínicos quanto não-diidropiridínicos6,7, pare-
completamente elucidados, a literatura tem mostrado que os be- cem exercer papel neutro, e finalmente os inibidores da enzima con-
tabloqueadores causam alteração na secreção e depuração da versora da angiotensina e os bloqueadores do receptorAT 1 da angio-
insulina, além de promoverem diminuição do fluxo sangüíneo para tensina demonstram um perfil metabólico favorável8.
o músculo, enquanto os mecanismos ligados aos diuréticos tiazí-
dicos envolvem a hipocalemia ou aumento da produção de glico- Diuréticos
se pelo fígado. Já os antagonistas dos canais de cálcio têm efeitos Com relação aos diuréticos cabe ressaltar que a piora da sensibi-
neutros e os inibidores da enzima conversora e os bloqueadores lidade à insulina comumente relatada na literatura refere-se principal-
do receptor AT1 da angiotensina são as classes de drogas com mente aos diuréticos tiazídicos. Os efeitos metabólicos dos tiazídicos
perfil favorável, isto é, melhoram a sensibilidade à insulina em podem estar relacionados a um aumento na taxa de produção hepáti-
pacientes hipertensos. A análise de diversos estudos prospecti- ca de glicose9, de hipocalemia10–11, ou ainda de ambas. A importância
vos, de longa duração, com um número mais expressivo de pa- da hiperglicemia relacionada ao uso de diuréticos foi enfatizada pela
cientes, tem demonstrado que o uso de diuréticos isoladamente primeira vez em um artigo publicado no Lancet12 em que os autores
ou associados com betabloqueadores, quando comparado às no- afirmaram que “o diabetes induzido pelos diuréticos não pode ser
vas classes de drogas, como antagonistas dos canais de cálcio, descartado como um simples efeito colateral...”.
inibidores da enzima conversora e bloqueadores do receptor AT1 Ao longo das últimas quatro décadas, diversos estudos têm de-
da angiotensina, resultam em um percentual mais elevado de dia- monstrado que essa alteração na glicemia progride com a continuida-
betes melito tipo 2 de início recente, que em última instância re- de do uso do diurético, como mostram os dados de Murphy e cols.13,
presenta um aumento no risco de doenças cardiovasculares. em que pacientes hipertensos usando diuréticos foram seguidos du-
rante 14 anos. Após a interrupção do tratamento houve melhora da
*Endereço para correspondência: tolerância à glicose, embora em cerca de 40% dos pacientes esta me-
Hospital do Rim e Hipertensão – Fundação Oswaldo Ramos lhora não fosse evidenciada. Um estudo realizado por nosso grupo
Rua Borges Lagoa, 960 mostrou que pacientes hipertensos submetidos a tratamento com diu-
04038-002 – São Paulo – SP rético tiazídico (clortalidona 25 mg/dia), que cursavam com uma re-
Tel.: (11) 5575-8661 / Fax: 5579-2985 dução nos níveis de potássio de 0,9 mEq/L, sem atingir necessaria-
E-mail: fplavnik@terra.com.br mente níveis de hipocalemia, mostravam piora dos níveis de glicemia

110 HIPERTENSÃO
e de insulinemia, e a suspensão do anti-hipertensivo permitiu a nor- achado, Gress e cols.21 observaram que pacientes hipertensos tratados
malização dessas variáveis14. Ainda com relação à hipocalemia, deve- com betabloqueadores tiveram um risco 28% maior de diabetes do que
mos lembrar que esse efeito é mais pronunciado com doses mais aqueles que não estavam recebendo a medicação. Portanto, mesmo os
elevadas de tiazídicos, e que os estudos iniciais utilizavam doses em estudos iniciais com essa classe de drogas já apontavam para um im-
torno de 50–100 mg/dia de hidroclorotiazida ou clortalidona. O me- portante efeito metabólico, que foi posteriormente confirmado através
canismo pelo qual a hipocalemia causa diminuição da tolerância à de estudos comparativos, de longa duração, com outras classes de dro-
glicose está associado a uma atenuação da liberação de insulina pelo gas. O primeiro grande estudo randomizado em doenças cardiovascu-
pâncreas. Assim, a manutenção do balanço do potássio corporal evi- lares a revelar uma diferença na incidência de diabetes foi o estudo
taria a piora da tolerância à glicose15. CAPPP (“Captopril Prevention Project”)22, em que mais de 10 mil pa-
Estudos mais recentes têm utilizado doses de até 25 mg/dia de cientes não-diabéticos foram randomizados para captopril ou
hidroclorotiazida ou clortalidona, e mesmo com essa dose, consi- betabloqueador associado ou não a um diurético tiazídico. Após um
derada por alguns como “dose máxima”, ainda é possível observar seguimento médio de seis anos, 6,5% dos pacientes randomizados
perfil metabólico negativo. Alguns autores advogam o uso de doses para o grupo captopril desenvolveram diabetes em comparação com
menores (máximo de 12,5 mg/dia) no sentido de se observar a pre- 7,3% daqueles randomizados para receber betabloqueador/tiazídicos.
sença ou não desses efeitos metabólicos adversos 9. Uma metanáli- Quando comparado com um antagonista de cálcio não-diidropiridí-
se de seis estudos prospectivos, de longa duração, comparando diu- nico (estudo INVEST), o grupo tratado com trandolapril/verapamil
réticos com diferentes classes de anti-hipertensivos, mostrou que os teve uma proporção significativamente menor de novos casos de dia-
diuréticos tinham maior probabilidade de se associar com maior betes quando comparado aos pacientes tratados com atenolol/hidro-
incidência de diabetes16. clorotiazida, que foi de 8,2%23. Ainda, o uso de betabloqueador esta-
Verdecchia e cols.17 observaram, através de uma análise de re- va associado a uma incidência maior de novos casos de diabetes quando
gressão logística, que a glicemia basal e a exposição a diuréticos ao se comparou com um antagonista de cálcio diidropiridínico (estudo
longo do acompanhamento (mediana de 6 anos, 1–16 anos) eram os INSIGHT)24 e em dois outros estudos ARIC21 e LIFE25 foi demons-
preditores independentes mais fortes para diabetes de início recente. trado que o uso de betabloqueadores estava associado a uma incidên-
Ainda nesse estudo, os autores observaram que para cada aumento de cia 18% e 27% maior de novos casos de diabetes.
1,58 mmol/L na glicose sérica durante as visitas de acompanhamento Assim, diante desse grande número de pacientes avalia-
o risco de eventos cardiovasculares subseqüentes aumentava em 23%. dos por um longo período pode-se verificar que o uso de beta-
Finalmente os autores concluíram que após ajustes para diferentes bloqueadores associados ou não a diuréticos tiazídicos promo-
variáveis, aqueles pacientes que desenvolveram diabetes durante o veu piora da tolerância à glicose em pacientes hipertensos, por-
acompanhamento eram comparáveis àqueles que eram diabéticos pré- tadores ou não de doença cardiovascular prévia, quando com-
tratamento, significando que ambos teriam uma chance aproximada parado com o uso de diferentes classes de anti-hipertensivos.
três vezes maior de desenvolver doença cardiovascular quando com- Uma outra geração de betabloqueadores, como o carvedilol,
parados com os pacientes que não desenvolveram diabetes. não tem demonstrado efeito deletério sobre a sensibilidade à insu-
lina. Os dados disponíveis até o momento apontam para uma clas-
Betabloqueadores se com propriedades vasodilatadoras, a partir de um bloqueio adi-
Os mecanismos propostos para a ação deletéria dos beta- cional dos receptores alfa-1 periféricos. Por conta desse mecanis-
bloqueadores sobre o metabolismo da glicose incluem redução da mo tem-se observado redução da resistência à insulina ou efeito
secreção de insulina, redução na depuração da insulina, com con- neutro, com melhora do controle glicêmico26. Para elucidar os efei-
seqüente hiperinsulinemia. Além desse mecanismo, o tratamento tos desse grupo de drogas sobre o perfil metabólico em pacientes
com betabloqueadores aumenta a resistência periférica total, e, hipertensos e diabéticos, está sendo iniciado um estudo compara-
portanto, a deterioração da sensibilidade à insulina nesses pacien- tivo entre carvedilol com metoprolol27.
tes seria decorrente de uma diminuição do fluxo sangüíneo para o
músculo, resultando em diminuição na liberação do substrato e Antagonistas dos canais de cálcio
captação diminuída de glicose pelo músculo18. Os antagonistas dos canais de cálcio são descritos como agen-
Os betabloqueadores não-seletivos (propranolol) têm se tes que não interferem na sensibilidade à insulina, independente-
mostrado mais deletérios em relação à sensibilidade à insulina do mente da subclasse (fenilalquilaminas, benzotiazepinas ou diidro-
que as drogas classificadas como seletivas (atenolol, pindolol, piridínicos) a que pertençam. Em uma ampla revisão realizada por
metoprolol). Em um estudo comparativo entre propranolol e pin- Hedner e cols.28, os autores discutem os mecanismos pelos quais os
dolol foi observado que o propranolol reduziu a sensibilidade à antagonistas de cálcio exerceriam seus efeitos sobre o metabolismo
insulina em 32%, enquanto o pindolol promoveu redução de 17%19. da glicose e comentam que os antagonistas de cálcio poderiam ter
Assim, apesar de menos intensa, a redução na sensibilidade à in- efeitos diferentes em indivíduos não-diabéticos e diabéticos. Estu-
sulina ainda manteve um impacto significativo. dos iniciais com diltiazem mostraram que o tratamento com esse
À semelhança do que foi demonstrado para os diuréticos com agente não causava nenhum efeito na sensibilidade à insulina6. Mais
relação à piora da tolerância à glicose e subseqüente desenvolvimento tarde, foi demonstrada uma relação positiva entre a concentração de
de diabetes melito tipo 2, Bengtsson e cols.20 observaram, num estudo diltiazem e a mudança na sensibilidade à insulina, isto é, quanto
prospectivo de 12 anos de seguimento em mulheres suecas, que o risco maior a concentração da droga maior a melhora observada nos pa-
de desenvolver diabetes era quatro vezes maior naquelas que recebe- râmetros de sensibilidade à insulina29. Com relação aos diidropiri-
ram diuréticos e betabloqueadores. De forma coincidente com esse dínicos, de um modo geral foi demonstrado um efeito neutro sobre

Volume 8 / Número 3 / 2005 111






a sensibilidade à insulina em comparação com placebo ou diuréti-


TABELA 1

cos e/ou betabloqueadores7,24,30,31.


Apenas a partir de estudos prospectivos de longa duração é INCIDÊNCIA DE NOVOS CASOS DE DIABETES TIPO 2,

que se pode avaliar o impacto dessa classe de anti-hipertensivos DE ACORDO COM O ESTUDO E DROGA DE TRATAMENTO

na incidência de novos casos de diabetes tipo 2. Assim, nos estu-


dos INSIGHT24, ALLHAT31, STOP-232, os pacientes randomiza-


Estudo/ref. Tempo de Droga(s) principal(is) % casos novos


seguimento (no pcts s/DM-2 no início do estudo) de DM-2


dos para o braço de antagonista de cálcio apresentaram um menor

CAPP22 6,1 Betabloqueador ± diurético (5.230) 7,3


percentual de novos casos de diabetes ao final do estudo quando

N = 10.985 Captopril (5.183) 6,5


comparados com os pacientes tratados com diuréticos e/ou beta- STOP-232 6,2 Tratamento convencional (1.961) 4,9

bloqueadores. Embora em alguns desses estudos não tenha sido N = 6.614 Felodipina ou isradipina (1.965) 4,8

Enalapril ou lisinopril (1.969) 4,7


possível atingir significância estatística, é importante ressaltar que

HOPE34 5,0 Placebo (2.883) 5,4


a diferença observada na incidência de novos casos de diabetes é

N = 9.297 Ramipril (2.837) 3,6


relevante e poderia ter sido até maior caso as doses das drogas INSIGHT25 4,3 Co-amilozida (2.511) 7,0

N = 6.321 Nifedipina GITS (2.508) 5,4


tivessem sido otimizadas. A tabela 1 resume as principais caracte-

LIFE 24 4,8 Atenolol (3.979) 8,0


rísticas desses estudos, com os respectivos percentuais. N = 9.193 Losartan (4.019) 6,0

ALLHAT31 4,9 Clortalidona (9.727) 11,6


Inibidores da enzima conversora da angiotensina/ N = 33.357 Amlodipina (5.725) 9,8


Lisinopril (5.842) 8,1


bloqueadores do receptor AT1 da angiotensina ANBP235 4,1 Hidroclorotiazida (2.826) 6,6


Apesar de agirem de modo diferente no bloqueio do sistema N = 6.083 Enalapril (2.800) 4,5
SCOPE37 5,0 Placebo (2.175) 5,3
renina-angiotensina como agentes anti-hipertensivos, quando con-
N = 4.937 Candesartan (2.167) 4,3
sideramos o impacto dessas drogas no retardo ou prevenção do de- ALPINE38 1,0 Atenolol ± hidroclorotiazida (196) 4,0
senvolvimento da resistência à insulina, e em última instância do N = 392 Candesartan± felodipina (196) 0,5
INVEST23 5,4 Atenolol ± hidroclorotiazida (8.078) 8,2
diabetes tipo 2, podemos dizer que a ação dessas drogas pode ser
N = 22.576 Verapamil ± trandolapril (8.098) 7,0
explicada pelos efeitos hemodinâmicos, como maior oferta de in-
Modificado de Pepine et al.8
sulina e glicose à musculatura esquelética, e efeitos não-hemodinâ-
micos, representados por um efeito direto nas vias de sinalização da
insulina e transporte da glicose. Discute-se também que ambas as Algumas considerações finais devem ser colocadas diante dos
classes atenuam o efeito indesejado da angiotensina II relacionado dados aqui apresentados. Apesar dos resultados provenientes dos di-
a vasoconstrição, fibrose, apoptose e morte da célula pancreática, versos estudos realizados nos últimos anos – com antagonistas de
além de evitarem a ocorrência de hipocalemia e, o menos efeito cálcio, inibidores da enzima conversora da angiotensina e bloqueado-
desta sobre a insulina. Além disso, os inibidores da enzima conver- res do receptor AT1 da angiotensina – demonstrarem benefícios na
sora da angiotensina prolongam a ação da bradicinina ao bloquear e sensibilidade à insulina quando comparados a terapia com diuréticos
facilitar sua ação, promovendo vasodilatação e aumento da capta- e/ou betabloqueadores, a falta de significância entre eles pode ser
ção de glicose pela musculatura esquelética33. explicada por desenho inadequado do estudo, pequena duração do
Quando os inibidores da enzima conversora de angiotensina mesmo, dose não-maximizada ou por fatores relacionados à popula-
foram comparados com diuréticos tiazídicos ou betabloqueadores ou ção avaliada, como etnia, idade, presença ou não de aumento no peso
até mesmo quando houve uso combinado (diurético + betabloquea- corporal, e também pela associação de diuréticos e/ou betabloquea-
dor), como nos estudos CAPPP22 e HOPE34, pode-se observar uma dores ao esquema terapêutico.Ainda com relação aos diuréticos, como
redução de 11% e 34%, respectivamente, na incidência de novos ca- discutido anteriormente, há necessidade de se avaliar seu impacto
sos de diabetes. Esse achado de melhora na sensibilidade à insulina dos em baixas doses, isto é, entre 6,25 a 12,5 mg/dia, pois com essas
foi demonstrado também com outros inibidores da enzima converso- doses usadas habitualmente em associação com outros anti-hiperten-
ra, como lisinopril31, enalapril32,35 e perindopril36, sugerindo que esse é sivos, e imaginando-se que se desenvolva menos hipocalemia, o im-
um efeito de classe e não de agentes isolados dentro da mesma classe. pacto na sensibilidade à insulina poderia ser minimizado.
Com relação aos bloqueadores do receptor da angiotensina mais Apesar dessas limitações, dado o grande número de pacientes
especificamente, os dados sugerem que os componentes dessa classe avaliados não há dúvidas quanto à eficácia dessas “novas” classes
têm efeitos similares assim; a avaliação do candesartan em dois estu- de anti-hipertensivos no sentido de postergarem o desenvolvimento
dos, SCOPE37 e ALPINE38 (único estudo até o momento cujo objeti- da resistência à insulina e mesmo do diabetes tipo 2. Porém, como o
vo principal foi comparar a incidência de diabetes melito entre os controle da hipertensão requer o uso de duas ou mais drogas e há
grupos de tratamento), mostrou menor incidência de diabetes tipo 2 um consenso quanto ao início do tratamento naqueles em estágio 2
ao final do tratamento. No estudo LIFE25 houve uma incidência me- ou com lesão em órgãos-alvo, a associação com diuréticos tiazídi-
nor de diabetes do que no grupo tratado com atenolol. cos é recomendada no sentido de potencializar a ação dos inibido-
Entre os membros desta classe, uma nova evidência com rela- res da enzima conversora da angiotensina e dos bloqueadores do
ção ao perfil metabólico tem sido aventada para o telmisartan.A dife- receptor da angiotensina, bem como os betabloqueadores são reco-
rença para esse bloqueador do receptorAT1 da angiotensina seria uma mendados nos pacientes com infarto do miocárdio e em alguns ca-
ação agonista parcial no receptor gama ativado por proliferador pero- sos de insuficiência cardíaca.Assim, o uso dessas classes de drogas
xissomal (PPARγ) com doses habitualmente usadas no tratamento da (diuréticos tiazídicos e betabloqueadores) deve ser feito com crité-
hipertensão e que sugerem um efeito sensibilizador da insulina39. rio e seu uso deve ser feito mediante doses apropriadas.

112 HIPERTENSÃO
Referências bibliográficas
1. FERRANNINI, E.; BUZZIGOLI, G.; BONADONNA, R.; GIORICO, M. A.; GARCIA-BARRETO, D.; KELTAI, M.; ERDINE, S.; BRISTOL, H. A.; KOLB,
OLEGGINI, M.; GRAZIADEI, L.; PEDRINELLI, R.; BRANDI, L.; H. R.; BAKRIS, G. L.; COHEN, J. D.; PARMLEY, W. W. A calcium antagonist
BEVILACQUA, S. Insulin resistance in essential hypertension. N. Engl. J. vs a non-calcium antagonist hypertension treatment strategy for patients with
Med., v. 317, p. 350–357, 1987. coronary artery disease. The International Verapamil-Trandolapril Study
2. SWISLOCKI, A. L.; HOFFMAN, B. B.; REAVEN, G. M. Insulin resistance, (INVEST): a randomized controlled trial. JAMA, v. 290, p. 2805–2816, 2003.
glucose intolerance and hyperinsulinemia in patients with hypertension. Am 24. BROWN, M. J.; PALMER, C. R.; CASTAIGNE, A.; DE LEEUW, P. W.; MANCIA,
J Hypertens., v. 2, p. 419–423, 1989. G.; ROSENTHAL, T.; RUILOPE, L. M. Morbidity and mortality in patients
3. LUNDGREN, H.; BJÖRKMAN; KEIDING, P.; LUNDMARK, S.; randomized to double-blind treatment with a long-acting calcium-channel blocker
BENGTSSON, C. Diabetes in patients with hypertension receiving or diuretic in the International Nifedipine GITS study: Intervention as a Goal in
pharmacologial treatment. BMJ, v. 297, p. 1512, 1988. Hypertension Treatment (INSIGHT). Lancet, v. 356, p. 366–372, 2003.
4. MYKKÄNEN, L.; HAFFNER, S.; KUUSITO, J. Hypertensives with beta- 25. DAHLOF, B.; DEVEREUX, R. B.; KJELDSEN, S. E.; JULIUS, S.; BEEVERS,
blocker or diuretic therapy have an increased risk for type 2 diabetes [abstract]. G.; FAIRE, U.; FYHRQUIST, F.; IBSEN, H.; KRISTIANSSON, K.;
Diabetologia, v. 36, p. A212, 1993. LEDERBALLE-PEDERSEN, O.; LINDHOLM, L. H.; NIEMINEN, M. S.;
5. SKAFORS, E. T.; LITHELL, H. O.; SELINUS, I.; ABERG, H. Do OMVIK, P.; OPARIL, S.; WEDEL, H. Cardiovascular morbidity and mortality
antihypertensive drugs precipitate diabetes in predisposed men? Br. Med. J., in the Losartan Intervention For Endpoint reduction in hypertension study
v. 298, p. 1147–1152, 1989. (LIFE): a randomized trial against atenolol. Lancet, v. 359, p. 995–1003, 2002.
6. POLLARE, T.; LITHELL, H.; MORLIN, C.; PRANTARE, H.; HVARFNER, A.; 26. GIUGLIANO, D.; ACAMPORA, R.; MARFELLA, R.; DE ROSA, N.;
LJUNGHALL, S. Metabolic effects of diltiazem and atenolol: results from a randomized, ZICCARDI, P.; RAGONE, R.; DE ANGELIS, L.; D’ONOFRIO, F. Metabolic
double-blind study with parallel groups. J. Hypertens., v. 7, p. 551–559, 1989. and cardiovascular effects of carvedilol and atenolol in non-insulin dependent
7. CADAVAL, R. A. M.; PLAVNIK, F. L.; KOHLMANN, N. E. B.; KOHLMANN Diabetes mellitus and hypertension. A randomized, controlled trial. Ann.
JR., O.; RIBEIRO, A. B.; ZANELLA, M. T. A comparative study of the effects Intern. Med., v. 126, p. 955–959, 1997.
of amlodipine and propranolol on insulin sensitivity in hypertensive patients 27. BAKRIS, G. L.; BELL, D. S.; FONSECA, V.; KATHOLI, R.; MCGILL, J.;
with android obesity. Eur. J. Clin. Res., v. 8, p. 289–298. 1996. PHILLIPS, R.; RASKIN, P.; WRIGHT JR., J. T.; IYENGAR, M.; HOLESLAW, T.;
8. PEPINE, C. J.; COOPER-DEHOFF, R. M. Cardiovascular therapies and risk ANDERSON, K. M.; GEMINI INVESTIGATORS. The rationale and design of the
for development of diabetes. J. Am. Col. Cardiol., v. 44, p. 509–512, 2004. Glycemic Effects in Diabetes mellitus Carvedilol-Metoprolol Comparison in
9. REYES, A. J. Diuretics in the therapy of hypertension. J. Hum. Hypertens., Hypertensives (GEMINI) trial. J. Diabetes Complications, v. 19, p. 74–79, 2005.
v. 16, p. S78–S83, 2002. 28. HEDNER, T.; SAMUELSSON, O.; LINDHOLM, L. Effects of
10. AMERY, A.; BERTHAUX, P.;BULPITT, C.; DERUYTTERE, M.; DE antihypertensive therapy on glucose tolerance: focus on calcium antagonists.
SCHAEPDRYVER, A.; DOLLERY, C.; FAGARD, R.; FORETTE, F.; J. Intern. Med., v. 735, p. S101–S111, 1991.
HELLEMANS, J.; LUND-JOHANSEN, P.; MUTSERS, A.; TUOMILEHTO, 29. LIND, L.; LITHELL, H.; JOHANSSON, C. G.; POLLARE, T.; HVARFER,
J. Glucose intolerance during diuretic therapy. Lancet, v. 1, p. 681–683, 1978. A.; MORLIN, C. The serum level of diltiazem determines the blood pressure
11. CONN, J. W. Hypertension, the potassium ion and impaired carbohydrate response and insulin sensitivity during antihypertensive treatment. High Blood
tolerance. N. Eng. J. Med., v. 273, p. 1135–1143, 1965. Pressure Cardiovasc. Prev., v. 2, p. 319–324, 1993.
12. CRANSTON, W. I.; JUEL-JENSEN, B. E.; SEMMENCE, A. M.; JONES, R. 30. LIND, L.; BERNE, C.; POLLARE, T.; LITHELL, H. Metabolic effects of
P.; FORBES, J. A.; MUTCH, L. M. Effects of oral diuretics on raised arterial isradipine as monotherapy or in combination with pindolol during long-term
pressure. Lancet, v. 2, p. 966–970, 1963. antihypertensive treatment. J. Intern. Med., v. 236, p. 37–42, 1994.
13. MURPHY, M. B.; LEWIS, P. J.; KOHNER, E.; SCHUMER, B.; DOLERY, C. 31. ALLHAT Officers and Coordinators for the ALLHAT Collaborative Research
T. Glucose intolerance in hypertensive patients treated with diuretics; a Group. Major outcomes in high-risk hypertensive patients randomized to
fourteen-year follow-up. Lancet, v. 2, p. 1293–1295, 1982. angiotensin-converting enzyme inhibitor or calcium channel blocker vs
14. PLAVNIK, F. L.; RODRIGUES, C. I. S.; RIBEIRO, A. B.; ZANELLA, M. T. diuretic: the Antihypertensive and Lipid-Lowering treatment to prevent Heart
Hypokalemia, glucose intolerance and hyperinsulinemia during diuretic Attack Trial (ALLHAT). JAMA, v. 288, p. 2981–2997, 2002.
therapy. Hypertension, v. 19, p. II26–II29, 1992. 32. HANSSON, L.; LINDHOLM, L. H.; EKBOM, T.; DAHLOF, B.; LANKE, J.;
15. HELDERMAN, J. H.; ELAHI, D.; ANDERSEN, D. K.; RAIZES, G. S.; TOBIN, J. SCHERTEN, B.; WESTER, P-O.;HEDNER, T.; DE FAIRE, U. Randomised
D.; SHOCKEN, D.; ANDRES, R. Prevention of the glucose intolerance of thiazide trial of old and new antihypertensive drugs in elderly patients: cardiovascular
diuretics by maintenance of body potassium. Diabetes, v. 32, p. 106–111, 1983. mortality and morbidity in the Swedish Trial in Old Patients with Hypertension-
16. ELLIOT, W. J. Differential effects of antihypertensive drugs on new-onset 2 study. Lancet, v. 354, p. 1751–1756, 1999.
diabetes. Curr. Hypertens. Rep., v. 7, p. 249–256, 2005. 33. ERDOS, E. G.; DEDDISH, P. A.; MARCIC, B. M. Potentiating of bradykinin
17. VERDECCHIA, P.; REBOLDI, G.; ANGELI, F.; BORGIONI, C.; action by ACE inhibitors. Trends Endocrinol. Metab., v. 10, p. 223–229, 1999.
GATTOBIGIO, R.; FILIPPUCCI, L.; NORGIOLINI, S.; BRACCO, C.; 34. YUSUF, S.; SLEIGHT, P.; POGUE, J.; BOSCH, J.; DAVIES, R.; DAGENAIS,
PORCELLATI, C. Adverse prognostic significance of new diabetes in treated G. Effects of an angiotensin-converting-enzyme inhibitor, ramipril, on car-
hypertensive subjects. Hypertension, v. 43, p. 963–969, 2004. diovascular events in high-risk patients: the Heart Outcomes Prevention
18. REITER, M. J. Cardiovascular drug class specificity: β-blockers. Prog. Evaluation Study Investigators. N. Engl. J. Med., v. 342, p. 145–153, 2000.
Cardiol. Dis., v. 47, p. 11–33, 2004. 35. REID, C. N.; JOHNSTON, C. I.; RYAN, P.; WILLSON, K.; WING, L. M.
19. LITHELL, H.; POLLARE, T.; VESSBY, B. Metabolic effects of pindolol and Diabetes and cardiovascular outcomes in elderly subjects treated with ACE-
propranolol in a double-blind cross-over study in hypertensive patients. Blood inhibitors or diuretics: findings from the 2nd Australian National Blood Pressure
Pres., v. 1, p. 92–101, 1992. Study (abstract). Am. J. Hypertens., v. 16, p. 11A, 2003.
20. BENGTSSON, C.; BLOHME, G.; LAPIDUS, L.; LISSNER, L.; LUNDGREN, 36. FOGARI, R.; ZOPPI, A.; CORRADI, L.; LAZZARI, P.; MUGELLINI, A.;
H. Diabetes incidence in users and non-users of antihypertensive drugs in LUSARDI, P. ACE inhibition but not angiotensin II antagonism reduced
relation to serum insulin, glucose tolerance and degree of adiposity: a 12-year fibrinogen and insulin resistance in overweight hypertensive patients. J.
prospective study of women in Gothenburg, Sweden. J. Intern. Med., v. 231, Cardiovasc. Pharmacol., v. 32, p. 616–620, 1988.
p. 583–588, 1992. 37 LITHELL, H.; HANSSON, L.; SKOOG, I.; ELMFELDT, D.; HOFMAN, A.;
21. GRESS, T. W.; NIETO, F. J.; SHAHAR, E.; WOFFORD, M. R.; BRANCATI, OLOFSSON, B.;TRENKWALDER, P.; ZANCHETTI, A. The Study on Cognition
F. L. Hypertension and antihypertensive therapy as risk factor for type 2 dia- and Prognosis in the Elderly (SCOPE): principal results of a randomized double-
betes mellitus: Atherosclerosis risk in communities study. N. Engl. J. Med., v. blind intervention trial. J. Hypertens., v. 21, p. 875–876, 2003.
342, p. 905–912, 2000. 38. LINDHOLM, L. H.; PERSSON, M.; ALAUPOVIC, P.; CARLBERG, B.;
22. HANSSON, L.; LINDHOLM, L. H.; NISKANEN, L.; LANKE, J.; HEDNER, SVENSSON, A.; SAMULESSON, O. Metabolic outcome during 1 year in
T.; NIKLASON, A.; LUOMANMAKI, K.; DAHLOF, B.; DE FAIRE, U.; newly detected hypertensives: results of the Antihypertensive Treatment and
MORLIN, C.; KARLBERG, B. E.; WESTER, P. O.; BJORCK, J. E. Effect of Lipid Profile in a North of Sweden Efficacy Evaluation (ALPINE study). J.
angiotensin-converting-enzyme inhibition compared with conventional therapy Hypertens., v. 21, p. 1563–1574, 2003.
on cardiovascular morbidity and mortality in hypertension: the Captopril 39. VITALE, C.; MERCURO, G.; CASTIGLIONI, C.; CORNOLDI, A.; TULLI,
Prevention Project (CAPPP) randomised trial. Lancet, v. 353, p. 611–616, 1999. A.; FINI, M.; VOLTERRANI, M.; ROSANO, G. M. C. Metabolic effect of
23. PEPINE, C. J.; HANDBERG, E. M.; COOPER-DEHOFF, R. M.; MARKS, R. telmisartan and losartan in hypertensive patients with metabolic syndrome.
G.; KOWEY, P.; MESSERLI, F. H.; MANCIA, G.; CANGIANO, J. L.; Cardiovasc. Metabol., v. 4, p. 6, 2005.

Volume 8 / Número 3 / 2005 113



BIOLOGIA MOLECULAR


O papel da genética na síndrome





da apnéia obstrutiva do sono





Implicações para o sistema cardiovascular







Autores: vascular que podem participar ativamente na determinação de


doenças cardiovasculares na SAOS.



Luciano Ferreira Drager*


O papel da genética na SAOS


Eduardo Moacyr Krieger


Estudos epidemiológicos mostram que diversos fatores estão


Geraldo Lorenzi-Filho

associados com a ocorrência da SAOS, destacadamente a obesida-


Unidade de Hipertensão e Laboratório do Sono, de, o sexo masculino (aumento de duas a três vezes o risco de

Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração SAOS) e o aumento da idade7. Entre esses fatores, a obesidade é
(InCor) – Hospital das Clinicas da Faculdade de provavelmente o mais importante, já que diversos estudos têm con-
Medicina da Universidade de São Paulo sistentemente mostrado uma associação entre o aumento do ganho
de peso e o risco de SAOS7. A SAOS está presente em cerca de
40% dos indivíduos obesos e cerca de 70% dos indivíduos com
Introdução SAOS apresentam sobrepeso ou são obesos8. Em um estudo pros-
pectivo, o aumento de 10% no peso corporal foi associado com um
A síndrome da apnéia obstrutiva do sono (SAOS) é parte de aumento de seis vezes o risco de desenvolvimento da SAOS9. Os
um espectro de distúrbios respiratórios relacionados ao sono que mecanismos envolvendo obesidade e desenvolvimento da SAOS
incluem ronco, resistência aumentada das vias aéreas superiores não são ainda totalmente conhecidos, mas acredita-se que os prin-
(aumento do esforço respiratório sem apnéia ou hipopnéia), cipais fatores estejam ligados à deposição de gordura, bem como a
hipopnéias e apnéia obstrutiva do sono propriamente dita.A SAOS mudanças na função das vias aéreas superiores. Por outro lado, a
caracteriza-se por obstrução parcial ou total recorrente das vias obesidade também poderia promover mudanças nos mecanismos
aéreas superiores durante o sono1. Os eventos respiratórios centrais de controle da estabilidade ventilatória10.
(apnéias – paradas respiratórias ou hipopnéias – reduções do flu- Outro fator a ser considerado é a raça. Enquanto alguns estu-
xo aéreo de pelo menos 50%) têm duração de pelo menos dez dos populacionais realizados nos EUA sugerem que a prevalência
segundos e são acompanhados por dessaturação de oxihemoglo- da SAOS é mais alta em indivíduos da raça negra (“African-
bina, despertares freqüentes e sonolência diurna1, 2. Americans”) comparados com indivíduos caucasianos11, outros não
Estudos epidemiológicos mostram que a prevalência de SAOS corroboram esses achados, reforçando a participação de outros fa-
na população adulta é de 4% em homens e 2% em mulheres3. Es- tores interferentes, como a própria obesidade12. Existem alguns da-
tima-se que 30% da população de hipertensos tem SAOS e que nos dos preliminares de nosso laboratório sugerindo que orientais tam-
casos de hipertensão refratária a prevalência sobe para 70%5. Ob- bém têm risco aumentado de SAOS. Os mecanismos explicando
servações clínicas têm persistentemente demonstrado uma fre- essas associações raciais não são conhecidos no momento.
qüência maior de doenças cardiovasculares em pacientes com SAOS Diversas observações clínicas mostraram que a SAOS tem um
do que a observada na população geral4. Vários são os mecanismos aumento significativo de ocorrência em famílias, mesmo em famíli-
propostos para justificar essas relações, incluindo o aumento per- as de não-obesos. As observações iniciais datam da década de 70 e
sistente da atividade simpática, o aumento da atividade do sistema reforçam o papel da genética na determinação da SAOS13. El Bayadi
renina-angiotensina-aldosterona, o aumento da inflamação e da e cols.14 estudaram a distribuição de sintomas relacionados aos dis-
produção de espécies reativas de oxigênio, entre outros6. túrbios do sono, a resposta ventilatória à hipoxia e a estrutura das
A SAOS tem uma grande agregação familiar, sugerindo vias aéreas superiores em três gerações de uma família de pacientes
fortemente a participação de fatores genéticos na determina- com SAOS. Todos os participantes tinham índice de massa corporal
ção da síndrome. No presente artigo, discutiremos o papel da < 29 kg/m2. Os autores encontraram uma alta prevalência de SAOS
genética na determinação da SAOS, bem como o papel de nos membros da referida família (88%), uma redução significativa
marcadores genéticos intimamente ligados ao sistema cardio- da resposta ventilatória à hipoxia, uma redução no espaço posterior
da via aérea superior e maior palato mole com deslocamento inferior
*Endereço para correspondência: do hióide. Posteriormente, Mathur e cols.15 estudaram 51 parentes
InCor – Unidade de Hipertensão de pacientes com SAOS e 51 controles pareados por idade, sexo,
Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – 2o andar, Bl. 2 – Sala 8 peso e altura. Novamente, no intuito de diminuir a participação da
05403-904 – São Paulo – SP obesidade na gênese da SAOS, somente os parentes com índice de
E-mail: luciano.drager@incor.usp.br massa corpórea < 30 kg/m2 foram recrutados. Esses autores encon-

114 HIPERTENSÃO
mulo hipóxico23. Da mesma forma, existem outros músculos que
FIGURA 1 participam da dinâmica e da estabilidade das vias aéreas e que não
NÚMERO DE APNÉIAS E HIPOPNÉIAS POR HORA DE SONO EM foram ainda devidamente estudados. Entretanto, Strohl e cols. ex-
CONTROLES E EM PARENTES DE PACIENTES COM SAOS ploraram o estudo em famílias e chegaram a um dado interessan-
te13: filhos de pacientes com SAOS sintomáticos apresentavam dis-
Adaptado de Mathur R, Douglas NJ. Family studies função da musculatura do genioglosso, caracterizada pela perda
in patients with the sleep apnea-hypopnea
syndrome. Ann Intern Med, 1995; 122(3): 174–178
da atividade tônica desde as fases iniciais do sono e esse resulta-
do foi semelhante ao encontrado no caso-índice. Mesmo no filho
assintomático para a SAOS houve perda significativa da ativida-
de tônica durante a fase REM do sono, fase essa em que ocorre-
ram apnéias obstrutivas, anteriormente não-diagnosticadas.
Do que foi discutido acima, embora tenhamos uma razoável
densidade de trabalhos envolvendo famílias que fortemente suge-
rem um importante papel da genética na determinação da SAOS
(estima-se que cerca de 40% da variância no índice de apnéia e
hipopnéia pode ser explicada por fatores familiares)24, ainda esta-
p< 0,001 mos longe de identificarmos o gene ou mais precisamente os genes
que estão envolvidos com a síndrome. Como uma doença complexa,
os distúrbios do sono (incluindo a SAOS) não exibem um padrão
Mendeliano de hereditariedade. Caracteristicamente, o que ocorre é
uma profunda inter-relação de múltiplos genes com inúmeros fato-
res ambientais para a sua determinação. Tal complexidade verifica-
se quando iniciamos a procura por genes candidatos para justificar a
SAOS: é provável que os fatores genéticos estejam envolvidos com
a estrutura crânio-facial, os tecidos moles das vias aéreas superiores,
traram uma maior prevalência de SAOS entre os parentes (47% vs. a distribuição da gordura corporal, o controle neural das vias aéreas
14%) e uma maior ocorrência de sonolência (55% vs. 31%) do que e o controle central da respiração (tabela 1)24.
nos controles. A SAOS foi associada a um maior índice de apnéia Nos últimos anos, duas abordagens têm sido realizadas para
e hipopnéia, despertares durante a noite, uma pior qualidade do a investigação das bases moleculares da SAOS: a referida abor-
sono e mais dessaturações de oxigênio no grupo de parentes com a dagem de procura por genes candidatos e por mapeamento com-
SAOS (figura 1). Os mesmos autores realizaram, de uma forma pleto do genoma. O mapeamento do loci da suscetibilidade hu-
cega, a avaliação da anatomia das vias aéreas superiores de paren- mana à SAOS é agravado por vários fatores, entre eles a alta
tes e controles e verificaram que os primeiros apresentavam uma freqüência na população, penetrância incompleta, fenocópias e
via aérea mais estreita, com maior retração de maxilares, mandíbu- heterogeneidade genética24. Estudos em modelos animais focaram
la e uma úvula mais longa. Esses achados sugerem que o maior a atenção para genes envolvidos com o controle da obesidade,
componente familiar observado pode estar intimamente ligado a bem como o controle da ventilação, a morfometria cranial e a
diferenças na estrutura facial dos indivíduos. Esses dados são cor- hipoxia. Estudos em ratos sugerem que diferentes genes podem
roborados por relatos de SAOS grave em pacientes não-obesos da influenciar o desenvolvimento crânio-facial. Anormalidades crâ-
raça oriental que caracteristicamente apresentam uma estrutura crâ- nio-faciais, incluindo a retrognatia e a micrognatia têm sido des-
nio-facial que predisporia a ocorrência da síndrome15. Estudos adi- critas em ratos com deficiência de hormônio do crescimento25,
cionais envolvendo famílias mostraram resultados semelhantes aos nos casos de deficiência do receptor-αγ do ácido retinóico26 e nas
obtidos por El Bayadi e Mathur14–19. Da mesma forma, estudos em mutações do tipo II e XI do colágeno24.
gêmeos monozigóticos mostraram maior concordância de roncos Animais “Knock-out” e modelos transgênicos têm sido utiliza-
e queixas associadas a SAOS do que gêmeos dizigóticos20–21. dos para identificar genes potenciais envolvidos no controle da ven-
Outro potencial foco de atenção para explorar o conhecimen- tilação. Ratos com o “Knock-out” para o gene RET – um receptor
to da genética na SAOS consiste na avaliação do controle muscular tirosinoquinase demonstraram reduções significativas na resposta
das vias aéreas superiores, em que se destaca a atividade do mús- ventilatória hipercápnica27. De forma similar, ratos com o “Knock-
culo genioglosso. Essa musculatura tem se mostrado um impor- out”para endotelina-1 apresentam falência respiratória, anormalida-
tante componente da dinâmica e da estabilidade das vias aéreas des no controle ventilatório, anormalidades crânio-faciais e hiper-
superiores, tendo principalmente um papel de dilatação das vias tensão, características essas similares às encontradas na SAOS28.
aéreas22. Baseado nesse conceito, é razoável pensarmos que a dis- Com relação aos estudos em humanos, numerosos genes can-
função do controle neural do músculo genioglosso durante as fases didatos para a obesidade têm sido estudados, uma vez que eles
do sono poderia estar envolvida na ocorrência dos eventos respira- também são relevantes para a SAOS pela importância da obesida-
tórios que são característicos na SAOS22. Um dado que fala contra de na determinação do fenótipo. Por exemplo, genes candidatos
o papel do genioglosso é a observação de que a maior ocorrência para a obesidade (leptina, adenosina deaminase e do receptor de
de SAOS em homens não foi associada a diferenças no controle melacortina-4) são expressos em uma variedade de tecidos e sítios
neural da musculatura dilatadora das vias aéreas diante de um estí- cerebrais envolvidos na regulação da respiração29–30. Há evidências

Volume 8 / Número 3 / 2005 115






crescentes que sugerem que a leptina, um hormônio derivado do ainda estamos procurando uma “agulha no palheiro”, uma vez

adipócito, pode ter efeitos pleotrópicos, isto é, além dos efeitos na que existem milhares de genes que estão certamente envolvidos

regulação do apetite e do gasto energético, modelos animais suge- com outras funções que não são de interesse na determinação do

rem que a leptina também influencia o crescimento pulmonar e o fenótipo envolvido na SAOS.

controle da ventilação31. Corroborando esses dados, a administra-


ção de leptina mostrou influências significativas na estrutura do Interação entre SAOS e doenças cardiovasculares:

sono em ratos32. Entretanto, poucos estudos em humanos têm in- Papel do genótipo e do fenótipo

vestigado especificamente marcadores genéticos envolvidos com



a SAOS. Em uma amostra de pacientes japoneses, foi encontrado Com relação ao papel da genética na determinação de doenças

um aumento significativo no antígeno HLA-A2 quando se compa- cardiovasculares em pacientes com a SAOS, é razoável pensarmos

rou com controles pareados por idade33. Indivíduos positivos para que esse distúrbio do sono é um fator facilmente quantificável (por

o HLA-A2 eram mais obesos do que os negativos, sugerindo uma meio do índice de apnéia e hipopnéia por hora de sono) e que pode

possível relação entre esse marcador genético e a obesidade. Ou- estar modulando genes envolvidos com o sistema cardiovascular,

tros potenciais candidatos envolvem os polimorfismos do gene da especialmente em condições como a hipertensão arterial sistêmica.

enzima conversora da angiotensina (ECA)34, que mostrou ter rela- Da mesma forma que na SAOS, a hipertensão é determinada por um

ção com a expressão da SAOS, e o alelo e4 do gene da apolipopro- complexo que envolve fatores genéticos (na imensa maioria das ve-

teína E, que tem sido associado com o nível de gravidade da SAOS35. zes poligênicos) e fatores ambientais. Estudos genéticos de associa-

Recentemente, Palmer e cols. realizaram um mapeamento ção envolvendo um número significativo de variantes genéticas mos-
genético em pacientes com SAOS e encontraram que, na popula- tram resultados contraditórios37. Dentre os genes relacionados com
ção caucasiana, as regiões cromossômicas 1p, 2p, 12p e 19p fo- o controle da pressão arterial, os mais citados são o gene do angio-
ram relacionadas com a SAOS, enquanto na raça negra a região tensinogênio, o gene da ECA e dos receptores betaadrenérgicos. Es-
cromossômica relacionada foi a 8q36. A identificação destas regi- tudos recentes sugerem que a SAOS está associada com um aumen-
ões pode ser o ponto inicial para a descoberta de genes envolvi- to dos níveis de angiotensina II e com a atividade da ECA. Entretan-
dos com a SAOS, mas do ponto de vista da Biologia Molecular to, com relação aos polimorfismos, poucos estudos foram realizados
até o momento e esses mostram resultados conflitantes. Zhang e
TABELA 1 cols.38 encontraram uma freqüência aumentada do genótipo II da
FENÓTIPOS INTERMEDIÁRIOS E ALGUNS POSSÍVEIS GENES ECA em pacientes com SAOS moderada a grave em comparação
CANDIDATOS PARA A SAOS com os pacientes com SAOS leve e indivíduos sem SAOS. Uma
crítica a esse estudo era que a casuística era pequena e os pacientes
Os itens em negrito estão associados com mais de um fenótipo intermediário na SAOS
incluídos no estudo eram hipertensos. Barcelo e cols.39 não observa-
FENÓTIPO INTERMEDIÁRIO GENES CANDIDATOS
Obesidade Leptina ram diferenças na freqüência da distribuição dos genótipos em pa-
Pró-opiomelanocortina (POMC) cientes normotensos e hipertensos com SAOS, bem como em pes-
Fator de crescimento derivado da insulina
Glucoquinase soas sadias. Recentemente, Lin e cols.40 estudaram cerca de 1.100
Adenosina deaminase pacientes com SAOS participantes do projeto “Sleep Heart Study”.
Receptor de melanocortina-3
Fator de necrose tumoral-α α
Esses autores mostraram que o alelo ECA-D estava associado
Proteína regulatória de glicose com hipertensão apenas em pacientes com SAOS leve. Em de-
Grelina corrência da observação de que a maioria dos pacientes com SAOS
Adiponectina
Resistina grave era hipertensa nesse estudo, os autores especularam que o
Receptor adrenérgico β-3 efeito da SAOS grave era maior do que qualquer associação com
Orexina
Controle ventilatório Proto-oncogene RET polimorfismos da ECA envolvidos com a hipertensão.
Fatores de crescimento neurotróficos Dados recentes do nosso grupo41 (ainda não-publicados)
Endotelina-1/ Endotelina-3
Krox-20/genes homeobox
mostram que para uma população de pacientes normotensos e
Óxido nítrico sintase hipertensos com a SAOS os fatores preditores para a ocorrência
Enzima de conversão da angiotensina de SAOS foram essencialmente a idade, o índice de massa cor-
Ácido retinóico
Leptina poral e o sexo feminino. Todos os polimorfismos estudados –
Orexina incluindo os polimorfismos dos genes do angiotensinogênio, da
Dismorfismos crânio-faciais Genes homeobox
Hormônio do crescimento ECA e dos receptores betaadrenérgicos – não foram diferentes
Fatores de crescimento entre normotensos e hipertensos. Entretanto, encontramos uma
Ácido retinóico
Endotelina-1
maior história familiar para hipertensão entre os indivíduos hi-
Colágeno tipo I e II pertensos com SAOS, sugerindo que novos trabalhos são neces-
Fator de necrose tumoral-α α sários para o entendimento dos complexos mecanismos que en-
Regulação do sono Orexinas
Leptina volvem a SAOS e as doenças cardiovasculares, especialmente a
Fator de necrose tumoral-α α hipertensão arterial sistêmica. Acreditamos que a SAOS serve
Melatonina
Cortistatina como um importante gatilho para a manifestação de doenças car-
Adenosina diovasculares em indivíduos predispostos. A modulação genéti-
Adaptado de Palmer LJ, Redline S. Genomic approaches to understanding ca pela SAOS pode ser um dos mecanismos que explicam dife-
obstructive sleep apnea. Respir Physiol Neurobiol, 2003; 135(2–3): 187–205
rentes fenótipos em pacientes com níveis de gravidade semelhantes

116 HIPERTENSÃO
da SAOS. A compreensão desses mecanismos envolve a identifi- do mais uma vez o caráter poligênico. Além disso, importantes
cação de genes que, atuando de forma combinada, aumentariam fatores associados à SAOS, tais como a obesidade, dificultam
a predisposição do indivíduo às doenças cardiovasculares. a interpretação dos dados e não excluem que possa haver um
elo genético comum entre essas duas condições.
Conclusão Por outro lado, a participação da genética na interação SAOS
e doenças cardiovasculares é um potencial campo de crescimen-
Como toda doença complexa, o background genético en- to, uma vez que alguns trabalhos já sugerem que a agressão pro-
volvido na SAOS é complexo e ainda muito desconhecido. Os movida pela SAOS, associada com um polimorfismo desfavorá-
esforços realizados até o momento não mostraram uma rela- vel, pode precipitar a ocorrência de doenças cardiovasculares,
ção clara de qualquer gene determinando a síndrome, sugerin- particularmente a hipertensão arterial sistêmica.

Referências bibliográficas
1. MALHOTRA, A.; WHITE, D. P. Obstructive sleep apnoea. Lancet, v. 360, p. A.; MCEVOY, R. D. Genioglossus muscle activity at rest and in response to brief
237–245, 2002. hypoxia in healthy men and women. J. Appl. Physiol., v. 92, p. 410–417, 2002.
2. FLEMONS, W. W. Obstructive sleep apnea. N. Engl. J. Med., v. 347, p. 498–504, 24. REDLINE, S, TISHLER, P. V. The genetics of sleep apnea. Sleep. Med. Rev., v. 4,
2002. p. 583–602, 2000.
3. YOUNG, T. B.; PALTA, M.; DEMPSEY, J. el al. The occurrence of sleep disordered 25. SANFORD, L. P.; ORMSBY, I.; GITTENBERGER-DE GROOT, A. C.; SARIOLA,
breathing among middle aged adults. N. Engl. J. Med., v. 328, p. 1230–1235, 1993. H.;FRIEDMAN, R.; BOIVIN, G. P.; CARDELL, E. L.; DOETSCHMAN, T. TGF
4. LATTIMORE, J. D.; CELERMAJER, D. S.; WILCOX, I. Obstructive sleep apnea beta2 knockout mice have multiple developmental defects that are non-overlapping
and cardiovascular disease. J. Am. Coll. Cardiol., v. 41, p. 1429–1437, 2003. with other TGFbeta knockout phenotypes. Development, v. 124, p. 2659–2670, 1997.
5. LOGAN, A. G.; PERLIKOWSKI, S. M.; MENTE, A.; TISLER, A.; TKACOVA, R.; 26. LOHNES, D.; MARK, M.; MENDELSOHN, C.; DOLLE, P.; DIERICH, A.;
NIROUMAND, M.; LEUNG, R. S.; BRADLEY, T. D. High prevalence of unrecognized GORRY, P.; GANSMULLER, A.; CHAMBON, P. Function of the retinoic acid
sleep apnoea in drug-resistant hypertension. J. Hypertens., v. 19, p. 2271–2277, 2001. receptors (RARs) during development (I). Craniofacial and skeletal abnormalities
6. HOFFMANN, M.; BYBEE, K.; ACCURSO, V.; SOMERS, V. K. Sleep apnea and in RAR double mutants. Development, v. 120, p. 2723–2748, 1994.
hypertension. Minerva Med., v. 95, p. 281–290, 2004. 27. BURTON, M. D.; KAWASHIMA, A.; BRAYER, J. A.; KAZEMI, H.; SHANNON,
7. YOUNG, T.; PEPPARD, P. E.; GOTTLIEB, D. J. Epidemiology of obstructive D. C.; SCHUCHARDT, A.; COSTANTINI, F.; PACHNIS, V.; KINANE, T. B. RET
sleep apnea: a population health perspective. Am. J. Respir. Crit. Care. Med., v. proto-oncogene is important for the development of respiratory CO2 sensitivity.
165, p. 1217–1239, 2002. J. Auton. Nerv. Syst., v. 63, p. 137–143, 1997.
8. VGONTZAS, A. N.; TAN, T. L.; BIXLER, E. O.; MARTIN, L. F.; SHUBERT, D.; 28. KURIHARA, Y.; KURIHARA, H.; SUZUKI, H.; KODAMA, T.; MAEMURA,
KALES, A. Sleep apnea and sleep disruption in obese patients. Arch. Intern. K.; NAGAI, R.; ODA, H.; KUWAKI, T.; CAO, W. H.; KAMADA, N. et al. Elevated
Med., v. 154, p. 1705–1711, 1994. blood pressure and craniofacial abnormalities in mice deficient in endothelin-1.
9. PEPPARD, P. E.; YOUNG, T.; PALTA, M.; DEMPSEY, J.; SKATRUD, J. Longitu- Nature, v. 368, p. 703–710, 1994.
dinal study of moderate weight change and sleep-disordered breathing. JAMA, v. 29. BRAY, G.; BOUCHARD, C. Genetics of human obesity: research directions.
284, p. 3015–3021, 2000. FASEB J., v. 11, p. 937–945, 1997.
10. WOLK, R.; SHAMSUZZAMAN, A. S.; SOMERS, V. K. Obesity, sleep apnea, 30. WIESNER, G.; VAZ, M.; COLLIER, G.; SEALS, D.; KAYE, D.; JENNINGS, G.;
and hypertension. Hypertension, v. 42, p. 1067–1074, 2003. LAMBERT, G.; WILKINSON, D.; ESLER, M. Leptin is released from the human
11. ANCOLI-ISRAEL, S.; KLAUBER, M. R.; STEPNOWSKY, C.; ESTLINE, E.; brain: influence of adiposity and gender. J. Clin. Endocrinol. Metab., v. 84, p.
CHINN, A.; FELL, R. Sleep-disordered breathing in African-American elderly. 2270–2274, 1999.
Am. J. Respir. Crit. Care. Med., v. 152, p. 1946–1949, 1995. 31. BOSTON, B. A. Pro-opiomelanocortin and weight regulation: from mice to men.
12. YOUNG, T.; SHAHAR, E.; NIETO, F. J.; REDLINE, S.; NEWMAN, A. B.; J. Pediatr. Endocrinol. Metab., v. 14, p. 1409–1416, 2001.
GOTTLIEB, D. J.; WALSLEBEN, J. A.; FINN, L.; ENRIGHT, P.; SAMET, J. M. 32. SINTON, C. M.; FITCH, T. E.; GERSHENFELD, H. K. The effects of leptin on
Sleep Heart Health Study Research Group. Predictors of sleep-disordered breathing REM sleep and slow wave delta in rats are reversed by food deprivation. J. Sleep.
in community-dwelling adults: the Sleep Heart Health Study. Arch. Intern. Med., Res., v. 8, p. 197–203, 1999.
v. 162, p. 893–900, 2002. 33. PALMER, L. J.; REDLINE, S. Genomic approaches to understanding obstructive
13. STROHL, K. P.; SAUNDERS, N. A.; FELDMAN, N. T.; HALLETT, M. Obstructive sleep apnea. Respir. Physiol. Neurobiol., v. 135, p. 187–205, 2003.
sleep apnea in family members. N. Engl. J. Med., v. 299, p. 969–973, 1978. 34. XIAO, Y.; HUANG, X.; QIU, C.; ZHU, X.; LIU, Y. Angiotensin I-converting enzyme
14. EL BAYADI, S.; MILLMAN, R. P.; TISHLER, P. V.; ROSENBERG, C.; SALISKI, gene polymorphism in Chinese patients with obstructive sleep apnea syndrome.
W.; BOUCHER, M. A.; REDLINE, S. A family study of sleep apnea. Anatomic Chin. Med. J. (Engl), v. 112, p. 701–704, 1999.
and physiologic interactions. Chest, v. 98, p. 554–559, 1990. 35. KADOTANI, H.; KADOTANI, T.; YOUNG, T.; PEPPARD, PE.; FINN, L.;
15. MATHUR, R.; DOUGLAS, N, J. Family studies in patients with the sleep apnea- COLRAIN, I. M.; MURPHY JR., G. M.; MIGNOT, E. Association between
hypopnea syndrome. Ann. Intern. Med., v. 122, p. 174–178, 1995. apolipoprotein E epsilon4 and sleep-disordered breathing in adults. JAMA, v. 285,
16. SAKAKIBARA, H.; TONG, M.; MATSUSHITA, K.; HIRATA, M.; KONISHI, p. 2888–2890, 2001.
Y.; SUETSUGU, S. Cephalometric abnormalities in non-obese and obese patients 36. PALMER, L. J.; BUXBAUM, S. G.; LARKIN, E. K.; PATEL, S. R.; ELSTON, R.
with obstructive sleep apnoea. Eur. Respir. J., v. 13, p. 403–410, 1999. C.; TISHLER, P. V.; REDLINE, S. Whole genome scan for obstructive sleep apnea
17. GUILLEMINAULT, C.; PARTINEN, M.; HOLLMAN, K.; POWELL, N.; and obesity in African-American families. Am. J. Respir. Crit. Care. Med., v.
STOOHS, R. Familial aggregates in obstructive sleep apnea syndrome. Chest, v. 169, p. 1314–1321, 2004.
107, p. 1545–1551, 1995. 37. LUFT, F. C. Geneticism of essential hypertension. Hypertension, v. 43, p. 1155–
18. PILLAR, G.; LAVIE, P. Assessment of the role of inheritance in sleep apnea 1159, 2004.
syndrome. Am. J. Respir. Crit. Care. Med., v. 151, p. 688–691, 1995. 38. ZHANG, J.; ZHAO, B.; GESONGLUOBU; SUN, Y.; WU, Y.; PEI, W.; YE, J.;
19. REDLINE, S.; TISHLER, P, V.; TOSTESON, T, D.; WILLIAMSON, J.; KUMP, K.; HUI, R.; LIU, L. Angiotensin-converting enzyme gene insertion/deletion (I/D)
BROWNER, I.; FERRETTE, V.; KREJCI, P. The familial aggregation of obstructive polymorphism in hypertensive patients with different degrees of obstructive sleep
sleep apnea. Am. J. Respir. Crit. Care. Med., v. 151, p. 682–687, 1995. apnea. Hypertens. Res., v. 23, p. 407–411, 2000.
20. CARMELLI, D.; BLIWISE, D. L.; SWAN, G. E.; REED, T. Genetic factors in 39. BARCELO, A.; ELORZA, M. A.; BARBE, F.; SANTOS, C.; MAYORALAS, L. R.;
self-reported snoring and excessive daytime sleepiness: a twin study. Am. J. Respir. AGUSTI,A. G. Angiotensin converting enzyme in patients with sleep apnoea syndrome:
Crit. Care. Med., v. 164, p. 949–952, 2001. plasma activity and gene polymorphisms. Eur. Respir. J., v. 17, p. 728–732, 2001.
21. FERINI-STRAMBI, L.; CALORI, G.; OLDANI, A.; DELLA MARCA, G.; 40. LIN, L.; FINN, L.; ZHANG, J.; YOUNG, T.; MIGNOT, E. Angiotensin-converting
ZUCCONI, M.; CASTRONOVO, V.; GALLUS, G.; SMIRNE, S. Snoring in twins. enzyme, sleep-disordered breathing, and hypertension. Am. J. Respir. Crit. Care.
Respir. Med., v. 89, p. 337–340, 1995. Med., v. 170, p. 1349–1353, 2004.
22. SERIES, F.; MARC, I. Influence of genioglossus tonic activity on upper airway dynamics 41. DRAGER, L. F.; PEREIRA, A. C.; BARRETO-FILHO, J. A.; FIGUEIREDO, A.
assessed by phrenic nerve stimulation. J. Appl. Physiol., v. 92, p. 418–423, 2002. C.; KRIEGER, J. E.; KRIEGER, E. M.; LORENZI-FILHO, G. Predictors of
23. JORDAN, A. S.; CATCHESIDE, P. G.; O’DONOGHUE, F. J.; SAUNDERS, N. hypertension in patients with obstructive sleep apnea. (submitted).

Volume 8 / Número 3 / 2005 117

Você também pode gostar