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TOLKIEN”
André Luiz Rodriguez Modesto Pereira
Aula 8: 07/10/10
• Primeiro plano: batalha épica entre o Bem e o Mal; um lado agressor e um lado que resiste.
• Mundo em mutação; tentativa de dominar a natureza e os outros povos.
• Questões fundamentais: Qual é a natureza do Mal? Qual é sua origem?
“não há tal coisa como o mal: 'o mal é nada', é a ausência do bem, é possivelmente até
mesmo um bem não apreciado.”
– Não, eles comem e bebem, Sam. A sombra que os criou só pode arremedar, não
pode criar: nada realmente novo que se origine dela mesma. Não acho que lhes
tenha dado vida, apenas os arruinou e deformou; e, se eles tiverem de viver,
precisam viver como as outras criaturas. Ingerem carnes pútridas e águas sujas se
não conseguirem coisa melhor, mas veneno não. Alimentaram-me, e por isso estou
em melhores condições que você. Deve haver comida e bebida por aqui em algum
lugar. (TOLKIEN, 2002, p. 967)
• “For nothing is evil in the beginning. Even Sauron was not so” (TOLKIEN, 1966b, p. 300).
• Luz, estrelas: evocação do Bem. Luz permanente além da sombra passageira:
[…] Lá, espiando por entre os restos de nuvens sobre uma rocha pontiaguda nas
montanhas, Sam viu uma estrela branca reluzir por uns momentos. Sua beleza
arrebatou-lhe o coração, quando desviou os olhos da terra desolada, e ele sentiu a
esperança retornar. Pois como um raio, cristalino e frio, invadiu-o o pensamento de
que afinal de contas a Sombra era apenas uma coisa pequena e passageira: havia
luz e uma beleza nobre que eram eternas e estavam além do alcance dela. A canção
que cantara na torre fora mais um desafio que uma esperança, pois naquela hora
pensara em si mesmo. Agora, por um momento, sua própria sorte, e até a de seu
mestre, deixaram de preocupá-lo. Sam voltou às sarças e se deitou ao lado de
Frodo, e, deixando de lado todo o medo, mergulhou num sono profundo e
despreocupado. (TOLKIEN, 2002, p. 977)
• Anel como representação do poder puro → Anel de Giges (Platão); Lord Acton (1887):
“Power tends to corrupt, and absolute power corrupts absolutely. Great men are almost
always bad men...” (apud SHIPPEY, 2000, p. 115).
• Para Shippey, esse elemento não combina com o universo heroico proposto por Tolkien,
sendo uma ideia tipicamente moderna (?): Aragorn, por exemplo, torna-se um rei poderoso.
Se o poder por si só não corrompe, então o Anel tem uma participação ativa no processo
(maniqueista).
• A própria natureza do Anel é ambígua. Por um lado, ele pode ser considerado apenas como um
objeto de poder, uma espécie de arma, manipulável por qualquer um que tiver poder e
capacidade suficiente. Por outro, o Anel é capaz de devorar a mente de quem o possui, usando e
manipulando esse portador como veículo para retornar junto àquele que o forjou. De suas
estratégias faz parte até a traição de seu possuidor. Assim, por exemplo, ele levou Isildur à
destruição e utilizou-se de Gollum para esconder-se por longo tempo e, quando surgiu o
momento de poder retornar a Sauron, descartou Gollum, escapando de suas mãos.
• A ambiguidade torna a demanda mais difícil:
Se o mal fosse apenas a ausência do bem, então o Anel não poderia nunca ser mais
que um ampliador psíquico, e tudo o que os personagens precisariam fazer seria
colocá-lo de lado, talvez dá-lo a Tom Bombadil: na Terra-média, somos
assegurados de que seria fatal. Inversamente, se o mal fosse somente uma força
externa, sem eco nos corações dos bons, então alguém poderia ter que levá-lo até
Orodruin, mas não necessariamente precisaria ser Frodo: Gandalf poderia tomá-lo
ou Galadriel, e qualquer um que fizesse isso teria que lutar apenas com seus
inimigos, não com seus amigos ou consigo mesmo. (SHIPPEY, 2000, p. 142 –
tradução minha)
• Shippey não leva em conta o fato de que o Anel prolonga a vida de quem o possui.
• Outras perspectivas:
• Rose A. Zimbardo, “Moral Vision in The Lord of the Rings”:
O Mal, na visão do romance, não é um aspecto da natureza humana, mas antes uma
perversão da vontade humana. Ele surge quando um ser dirige sua vontade para
dentro, para o serviço do self, em vez de para fora, para o serviço do Todo. O efeito
de tal inversão é a perversão da natureza, da natureza do homem e da natureza
maior da qual ele faz parte. (ZIMBARDO, 2004, p. 69 – tradução minha)
2. A origem do mal
• Verdadeiro tema de O Senhor dos Anéis, conforme J. R. R. Tolkien:
Mas devo dizer, caso perguntado, que a história não é realmente sobre Poder e
Domínio: isso apenas mantém as rodas girando; ela é sobre a Morte e o desejo pela
imortalidade. Que não mais é do que dizer que esta é uma história escrita por um
Homem! (TOLKIEN, 2006, p. 250)
• A morte e a busca pela imortalidade, tomadas como tema central de The Lord of the Rings,
revelam o princípio gerador de todos os eventos narrados, além de ser o ponto de partida para o
esclarecimento de várias personagens, como, por exemplo, os Nazgûl, antigos reis que se
submeteram a Sauron em troca de poder e imortalidade, transformando-se, porém em meros
fantasmas, fantoches do grande inimigo. Dessa forma, pode-se compreender o outro motivo pelo
qual o Anel é cobiçado: pela sua capacidade de prolongar a existência ou, nas palavras de Rose
A. Zimbardo, “It arrests time” (2004, p.74).
• Capacidade de deter o tempo é compartilhada pelos anéis élficos.
• Mudança:
Uma mera mudança como tal não é obviamente representada como “maligna”: é o
desdobramento da história, e recusar isso é obviamente contra o desígnio de Deus.
Mas a fraqueza Élfica é nesses termos naturalmente lamentar o passado e tornar-se
relutante em enfrentar as mudanças: como se um homem odiasse um livro muito
longo ainda em andamento e desejasse estabelecer-se em um capítulo favorito. Por
essa razão caíram até certo ponto nos artifícios de Sauron: desejavam um certo
“poder” sobre as coisas tal como são (o que é bastante distinto da arte), para tornar
efetiva sua vontade particular de preservação – capturar a mudança e manter as
coisas sempre novas e belas. (TOLKIEN, 2006, p. 227 – grifo do autor)
• O mero desejo de preservar o mundo da mudança não implica em maldade; mas o efeito
disso é visto sempre de forma negativa:
[…] E se isso não fosse o suficiente para se ter fama, havia também seu vigor
prolongado que maravilhava as pessoas. O tempo passava, mas parecia ter pouco
efeito sobre o Sr. Bolseiro. Aos noventa anos, parecia ter cinquenta. Aos noventa e
nove, começaram a chamá-lo de bem-conservado; mas inalterado ficaria mais
próximo da realidade. Havia pessoas que balançavam a cabeça e pensavam que isso
era bom demais; parecia injusto que qualquer pessoa possuísse (aparentemente) a
juventude perpétua, além de (supostamente) uma riqueza inexaurível.
– Isso terá seu preço – diziam eles. – Não é natural e trará problemas.
(TOLKIEN, 2002, p.21)
“A consciência humana não é uma coisa em si, mas só é definível em termos daquilo para o
que olha ou daquilo que pensa. Em si mesma, é inteiramente vazia” (EAGLETON, 2005,
p.281).
• Ser humano, ser histórico em contínuo processo de formação; sem uma existência plena:
Aceitar a falta de bases para nossa existência significa, entre outras coisas, viver à
sombra da morte. Nada ilustra mais graficamente quão desnecessários somos do
que nossa mortalidade. Aceitar a morte seria viver mais plenamente (EAGLETON,
2005, p.284).
• A busca de uma segurança absoluta pode levar a duas posições diante da constante sombra
da morte e do não-ser. A primeira é a negação do ser, que
• A segunda seria uma negação do não-ser, que é identificado com a alteridade, uma ameaça à
individualidade:
Isso é o Mal como visto do ângulo daqueles que têm uma superabundância
de ser, mais do que uma insuficiência dele. Não podem aceitar a inominável
verdade de que a matéria viscosa e contagiosa contra a qual guerreiam,
longe de ser estranha, está tão perto deles quanto respirar. (2005, p. 292)
O Anel é tudo o que vemos de Sauron porque Sauron não tem outra identidade
além daquela representada pelo Anel. Ele tem somente uma identidade negativa.
Ele é a sombra escura, a própria negação do ser positivo.” (ZIMBARDO, 2004, p.
73 – tradução minha)
• Sauron como wraith: ambiguidade entre ser vivo ou morto. Só pode agir indiretamente. Essa
existência incompleta contribui para manter a ambiguidade da visão do mal na obra, se
Sauron recuperasse o Anel, a questão apresentada se resolveria a favor do maniqueísmo.