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º Internacional) de Investigação em
Leitura, Literatura Infantil e Ilustração. Braga: Universidade do Minho.
Resumo Abstract
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Nesta concepção dinâmica, proposta em Scherner (2000), poderíamos concluir que a própria percepção visual se
orientaria com base em conhecimentos empírica e culturalmente adquiridos sobre a forma como cada uma das instâncias
textuais se suportam para a construção de sentidos.
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Por isso mesmo, talvez seja oportuno, antes de analisar algumas situações
concretas de bimodalidade, revisitar a tipologia da informação nominal, numenal e
fenomenal (verbais e visuais) de Doblin (1985) para tentarmos perceber como e quais são
os cruzamentos possíveis.
Actualmente, mais do que listar cada uma destas categorias de mensagens, interessa
perceber como se articulam para transmitir informações, mas, no caso da literatura para
crianças, interessa perceber também como se articulam para transmitir emoções. Como se
interligam, como dependem umas das outras, como se indexam umas às outras, de modo
a que sejamos capazes de organizar um fio condutor quando as olhamos e de gerar com
elas sentidos ainda para além daqueles que os textos nos proporcionam.
Se atentarmos no facto de que estas mensagens se organizam do mais abstracto
para o mais realista, perceberemos rapidamente que se assim fosse, a dimensão mais
abstracta, lexical, se combinaria frequentemente com a mais realista, visual. De facto, o
que sucede é que a ilustração, na literatura para crianças, presa ao imenso universo da
fantasia, se ocupa a representar o real imaginado ou, melhor ainda, a realizar o irreal e,
por isso, os desenhos são muitas vezes menos realistas e as palavras mais reais, ficando
assim definitivamente misturados os sistemas semióticos, as suas capacidades para
representar o mundo e as nossas capacidades para sobre eles organizar previsibilidades.
E teremos ainda de perceber se, como diz Calvino (1998), esta abundância de
imagens que rodopia com os textos e quase os soterra vai apagando a luz da imaginação
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Fig.1 – O Meu Avô, Manuela Bacelar (texto e ilustração), Edições Afrontamento, Porto, 1990.
Texto misto. Todavia, ainda que em páginas distintas, a adição de tipos diferentes
de informação é notória. Informação prosaica e isogramática, mas também diagramática
e aritmética. O texto verbal afirma, o visual, apoiado em medidas, demonstra. «Como
é alto o avô!» vê o neto. E se olharmos para os olhos mais expressivos desta imagem,
nada mais nos resta para fazer senão rodarmos também a cabeça e, com eles, olharmos
bem para o alto da página até vermos o que todos podem ver: a diferença. No entanto,
a escala é enganosa. Mas isso pouco se vê. Afinal, a imagem demonstra o texto. Os dois
corpos, de tão próximos, estalam sobre a página essa verdade do texto.
Se eu me esticar e olhar para o alto, pareço maior? As riscas horizontais da camisola
do neto ficam abaixo da cintura do avô e os suspensórios do avô esticam-se até à cabeça,
escondendo o pescoço, como os carris do olhar. Sabe este avô que o neto o está a medir,
medindo-se?
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Durante a conferência, de que este texto é a versão escrita, foi apresentada e analisada uma longa sequência de
imagens. Dessa sequência, por razões de espaço, apresentamos, aqui, uma selecção, com a qual tentaremos ilustrar o que
de mais importante foi, então, dito e mostrado.
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Fig. 3 – Uma Noiva Bela, Belíssima, Beatrice Massini (texto), Anna Laura Cantone (ilustração),
Lisboa: Livros Horizonte, 2002.
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Fig. 4 – Princesas Esquecidas ou Desconhecidas, Philippe Lechermeier (texto), Rébecca Dautremer (ilustração),
Porto: Editorial Educação Nacional, 2007.
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Fig. 5 – Princesas Esquecidas ou Desconhecidas, Philippe Lechermeier (texto), Rébecca Dautremer (ilustração),
Porto: Editorial Educação Nacional, 2007.
Como é credível a seriedade desta tabela! Como nos sentimos impelidos a fazer
todos os cruzamentos possíveis! Beijo normal num príncipe alegre: sapo; beijo molhado
num sapo: moscardo. E, de súbito, o quadro síntese das transformações por beijos recebe
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Fig. 6 – Princesas Esquecidas ou Desconhecidas, Philippe Lechermeier (texto), Rébecca Dautremer (ilustração),
Porto: Editorial Educação Nacional, 2007.
Como se organiza este cacho de brasões, ele próprio aparentado com um rosto?
O rosto da nobreza esquecida, mas orgulhosa das suas características, o rosto que se
pretende identificado pela diferença. De que retrato físico e psicológico saíram todas
estas características que, assim topicalizadas na imagem, afirmam a sua quase função
substitutiva e apenas exigem uma instância textual designativa, parecida com uma
legenda? E como é certo que cada brasão, na sua forma de escudo, se confie aos nossos
olhos, num primeiro relance, como verosímil!
Como de tantos ícones se isola o símbolo? Com a ajuda da descrição que o
texto organizara já, em outras páginas, em rebeldes linhas em que a personalidade de
cada princesa se foi construindo aos nossos olhos, para que agora fosse fácil a todas
conhecer e identificar, através de um único elemento simbólico. Ainda que cada «arma»
cause estranheza, todas se justificam, no conhecimento prosaico que possuímos já das
características de cada uma das princesas.
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Fig. 7 – Princesas Esquecidas ou Desconhecidas, Philippe Lechermeier (texto), Rébecca Dautremer (ilustração),
Porto: Editorial Educação Nacional, 2007.
Um mapa. Percursos. Viagens. Como entrar no jogo e conhecer todos os locais por
onde foram viajando as princesas? Como gerir tanta informação lexical e isogramática?
De onde partir? Voltando às páginas de texto que descreviam vida e pormenores destas
princesas à volta do mundo? Como confirmar? Como não se perder? Talvez usando o
dedo que procura e segue a linha do percurso, como fazem os que estão a ser iniciados
na leitura. Um dedo que descanse e boceje de x em x passos, como a princesa Preguiçosa,
ou que faça uma sesta a cada círculo. Um dedo que transmita segurança aos olhos, os
conduza, neste emaranhado de continentes (quiçá também esquecidos ou desaparecidos)
de onde se ausentou a cor e os referenciais para os oceanos, mas onde designações
conhecidas nos confundem, ao longo de percursos imaginários. Onde começam? Onde
acabam? Por onde passam? Onde se perdem?
E como voltar uma e outra vez à legenda sem se perder, como localizar o espaço,
como apreender as relações entre uma e outro? O deserto do Sara perto da China? Como
descobrir que há legendas para locais que não existem? Um mapa desperta sempre o
nosso olhar, mas neste, disponível para múltiplas leituras, repousam traçados que evocam
viagens das princesas que o texto encontrou para nós e, assim, híbrido de informações e
de histórias, não é apenas representação do espaço, mas das vidas.
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Como juntar as duas páginas desta doce gregueria, tão à moda de Ramon de la
Serna, senão na sugestão híbrida do disco de vinil que não toca as músicas do seu pássaro
cantor, representado no próprio disco, perante o espanto deste por não as ouvir? E porque
não toca o próprio disco? Porque emudeceu perante a beleza do som. Como definir então
o silêncio, senão como a única resposta possível à audição? Onde ir buscar a representação
para uma ausência senão à presença, assim presas ambas numa circularidade infinita, na
qual é fácil descobrir que os dois conceitos definitivamente não são antónimos?
Fig. 9 – Mateo, Paula Carfalleira (texto), Peixe (ilustração), Pontevedra: Kalandraka, 1999.
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Referências Bibliográficas
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