Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
O fato de que o verdadeiro ser das coisas deva ser investigado `sem os
nomes´ quer dizer que no ser próprio das palavras como tais não existe
acesso algum à verdade, por mais que qualquer buscar, perguntar, responder,
ensinar e distinguir esteja obrigado a realizar-se com os meios lingüísticos
(Gadamer, 1999, p. 602).
3
Ramón Lull (Raimundus Lullus, 1235-1315) alimentava a esperança de “conduzir todo conhecimento humano
a um conceito unívoco, que se exprimiria por meio de uma espécie de alfabeto de símbolos capazes de ser
trabalhados matematicamente” (Oliveira, 1996, p. 23, nota 10).
No entender de Humboldt, esta delimitação é um ato de violência contra
a linguagem, uma vez que, “face à vida do significado das palavras” faz-se
necessário um “certo espaço de jogo” (Gadamer, 1999, p. 603). Neste “espaço
de jogo” é que introduzimos novos sentidos, ou destacamos (ou silenciamos)
sentidos já postos. Esta abertura é possibilitada pela imperfectibilidade da
palavra humana, e se faz presente no uso corrente das palavras, dinâmica que
imprime vida à linguagem e segue paralelo ao “acontecer da linguagem” no
processo de constituição dos conceitos (dificuldade dos dicionários).
Ter mundo quer dizer comportar-se para com o mundo. Mas comportar-se
para com o mundo exige, por sua vez, que nos mantenhamos tão livres, face
ao que nos vem ao encontro a partir do mundo, que consigamos pô-lo ante
nós tal como é. Essa capacidade é tanto ter mundo como ter linguagem. Com
isso, o conceito de mundo se apresenta em oposição ao conceito de mundo
circundante (Umwelt), tal como convém a todos os seres vivos no mundo
(Gadamer, 1999, p. 643).
O mundo lingüístico próprio, em que se vive não é uma barreira que impede
todo conhecimento do ser em si, mas abarca fundamentalmente tudo aquilo
a que pode expandir-se e elevar-se a nossa percepção. (...) o que se
representa é sempre um mundo humano, isto é, estruturado lingüisticamente,
seja lá qual for a sua tradição (Gadamer, 1999, p. 648-9).
5
Gadamer não põe em questão a existência de um mundo sem homens. Tal como afirmava Nietzsche, houve
tempos, e haverá tempos, em que o homem não esteve e não estará presente.
6
Texto publicado nos Anais do XI Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte (Caderno 2, p. 61-69), 1999.
si mesmo em objeto” (Gadamer, 1999, p. 657). Este mundo portanto, enquanto
um todo, não pode estar dado na experiência tal como os objetos das ciências.
Logo, a objetividade (sachlichkeit) da linguagem não deve ser confundida
com a objetividade (objektivität) da ciência. Esta conhece leis, tem “algo em
suas mãos” (p. 658) que pode tentar reconstruir, ao passo que
8
Ver Stein, 1996, p. 40.
Somos, como quer Eagleton, criaturas condenadas ao significado, o que
nos permite transcender nossa natureza, tal como no interior de um sistema de
linguagem podem gerar-se eventos lingüísticos que o subvertem (ex. poesia).
Essa capacidade de transcendência, que já nos levou a idéia de alma, tende a
nos remeter hoje ao culturalismo, novo reducionismo, segundo o autor.