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XIV SIMPÓSIO DE RECURSOS HÍDRICOS DO NORDESTE

ANÁLISE DO IMPACTO NA VAZÃO DE PICO AO SE ADOTAR


DIFERENTES FORMAS DE HIETOGRAMA PARA A CIDADE DE
FORTALEZA

David Lopes de Sousa 1; Rafael Brito de Aguiar Araujo 2 & Ticiana Marinho de Carvalho Studart 3

RESUMO – Os hietogramas são metodologias de representação simplificada da distribuição


temporal da precipitação, utilizados basicamente como entrada em modelos de simulação chuva-
vazão, para dimensionamento de estruturas hidráulicas. O objetivo do presente trabalho é comparar
metodologias tradicionais de obtenção de hietogramas de projeto, desenvolvidas em outros países,
às características da cidade de Fortaleza, analisando as vazões retornadas por cada modelo. Para
tanto, foram obtidas chuvas de projeto, através da aplicação de diferentes métodos, a partir dos
dados de uma estação pluviográfica da Universidade Federal do Ceará. A seguir, foram calculadas
as vazões de pico, com base nas chuvas de projeto determinadas e nos maiores eventos chuvosos
reais registrados na estação em análise.

ABSTRACT– Hyetographs are simplified methodologies for representing the temporal distribution
of precipitation, basically used as input in rainfall-flow simulation models, for the design of
hydraulic structures. The objective of the present work is to compare traditional methodologies to
obtain hyetographs of projects developed in other countries for the characteristics of the city of
Fortaleza, analyzing the flows returned by each model. For this, the rainfall of the project was
obtained through the application of different methods, based on data from a rainfall station at the
Federal University of Ceará. Then, the peak flows were calculated, based on the rainfall of the
project and the largest real precipitation events recorded in the season under analysis.

Palavras-Chave – Hietogramas, modelos chuva-vazão, vazões de pico.

1) Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil (Recursos Hídricos) da Universidade Federal do Ceará (UFC) – email:
david.lopes2@hotmail.com
2) Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil (Recursos Hídricos) da Universidade Federal do Ceará (UFC) – email:
rafaelbritodm@hotmail.com
3) Professora do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental – Universidade Federal do Ceará. Campus do Pici, Centro de Tecnologia,
Bloco 713, Fortaleza, Ceará, Brasil, CEP 60440-970, Fone: (85) 3366-9623, email: ticiana@ufc.br

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1 - INTRODUÇÃO

Boa parte das aplicações da hidrologia em projetos de engenharia está associada à


determinação do escoamento superficial. O regime de vazões, neste contexto, se apresenta como
uma variável decisiva para o dimensionamento e a operação das infraestruturas de recursos hídricos.
No entanto, ainda são escassas as séries históricas de vazão, além do fato das séries existentes
possuírem uma menor confiabilidade se comparadas com as de precipitação, pois estariam mais
sujeitas as ações antrópicas. Dito isto, os registros de chuvas são ferramentas importantes para o
cálculo deste escoamento.

Modelos chuva-vazão descrevem a relação entre a chuva e a vazão de uma bacia


hidrográfica, quantificando a transformação da chuva em vazão de um curso de água. Esta relação é
descrita através de um hidrograma, que mostra a variação da vazão do curso de água no tempo, em
um determinado ponto de interesse da bacia. Portanto, tem diversas finalidades práticas para a
previsão de cheias, da recarga de reservatórios, da disponibilidade de água para abastecimento
urbano ou irrigação, dentre outras (SHEIDT; BRUNETTO, 2018).

Segundo Wilken (1978), a utilização dos dados de precipitações pluviais para finalidades
hidrológicas requer o estabelecimento de uma relação analítica entre a intensidade, a duração e a
frequência das chuvas intensas. Para estabelecer esta relação, denominada equação de chuvas, deve-
se escolher, de início, as frequências a serem estudadas em número suficiente e compatível com os
dados de observação que se tem em mãos. Para cada frequência, deve ser estudada uma relação
analítica intensidade-duração. Num diagrama bilogarítmico, com as durações nas abscissas e
intensidades nas ordenadas, haveria uma família de curvas, uma para cada período de retorno.

Em 2012, Silva, Palácio Junior e Campos estabeleceram uma nova equação de chuvas para a
cidade de Fortaleza-CE com base nos dados da Estação Climatológica da Universidade Federal do
Ceará, localizada no Campus do Pici. A Equação 1 representa a equação de chuvas da cidade, que
foi desenvolvida com base em 30 anos de registros pluviográficos contínuos (1970 a 1999).

( )
( )

De acordo com Bemfica, Goldenfum e Silveira (2000), o “hietograma” é uma forma gráfica
que mostra a intensidade da chuva ao longo de sua duração. As “chuvas de projeto” são
metodologias de representação simplificada da distribuição temporal da precipitação, utilizadas
basicamente como entrada em modelos de simulação chuva-vazão.

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Basicamente, existem dois tipos de enfoques para a construção de uma chuva de projeto. O
primeiro, um dos mais antigos, mas ainda o mais empregado, é selecionar um volume de chuva a
partir da curva idf (para uma dada frequência e duração) e distribuí-lo no tempo de duração
utilizando algum hietograma arbitrário. O segundo consiste em analisar séries históricas de registros
pluviográficos e a partir desses criar um hietograma sintético empírico para o local em estudo
(JAMES, 1996).

Os hietogramas arbitrários têm como vantagem a grande variedade de arranjos disponíveis e


a possibilidade de padronização pelas instituições contratantes dos estudos. Pode-se selecionar,
dependendo do caso, hietogramas mais conservadores, como o de blocos alternados, hietogramas
mais simples, como o triangular ou o de intensidade constante. Como desvantagem desses métodos
está o fato de não utilizar os dados empíricos para representar a realidade local (CAMPOS, 2009).

Segundo Campos (2009), os hietogramas empíricos utilizam séries de eventos observados,


construindo hietogramas adimensionais, colocando percentagem do tempo de duração da chuva em
função da porcentagem do total de chuvas. A partir do conjunto de hietogramas observados,
usando-se algum critério, são construídos hietogramas padrões para cada local e durações de chuva
de chuva. Esse método tem sua maior vantagem no fato de incorporar informações da climatologia
local e tem como desvantagem a necessidade de longas séries de observações que nem sempre estão
disponíveis.

Uma metodologia de determinação da chuva de projeto é a dos blocos alternados. Esta


metodologia é caracterizada como uma solução simples e uma condição crítica. Esse método propõe
a desagregação dos totais de chuva em intervalos de tempo discretizados pela sua duração total.
Assim, a partir dos incrementos totais acumulados de precipitação, transformados em altura de
chuva, os blocos obtidos são rearranjados numa sequência tal que, no centro da duração da chuva,
situe-se o bloco maior e, em seguida, os demais blocos, em ordem decrescente, um à direita e o
outro à esquerda do bloco maior, alternadamente (TUCCI, 1995).

Outra metodologia bastante difundida é a do método de Chicago, que foi proposta por Keifer
e Chu (1957) para calcular chuvas para obras de infraestrutura urbana. O método estabelece duas
equações analíticas para determinar a intensidade da chuva com o tempo, umas para antes do pico
de intensidade e a outra para depois do pico, as duas deduzidas a partir da curva IDF (intensidade-
duração-frequência), preservando o mesmo volume em todas as intensidades da chuva.

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O método foi proposto por Yen & Chow (1980). Segundo Bemfica, Goldenfum e Silveira
(2000), esta metodologia baseia-se numa análise estatística dos momentos que descrevem a
geometria (estrutura interna) do hietograma. Os autores sugerem a utilização apenas do primeiro
momento, que gera uma distribuição triangular da intensidade da chuva. É obtida, então, uma chuva
de projeto de forma triangular, na qual a posição do pico é dada por um coeficiente r, determinado a
partir da análise de eventos históricos reais, e cuja altura é dada por:

( )

Onde Ip é a intensidade da chuva no pico, P o total da precipitação e td a duração da chuva.

O objetivo deste trabalho é aplicar estes diferentes métodos de determinação de chuva de


projeto a cidade de Fortaleza-CE, comparando as vazões de pico retornadas por cada modelo,
utilizando, para isto, o software HEC-HMS para a obtenção dos hidrogramas.

2 - MATERIAIS E MÉTODOS

Para realizar as comparações entre as diferentes vazões de pico retornadas pelo HEC-HMS,
foi necessário primeiramente determinar as chuvas de projeto de cada método citado neste trabalho.
Para isto, foi adotada a equação de chuva de Fortaleza-CE elaborada por Silva, Palácio Junior e
Campos em 2012. O cálculo foi realizado para três bacias hipotéticas retangulares de 1,5km²,
10km², e 30km². Para as diferentes áreas de bacia, foram adotados diferentes tempos de
concentração, sendo eles, respectivamente, 30min, 60min e 120min, considerados razoáveis para os
respectivos tamanhos. O tempo de retorno adotado para o cálculo de todos os hietogramas foi de 10
anos e o coeficiente de deflúvio da bacia adotado foi de 90, valor comum para regiões urbanizadas e
de solo bastante impermeabilizado.

A determinação do hietograma de blocos alternados não apresentou dificuldade, pois sua


metodologia é simples e todos os dados necessários já haviam sido adotados, como a equação de
chuva, tempo de retorno e as durações da chuva.

Já a determinação da chuva de projeto utilizando o método de Chicago e o método de Yen &


Chow exigia a determinação do coeficiente de avanço r da cidade de Fortaleza-CE. Segundo
Wilken (1977), este coeficiente pode ser determinado pelas seguintes equações:

( )

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( )
( )

Onde R é a quantidade de chuva antecedente precedendo a chuva intensa de duração t, P a é a


massa de chuva antes do pico e A, c e b são constantes que dependem do local e configuram a
equação da chuva para um determinado período de retorno.

A explicação da Equação 3 é que para eventos superiores a 180 minutos de duração, a


quantidade de chuva antecedente é mínima, portanto, a Equação 3 nos fornece um valor próximo a
quantidade de chuva antecedente a uma certa duração. Utilizando a Equação 1 para o tempo de
retorno de 10 anos, obteve-se:

( )
( )

Em seguida, utilizando a Equação 3 e 5, obteve-se:

[ ] ( )
( )

Para determinar um valor médio de r, foram adotados valores estatísticos médios de R para
diferentes durações de chuva, assim como no exemplo realizado por Wilken em seu livro
Engenharia de Drenagem Superficial, 1997. Estes valores de R foram determinados com base nos
dados da Estação Climatológica da Universidade Federal do Ceará, localizada no Campus do Pici,
com 30 anos de registros pluviográficos contínuos (1970 a 1999). Para o cálculo em questão foram
utilizados os eventos críticos desta série histórica. Após a determinação do valor de chuva
antecedente para as durações de 15, 30, 60 e 120 minutos de todos os eventos críticos, foram
retirados do cálculo os valores que apresentavam uma chuva antecedente superior a 30 mm, valor
considerado anormal neste trabalho. Em seguida, calculou-se uma média de R para cada duração,
obtendo-se um valor de r respectivo. Por fim, calculou-se uma média ponderada, usando o R como
peso, a fim de determinar um valor médio para r. O valor encontrado deste coeficiente para a cidade
de Fortaleza-CE foi de 0,377.

Após a determinação do r, foram encontradas as equações 7 e 8, que correspondem a


intensidade da chuva antes e depois do pico para o método de chicago:

( )
( )

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( )
( )

Para o método do hietograma triangular proposto por Yen & Chow, foi utilizado o mesmo
coeficiente r para posicionar a intensidade de pico, depois se adotou que a intensidade decrescia
linearmente para o início e fim da chuva.

Após a determinação de todas as chuvas de projeto para as bacias estudadas, utilizaram-se


estes dados como entrada no software HEC-HMS para a obtenção dos valores de vazão
correspondentes, e em seguida comparou-se os resultados obtidos.

3 - RESULTADOS

Após a determinação do coeficiente de avanço r elaborou-se os hietogramas através dos


respectivos métodos:

(i) Blocos alternados;


(ii) Método de Chicago;
(iii) Método de Yen & Chow (Triangular).

Foi elaborado um total de nove hietogramas, os três tipos citados acima para cada bacia com
um tempo de concentração associado.

Tabela 1. Características das bacias hidrográficas hipotéticas adotadas.

Área
Bacia (km²) tc (min)
B1 1.5 30
B2 10 60
B3 30 120

Foram, portanto, simuladas vazões, pelo modelo do SCS, para as três bacias acima descritas.
Foram utilizados os hietogramas de projeto anteriormente determinados, para as durações de 30, 60
e 120 minutos e tempos de retorno de 10 anos, usualmente utilizados no dimensionamento de redes
de drenagem urbana.

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A Tabela 2 mostra um resumo dos resultados obtidos nas simulações realizadas, fornecendo
as vazões de pico e os volumes totais escoados, para o tempo de retorno de 10 anos. As Figuras 10 a
13 mostram os hidrogramas gerados a partir do Software HEC-HMS para diferentes chuvas de
projeto, para as durações de chuva de 30, 60 e 120 minutos e o período de retorno de 10 anos, ou
seja, respectivamente para as bacias B1, B2 e B3.

Tabela 2 . Volumes e vazões de pico simulados pelo modelo SCS, Tr = 10 anos.

Bacia Blocos Alternados Chicago Triangular


Pico Volume Pico Volume Pico Volume
(m³/s) (mm) (m³/s) (mm) (m³/s) (mm)
B1 22 44.25 21.3 44.13 22.7 44.18
B2 118.2 60.81 114.5 60.73 118.5 60.79
B3 250.1 76.12 241.8 76.01 239.7 76.13

25

20

15
Q (m³/s)

Blocos Alternados
10 Chicago

5 Triangular

0
0.00 20.00 40.00 60.00 80.00 100.00 120.00
t (min)

Figura 10. Hidrogramas simulados pelo modelo SCS, para diferentes chuvas de projeto, td = 30
minutos, Tr = 10 anos.

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140
120
100
Q (m³/s)

80
Blocos Alternados
60
Chicago
40
Triangular
20
0
-10.00 40.00 90.00 140.00 190.00 240.00
t (min)

Figura 11. Hidrogramas simulados pelo modelo SCS, para diferentes chuvas de projeto, td = 60
minutos, Tr = 10 anos.

300

250

200
Q (m³/s)

150 Blocos Alternados

100 Chicago
Triangular
50

0
0 80 160 240 320 400 480
t (min)

Figura 12. Hidrogramas simulados pelo modelo SCS, para diferentes chuvas de projeto, td = 120
minutos, Tr = 10 anos.

4 - CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES

Este trabalho apresentou uma análise da aplicação de diferentes métodos de determinação da


chuva de projeto aplicados a cidade de Fortaleza-CE, traçando-se uma comparação entre os
hidrogramas retornados pelo software HEC-HMS para cada tipo de hietograma calculado. Após a
observação das vazões de pico calculadas para cada modelo, pôde-se verificar que os valores não
divergiam muito, assim como os volumes de chuva encontrados. Ainda sim, pôde-se observar que

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para o tempo de concentração de 30 minutos, a maior vazão de pico retornada foi a calculada com o
hietograma dos blocos alternados. No entanto, para o tempo de concentração de 120 minutos, a
configuração da chuva de projeto que retornou a maior vazão foi a do método de Yen & Chow,
sugerindo que para tempos de concentração maiores, o modelo triangular é mais conservador.
Aliado a isso, o método de Chicago mostrou retornar valores menores que os outros para o tempo
de 30 e 60 minutos, apresentando um valor intermediário apenas no tempo de 120 minutos.

Como sugestão para futuros trabalhos indica-se a determinação dos diferentes tipos de
hietograma para outros tempos de retorno. Sugere-se também realizar o cálculo para diferentes
configurações da bacia, alterando-se os valores de CN e de declividade. Por fim, se propõe que seja
refeito o cálculo do coeficiente r para uma série histórica mas recente, admitindo no cálculo as
chuvas históricas do ano 2000 até os dias de hoje.

5- REFERÊNCIAS

BEMFICA, D.C.; GOLDENFUM, J.A.; SILVEIRA, A.L.L. Análise da aplicabilidade de padrões de


chuva de projeto em Porto Alegre. Revista RBRH, 2000.

CAMPOS, J.N.B. Lições em modelos e simulação hidrológica. Fortaleza, 2009.

JAMES, A. (Editor) Simulation In: James, A. An introduction to water quality modeling. New
York: McGraw Hill, 1996. p. 1-17.

SCHEIDT, F.A.; BRUNETTO, M.A.C. (2018). Modelagem Chuva-vazão utilizando Redes Neurais
Artificiais e Algoritmos Genéticos.

SILVA, F.O.E.; PALÁCIO JUNIOR, F.F.R.; CAMPOS, J.N.B.. Equação de chuvas para Fortaleza-
CE com dados do pluviógrafo da UFC. Revista DAE, 2012.

TUCCI, C.E.M. (1995) Inundações urbanas. In: TUCCI, C.E.M; PORTO, R.L.L.; BARROS, M.T.
Drenagem urbana: Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS/ABRH. 1 ed. Cap. 1, p. 15-36.

WILKEN, P.S. Engenharia de drenagem superficial. São Paulo, Companhia de Tecnologia de


Saneamento Ambiental, 1978.

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