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TDAH: o preconceito contra o uso de medicamentos

Muita gente ainda tem resistência contra o uso de medicamentos no tratamento do


TDAH. Mas os médicos afirmam que os remédios disponíveis atualmente no mercado
são seguros e eficientes

Várias campanhas para divulgar informações sobre o Transtorno do Déficit de Atenção com
Hiperatividade (TDAH) tem sido realizadas, grandes laboratórios vêm lançando novos
medicamentos para o tratamento da doença, médicos e profissionais de saúde estão
empenhados em fazer com que cada vez mais pessoas que sofram do transtorno sejam
diagnosticadas. Ainda assim, a desinformação e o preconceito em relação a doença são
grandes. Um dos pontos mais polêmicos e que sempre gera dúvidas, tanto para os pacientes
quanto para cônjuges, parentes e demais pessoas que precisam conviver com eles, é o uso de
medicamentos.

O uso de remédios para tratar doenças e transtornos psiquiátricos de maneira geral sempre foi
motivo de receio, e não poderia ser diferente em relação ao TDAH. Muitas pessoas ficam em
dúvida sobre a eficácia dos medicamentos, os efeitos colaterais e os riscos que o uso contínuo
poderia acarretar. O psiquiatra Luís Augusto Rohde, da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, destaca que há alguns mitos bastante comuns envolvendo o tratamento farmacológico do
TDAH mas que, no entanto, existem diversos estudos realizados em importantes centros
mundiais que atestam não só a eficácia, como também a segurança das principais drogas
utilizadas atualmente.

Um grande estudo realizado em centros universitários nos Estados Unidos e no Canadá


(denominado MTA - Multimodal Treatment Assessment) chegou a resultados que mostram as
vantagens alcançadas pela correta utilização dos remédios existentes. No total, estiveram
envolvidos na empreitada cinco centros de estudo norte-americanos e um canadense, que
analisaram nada menos que 579 crianças que sofriam de TDAH. O objetivo era verificar até
que ponto a prescrição de medicamentos é eficiente e comparar os resultados com
psicoterapia.

Para a pesquisa, os pacientes foram separados em quatro grupos. O primeiro foi tratado
apenas com medicamentos. As crianças e adolescentes recebiam os remédios e durante
primeiras semanas passavam por consultas semanais de acompanhamento. Posteriormente
essas consultas eram mensais. Nenhum tipo de psicoterapia foi utilizada. Já com o segundo
grupo, o tratamento foi justamente baseado em psicoterapia cognitiva-comportamental, que
consistia em acompanhar de maneira intensiva os pacientes com técnicas específicas. Foi
dada atenção especial à orientação dos pais - um ponto fundamental para auxiliar o tratamento
de crianças que sofrem de TDAH - e a intervenções escolares, com orientação e
esclarecimento também para os professores. Neste caso, não foi utilizado qualquer tipo de
remédio.

O terceiro grupo contou com o que os médicos e pesquisadores chamaram de tratamento


combinado. As crianças passavam pela mesma terapia comportamental-cognitiva que foi
prescrita para o grupo dois e também receberam medicamentos. Essas duas partes do
tratamento foram realizadas de maneira coordenada e acompanhada minuciosamente pelos
médicos por meio de avaliações periódicas.

Finalmente, ao último grupo foi destinado um tratamento que recebeu o nome de "tratamento
comunitário". As crianças eram encaminhas a centros de pediatria tradicionais (comuns, não
especializados) e os médicos que as tratavam recebiam a orientação de adotar o tratamento
que normalmente empregariam se recebessem nos consultório uma crianças com os sintomas
do TDAH. Os pacientes deste grupo receberam basicamente tratamento medicamentoso,
administrado pelo pediatra ou pelo médico da família, e não pôr psiquiatras especializados no
tratamento do transtorno.
Resultados comprovam o dia-a-dia dos consultórios

Os resultados comprovaram o que os psiquiatras e especialistas no assunto já haviam


comprovado no dia-a-dia dos consultórios: os grupos que apresentaram maior grau de melhora
e um controle maior dos sintomas foram aqueles que receberam medicamentos (1 e 3).
Segundo os médicos, no entanto, a constatação mais importante foi outra. Na comparação
entre o grupo 1 (que recebeu apenas terapia medicamentosa) e o grupo 2 (que recebeu
somente terapia comportamental), os resultados apresentados pelas crianças tratadas apenas
com medicamentos foram bastante superiores aos daqueles que tiveram o acompanhamento
comportamental.

- Esse estudo mostra que o uso de medicação é importante no tratamento do transtorno do


déficit de atenção. O grupo medicamentoso e o grupo combinado apresentaram resultados
superiores ao grupo psicoterapia isolada, o que prova que o uso de drogas é importante e
eficiente'', conclui Luís Rohde.

Dos quatro grupos analisados pela pesquisa, o que apresentou resultados mais discretos foi
aquele em que as crianças receberam o chamada "tratamento comunitário", sem a orientação
de médicos especializados no tratamento do TDAH.

- Não basta só usar a medicação. E preciso que seja usada por profissionais que
conheçam e saibam tratar o transtorno. Foi provado por este estudo que os profissionais que
não eram especializados no transtorno e ofereciam um tratamento considerado não ideal e não
obtinham bons resultados no tratamento - analisa o psiquiatra gaúcho, completando que,
mesmo a medicação correta, se usada sem o conhecimento aprofundado, traz resultados
significativamente piores.

Quem convive com portadores de TDAH já descobriu há tempo, na prática, os dados


constatados na pesquisa. A maioria das famílias passa bastante tempo peregrinando por
diversos consultórios médicos, de diversas especialidades, até encontrar um psiquiatra
especializado no tratamento do transtorno. E mesmo os mais céticos acabam cedendo e
concordando que as melhoras trazidas pelos medicamentos em associação terapias
adequadamente indicadas apresentam resultados mais que satisfatórios.

Férias frustradas

-Quando eu conheci o meu marido ele já fazia tratamento contra o TDAH. Já estávamos no
terceiro mês de namoro e eu comecei a questioná-lo porque ele tomava remédios três vezes ao
dia. Foi quando ele me explicou que tinha TDAH e me falou o que é o transtorno - conta a
jornalista paulista Maria Fernanda Palhares, que mesmo depois de ouvir toda a explicação
sobre a doença continuou com dúvidas em relação à necessidade do uso contínuo dos
remédios. A sua resistência à terapia medicamentosa, no entanto, durou somente mais
algumas semanas.

- Num final de semana prolongado, nós resolvemos viajar para a praia e saímos na quinta-feira
à noite . No meio do caminho o Marcos lembrou que tinha esquecido de trazer os remédios e
quis voltar para buscar. Eu insisti que não tinha necessidade e que ele deveria aproveitar a
oportunidade para tentar passar uns dias sem usar o remédio. Depois de eu insistir bastante,
infelizmente ele me atendeu - relembra Fernanda.

-Na primeira noite não houve qualquer problema. Ele estava mais agitado que o normal mas
nada que chamasse a atenção. Mas o dia seguinte foi muito estressante: ele ficou muito
agitado, não parava quieto, não me ouvia quando eu falava com ele. Tentamos ir à praia. Ele
sentava na cadeira para ler o jornal e levantava dois minutos depois e ia para a água. Depois
voltava dizendo que queria dar uma volta. Voltava e sentava e tentava ler o jornal de novo, mas
dois minutos depois pegava o telefone celular e disparava a ligar para os amigos. Até na hora
de almoçar ele reclamou da fila de espera no restaurante, que não demorou nem cinco minutos
- conta a jornalista, lembrando que não acreditou quando o marido lhe disse que a mudança de
comportamento era provavelmente por causa da falta dos medicamentos.

- Eu tentei explicar para ela que esse era o meu comportamento normal antes de iniciar o
tratamento, mas ela não acreditou. O resultado final é que tivemos que encurtar a viagem e
voltar no segundo dia. Não ia dar para aproveitar muita coisa - lembra Marcos, que descobriu já
adulto que era portador de TDAH.

Não tratar o transtorno pode trazer para o portador problemas como baixo aproveitamento
escolar e acadêmico, repetência e maior risco de sofrer acidentes. Quando são analisadas as
evidências cientificas, percebe-se que o tratamento está relacionado a melhoria significativa no
comportamento e que os medicamentos disponíveis apresentam uma baixa incidência de
efeitos colaterais.

Laboratórios investem

Segundo Luiz Rohde, já foram realizados mais de 150 estudos internacionais com
medicamentos que atualmente são usados para tratar o TDAH. O resultado encontrado, em
quase todos, é de que os medicamentos são eficientes e, sempre que são bem administrados,
proporcionam uma sensível melhora aos pacientes.

O TDAH ainda é subdiagnosticado e estima-se que existam milhares de pessoas que são
obrigadas a conviver com sintomas bastante desagradáveis (esquecimentos, desatenção,
dificuldade de concentração, baixo aproveitamento acadêmico e profissional etc.) sem saber
que se trata de um transtorno psiquiátrico para o qual já existem tratamentos com um alto grau
de sucesso. De olho neste mercado, muitos laboratórios farmacêuticos têm se preocupado em
lançar novas drogas. Ao contrário de serem vistas como uma vantagem, as crescentes
pesquisas em busca de novos medicamentos acabam suscitando outro questionamento
naqueles que são mais resistentes ao uso de medicamentos: se os medicamentos usados são
assim tão eficazes, porque então os laboratórios se esmeram para produzir e desenvolver
novas drogas?

Tratamento mais fácil

A resposta é fácil, e está menos relacionada à eficácia e à segurança das substâncias


atualmente utilizadas do que com comodidade do paciente. Explica-se: o tratamento precisa
ser contínuo e durar todo um dia. A substância precisa estar ativa para que a pessoa possa
suprir os déficits característicos do TDAH. A droga mais usada atualmente é o metilfenidado
(nome comercial Ritalina), que possuiu um período de ação bastante reduzido. Isso obriga os
pacientes a tomar o medicamento de duas a três vezes ao dia. Por um motivo mais que óbvio,
isso criava um problema em relação à adesão ao tratamento: dizer para uma pessoas que
sofre de déficit de atenção - e logo tem problemas de memória- que ele precisa tomar um
medicamento até três vezes ao dia, parece um contra-senso.

A idéia das novas drogas é reduzir o numero de doses ao longo do dia e permitir um tratamento
mais confortável, que possa ser seguido mais facilmente. Recentemente foi apresentado no
Brasil um novo medicamento (de nome Concerta), que também tem o metilfenidato como
princípio ativo e permite a administração de uma única dose ao longo do dia, com ação
prolongada por 12 horas. O medicamento deve ser colocado em breve no mercado, segundo o
laboratório Janssen-Cilag. A própria Ritalina, já existe também em comprimidos de liberação
prolongada no exterior, denominada Ritalina LA do laboratório Novartis (deve ser lançada no
Brasil em 2004). Outra nova medicação que tem efeito durante a maior parte do dia, mas que
não tem como princípio ativo o metilfenidato é a Atomoxetina (nome comercial Strattera, do
laboratório Lilly, que também deve ser lançada no Brasil em 2004).
- Quando o médico opta por prescrever para uma criança
duas doses diárias, uma pela manhã e outra ao meio dia, é
comum que a escola reporte ao médico uma melhora
significativa no rendimento e no comportamento. Mas os
pais dizem que, em casa, o filho continua com os mesmos
problemas. Isso acontece por que muitos pais apenas vêem
os filhos à noite, após as 18, quando o efeito do
medicamento já está bastante reduzido - explica Luiz
Rohde, acrescentando que as novas drogas podem ser
bastante úteis sobretudo para o tratamento de crianças.

* Rafael Alves Pereira é jornalista formado pela PUC-Rio. Ele escreve para a
ABDA reportagens quinzenais, que trazem depoimentos de médicos e pacientes
e têm o objetivo de oferecer mais informações sobre o TDAH para quem convive com o problema e para o público em geral.
São abordados assuntos como o cotidiano do portador de TDAH, avanços médicos

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