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Entendendo a Mobilidade - Parte 1

Dean Somerset

Mobilidade é um daqueles conceitos, espalhados no meio do fitness, que possuem uma variedade
de descrições, meios e métodos de serem implementados. Sem, no entanto, um entendimento se
isso é necessário ou se alguma melhora é mesmo possível.

Uma definição potencial de mobilidade é:


A amplitude disponível de movimento de uma articulação em determinada direção

Outra é:
A habilidade global de se mover através da amplitude de movimento.

Ainda, outra poderia ser:


O comprimento de um músculo.

Todas estas têm similaridades, mas são em si, muito diferentes uma da outra.

Mobilidade articular, na definição da maioria dos dicionários médicos:

É a habilidade de uma articulação de se mover através de sua amplitude de movimento por meio de
diferentes planos. Isto é dependente das características das articulações individuais, assim como do
suporte dos músculos, ligamentos, da cápsula articular e da anatomia das superfícies que se
articulam.

Flexibilidade, na definição mais comum dos dicionários:

Refere-se à amplitude absoluta de movimento em uma articulação ou série de articulações, e


comprimento nos músculos que cruzam as articulações para induzir o movimento dessas
estruturas.

Ambas definições poderiam definir o que é conhecido como "amplitude de movimento


passiva", ou o que é obtido com o mínimo retorno de informação do indivíduo (N.T: Retorno de
informação é uma tradução livre de "Feedback") e não está sujeito a dicas conscientes.
"Amplitude de movimento ativa" é a quantidade que o indivíduo consegue mover os membros
através de comandos conscientes (do indivíduo). Por exemplo, se eu avalio a flexibilidade dos
isquiotibiais de alguém com a subida passiva da perna, estou analisando a quantidade de amplitude
de movimento que ele possui com os quadris em flexão. Uma versão ativa deste teste faz com que
ele eleve a perna para o quanto de flexão é capaz, naquela determinada direção, sem qualquer
auxílio.

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Teste de Elevação Passiva da Perna

Elevação Ativa da Perna

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Em muitos casos, a amplitude passiva de
movimento alcançável em qualquer articulação
será maior do que a amplitude de movimento
ativa que pode ser obtida. Muito disso é devido à
habilidade contrátil limitada de qualquer
músculo em sua posição mais encurtada.

Podemos ver que a tensão ativa cai


significativamente antes do final do comprimento
disponível do músculo, e que a tensão
remanescente aplicada na articulação é devido ao
alongamento dos ligamentos e da cápsula
articular, não necessariamente através dos músculos que moveriam àquela articulação naquela
posição em primeiro lugar.

(N.T: A curva comprimento-tensão diz respeito ao máximo de tensão que um músculo é capaz de
gerar. Isso acontece quando o comprimento dos sarcômeros, a menor unidade contrátil, é a ideal.
Quando os sarcômeros estão encurtados, à esquerda do meio da curva, a quantidade de tensão
que pode ser gerada é menor. Assim como quando os sarcômeros estão alongados, à direita da
curva).

Também existe o conceito de insuficiência para chegar nessa posição, normalmente


mediada por insuficiência passiva ou ativa:

Na insuficiência passiva, simplesmente não se tem o comprimento para


permitir alcançar aquela amplitude de movimento. Por exemplo, tentar fazer uma
flexão do quadril com o joelho estendido em comparação com o joelho flexionado.
Se a subida da perna com o joelho estendido é reduzida, mas com o joelho
flexionado a subida é enorme, existe provavelmente uma insuficiência passiva dos
músculos da cadeia posterior: coluna lombar, glúteos, isquiotibiais e panturrilha.

Uma insuficiência ativa é a inabilidade de produzir força muscular para chegar


naquela posição. Outro exemplo é usar a flexão do joelho para algo como o
alongamento do quadríceps. Uma insuficiência passiva quer dizer que o indivíduo
não conseguiria sequer pegar o pé e trazê-lo até o glúteo porque algo está resistindo
a isso (N.T: Poderíamos dizer que na insuficiência ativa o movimento cessa ou se
torna enfraquecido devido à sobreposição excessiva dos sarcômeros do músculo ou músculos que
estão realizando o movimento. Já na insuficiência passiva, o movimento cessa ou se torna
enfraquecido devido à tensão passiva no músculo ou músculos antagonistas, ou ainda em outras
estruturas de tecido conjuntivo, como ligamentos, tendões, fáscia). Uma insuficiência ativa seria
a falta de capacidade para replicar aquela posição de maneira eficaz, ou ao menos conseguir chegar
perto do componente passivo.

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Neste exemplo, se eu sou capaz
de tocar meu calcanhar no
glúteo (e sou) mas finalizo o
movimento "ativamente"
somente usando esta
amplitude de movimento, há
uma insuficiência de cerca de
30º (como mostrado nas
imagens ao lado). Se você
quiser tentar a sorte nesse
movimento, se prepare para
algumas cãibras nas primeiras
tentativas.

N.T: Neste exercício, mostrado nas 2 imagens acima, ele realiza uma “Flexão terminal do joelho em base ½
ajoelhada”.
A comparação que o autor faz é entre:

- Fazer a flexão de forma passiva: Puxando a perna que está apoiada na caixa de salto e encostando no glúteo
(e ele afirma que consegue fazê-lo).

- Fazer de forma ativa: Que é como está demonstrado, contrair a cadeia posterior para tentar tocar o
calcanhar no glúteo.

A diferença de amplitude entre as 2 maneiras, segundo ele, é de 30º. Ou seja, existe uma insuficiência de 30º.

Até agora temos debatido somente a potencial amplitude de movimento disponível, sem influência
de variáveis externas. Eu tenho falado sobre potenciais limitações estruturais para amplitude de
movimento (N.T: No artigo: Beyond Butt Wink: Hip Shape, Injuries, and Individual Ability - Part
1), então não entrarei em muitos detalhes aqui. Ao invés de analisar os aspectos de hardware (N.T:
Ou seja, aspectos estruturais) da mobilidade, vamos passar algum tempo analisando o software
(N.T: Ou seja, aspectos de controle motor). O cérebro e o sistema nervoso periférico são um dos
maiores determinantes da mobilidade existente, e entender isso e usar de maneira eficiente pode
fazer a diferença entre um programa de exercícios de mobilidade que funciona e um que não.

O cérebro controla a tensão muscular consciente e inconsciente e ainda, a contração e relaxamento


muscular reflexos. Em pacientes anestesiados, alguns estudos têm mostrado aumento imediato na
amplitude muscular, uma vez que a entrada de informações neural é removida (N.T: O que em
inglês chama-se input neural). A paralisia cerebral comumente vem com espasticidade muscular
hemisférica, significando que os músculos estão cronicamente "travados" em uma posição
encurtada. Uma condição conhecida como ossificação heterotrópica se desenvolve no lado afetado
de pessoas com distúrbios cerebrais hemisféricos e cerebelares, mas não no lado não afetado, o que
acaba reduzindo a amplitude de movimento significativamente naquelas articulações afetadas
(N.T: Ossificação heterotrópica é a condição patológica em que se desenvolve tecido ósseo fora
do esqueleto).

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Pacientes em coma, mesmo aqueles de idade bem avançada e bastante degeneração, podem
comumente exibir grandes amplitudes de movimento nos quadris e na coluna quando não existe
entrada de informações neurais ocorrendo. Paraplégicos podem sofrer com contraturas, que é um
encurtamento e rigidez fibrótica no tecido muscular, que vem com o desuso e as posturas sentadas,
mas ainda podem exibir contrações vindas de espasmos musculares em resposta a mudanças nos
ângulos e velocidades articulares. Ocasionalmente, estes espasmos são oscilações como ondas ou
contrações musculares que aumentam e diminuem em amplitude e frequência, e as vezes, são
apenas contrações consistentes por poucos segundos ou minutos, e em outras podem ser
contrações tetânicas que duram um bom tempo (N.T: Nesse caso o termo contrações tetânicas é
empregado para designar contrações sustentadas).

Estes espasmos são inteiramente desprovidos de


entradas de informação central, são provavelmente
devido a circuitos (N.T: Do inglês "loops") de
reflexos espinhais que fazem com que os músculos
contraiam em resposta a algo. Um exemplo destes
circuitos de reflexos espinhais é a resposta do joelho
ao martelo de borracha do médico quando testa o
reflexo do tendão patelar.

Podemos trabalhar fora destes circuitos de reflexos espinhais para criar um aumento ou decréscimo
de mobilidade no corpo inteiro.

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N.T: Nesse experimento, o autor do
artigo fez uma série de testes. Nenhum
deles com óbvias assimetrias ou
problemas, mesmo assim obteve
indícios de que havia algum problema
com o quadril/ núcleo* esquerdo. O
que mais se destacou nos testes foi a
falta de rotação interna do quadril
esquerdo (imagem ao lado), ao invés de
cerca de 45º nessa posição, ela chegava
a cerca de 10º.

*Obs: Núcleo, tradução da palavra em


inglês “core”.

N.T: Uma vez determinado que poderia haver algum


problema de estabilidade/controle motor no
quadril/núcleo no lado esquerdo, ele estimulou a
estabilidade nessa área ao passar alguns poucos
minutos fazendo a prancha lateral (só no lado
esquerdo). Arrumou constantemente a posição
manualmente, e pedia para que a executante tentasse
repetir o posicionamento correto após uma pausa. Até
que se deu por satisfeito com a execução.

N.T: No reteste, a imagem deixa claro que


houve uma grande melhora na rotação
interna do quadril esquerdo. Isso
confirma a hipótese de que a falta de
mobilidade em rotação interna era devido
a um “tônus de proteção” contra a falta de
estabilidade no lado esquerdo do
quadril/núcleo.

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Este aumento no DRIVE NEURAL causou um relaxamento reflexo em seguida à atividade, o que
ajudou a aumentar a amplitude de movimento. Isso também ajuda a reduzir a proteção ao
aumentar a ativação muscular ao redor da coluna (N.T: Em palavras mais simples, isso significa
que ao reorganizar o lado esquerdo do quadril/núcleo, enviando estímulos para que funcionasse
corretamente, o tônus de proteção, que impedia a rotação interna do quadril, diminuiu bastante).

Este é um dos principais efeitos do sistema nervoso autônomo, o sistema de "luta ou fuga" que
causa um aumento na resposta neural, cardíaca e endócrina e ajuda o corpo a responder à um
estímulo estressor, ajudando o indivíduo a se defender ou fugir dos problemas. Se o corpo está em
um estado de baixa ansiedade, a amplitude passiva e ativa de movimento será maior do que se
estiver em um estado de estresse e ansiedade. Aqui vai uma demonstração simples do processo:

N.T: Em primeiro lugar foi testada a amplitude


passiva da subida da perna esquerda.

N.T: Antes do reteste, mostrado na imagem ao


lado, foi pedido para que o indivíduo
realizasse uma curta série de “respirações
pulsadas”. A respiração que ele chama de
pulsada são expirações forçadas, como se
fosse cuspir em algo ou alguém, sem cuspir de
fato, claro. Após a série de respirações
pulsadas foi retestada a subida passiva da
perna, com um bom aumento na mesma.

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N.T: Antes de um segundo reteste, mostrado
na imagem ao lado, foi aplicado um estímulo
de dar uma sólida “porrada”, um bom tabefe
mesmo, no ombro esquerdo do avaliado. O que
claramente diminuiu bastante a amplitude de
movimento da subida passiva da perna.

A respiração pulsada aumentou o drive neural e produziu um estado de consciência aumenta em


um "estado de prontidão", que é essencialmente o objetivo de qualquer aquecimento de atletas de
elite, mesmo quando não usam a técnica exata. Dar um tapa no ombro produziu um estímulo
nocivo que fez o corpo pensar que algo estava errado, e a resposta foi aumentar a tensão para
produzir maior força muscular ou uma resposta de contração se ele tivesse que rolar para fora da
maca em resposta à um agente estressor.

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Algumas pessoas podem estar em um estado quase que constante de estimulação simpática (N.T:
No estado chamado de "luta ou fuga"), sempre no limite ou demonstrando mais ansiedade em
comparação com outras. Pessoas que quando estão sentadas ficam constantemente batendo com a
mão no pé ou excessivamente agitadas (N.T: Ou que ficam constantemente mexendo as pernas
quando estão sentadas), relaxar é difícil para elas. Em uma revisão sistemática (The sympathetic
nervous system and tendinopathy: a systematic review. Sports Medicine, 2015), foi demonstrado
que aqueles que têm uma atividade do sistema nervoso simpático maior do que a média, também
reportaram um aumento na resposta de dor tendínea. Isto pode ser devido à constante tensão
sendo enviada ao tendão e, consequentemente, receber pouco tempo de recuperação como
resposta, ou talvez esses indivíduos sejam hipersensíveis ao seu ambiente. De uma forma ou outra
é uma conexão interessante.
Na minha experiência, as pessoas que são mais
"simpático-dominantes" ou "no limite" tendem
também a serem mais tensas e não respondem bem a
técnicas de mobilidade ativas e passivas. Eles tendem
a ter uma tensão de repouso que pode fazer com que
sejam mais elásticos, o que os faz serem razoavelmente
bons em corridas de longa distância e de certa forma a
não quebrar facilmente.

Atividades que promovem um maior estímulo


parassimpático também tendem a produzir aumentos
na amplitude de movimento. Ioga, tai chi e meditação
usam métodos de respiração que têm sido ligados à
estimulação parassimpática, e estas técnicas de
respiração também são as favoritas de dançarinos e
ginastas para serem utilizadas em alongamentos
extremos.
Tocar os dedos dos pés = parassimpático;
Não tocar = simpático

O principal método para estimular conscientemente o sistema parassimpático é uma respiração


longa, lenta e profunda, tanto na inspiração quanto na expiração.

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Pense em:

 5 segundos para inspirar (de maneira longa e suave).


 Expirar por até 8 segundos a cada respiração.

A expiração é mais uma liberação do ar do que uma expulsão do ar (N.T: Ou seja, de maneira suave
e relaxada). Fazer esta respiração por 1 ou 2 minutos pode ter enorme efeito no drive neural (N.T:
Ou seja, diminuindo o fluxo de estímulos para os músculos hiperativos) através do corpo e também
na mobilidade.

Tente o seguinte:
- Levante e tente tocar os dedos dos pés (com os joelhos em extensão). Veja o quão próximo
consegue chegar. Se já consegue tocar o solo, deixe para os que não conseguem. A seguir, faça 5
respirações longas e lentas (como descrito acima) e depois refaça o teste e veja o que acontece.
Existem boas chances de que haja um aumento da amplitude de movimento que você está usando.

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