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O termo, que exprime a condição histórica, geográfica, social e humana do ser açoriano, foi criado por Vitorino
Nemésio, que o teve decalcado de hispanidad(Miguel de Unamuno) e que usou pela primeira vez num artigo
enviado para a Revista Insula (n.º 8, Ponta Delgada, 1932). Intitulado «Açorianidade», o artigo tece
considerações sobre o viver das ilhas, num tom de crónica carregada de saudade pelo afastamento do autor em
relação à sua ilha natal (ilha Terceira). Podem considerar-se lapidares as palavras e o contexto em que define
aquele conceito: «Meio milénio de existência sobre tufos vulcânicos, por baixo de nuvens que são asas e de
bicharocos que são nuvens, é já uma carga respeitável de tempoe o tempo é espírito em fieri [...]. Como
homens estamos soldados historicamente ao povo de onde viemos e enraizados pelo habitat a uns montes de lava
que soltam da própria entranha uma substância que nos penetra. A geografia, para nós, vale outro tanto como a
história [...]. Um dia, se me puder fechar nas minhas quatro paredes da Terceira, sem obrigações para com o
mundo e com a vida civil já cumprida, tentarei um ensaio sobre a minha açorianidade subjacente que o desterro
afina e exacerba.» Aos 30 anos, sem qualquer intenção reivindicativa ou política, apenas por um sentimento de
saudade e «desterro», criava Nemésio o conceito e o termo açorianidade, alma do ser-se açoriano, que emerge
em quase toda a sua obra de poeta e de romancista e contista. Alargado, este conceito não só exprime a qualidade
e a alma do ser-se açoriano, dentro ou fora (principalmente fora...) dos Açores, mas o conjunto de condicionantes
do viver arquipelágico: a sua geografia (que «vale tanto como a história»), o seu vulcanismo, as suas limitações
económicas, a sua dispersão humana e a sua idiossincrasia, os seus falares típicos, enfim, tudo o que contribui
para conferir identidade.
O conceito é retomado e desenvolvido no artigo de abertura no n.º 1 da Revista Atlantida (1956), Órgão do
Instituto Açoriano de Cultura. Aí se acentua que «a Açorianidade traduz a primeira expressão da Lusitanidade no
tempo e no espaço»; açorianidade é uma devoção aos Açores e a tudo quanto lhe diz respeito, inculca-se no
referido artigo.
A emigração é um dos exemplos da solidariedade que os açorianos emigrados estabelecem com o arquipélago,
especialmente com a ilha natal. Com efeito, são muitos os exemplos na emigração de fidelidade a padrões de
vida familiares, a festividades, à religiosidade predominante na sua ilha de origem (exemplos das festas do
Senhor Santo Cristo e das festas do Espírito Santo). Por vezes, os açorianos que regressam mantêm um forte laço
com as terras para onde emigraram e onde triunfaram profissionalmente. A esse estado de espírito de certa
insatisfação e desenraizamento têm os sociólogos chamado «duplo exílio».
O termo açorianidade, que passou a ser usado com frequência sobretudo nos anos posteriores à criação do
Governo dos Açores e da institucionalização da autonomia (1976), é susceptível de várias cargas afectivas e
conotações políticas diversas, conforme a tendência ideológica, tornando-se por vezes vago e impreciso e para
outros considerado demasiado subjectivo. A açorianidade não deve ser, com efeito, só entendida como um
conceito subjectivo para glosa de filósofos ou artistascomo pensam alguns espíritos mais
«positivistas»mas como um fundamento da identidade açoriana e suas formas de expressão e, portanto,
como fundamento de uma estrutura de poder político que lute pela autonomia. A açorianidade é que é o suporte
filosófico-cultural da autonomia, que é o seu «lado» ou expressão política, expressão emergente ao nível da
fenomenologia política e da reivindicação histórica anticentralista. O homem açoriano, «velho» de quinhentos
anos e marcado pela vivência geotelúrica insular, é que é o sujeito da açorianidade e por ela reclama um regime
autonómico, que melhor possa governar in loco os seus possíveis recursos em função da especificidade do meio.
A açorianidade é, assim, uma experiência global e abrangente, que irrompe no quotidiano da vivência colectiva e
individual e se projecta nas artes e na literatura. São seus pilares na literatura um Roberto de Mesquita, poeta
simbolista florentino (Almas Cativas), e a vasta obra açoriana, portuguesa e universal de Vitorino Nemésio, que
«transportava no seu íntimo uma [a sua] ilha» (Ortega y Gasset) e que tudo referenciava e media em função do
seu microcosmos matricial insular. Importantes aproximações à insularidade açoriana deram nos homens como
Leite de Vasconcelos (Mês de Sonho), Raúl Brandão (As Ilhas Desconhecidas), entre outros.
Luís Ribeiro, a quem Nemésio dedica o seu Corsário das Ilhas (a quem chama «alma e consciência da nossa ilha
e dos Açores»), seria um dos maiores estudiosos da idiossincrasia do povo açoriano, sem perder a referência à
obra do autor de Mau Tempo no Canal, do artigo «Açorianidade» e principalmente da conferência e artigo «O
Açoriano e os Açores» (in Nemésio, Sob os Signos de Agora, 1932). Escrevemos («Palavras de
Abertura», Actas, Congresso do Centenário da Autonomia, 1895-1995, Ponta Delgada, Jornal de Cultura, 1995)
que «a Açorianidade é a alma que se transporta quando se emigra, como também aquilo que de cada um de nós
se espera quando nós vivemos fora. A ilha em que nascemos é um eixo do Cosmos, uma pequena-pátria, um
mundo de referências matriciais [...], um ponto de regresso ideal, uma Ítaca em que cada um é o Ulisses da sua
própria e secreta mitologia». Resultante de um achado linguístico feliz (não há «madeiridade», mas pode falar-se
em açorianidade), esta insere-se num conceito mais vasto de atlanticidade, nascida da solidariedade cultural
entre os povos que planeadamente circularam entre as margens do Atlântico. Ver açorianismo. ANTÓNIO
MACHADO PIRES (NOV.1995)