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Capítulo I – A origem da ciência e as primeiras concepções científicas da relação homem -

natureza

É sabido que a relação homem versus natureza não é uma ciência contemporânea, ela
vem se estabelecendo do estudo racional através de séculos da existência da vida
humana no planeta terra. Ainda que o homem tenha acordado tardiamente para o
problema no ritmo do desenvolvimento e crescimento econômico ditado pelo passar
dos anos, é de grande valia apresentar o modo como essa relação estabeleceu-se nas
diversas passagens da humanidade. O “Movimento ambiental”, nascido apenas no
século passado, por volta dos meados dos anos 1960 apresenta-se ao mundo como o
divisor de comportamentos entre os tecnocratas conservadores do progresso e os
catastrofistas, ilustrados na obra de Ignacy Sachs. O movimento veio a aflorar o
problema da poluição ambiental e a busca de um novo tipo de desenvolvimento,
pautado na sustentabilidade, uma espécie de terceira via média entre o economismo
arrogante e o fundamentalismo ecológico.

Ainda que o assunto seja recente, o sonho do equilíbrio dessa relação parte de épocas
remotas, principalmente da essência de entender, em sua complexidade, o significado
de recurso natural e o controle sobre este. Ao analisar os períodos vividos pelo ser
humano, observam-se diferentes concepções, pois os processos produtivos foram se
modificando ditando a forma como o equilíbrio deixou de existir. Antes tudo era para
sobrevivência, sem excessos. Então surgem os excedentes, a produção em massa, o
crescimento populacional, industrialização, poluição e o pensamento sustentável.

 Os Pré-Socráticos

Os antecessores da filosofia antiga da ciência ocidental, os pré-socráticos, buscavam na


natureza a explicação cósmica para a origem da própria existência. Foram então
denominados filósofos da natureza, pois não concebiam a separação entre homem e
natureza. Estes observavam todas as transformações que ocorriam no meio e
questionavam o porquê e como tudo acontecia. Nesse momento surge o dilema do
criacionismo e evolucionismo, e qualquer idéia contrária a busca das respostas na
mitologia corrompia os padrões estabelecidos, mas ainda que a mitologia grega fosse
muito presente na época, as teorias eram pautadas no raciocínio, observação,
comparação, experimentação e constatação.

Para entender os fenômenos escolheram os elementos básicos da natureza, a physis,


como ponto de partida, a água, fogo, terra e o ar. Segundo Di Mare (2002), Tales de
Mileto (VI a.c.), considerado o pai da ciência e da filosofia ocidental, afirmou que a
causa de todas as coisas que existem é o elemento água. Ele obteve suas constatações
através de seus experimentos, onde na ausência da água as plantas e os animais
morriam, bem como levaria o ser humano a morte da mesma forma. Embora as
conclusões cosmológicas de Tales estivessem erradas, pode-se dizer que a filosofia
nasce nesse momento. Ao estabelecer a proposição de que a água é o absoluto,
provoca como conseqüência um distanciamento entre o pensamento racional e as
percepções sensíveis.

Anaximandro defendeu a teoria do Apeíon, a “substância indefinida” que significa o


ilimitado, o indeterminado, o abstrato, como seu principio universal para todas as
coisas. Heráclito, e o fogo como a inquietude. Anaximenes considerou o surgimento da
vida a partir do ar, a substância fundamental.

Embora suas teorias estejam fundamentadas em um passado muito distante, elas não
podem ser descartadas de uma comparação com o contemporâneo. A rigor no cunho
científico, os quatro elementos observados, o ar por Aneximenes está poluído pelas
emissões de gás carbônico e aliado ao fogo ou calor, é comparável ao efeito estufa,
consequentemente ao aquecimento global. A água potável escassa para o uso
humano, e o Apeíon prestes ao colapso decorrente das ações do homem.

 O Período Clássico

A filosofia antiga do Período Clássico estrutura boa parte do nosso conhecimento


científico, esse é o resultado do pensamento filosófico inaugurado pelos gregos. Seu
objetivo era bastante determinístico, conhecer e contemplar as verdades do universo.
Seus principais pensadores, Aristóteles, Sócrates e Platão, fundadores da academia de
Atenas, a primeira instituição de ensino superior do mundo ocidental, influenciaram
no início do antropocentrismo, na mudança do conceito de natureza e sua separação
ao homem.

Platão encontrou na sua teoria das idéias um modo de explicar a realidade. O mundo
dos sentidos com o qual se chegaria a um conhecimento aproximado, imperfeito. E o
mundo das idéias, pelo qual podemos ter um conhecimento seguro com o uso da
razão. Também é escritor do famoso mito da caverna, que trata da exemplificação de
como podemos nos libertar da condição de escuridão que nos aprisiona através da luz
da verdade. Esta fábula que traz à tona a indagação proposta pelo movimento
ambiental dos anos 1970. O prisioneiro pensa em retornar a caverna e expor a verdade
enganosa em que vivem os demais, está sujeito a sérios riscos, como ser ignorado,
tomado como louco ou mentiroso e acabar morto. Assim fora para os primeiros
ambientalistas que trataram do assunto do aquecimento global, fortemente presente
em nossa realidade atual.

Aristóteles representou um avanço importante para a história da ciência, além de


fundar diversas das disciplinas científicas, observou a natureza de um ponto de vista
sistemático. As causas e explicações de que todas as coisas tendiam naturalmente para
um fim, e era esta a concepção teológica da época, que explicava a natureza de todos
os seres.

Considerando o período clássico o alicerce mestre da filosofia, surge a necessidade de


se citar a figura enigmática de Aristóteles, seu fundador mais renomado. Conhecido
pelos seus conceitos de método socrático, ironia socrática, e o fundador da ética, seus
conhecimentos perduram até os dias de hoje. Seu método permanece como uma
ferramenta comumente utilizada nas discussões e consiste em uma peculiar pedagogia
no qual uma série de questões é feitas. Seu objetivo não é apenas obter respostas
específicas, mas também encorajar uma compreensão clara e fundamental do assunto
discutido. Sua Ironia é presente em seus paradoxos, posições éticas defendidas que
vão contra a opinião comum, um exemplo é a frase: “Ninguém faz o mal
voluntariamente, mas por ignorância, pois a sabedoria e a virtude são inseparáveis.”.

Feito o prisioneiro liberto do mito da caverna, Aristóteles correu o risco de ser morto
por expressar seu pensamento e querer mostrar um mundo totalmente diferente, e
morreu como herege. Rompeu com o movimento sofista, um grupo de filósofos que
discursavam em público e ensinavam suas artes em troca de pagamento. Para os
sofistas tudo deveria ser avaliado segundo os interesses do homem. A máxima de
Protágoras: “O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto
são, das coisas que não são enquanto não são.” o que confronta as idéias de Sócrates
que contribuiu para que as pessoas se apercebessem da descoberta da evidência que é
a manifestação do mestre interior da à alma: “Conhecer-se a si mesmo seria conhecer
Deus em si.”.

É inegável que Sócrates é o “pai da ética”, ao dialogar com os sofistas refuta seu
relativismo moral em defender a identidade entre os interesses individuais e os
comunitários como único caminho para a felicidade, o que implica na valorização da
bondade e na busca do conhecimento. Pensa na ética como uma força transformadora
capaz de trazer felicidade a ambos, sociedade e indivíduo. Teve como objeto de estudo
o ideal de uma cidade moralmente perfeita na qual houvesse uma harmonia entre os
diversos interesses individuais e coletivos. Cabe aqui trazer essa ética ao presente
momento, o jogo de interesses políticos individuais do século XXI acerca dos usos dos
restantes recursos naturais existentes no mundo.

Para ilustrar sua grande importância e reconhecimento presente ainda hoje, seja no
campo da filosofia, ironia, metódica ou ética, Sócrates dá razões para crer na sua
imortalidade. No livro Fédon de seu discípulo Platão, ele comenta alegremente que no
outro mundo poderia fazer perguntas eternamente sem ser condenado a morrer,
porque era imortal. Inclusive para Allan Kardec, em sua obra O Evangelho Segundo o
Espiritismo, Sócrates e Platão são precursores da idéia cristã e do espiritismo.
"Mas eis a hora de partir: eu para morte, vós para a vida.
Quem de nós segue o melhor rumo ninguém o sabe,
exceto os deuses.” - Sócrates

O conceito de Natureza e as relações humanas e da filosofia desenvolvido pelos gregos


ao longo de todo o período em que floresceu a sua civilização, caracteriza-a como um
elemento fundamental para a compreensão do mundo e, sobretudo para a
compreensão de sua sociedade. Bessa,???? ressalta que o fenômeno de degradação
ambiental não foi um tema muito abordado naquela época. Os recursos não eram
escassos, e os sinais só foram notados em razão do crescimento populacional e a
necessidade de expansão territorial.

 Período medieval

O período medieval, considerado o espaço de tempo entre os séculos V e XV, fora um


época marcado por revoluções, mudanças no campo da ciência e principalmente pelo
teocentrismo. Destaca-se a Escolástica, um método de aprendizagem nascido nas
escolas monásticas cristãs que conciliava a fé cristã com um sistema de pensamento
racional. Seus estudiosos priorizavam a fé e seus pensamentos voltados a salvação da
alma, deixando os questionamentos da natureza em segundo plano. Aos poucos
aventureiros que desejavam investigar o mundo natural, tinham suas opções limitadas
pelo esquecimento do idioma grego, já em decaimento. Para o físico Frijot Capra, a
natureza sob o ponto de vista da ciência medieval baseava-se na razão e na fé, e sua
principal finalidade era compreender o significado das coisas e não exercer a predição
ou controle, considerando do mais alto grau as questões referentes à Deus, à alma
humana e à ética.

A fé que o homem depositava na ciência e nas grandes invenções provocou uma


grande transformação sobre o modo de viver. Naquele momento a natureza passou a
ser instrumentalizada e o desenvolvimento da técnica passou a ser predominante,
buscando seu próprio método desvinculando-se da reflexão filosófica. Assiste-se na
Europa uma série de inovações na gestão dos meios de produção, impulsionados por
um acentuado crescimento econômico e populacional. Destaca-se o desenvolvimento
do sistema de rotação de culturas de três campos para as plantações, o arado,
invenção do colar de cavalo, ferradura e a troca do boi pelo cavalo como animal de
tração.

Surge o heliocentrismo de Nicolau Copérnico, e o planeta Terra deixa de ser o centro


do universo assumindo a posição de planeta, considerado um ponto de partida da
astronomia moderna. Os estudos de Galileu Galilei permitiram uma fonte de
conhecimento para os estudos físicos, através dos primeiros estudos sistemáticos do
movimento uniformemente acelerado e do movimento do pendulo, lei dos corpos e o
principio da inércia, precursoras da mecânica Newtoniana.
 Idade Moderna

Após quase um milênio de medievalismo marcado por guerras, adversidades e


catástrofes, os séculos conseguintes, em destaque especial para o XVII, trazem uma
nova perspectiva pelo saber através da técnica. O período das novas descobertas, ou
como conhecido por período das grandes navegações, marcou a passagem do
feudalismo da idade média para a idade moderna e a busca por novas rotas de
comércio. E durante esse processo, a ascensão do humanismo, um importante motor
para o estímulo a pesquisa científica e intelectual.

Com esse pensamento renovador, Francis Bacon, um dos maiores pensadores àquele
momento, compreendia na ciência, o domínio de controlar a natureza, extraindo dela
tudo que pudesse oferecer, dessa forma o conhecimento é apenas um meio vigoroso
de conquista o poder sobre a natureza. Considerado o fundador da Ciência moderna,
Bacon, propõe a reforma do conhecimento em crítica à filosofia anterior, a escolástica,
por não apresentar resultados práticos para a vida do homem. Para ele, o
conhecimento científico tem por finalidade servir o homem e dar-lhe poder sobre a
natureza, estabelecer o imperium hominis (império do homem) sobre as coisas.
Destacou-se com sua principal filosofia, o Novum Organum, e ocupou posição de
ímpeto no campo da metodologia científica racional e empirismo.

A busca pelo saber através da própria técnica marca a revolução do pensamento


científico do século XVII. E foi René Descartes quem contribuiu fortemente na oposição
das relações entre Homem-Natureza. Naquele momento, em um mundo
antropocêntrico, para Descartes o homem era possuidor da natureza e todos os
conhecimentos úteis à vida. A Natureza passou a ser vista como um recurso, exposta
de forma a ser utilizada por todos os meios, para um fim. Nesse momento o homem se
apoderou dos recursos naturais sem limitações ou regras para conservação.

O pensamento de Descartes teve grandes conseqüências para a história do


pensamento ocidental, sua visão fragmentada e mecânica das estruturas vivas
perpassou a modernidade e continua impregnada no pensamento atual. Segundo
Capra, Descartes tinha como objetivo principal, usar seu método para formar uma
definição racional completa dos fenômenos naturais, em um sistema regido por
princípios mecânicos e matemáticos.

Em sua famosa obra, O discurso do Método, aplica o cartesianismo como fundamento


do conhecimento científico. A idéia de fragmentação da relação que o homem tem
com a natureza no pensamento moderno e propunha-se nesse método a substituir a
fé pela razão da ciência. Uma ruptura na forma de pensamento que abre precedentes
que são notados ainda nos dias atuais.

Tinha seu método fundamentado quatro preceitos básicos: o de nunca aceitar algo
como verdadeiro como tal sem que conhecesse claramente como tal. Repartir cada
uma das dificuldades que pudesse analisar em tantas parcelas quanto fossem possíveis
e necessárias para melhor solucioná-las. Conduzir por ordem os pensamentos,
iniciando pelos mais simples e fáceis, para elevar-se pouco a pouco, galgando degraus,
até o conhecimento mais composto. E por último, efetuar relações metódicas tão
completas e revisões gerais nas quais tivesse a certeza de nada omitir.

É verdade que não vemos em lugar algum demolirem todos os edifícios de uma cidade, com o
exclusivo propósito de reconstruí-los de outra maneira, e de tornar assim suas ruas mais belas;
mas vê-se na realidade que muitos derrubam suas casas para reconstruí-las, sendo ainda por
vezes obrigados a fazê-lo, quando elas correm o risco de cair por si próprias, por seus alicerces
não se encontrarem muito firmes. A exemplo disso, convenci-me de que não seria razoável
que um particular tencionasse reformar um Estado, mudando-o em tudo desde os alicerces e
derrubando-o para em seguida reerguê-lo; nem tampouco reformar o corpo das ciências ou a
ordem estabelecida nas escolas para ensiná-las; mas que, a respeito de todas as opiniões que
até então acolhera em meu crédito, o melhor a fazer seria dispor-me, de uma vez para
sempre, a retirar-lhes essa confiança, para substituí-las em seguida ou por outras melhores, ou
então pelas mesmas, após havê-las ajustado ao nível da razão.
(O discurso do método, p. 8)

Enquanto o pensamento de Descartes é fundamentado no exercício de domínio e


controle da natureza, Bacon busca uma reconciliação do homem com a natureza,
procurando restabelecer o paraíso perdido, embora sejam visíveis os traços de
elementos platônicos em seu pensamento físico. Onde ele descreve a natureza como
algo exterior a sociedade humana, retratando uma separação entre natureza e
sociedade, sendo a relação entre ambos, mecânica, ou seja, o homem dominaria a
natureza através das artes mecânicas. Ele já realizava de certa forma uma conexão
entre indústria e ciência, ou seja, as artes mecânicas a serviço da produção, visando
aumento da produtividade no processo de trabalho.

 Revolução Industrial

Em meados do século XVIII, a I revolução industrial se iniciou na Inglaterra e tomou


conta da necessidade do uso dos recursos cada vez em maior escala. A idéia de
natureza objetiva e exterior ao homem, a ciência centralizada. Assim a técnica retrata
a natureza apenas como um objeto a ser possuído e dominado. A revolução se alastrou
por toda a Europa e o progresso era sinônimo de sonho e vida nova.

A transformação ocorrida é percebida no aumento da produção e da produtividade,


que passa a ser o fator mais importante para que o método artesanal seja substituído
por máquinas mais rápidas que produzem mais e aumentam as margens de lucro.
Surgem inovações nos processos de produção têxtil, tais como fiação e tecelagem,
além da metalurgia. O desenvolvimento de máquinas-ferramentas e a substituição da
madeira e outros biocombustíveis pelo carvão

Como conseqüência desse movimento industrial, destaca-se a mobilidade urbana,


havia mais pessoas vivendo na cidade do que no campo. No entanto a condição de
vida dos trabalhadores como moradia e trabalho era polêmica. Por exemplo, a
presença de trabalho infantil, altos índices de depressão e suicídios.

Apesar do desenvolvimento tecnológico, cabe a crítica ao tipo de produção


desenvolvida, à da produção em massa em benefício do enriquecimento individual, um
desenvolvimento tecnológico sem reflexão.

Nesse momento vivido no mundo surge a figura de Karl Marx, que direciona seu
pensamento no sentido de que a natureza não pode ser conceituada como algo
exterior a sociedade. Nesse momento ainda não se falava de sustentabilidade, no
entanto Marx em outras palavras ressaltava a importância do consumo consciente e
de uma economia equilibrada, da justiça social e da manutenção da qualidade do meio
ambiente, sendo primordial na busca do elo entre natureza e sociedade. Esse assunto
polêmico que remete aos temas discutidos contemporaneamente, como as mudanças
climáticas devido ao aquecimento global que surgem no movimento ambiental dos
anos 1970.

 Período Contemporâneo

Nessa nova fase do processo de acumulação capitalista sua concepção surge


concomitante com a separação homem-natureza, esta que adquire um conceito
prático e utilitário, recurso natural, fonte de matéria-prima para a industrialização e
manufatura. Uma sociedade capitalista que justifica e sustenta o modo como
produzimos, vivemos e nos relacionamos com as questões da natureza.

Pode-se afirmar que o movimento ambiental que surge no final da década de 1960 e
inícios de 1970 é o ponto de partida para um novo pensamento acerca dos problemas
sócio-ambientais decorrentes de séculos de desenvolvimento sem planejamento.
Nesse momento nasce o sentimento de reflexão do uso da técnica a serviço do homem
no uso dos recursos naturais e suas conseqüências globais. O momento em que o
homem se vê em conflito com sua evolução tecnológica, principalmente o conflito
ético.

Consideração ética esta que esta inserida nos problemas mundiais como o crescimento
e urbanização desordenada das grandes metrópoles, desigualdades sociais, consumo
excessivo de recursos não-renováveis, redução da biodiversidade e alterações
climáticas.

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