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Direitos Humanos

José Alfredo

1. Introdução
Os direitos humanos encerram uma ideia de limitação, o que é facilmente
compreendido a partir das liberdades fundamentais do indivíduo, sobretudo os direitos
humanos de 1ª geração.
Há uma relação protetiva conferida ao indivíduo, principalmente na sua relação com o
Estado e na sua relação particular com outros indivíduos.
Essas liberdades não são totalmente protegidas, pois podem ser limitadas pelo Estado
na medida em que pareça necessário preservar os direitos fundamentais e humanos de outros
titulares ou particulares. Há um conceito clássico a respeito dos direitos humanos:

“DIREITOS HUMANOS REPRESENTAM AS REGRAS DO JOGO MÍNIMAS


QUE DEVEM SER RESPEITADAS PELOS GOVERNOS E PELOS
GOVERNADOS PARA QUE UMA VIDA DIGNA DESSE NOME SEJA
POSSÍVEL” (GUY HAARSCHER)

Outra característica dos direitos humanos é que, ao mesmo tempo, enfraquecem e


reforçam o Estado. Enfraquecem no sentido de limitar as suas tendências despóticas, mas
fortalece no sentido de que o Estado precisa ter a força necessária para proteger os titulares de
direitos humanos em face das possíveis violações de outros titulares de direitos humanos, ou
seja, violação de direitos humanos perpetradas por indivíduos.
Os direitos humanos podem se definir como uma certa concepção de legitimação do
poder, pois o poder só será considerado legítimo se e unicamente ele respeitar os direitos
humanos. Logo, os direitos humanos traduzem essa concepção de legitimação do poder
político.
Os direitos humanos estão ligados à filosofia individualista do início da modernidade,
pois a razão de ser da associação política é o indivíduo. O Estado não antecede ao indivíduo.
Este, com os seus direitos, é o fim do Estado. Vale dizer, a associação política não é um fim
em si mesmo, destinando-se a proteger o indivíduo.
Liga-se a concepção de direitos humanos à ideia de poder fundamentado no contrato
social.
O contratualismo do início da modernidade apresenta quatro pontos principais:
a) Estado de natureza: é uma ficção, que surge no discurso jus racionalista,
considerando o indivíduo sem ou antes de qualquer autoridade política (Estado). Trata-se de
um suposto, que homens e mulheres seriam livres e iguais, cada qual, no estado de natureza,
seria o seu próprio dono. É uma hipótese de organização do poder legítimo. O contrato social,
de fato, nunca existiu, mas serviu para legitimar o poder do Estado recém-formado, quer pela
teoria do poder divino, quer do contrato social.
Tudo se passa como se o poder tivesse sido instituído pelo contrato social, mas é uma
hipótese de organização do poder legítimo.
Não é apenas um contrato que garante os direitos humanos. Este Estado somente será
legítimo na medida em que ele respeite os direitos humanos.

b) Direito natural: haveria direitos anteriores ao Estado, que se manifesta no fato de o


poder político só ser legítimo se forem respeitados. Nos Estados contemporâneos, os
indivíduos dispõem de direitos e interesses subjetivos protegidos pela lei. Por serem
protegidos pela lei, são chamados de direitos positivos, vez que impostos pela autoridade
pública. Sem essa expressão de vontade do poder, estes direitos não existiriam, tendo em vista
que precisam da manifestação do poder.
A teoria contratualista advoga a existência de direitos pertencentes ao indivíduo que
surgem em razão da sua própria essência, da sua condição de ser humano.
Há uma discussão infinita e insolúvel de que o direito positivo está subordinado ao
direito natural, pois haveria uma transição do Estado de natureza para o Estado político. Os
direitos que surgem no contexto do jusnaturalismo são marcadamente nebulosos, e o advento
das categorias jurídicas foi de extrema importância para o reconhecimento dos direitos
humanos, que ficaram mais evidentes.
Atribuir aos direitos humanos a uma nebulosa essência humana significaria um
retrocesso, uma vez que, hoje, temos categorias jurídicas reconhecendo esses direitos,
cumprindo o seu processo histórico.

c) Contrato social: é uma ficção e um discurso de legitimação dos recentes Estados


formados.. Somente se passa do Estado de Natureza ao Estado político pelo viés de uma
convenção, pois o direito natural, para ser garantido e se realizar, precisa da autoridade que a
sociedade política traz, determinando a obediência às regras políticas. Por outro lado, uma tal
sociedade somente pode emergir a partir de um acordo de indivíduos racionais (racionalidade).
Apenas indivíduos racionais podem acordar uma sociedade política, de modo que o
poder somente é instituído com objetivo determinado: o de melhor garantir os direitos
naturais, não em si mesmo, mas com estes positivados em categorias jurídicas.
Somente o contrato e o seu respeito, tendo como fim o indivíduo, é que se legitima o
poder. Um Estado que não respeite as cláusulas da convenção inicial, será um Estado
ilegítimo, o que gera o direito de resistência à opressão do Estado, que é um direito natural.

d) Racionalismo: os direitos naturais eram reconhecidos por evidência, por todo o


indivíduo poder realizar a sua razão, ao passo que o direito positivo é produto de uma vontade,
do poder, de uma maioria democrática.
Esta forma de reconhecer os direitos naturais a partir de uma evidência (pela realização
da razão) é o que explica a universalidade do direito natural, diferente do direito positivo, que
é fruto de um poder.
A universalidade do direito natural decorreria da presença da faculdade racional em
todo ser humano.
Os direitos humanos se dirigem ao indivíduo independente dos seus enraizamentos
particulares, para além das. regras positivas impostas pelo Estado.

Há muitos autores que defendem que os direitos naturais prevalecem sobre os direitos
positivos.
O contratualismo aponta para o primado da razão, do indivíduo e da universalidade,
que está ligada a um certo cosmopolitismo, que se sobrepõe a toda autoridade positiva, ou
seja, o poder do Estado, e ao humanismo, ou seja, direitos de todo homem.
Em outras palavras, esse contratualismo do início da modernidade culminou com o
primado da razão, com o primado do indivíduo e da universalidade, ligada a um certo
cosmopolitismo (afastamento dos enraizamentos particulares) e ao humanismo.

2. Teoria Geral dos Direitos Humanos

2.1. Avaliação doutrinal

Temos 3 momentos em uma linha evolutiva dos direitos humanos, que foram
consagrados por Norberto Bobbio, embora não tenha sido por ele formulado. A partir dos
caros valores religiosos e morais, chegamos a parâmetros e comandos jurídicos, sempre mais
articulados, a partir da positivação até os valores internacionais válidos e interplanetários para
cada cidadão do mundo, para cada habitante da civitas maxima.
Os direitos humanos são direitos históricos, que surgem no início da modernidade
junto à concepção individualista de sociedade (Bobbio).
O problema de fundo dos direitos humanos não é tanto aquele de justificá-lo, mas de
protegê-lo (Bobbio). Não é um problema filosófico, mas um problema jurídico ou político.
O ponto principal que devemos enfrentar é que as normas de direitos humanos não
possuem a chamada vis coactiva, mesmo as decisões dos Tribunais internacionais, que
dependem que as suas decisões sejam cumpridas pelo Estado. Os direitos humanos possuem
apenas a vis directiva. Em outras palavras, tudo que é aceito pela comunidade internacional
repousa sobre o conceito de soberania.
Esquematicamente, são os seguintes os momentos:
1) Momento da positivação
2) Momento da generalização
3) Momento da internacionalização

2.2. Fundamentos dos direitos humanos


O professor Bobbio considera que a busca de funamento absoluto de direitos humanos
é infundada. A expressão direitos humanos é muito vaga, e a maioria das suas definições são
tautológicas. Assim, define-se como os direitos que cabem ao ser humano, que nenhum ser
humano pode ser despojado. Em linhas gerais, é um estatuto desejado ou proposto (não
versando sobre o conteúdo, o que o torna muito vago).
Há quem atribua referência ao conteúdo, mas não se pode deixar de introduzir termos
avaliativos, como a condição necessária para o aperfeiçoamento ou desenvolvimento da
pessoa humana, da civilização.
Ademais, os termos avaliativos são interpretados de maneira diversa, conforme a
postura do intérprete.
O Norberto Bobbio realça que esses termos avaliativos poderiam ser interpretados de
maneira diversa conforme a ideologia assumida pelo intérprete (convicções filosóficas,
influência religiosa etc).
É uma busca estéril, segundo Bobbio, pois o fundamento de direitos, que são
condições de realização de valores últimos, não se justificam, mas se assumem. Por ser um
valor último, não há qualquer fundamento.
Os valores últimos são antinômicos, de modo que não podem ser realizados
globalmente e ao mesmo tempo, pois exige renúncias recíprocas para a sua realização,
entrando em jogo as preferências políticas, orientações ideológicas etc.
Não há como discutir os fundamentos dos direitos humanos se ainda não construímos
uma definição precisa. Ademais, é uma classe variável, conforme o processo histórico
demonstra de forma suficiente.
O elenco dos direitos humanos se modificou e continua a se modificar em razão das
condições históricas, das classes no poder, das transformações técnicas etc. Desse modo,
novas pretensões surgirão, como foi o caso da bioética (não existente no período pós 1ª
guerra).
Assim, não existem direitos humanos por natureza. O que é fundamental em uma
determinada época histórica ou civilização não é fundamental em outra época ou cultura.
Não é possível atribuir um fundamento absoluto a direitos historicamente relativos
(Bobbio).
A classe dos direitos humanos é também heterogênea, bastando verificar a declaração
universal de direitos humanos (direitos civis e políticos, econômicos e sociais etc), o que
impede identificar ou falar em fundamento, mas em funamentos, em razão da heterogeneidade
dos direitos humanos.
Os direitos possuem uma eficácia bastante diversa. Os direitos civis e políticos não
possuem a mesma eficácia e mecanismos de aplicação que os direitos econômicos, culturais e
sociais. A comunidade aceita muito mais a violação destes do que daqueles. Direitos com
eficácia tão diversa não podem ter o mesmo fundamento.
Ainda, a ideia de fundamento absoluto não convive bem com a possibilidade de
restrição a direitos humanos ou fundamentais. Isso porque o fundamento absoluto não
justificaria de forma válida a restrição aos direitos humanos e fundamentais.
A doutrina germânica reconhece, sobretudo a partir dos estudos do Alexy, a restrição
aos direitos fundamentais.
A teoria externa admite restrições aos direitos fundamentais por condicionantes
externos, ou seja, outros direitos fundamentais ou outros bens consagrados
constitucionalmente. Delimitado o âmbito de incidência máximo, essa teoria indica que é
possível restringir esse âmbito máximo de incidência por condicionantes externos,
socorrendo-se do princípio da ponderação de interesses e da proporcionalidade.
A teoria interna não admite a restrição de direitos fundamentais por condicionantes
externos, mas apenas pelo âmbito de incidência máximo do direito.
O resultado final pode ser o mesmo, mas a construção retórica é o mesmo.
Ex. Um artista quer exercer a liberdade de expressão artística no meio de um
cruzamento. A teoria interna indica que não integra o âmbito de incidência da liberdade de
expressão artística, ao passo que a teoria externa diria que há outros bens juridicamente
protegidos, que precisam ser protegidos. O resultado é o mesmo, mas o caminho retórico é
diferente.
O fundamento absoluto não justificaria a limitação diante de outro direito fundamental
ou direitos humanos.
No entanto, os tratados de direitos humanos trazem hipóteses de suspensão dos direitos
consagrados nesses tratados.
Precisamos reconhecer nos direitos humanos a dificuldade que implicará a assunção de
um tratamento absoluto desses direitos.
Dois direitos fundamentais antinômicos não podem ter fundamento absoluto, de forma
que não poderiam ser harmonizados.
É uma ilusão esta ideia de fundamento absoluto, vez que impede a introdução de novos
direitos, que seja total ou parcialmente incompatíveis com aquele que tem caráter absoluto.
Ademais, pode servir como pretexto para a defesa de posições conservadoras.
O problema fundamental em relação aos direitos humanos em 1964 e hoje, não é tanto
de justificá-los, mas o de protegê-los, dar efetividade ao catálogo de direitos humanos,
consagrado nas Constituições e diversos Tratados internacionais. É um problema jurídico ou
político, e não filosófico (segundo Bobbio).
A nossa tarefa não é justificar os direitos humanos, mas, em cada caso concreto,
convocar os vários fundamentos possíveis, e não um fundamento absoluto e sublime, uma vez
que o problema não pe filosófico, mas jurídico e, em um sentido mais amplo, político. Não se
trata saber quanto ou quais são esses direitos, se são absolutos ou relativos, se são históricos,
naturais, positivos, mas impedir que, apesar de toda normatização, eles sejam continuamente
violados. Este é o nosso desafio.
Bobbio entende que não é necessário se preocupar com o fundamento dos direitos
humanos, que já está definido desde a declaração universal de direitos humanos de 1948
(aprovado pela ONU), em que se institui sistema de valores e, pela primeira vez na história,
um sistema de valores universal. Identifica-se um consenso entre os Estados para dirigir seus
objetivos e promover a dignidade humana.
Após esta declaração, tem-se a certeza de que a humanidade compartilha valores
comuns, de modo que se pode crer na universalidade de valores historicamente legítima.
Universal não é algo dado objetivamente, mas subjetivamente compartilhado e
acolhido por todos os seres humanos.
Na história da formação de direitos, podemos distinguir 3 fases, identificando-se uma
4ª fase:
A especificação desses direitos nasce como teorias filosóficas (abstração), e quando
acolhidas por um legislador por meio das declarações de direitos – Declaração de Virgínia
(1776) e a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (1789). Esses documentos
refletem uma nova concepção de Estado, que passa a ser limitada, e não existindo como um
fim em si mesmo, mas para alcançar aqueles fins existentes antes da sua própria existência.
Busca-se a construção de um sistema de direitos efetivos e não de uma aspiração moral,
assumindo a forma de direitos positivos ou efetivos. É o momento da positivação.
Passa-se da teoria à prática, ou seja, os direitos humanos ganham em concreticidade,
mas perdem em universalidade.
Nesse momento, esses direitos valem apenas no âmbito do Estado que os reconhece. A
positivação está restrita.
Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, tem início uma terceira e
última fase, na qual a afirmação dos direitos humanos é, ao mesmo tempo, universal e
positiva, pois há um tratado fruto de consenso da comunidade internacional e está consagrada
em um documento. Os destinatários dos princípios nela contidos são todos os seres humanos,
e não mais as pessoas de um ou outro Estado. Os direitos humanos devem ser efetivamente
protegidos até mesmo contra o arbítrio do Estado, não mais significando uma mera
proclamação. É a fase da internacionalização.
A DUDH de 1948, a partir de uma perspectiva dialética, representa uma síntese, pois
começa com a universalidade abstrata dos direitos naturais, transfigura-se na particularidade
concreta dos direitos positivos, e termina na universalidade concreta dos direitos positivos
universais (Bobbio). Em outras palavras, verificamos as 3 fases em um único documento
político.
A DUDH de 1948 foi algo mais do que um sistema doutrinário, porém menos do que
um sistema de normas jurídicas.
Quando os direitos humanos eram considerados unicamente naturais, a única defesa
possível era pelo direito igualmente natural (direito de resistência). Posteriormente, nas
Constituições que reconheceram a proteção jurídica de alguns desses direitos, o direito de
resistência possibilitou a propositura uma ação judicial contra os próprios órgãos do Estado.
E os Estados que não reconhecem a proteção dos direitos humanos? O direito de
resistência foi ampliado, pois somente a extensão da proteção de alguns Estados para todos os
Estados, e, num plano mais alto, para a comunidade internacional, torna-se um direito por
todos compartilhados.
A DUDH é um documento importantíssimo, na medida em que consagra os direitos
positivos universais.

2.3. Os direitos humanos são direitos históricos?


Segundo Bobbio, sim, na medida em que emergem gradualmente da luta do homem.
A própria noção de direitos humanos faz pensar em homem abstrato, que é essencial e
eterno. Mas Bobbio propõe uma outra leitura, afirmando que pertencem ao homem concreto,
que tem necessidades especiais, em razão da idade ou condições de saúde, ou como grupo
perseguido (etc), que estão no processo histórico. Com isso, compreende-se que os direitos
humanos não são produto da natureza, mas da civilização enquanto direitos históricos, daí por
que são mutáveis.
O desenvolvimento dos direitos humanos passou por 3 fases.
Em um primeiro momento, afirmou-se o direito de liberdade (1ª geração), ou seja, os
direitos que tendem a limitar o poder ou ingerência do Estado na esfera individual (direitos
negativos). É a liberdade em relação ao Estado.
Em um segundo momento, foram propugnados direitos políticos, concedendo
liberdade não apenas negativa, mas também como autonomia, o que tem como consequência a
participação mais ampla dos membros de uma comunidade no poder político. É a liberdade
no Estado.
Finalmente, foram proclamados os chamados direitos sociais, que expressam o
amadurecimento de novas exigências ou valores, como o bem-estar, a igualdade (formal e
material). É a liberdade por meio do Estado.
Os direitos elencados na DUDH não são os únicos e possíveis do ser humano, mas do
homem histórico, pois esta foi a vontade concebida após as atrocidades das 2 grandes guerras.
São os valores fundamentais da 2ª metade do século XX.
Se, por um lado, a DUDH é a síntese do passado; é a inspiração para o futuro.
Mas as suas tábuas não foram gravadas para sempre, pois os direitos humanos são
históricos. A comunidade histórica foi aperfeiçoando o conteúdo da DUDH, atualizando,
especificando, de modo a não enrijecê-la de forma solene e vazia, sem excluir o processo de
sua juridicização por meio dos Pactos de Direitos Civis e Políticos, bem como os Pactos
Econômicos, Sociais e Culturais.
Exemplo disso é a Convenção sobre os direitos políticos da mulher, Convenção para
proteção da criança; Declaração para eliminação de toda discriminação racial; prevenção do
genocídio.
Desenham-se direitos de novos grupos, povos e nações, sendo aperfeiçoado o conteúdo
da DUDH.
A guisa de conclusão podemos aduzir que após a universalização abstrata dos direitos
naturais, seguida da positivação dos direitos naturais, a DUDH representou, ao mesmo tempo,
o universal e o positivo, assumindo a universalidade concreta. Após, houve um processo de
especificação contínua do conteúdo da referida declaração.
A comunidade internacional ainda está fundada na ideia de soberania, o que significa
que não temos uma vis coactiva de respeito aos direitos humanos, mas uma vis directiva.
Duas condições devem ser observadas: a autoridade de quem exerce a vis directiva, de
modo que as decisões emanadas pelos Tribunais possam ser respeitadas. Ainda, os argumentos
da força para serem válidos, devem ser dotados de razão.
Os Estados reconhecem as decisões dos Tribunais, mas não as cumpre.
Após a segunda guerra, com a generalização dos direitos humanos e a intensificação da
relação entre os Estados com os organismos internacionais, ainda assim predomina a vis
directiva, uma vez que a comunidade internacional está assentada na soberania.
Quando não se consegue usar sequer a vis directiva, o resultado é uma proteção
insuficiente. O desprezo do Estado em relação aos direitos humanos também significa escasso
respeito à autoridade internacional no plano externo.
As atividades implementadas pelos organismos internacionais em matéria de direitos
humanos podem ser consideradas sob três aspectos:
a) promoção: cuida-se do conjunto de ações que são direcionadas com duplo objetivo,
via de regra: induzir os Estados que não tem conjunto de regras para proteção dos direitos
humanos a introduzi-la; e induzir os que já tem disciplina específica a aperfeiçoá-la, seja em
relação aos procedimentos ou ao número e qualidade dos direitos humanos protegidos.
b) controle: entende-se que se traduz como um conjunto de medidas que os vários
organismos internacionais põem em movimento para verificar se e em que grau as
recomendações e convenções foram acolhidas e respeitadas.
No Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e no Pacto Internacional de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, existem dois modos de exercer o controle: o
relatório, em que cada Estado signatário se compromete a apresentar sobre as medidas
adotadas para proteger os direitos humanos, de acordo com o próprio Pacto; e os comunicados
ou comunicações, com os quais o Estado-membro denuncia que o outro Estado-membro não
cumpriu as recomendações.
c) garantia: é a organização da organização jurisdicional de tutela dos direitos humanos
no âmbitos dos Tribunais Internacionais.
2.4. Os direitos humanos são absolutos?
Os direitos humanos ou fundamentais precisam coexistir de forma harmônica e
pacífica com outros direitos humanos e fundamentais, o que impõe restrições.
Os direitos fundamentais na sua dimensão subjetiva orientam os seus titulares em
determinados comportamentos.
A partir do reconhecimento da dimensão objetiva, compreende-se as restrições dos
direitos fundamentais, o dever de proteção, a eficácia transcendental ou irradiante dos direitos
humanos ou fundamentais (para outros ramos do direito) etc.
Bobbio tratou dessa questão, entendendo que o valor absoluto conferido aos direitos
humanos, cabe a pouquíssimos direitos humanos, o que traduziria direitos válidos para todos
os homens e em todas as situações.
Na maior parte dos casos, será necessário renúncias recíprocas, sendo excepcional o
caráter absoluto.
O direito de não ser escravizado é um direito humano absoluto, assim como o direito
de não ser torturado, segundo o professor Norberto Bobbio. Mesmo em caso de terrorismo,
esses direitos devem prevalecer, sendo condenadas pela comunidade internacional em seu
conjunto.
Bobbio afirma que os direitos fundamentais são relativos, em regra, pois a tutela desses
direitos encontra, em certo ponto, limite insuperável ante a tutela de outro direito igualmente
fundamental.
Será necessário estabelecer a limitação de um direito em relação ao outro, mediante
concessões recíprocas.
Bobbio denomina de “liberdade” os direitos pelos quais o Estado não intervém
(direitos de 1ª geração), e de “poderes” aqueles que exigem a intervenção do Estado para a sua
efetivação. Com frequência, não são complementares ou incompatíveis para Bobbio. Cançado
Trindade, ao contrário, reconhece uma complementariedade desses direitos.
Nem tudo que é perseguível, é realizável em matéria de direitos humanos, que
dependem do implemento de condições objetivas; isto é, não dependem da boa vontade dos
que proclamam direitos e dos que se propõem a protegê-los. O Estado deve garantir, no
mínimo, o núcleo essencial desses direitos.
A efetivação de uma maior proteção dos direitos humanos, segundo Bobbio, está
ligado a um maior desenvolvimento global da civilização humana, não podendo ser isolado,
sob pena de não desenvolvê-lo e sequer compreendê-lo em sua dimensão.
O problema dos direitos humanos anda conjuntamente com os problemas dos nossos
tempos, que, hoje, é principalmente a intervenção armada, restringindo-se direitos humanos
sob o pretexto de combate ao terrorismo.

3. Direitos humanos no processo histórico (Afirmação histórica dos direitos humanos)


Há uma separação quase absoluta entre duas épocas: uma anterior à Declaração de
Virgínia (12 de junho de 1776) e a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (26 agosto
de 1789), com a posterior constitucionalização ou positivação dos direitos humanos.
O período anterior era marcado por uma cegueira dos direitos humanos.

3.1. Antiguidade
Platão e Aristóteles reconheceram o Estatuto da escravidão como algo natural, pois
somente um pequeno número de homens, especialmente qualificado, possuía o saber da gestão
do Estado (Platão). Aristóteles defende a condição natural do escravo.
O pensamento sofístico é uma exceção, pois, a partir da natureza biológica ou comum
a todos os seres humanos, aproxima-se da tese da igualdade natural e da ideia de humanidade.
O pensamento estóico também é uma outra exceção, pois o princípio da igualdade
assume papel proeminente, na medida em que se funda no fato de que todos os homens se
encontram no nomos unitário que os converte em cidadãos do grande Estado universal.
Aqui, de forma bastante incipiente, já há uma ideia de universalização dos direitos
humanos. No entanto, a ideia de igualdade dos homens estava assentada em uma dimensão
individual e cosmológica, não ultrapassando o plano filosófico para se converter em categorias
jurídicas.

3.2. Idade Média


As concepções cristãs, especialmente o direito natural Tomista (São Tomás de Aquino),
ao distinguir lex divina de lexe natura e lex positiva, abriram caminho para a necessidade de
submeter o direito positivo às normas jurídicas naturais, fundadas na própria natureza humana.
Era a própria consciência humana que aquilatava a congruência entre o direito positivo
com o direito divino.
No final da Idade Média, inicia-se o processo de secularização do direito natural, ou
seja, a retirada do universo religioso, pela teoria dos valores objetivos da Escola espanhola
(Francisco de Vitória, Vasques) que substituiu a vontade divina pela natureza ou razão das
coisas, e deu origem a uma concepção secular do direito natural, que posteriormente foi
desenvolvida por Grocius, John Locke e outros autores do jusnaturalismo.
As Cartas de franquia (ou forais), que eram as cartas conferidas pelos reis aos vassalos,
também tem bastante importância. A mais célebre destas cartas foi a Magna Carta de 1215.
Não representou a manifestação de direitos fundamentais, mas, sim, dos direitos corporativos
da aristocracia feudal em favor do seu suserano.
Todavia, a Carta de 1215 fornecia abertura para a transformação de direitos
corporativos em direitos humanos.
O art. 39 da Magna Carta, por exemplo, consagra o princípio do devido processo legal
(já foi objeto de prova do TRF 2ª Região).
Há um vigor irradiante para futuros documentos, como a Peition of Rights, Petição de
Habeas Corpus etc.

3.3. Início da Modernidade


Houve uma série de transformações: Humanismo e Renascimento, Monarquia
Absolutista, Reforma e Contra-Reforma etc.
A queda da unidade religiosa da cristandade católica deu origem às aparições de
minorias religiosas que defendiam a liberdade de culto, de manifestação da verdadeira fé.
Postulava a ideia de tolerância religiosa e a proibição de o Estado impor ao foro íntimo uma
religião oficial.
Tamanha é a importância desses movimentos que Jelinek considera que a verdadeira
origem dos direitos humanos está na luta pela liberdade religiosa.
No entanto, deve-se ter cuidado com este discurso, pois, neste momento, o que
predominava era a defesa de tolerância religiosa para credos diferentes. Não havia a ideia
clara de liberdade religiosa e de culto como direito inalienável do cidadão.
Locke, a partir da ideia de contrato social, reage contra a estrutura de Estado
absolutista, o que faz surgir nesse contexto a reação contra a falta de liberdade política da
burguesia. Com isso, constitui-se um dos principais fatores a partir da luta pelos direitos
humanos.
A teoria contratual conduz à defesa da autonomia privada, cristalizada em 3 direitos: à
vida, à liberdade e à propriedade. É o que se chama de individualismo possessivo, que
germina na teoria liberal dos direitos humanos, sobretudo nos direitos de 1ª geração.
Essas concepções influenciaram decisivamente a teoria liberal dos direitos humanos,
sobretudo os direitos de 1ª geração ou de defesa.
Locke se rebela contra a absolutização do poder, havendo uma burguesia próspera,
insatisfeita com a falta de liberdade política e desejosa pela afirmação de direitos humanos, o
que leva muitos a concluírem que nós consagramos direitos burgueses.
Por outro lado, a luta das classes trabalhadoras e as teorias socialistas, sobretudo a obra
de Marx, foram importantíssimas para consagrar novos direitos.
A questão judaica também combateu a unidimensionalização egoísta dos direitos
humanos de 1ª geração, e a necessidade de complementar ou substituir os tradicionais direitos
do cidadão burguês pelos direitos de um homem total, o que somente seria possível em uma
nova sociedade.
Cançado Trindade identifica que há uma relação de complementariedade / coexistência
integrada entre direitos de 1ª, 2ª e 3ª gerações.
Apesar disso, a sociedade tolera muito mais a violação de direitos sociais do que civis
e políticos.

4. A Era dos direitos


O problema dos direitos humanos vem de longa data, pelo menos desde o início da
modernidade, em que se difunde várias doutrinas jusnaturalistas e declarações de direitos
humanos, consagradas nas Constituições dos Estados vitoriosos nas revoluções liberais.
Apesar desse problema ter sido discutido desde o início da modernidade, somente após
a 2ª guerra, houve a sua internacionalização, envolvendo, pela primeira vez, todos os povos.
Reforça-se o processo de afirmação dos direitos humanos (Gregório Barbas), com a
positivação dos direitos humanos e a sua internacionalização.
O jusnaturalismo fez do indivíduo o ponto de partida, e não mais a sociedade, criando
um direito moral. Sob muitos aspectos representou a secularização da ética cristã.
Locke foi o principal inspirador dos primeiros legisladores dos direitos humanos. O
estado natural era o de total liberdade, em que se podia dispor das próprias posses e das
pessoas conforme aprouver, nos limites da lei de natureza, sem depender da vontade de
qualquer outro.
A doutrina dos direitos naturais pressupõe uma concepção individualista da sociedade.
Contrapõe-se à visão organicista, que prevalecia até o momento, segundo a qual a vontade do
Estado determinava a vontade dos indivíduos.
Hobbes apresenta uma resistência organicista, uma vez que os indivíduos não possuem
ligações recíprocas, e estão fechados em suas esferas de interesse, em contradição com os
interesses de todos os outros. Vê o Estado como um corpo ampliado, um homem artificial,
sendo o soberano a alma; o magistrado, as articulações; as penas e os prêmios, os nervos.
A concepção individualista significa que, primeiro, vem o indivíduo singular, que tem
valor em si mesmo, e depois vem o Estado.
O fim da associação política é o indivíduo. O Estado é feito pelo indivíduo, e não o
contrário.
Primado do direito sobre a obrigação: é um traço característico do direito romano, mas
trata-se de direito que compete ao indivíduo como sujeito econômico, titular de direitos sobre
as coisas, capaz de intercambiar bens. Esta visão está ligada com um indivíduo como sujeito
econômico.
Somente com o advento do Estado de Direito é que se supera o reconhecimento dessas
esferas jurídicas das relações econômicas interpessoais por relações de poder entre o príncipe
e os súditos a partir de direitos públicos subjetivos, que devem ser opostos ao Estado.
Desde o seu primeiro aparecimento nos idos do século XVII/XVIII, a doutrina dos
direitos humanos evolui bastante. Contudo, o objetivo de formar sociedade livre, justa e
igualitária, que reproduziria o estado de natureza, é utópica, precisamente porque não
podemos alcançá-la.
Etapas foram alcançadas, não podendo se retroceder.
Por fim, além do processo de conversão em direito positivo, de generalização e de
internacionalização, manifestou-se a tendência que Bobbio chama de especificação, que
consiste na passagem gradual para ulterior determinação dos sujeitos titulares de direito.
A especificação ocorreu em relação ao gênero (mulher), fases da vida (infância, velhice
e homem adulto), existência humana (doenças), reconhecendo-se as diferenças específicas
entre os seres humanos, de modo a consagrar direitos diferenciados para os doentes mentais,
mulheres, crianças etc.
A proteção efetiva dos direitos humanos se torna mais ineficiente a medida que as
pretensões aumentam.
Portanto, os direitos sociais são mais difíceis de se proteger do que os direitos de
liberdade, porque para a satisfação dos direitos sociais precisa-se de outros pressupostos que
não estão presentes para a satisfação dos direitos civis.
A proteção internacional é mais difícil do que em um Estado de Direito.
Ainda, o debate sobre os direitos humanos deve ser visto como um sinal do progresso
moral da sociedade, que não se mensura pelas palavras, mas pelos fatos.

Terminologia
Há uma grande confusão terminológica na definição dos direitos humanos, sejam elas
teóricas ou normativas.
Os contratualistas (Grocius, Kant e Locke) falavam em direitos naturais ou inatos ou
originários para destacar a precedência ao pacto social e à associação política e denotar a sua
natureza humana.
A expressão “direitos humanos” ou “direitos do homem” aparece nos escritos
revolucionários modernos, embora seja registrado em 1537 de forma episódica, na iura
omnium. Os positivistas do século XVIII preferiam a expressão “liberdades públicas ou
individuais”. Na Alemanha, preferia-se “direitos fundamentais”.
A DUDH de 1948 retomou o termo direitos humanos, sendo comum a tentativa de
distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais.
Normalmente, fala-se que os direitos humanos são discussões que ocorrem no plano
filosófico, ao passo que direitos fundamentais ocorreria no plano jurídico. O termo direitos
humanos é muito usado nos documentos internacionais. São sedimentações da consciência e
das experiências históricas, axiológicas e jurídicas do homem.
Os direitos fundamentais são juridicamente válidos em um determinado ordenamento
jurídico ou que se proclamam invioláveis no plano interno. São direitos humanos de um
Estado.
Na França, o termo direitos fundamentais ganha um número grande de adeptos, pela
influência dos germânicos, mas continua usando o termo “liberdades públicas”, apesar da
imprecisão terminológica.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 fazia distinção entre
direitos do homem e do cidadão. Os primeiros são direitos naturais pertencentes ao homem
enquanto homem e anteriores ao Estado. É a liberdade dos modernos. Os segundos,
identificados como direitos civis e políticos, eram as liberdades já conhecidas na Antiguidade.
Nos EUA usava-se a expressão direitos naturais ou direitos inalienáveis como se lê na
declaração de virgínia, sendo recorrentes os termos liberdades civis ou individuais,
equivalente a direitos individuais.
A Constituição do Império positivou originariamente os direitos humanos sob o rótulo
de direitos civis ou individuais e políticos. Pontes de Miranda passou a empregar o termo
direitos individuais, por influência germânica, mas estes direitos eram somente aqueles que
valiam perante o Estado.
A Constituição de 1988 optou pelo termo “direitos e garantias fundamentais”, de modo
a incluir também os direitos coletivos.
Há autores que preferem “direitos fundamentais”, em razão da imediata referência à
fonte em que esses direitos são consagrados na ordem constitucional, reduzindo a zona de
indeterminação semântica, fazendo remessa à fonte positiva.
O professor José Sampaio (reinvenção da jurisdição constitucional) afirma que essa
terminologia variada tem o condão de engessar a utilização do potencial emancipatório dos
direitos humanos.
As concepções materiais sobre os direitos humanos procuram formular um sentido
para a expressão “direitos humanos” que se vincule ao conteúdo desses direitos.
Nessa perspectiva, podemos identificar 3 espécies:
a) positivista: incluem o núcleo do significado no direito posto, ou seja, os direitos
humanos precisam ser reconhecidos pelo direito.
b) não positivista: identificam os direitos humanos com aspirações morais ou
necessidades humanas maiores.
c) eclética: procura conciliar a dimensão jusnaturalista transcendental com a dimensão
positivista. Os valores são definidos pela sua historicidade, como a dignidade, liberdade,
igualdade etc., que devem ser positivadas, pois que hão de ser reconhecidas pela ordem
jurídica interna e internacional.
Os direitos humanos podem ser analisados em uma concepção formal, que se preocupa
em definir a estrutura lógica dos direitos, sem se preocupar em definir qual seria o seu
conteúdo.
Os jusnaturalistas do início da modernidade costumavam definir os direitos naturais
como inatos, inalienáveis, originários, universais e pré-estatais. Muitos autores ainda atribuem
estas características aos direitos naturais.
A universalidade é a marca estrutural dos direitos naturais, entendida puramente no
sentido lógico ou “avalorativo”, de atribuição a todos os homens.

As gerações de direito de Karel Vasak


É a clássica divisão em 1ª, 2ª e 3ª geração, concebida em 1979, no Instituto
Internacional Estrasburgo, por Karel Vasak.
A generalização dos direitos compreende uma série de processos de naturezas distintas:
histórica, teórico-filosófica e jurídica.
A perspectiva jurídica realça a sua positivação definitiva no temário constitucional e
nas convenções internacionais.
Ademais, o reconhecimento e a proteção aos direitos humanos, sobretudo a partir da 2ª
Guerra Mundial, passou a exigir respostas internacionais que transformou o direito até então
existente em um direito também reconhecedor da subjetividade jurídica do indivíduo.
Desenvolveu-se, desde então, o chamado direito internacional dos direitos humanos,
que deixam de ser de natureza doméstica para se converter em necessidade constante e
indeclinável da comunidade internacional.
Essas gerações de direitos, propostas por Vasak, visam compreender essa afirmação
histórica.
Os direitos de 1ª geração são as liberdades, que impõem uma abstenção do Estado; são
os direitos negativos. Os direitos de 2ª geração impõem um fazer; são os direitos positivos; de
realizar os direitos sociais, econômicos e culturais. Os direitos de 3ª geração surge após a 2ª
guerra e traduzem os direitos de fraternidade.
O professor Cançado Trindade traz algumas críticas enfáticas a esta classificação, que
ele chama de fantasia das chamadas gerações de direito. Seria uma visão atomizada e
fragmentada, trazendo uma noção simplista, que é um desserviço ao pensamento mais lúcido a
inspirar a evolução dos direitos internacionais dos direitos humanos. Estes não se sucedem ou
se substituem uns aos outros, mas se expandem e se acumulam, interagindo os direitos
individuais e sociais.
Desse modo, uma geração não supera a outra, como se pode parece com a classificação
de Vasak. Antes disso, os direitos humanos se fortalecem, pois são indivisíveis.
Por outro lado, o reconhecimento desses direitos somente leva em consideração o
contexto histórico europeu.
Os direitos humanos são complementáveis, justiciáveis e indivisíveis na sua
integralidade.

Banalização das gerações de direitos humanos


Há uma hipertrofia nas 4ª e 5ª gerações. Podemos identificar, no mínimo, 3 correntes
quanto aos direitos de 4ª geração:
1ª corrente (Balbini, Mária de Fátima, Carlo): os direitos de 4ª geração seriam
desdobramento da 3ª geração, com destaque para a vida permanente e saudável na e da Terra,
compondo os direitos intergeracionais a uma vida saudável ou a um ambiente equilibrado. Um
dos marcos é a Declaração do Rio de 1992 e a Declaração de Estocolmo de 1972. São
restrições aos avanços da ciência, especialmente no campo da biotecnologia.
2ª corrente (Paulo Bonavides): propõe uma efetiva participação do cidadão que
alargaria as fronteiras democráticas. Utiliza-se os mecanismos de comunicação para
aprofundar a participação política.
3ª corrente (S. Peterson): sustenta o direito das mulheres, porque consideram que os
direitos humanos sempre foram dos homens enquanto gênero opressor.
Os direitos de 5ª geração são direitos ainda a serem desenvolvidos e articulados, mas
que tratam do cuidado, da compaixão, do amor, por todas as formas de vida, integrando o
indivíduo como pertencente ao cosmos, e carente de sentimentos de amor e de cuidado (Majid
Tehrarian).
Há muitas críticas em torno dessa banalização.
Primeiro há uma boa vontade em aumentar as gerações, mas, ao mesmo tempo, há uma
ameaça em enfraquecer os direitos humanos em geral.
Em matéria de direitos humanos, toda confusão serve aos déspotas e, quanto mais
vagas as reivindicações, mais fluidos os limites que podem impor. Assim, maior liberdade de
ação terá o Estado e menor será a proteção e compromisso de sentido. A confusão serve aos
tiranos em matéria de direitos humanos.
Os direitos humanos não são apenas aspirações morais, mas categorias jurídicas. A
força dos direitos humanos reside precisamente no seu caráter concreto, prático, jurídico. A
sua força não está na ampliação desordenada das gerações de direitos humanos, mas em coibir
a violação tão iminente pelo Estado e proteger um núcleo mínimo.

Teoria histórica dos direitos humanos


Os direitos humanos não podem ser compreendidos de maneira adequada sem uma
perspectiva histórica da sua afirmação, mas não se está admitindo que eles decorrem de
emanações de uma lógica histórica irrefreável, mas ajuda a compreender o atual catálogo dos
direitos humanos.
Estes direitos não se confundem com nenhum documento antigo, em que a
subjetividade jurídica se restringia ao estabelecimento de deveres.
A filosofia de Hegel aponta que a ordem ética imediata e desprovida de leis reinava
sobre os indivíduos. O sujeito não havia adquirido o seu direito ainda. Todas as cartas e foros
medievais possuíam mais a característica de contrato privado, como acordo de direitos
estamentais (a exemplo da Magna Carta) do que como instrumento de direito público, muito
embora possuíssem força irradiante.
Os documentos medievais contribuem para a afirmação dos direitos humanos na
modernidade, na medida em estabeleciam direitos e privilégios que limitavam o poder Real,
ou seja, antecipou-se o constitucionalismo burguês.
Ademais, podemos encontrar embriões dos direitos coletivos em alguns desses
documentos. Ainda, convertem-se em ponto de partida para reivindicações cada vez mais
amplas e gerais de direitos, a partir do espaço aberto pelos direitos e privilégios.
O sentido dos direitos humanos tem sua fonte em processo muito longínquo. Contudo,
somente com a modificação social, econômica e política no trânsito da Idade Média para a
Moderna é que assumem significado mais preciso. A ideia de homem dotado de dignidade não
é nova, pois isso remonta às tradições hebreia e greco-romana.
São 3 grandes matrizes que contribuem decisivamente para o sistema de direitos
humanos: Religião (liberdade religiosa), processo (garantias processuais) e propriedade
(direito de propriedade).
Liberdade religiosa: o processo de afirmação da liberdade religiosa remonta à Carta do
Convênio entre o Rei Afonso I de Aragão e Mouros em 1119, em que se assegurava a
liberdade de locomoção dos mouros e os seus costumes religiosos.
Em 1215, a Magna Carta garante a liberdade da igreja na Inglaterra. A reforma
protestante promove a cisão da cristandade, requisitando a tolerância dos fieis das diversas
crenças. Durante a Idade Média, a religião era uma atividade suprema e absoluta, ligada à
esfera pública. Com a Reforma, operou-se a privatização de toda a religião, convertendo-se
em assunto do próprio indivíduo.
Nesse momento, não existia a categoria jurídica liberdade religiosa, apesar de se
requisitar a tolerância religiosa.
Garantias processuais. O sistema de proteção dos direitos humanos se desenvolveu
com a gradual redução das penas e instrumentos processuais que restringiam a arbitrariedade
dos agentes públicos em geral.
Ex. A necessidade de humanização do direito e processo penal, eliminando a tortura
como forma de investigação e castigo. Essas práticas foram abolidas.
Direito de propriedade. Quase todos os sistemas jurídicos desenvolveram um sistema
de proteção da propriedade, exteriorizando-se cada vez mais com o desenvolvimento do
capitalismo. As revoluções liberais do século XVIII refletem aspirações burguesas.
Esse caldo cultural da modernidade, formada pelo humanismo, racionalismo,
secularização, contratualismo, opera a transformação do modelo social organicista,
predominante até a Baixa Idade Média, para o individualismo; a arbitrariedade pela tolerância.
Para se falar em direitos humanos, não basta nos atermos à positivação, sendo
necessário ingressar no terreno ideológico que acompanha essa transformação.
Os direitos humanos surgem precisamente com a mudança do paradigma societário
organicista para o individualista.
A reflexão sobre os limites do poder inspirou a separação dos poderes, o direito de
participação política etc, o que decorre desse caldo cultural do início da modernidade.

Etapas de afirmação dos direitos humanos com base na classificação de Karel Vasak
É possível identificar quatro etapas de evolução dos direitos humanos: positivação,
generalização, internacionalização e especificação.
O processo de positivação se dá por meio da consagração dos direitos nos textos
jurídicos, que antes estavam projetados no plano da filosofia jurídica.
A generalização compreende uma série de processo de tripla natureza:
a) histórica, que nos remete à constatação de que as primeiras declarações de direitos
contaminaram os sistemas jurídicos ocidentais (constituições e legislação em geral),
consagrando direitos de cunho liberal. A partir desse momento, tem-se os primórdios do
constitucionalismo social (a partir de 1814).
b) teórico-filosófica: importa a conciliação progressiva, de um lado, a dimensão
filosófica com a dimensão positivista dos direitos humanos; de outro lado, a sua feição liberal,
restrita ao gozo de determinada classe social (a burguesia) com a necessidade de democracia;
e também com a marcha da inclusão social dos menos favorecidos ou socialmente oprimidos,
em virtude da influência do socialismo democrático ou social democracia.
c) jurídica: realça a sua positivação definitiva no temário constitucional. É o que se
chama de generalização jurídica no âmbito constitucional, e no âmbito internacional (tratados
e convenções). De outro lado, dá conta da multiplicação dos titulares e do objeto de direito, o
que culmina com a especificação.
O conteúdo dos direitos ganhou uma diversidade tanto quanto aos seus titulares
(especificação subjetiva), pois substitui o homem abstrato das primeiras declarações; e
introduz novas pretensões tuteláveis (especificação objetiva), como o sufrágio universal, o
direito de associação, sociais, e culturais.
Após as atrocidades da II Guerra, os direitos humanos deixam de ser questões de
natureza doméstica e se convertem em uma necessidade indeclinável, reconhecendo-se a
subjetividade jurídica no plano internacional.
Nesse momento, surge o direito internacional dos direitos humanos. Os Estados
assumem o compromisso de respeitar os direitos humanos independentemente da
nacionalidade do indivíduo.
Multiplicam-se documentos e tratados internacionais que versam sobre a proteção dos
direitos humanos.
Nesse contexto, cumpre examinar as gerações do professor Karel Vasak, conforme a
marca predominante dos eventos históricos e das inspirações axiológicas que lhe deram
identidade.
1ª Geração: surge com as revoluções burguesas do século XVII e XVIII, e valorizava a
liberdade. São direitos de base liberal.
Tais direitos se fundam em uma separação entre Estado e sociedade, que permeia todo
o contratualismo individualista do século XVIII e XIX. Nesse momento, o Estado atua de
maneira negativa, isto é, o indivíduo é protegido do Estado. Internamente, divide-se em
direitos civis e políticos. O Estado desempenha o papel de polícia administrativa, sendo a sua
atuação pautada na defesa da esfera individual.
Essa geração assegura uma esfera de autonomia individual. Locke defendia a
autonomia privada no início da Modernidade, como a vida, liberdade e propriedade, o que deu
origem ao individualismo possessivo.
Permite-se o desenvolvimento da personalidade de cada um. Encontra-se liberdades
em geral e específicas (imprensa, de locomoção, liberdade, segurança, proibição de prisões
arbitrárias, devido processo legal etc.).
O Estado tem o dever de abstenção e de prestação, devendo criar instrumentos de
tutela, como a polícia, o Judiciário e a organização do processo.
Os direitos políticos são aqueles de aspiração democrática e o seu núcleo se encontra
no direito de votar e ser votado (capacidade eleitoral ativa e passiva)
2ª Geração: decorre dos movimentos sociais e democratas e da Revolução Russa,
dando ênfase à igualdade material.
Aparece com os direitos sociais, econômicos e culturais, São direitos de base social,
surgindo como deveres impostos ao Estado. Na Constituição Brasileira de 1824 havia uma
obrigação imposta ao Estado quanto às crianças abandonadas, aos pobres enfermos e
inválidos.
A subjetivação e definição mais clara desses direitos esperou pela Constituição do
México de 1917, e a de Weimer de 1919, bem como a Declaração de Direitos Russa de 1918.
No Brasil, é consagrada com a Constituição de 1934.
Tais direitos resultam da superação do individualismo possessivo e do darwinismo
social, decorrente das transformações sociais, bem como pela crise do capitalismo, o que se
acelera diante revolução industrial, que aumenta o contingente de trabalhadores. Ainda, a
organização da classe trabalhadora, influenciada pelas ideias marxistas.
A igreja Católica, por meio da bula Rerum Novarum, também exerce certa influência,
no qual se aponta os abusos do capitalismo e a exploração desordenada.
Identifica-se a doutrina social da igreja, o socialismo utópico e científico, movimentos
social-democrata. Era um contexto de turbulência social, quando surgem os direitos sociais.
O Estado detém o papel da promoção da maioria desses direitos através da criação e
ampliação dos serviços públicos.
Está-se pleiteando uma igualdade material, o que impõe a identificação das diferenças
entre os seres humanos.
Os direitos sociais propriamente ditos seriam aqueles necessários à participação plena
na vida da sociedade, incluído o direito à educação, o gozo efetivo dos direitos de 1ª geração,
à maternidade etc.
Já os direitos econômicos se destinam a garantir um mínimo de vida e seguranças
materiais.
Os direitos culturais dizem respeito ao resgate e reprodução cultural das comunidades,
bem como a possibilitar a todos a participar da riqueza espiritual comunitária.

3ª Geração: Nutre-se das duras experiências passadas pela humanidade na 2ª Guerra e


da onda de descolonização que a segui, refletindo os valores da solidariedade e fraternidade.
São os direitos dos povos, de solidariedade, de cooperação, de fraternidade, humanos
morais ou espirituais.
Surgem após a 2ª Guerra como resposta à dominação cultural e como reação à
exploração dos países desenvolvidos industrializados, o que se revela pelo processo de
descolonização.
São interesses que desconhecem limitação de fronteiras. Esses direitos foram
precipitados a partir de problemas globais.
Fala-se em direito à paz, em uma projeção internacional do direito à segurança; direito
à autodeterminação, que seria direitos dos povos dentro de um povo (como o direito indígena);
à diferença e à cultura.
O professor Boaventura de Sousa Santos afirma que temos o direito de sermos iguais
quando a nossa diferença nos inferioriza e de ser diferentes quando a igualdade nos
descaracteriza.
O direito da distribuição equitativa das riquezas interplanetárias é outro direito de
suma importância, assim como a assistência humanitária.
No plano internacional, os direitos culturais ganham força e se exteriorizam, além do
desenvolvimento cultural, na igual participação na herança comum da humanidade, ao
compartilhamento dos benefícios obtidos pelo avanço científico e aqueles relacionados aos
meios de comunicação.
Há pensadores que restringem esses direitos de 3ª geração a uma condição de
limitação, enxergando como um só direito: ao desenvolvimento, com o objetivo de criar uma
ordem internacional mais justa. A natureza e objetivo desses direitos indica que se tratam de
direitos coletivos e internacionais. O enriquecimento da titularidade dos direitos está
relacionado ao processo de descolonização (Celso Lafer).
O direito ao desenvolvimento foi bastante defendido na Conferência de Bandung de
1955 por países não alinhados no processo da guerra fria.

Críticas aos direitos humanos


São inúmeras as críticas, havendo quem enxergue os direitos humanos como guardiões
da delinquência (direitos humanos para os “bandidos”); que critica a base racional dos direitos
humanos; que critica a base contratual; crítica ao caráter abstrato; crítica que enxerga como
discurso de dominação de classe; direitos humanos como justificação da dominação social;
direitos humanos a serviço do imperialismo; como subversão à ordem e à autoridade;
Direitos humanos como guardiões da delinquência. A defesa dos direitos humanos,
para alguns, confundem-se com direitos humanos dos delinquentes, esquecendo-se os direitos
humanos da vítima. Quanto maior o estado de desespero da sociedade, maior será a tendência
a tolerar ou aceitar as violações de direitos humanos. Há quem identifique nessa crítica uma
reprodução da nossa formação socioeconômica, identificando um componente classista. No
entanto, os direitos humanos protegem a todos, sejam vítimas ou delinquentes. Esse discurso
restritivo é temerário.
Quanto à base racional. A racionalidade é inerente a todo ser humano, o que traduz a
sua universalidade. Para Edmund Burke, os direitos humanos são direitos metafísicos, fadados
ao fracasso. É na vivência que as regras podem ser intuídas, não podendo ser deduzidas de um
campo racional abstrato.
As regras jurídicas devem ser intuídas a partir das regras concretas da vida, e não de
um campo abstrato. Não há, portanto, um direito natural e conjunto de preceitos imutáveis. O
direito positivo é fruto do desejo de cada povo situado no tempo e no espaço.
Base contratual dos direitos humanos. Os indivíduos não tinham à sua disposição as
leis que regiam a sociedade, pois antes de os indivíduos nascerem, já existia a sociedade com a
sua história e tradição, o que revela a artificialidade dos direitos obtidos a partir do contrato
social.
Subversão à ordem e autoridade. Os modernos e sua ideia de direitos inatos causaria o
desprestígio da autoridade, promovendo a destruição da ordem pública (queda dos príncipes,
por exemplo).
Caráter abstrato. Esta crítica vem sendo enfrentada pela especificação. Os verdadeiros
direitos humanos eram determinados por contextos reais da vida, de acordo com o tempo e as
circunstâncias, não podendo ser fixados mediante o estabelecimento de algum princípio
abstrato. Além disso, o direito seria a busca da justiça no caso concreto.
A abstração pode permitir o uso manipulador da gramática dos direitos humanos, tanto
nos processos internos de dominação de classe, como externamente como um instrumento
imperialista.
Discurso de dominação de classe. Esta denúncia é feita principalmente pelo ideário
marxista, que enxerga os direitos humanos como instrumento aprofundador da alienação
humana. Isso porque os direitos em geral (estrutura jurídico-política) não passam de uma parte
da superestrutura, a serviço da dominação de classe.
A real liberdade não seria fruto da consagração de direitos burgueses, mas da conquista
de condições econômicas, sociais e culturais igualitárias pela classe operária. Não é fruto de
uma declaração solene dos ideários burgueses. Os direitos humanos seriam um rótulo
fraudulento.
Justificação da dominação social. Os direitos humanos podem ser vistos como
argumentos para justificar o status quo e a dominação social, despolitizando a cultura e os
processos sociais, canalizando todo antagonismo e conflito social (sexo, cor, raça, etnia etc)
para as formas limitadas do direito.
Esse discurso esconderia as verdadeiras condições estruturais que levam à
desigualdade social, acenando as suas capacidades emancipatórias de um discurso ilusório.
Assim, a crítica do capitalismo faz parecer algo inofensivo e até retrógrado.
Efeitos excludentes e universalizantes. Autores contemporâneos enquadram os
discursos de direitos humanos como excludentes em razão do ideário inequívoco e
abstracionista, não enxergando o outro na sua singularidade. Há uma marcada intolerância.
Direitos humanos a serviço do imperialismo. Parte do pressuposto de que a ideia dos
direitos humanos revela a visão de homem capitalista, burguês, ocidental, produto de processo
histórico definido, individualista e autocentrado. Essa linha projeta os direitos humanos não
apenas como imperialismo cultural, mas como uma ideologia política, que se acompanha de
tradição econômica ocidental bem definida.
Internacionalização dos direitos humanos
O direito internacional dos direitos humanos (DIDH) trata essencialmente de um
direito de proteção, marcado por uma lógica própria, voltado a salvaguarda dos direitos
humanos e não dos Estados. Dentro dessa perspectiva, abrange as normas de proteção de
origem internacional e nacional.
É possível identificar a atribuição expressa de funções realizadas pelos próprios
tratados de direitos humanos aos órgãos públicos do Estado.
Por outro lado, há também um número crescente de Constituições, em que os direitos
consagrados nos Tratados Internacionais de Direitos Humanos são incorporados ao elenco dos
direitos garantidos no plano do direito interno. Com isso, a sua natureza é de direito de
proteção.

Características do DIDH
A rigidez da distinção entre público e privado não resiste ao imperativo de proteção
dos direitos humanos.
A justiciabilidade ou justicialidade dos distintos direitos humanos é outra
característica.
Ainda, podemos mencionar que o ser humano é sujeito do direito interno e do direito
internacional, sendo dotado de personalidade e capacidade jurídicas próprias.
Nesse aspecto, o direito internacional e interno estão em constante interação, de modo
a garantir a proteção eficaz do ser humano.
Além disso, consagra o critério da primazia da norma mais favorável, independente da
sua origem, seja ela de origem nacional, seja internacional.
As normas jurídicas são aplicadas e interpretadas tendo sempre presente as
necessidades prementes de proteção das supostas vítimas.
Também, deve-se haver o prévio esgotamento dos recursos de direito interno, que
reveste-se de caráter próprio, uma vez que há uma interação entre o direito internacional e
interno, bem como uma complementariedade de direitos e deveres, o que faz necessária a
observância de certas condições.
Outra característica é que o direito internacional dos direitos humanos pode reforçar a
imperatividade dos direitos constitucionalmente garantido, formando uma rede de direito, na
medida em que são reproduzidos em diversas normas constitucionais.
O DIDH surge em decorrência da 2ª Guerra e das atrocidades do holocausto, no qual o
maior direito passa a ser “ter direito”, ou seja, ser sujeito de direito (Hannah Arendt).
Nessa internacionalização dos direitos humanos, cumpre fazer alusão ao Tribunal de
Nuremberg, Carta das Nações Unidas (1945) e a Declaração Universal dos Direitos Humanos
(1948).
O Tribunal de Nuremberg, criado na década de 1940, significou um importante
impulso ao movimento de internacionalização dos direitos humanos, realizando e aplicando o
costume internacional para a condenação criminal dos envolvidos em crimes contra a guerra,
paz etc, previstos no Tratado de Londres.
Com efeito, reconhece-se que o indivíduo tem direitos protegidos no direito
internacional e tem dever para com a ordem internacional. Por outro lado, relativizou a
soberania dos Estados.

Tribunal de Nuremberg (1945-1946)


Significou um poderoso avanço no movimento de internacionalização dos direitos
humanos, uma vez que aplicou o costume internacional para a condenação criminal dos
supostos autores dos crimes contra a paz, crimes de guerra etc.
Além de relativizar a soberania, reconheceu que o indivíduo também deve ser
protegido pelo direito internacional. Ademais, o indivíduo tem uma série de deveres para com
a ordem internacional.

Carta das Nações Unidas (1945)


A Criação das Nações Unidas fortaleceu o processo de internacionalização dos direitos
humanos, já que é uma organização criada para a manutenção da paz e que reconheceu os
direitos humanos. Para além da segurança internacional, a agende internacional passou a se
preocupar com a promoção e defesa dos direitos humanos.

Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948)


Formulou-se a DUDH após 3 anos da criação da ONU, definindo-se com precisão o
elenco dos direitos humanos e liberdades fundamentais, que já fazia remissão a Carta das
Nações Unidas (art. 1º, III; art. 13; art. 55; art. 56 e art. 62).
Foi adotada a 10 de dezembro de 1948, sendo fruto de aprovação unânime, através da
Res. 217-A (III) da Assembleia Geral.
A DUDH consolida a afirmação de uma ética universal, sendo marcada por algumas
características, como a sua amplitude, universalidade, que objetivou delinear uma ordem
jurídica mundial fundada no respeito à dignidade humana; a dignidade humana surge como
fundamento dos direitos humanos; indivisibilidade, ao conjugar um catálogo de direitos civis e
políticos (arts. 3º/21) com direitos sociais, culturais e econômicos (arts. 21/28).
Há uma discussão a respeito do valor jurídico da DUDH, pois não é um tratado, sendo
adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas por meio de Resolução. Há quem defenda
sua força jurídica vinculante por integrar o direito costumeiro internacional. As resoluções
seguintes da Assembleia Geral impõe que os demais Estados a observem.
O professor Antonio Cassezi considerava que a DUDH é um dos parâmetros
fundamentais pelos quais se legitima o Estado perante a comunidade internacional.
Fábio Konder Comparato explica que a Declaração retomou as ideias da Revolução
Francesa, mas em âmbito universal. O professor destaca que não foram apenas esses valores,
mas também os de segunda geração, ou seja, foi também influenciada pelas Constituições
sociais, e não só pelo ideário liberal.
Para aqueles que entendem que a DUDH não vinculatividade jurídica afirmam que a
vigência dos direitos humanos independem de qualquer previsão, já que se está diante da
dignidade humana.
No entanto, as categorias jurídicas são importantes para se efetivar os direitos
humanos, sendo a DUDH a culminância do processo que se iniciou nos EUA e na França, no
final do século XVIII, agregando as conquistas do constitucionalismo social do início do
século XX.
A afirmação da democracia como único regime compatível com os direitos humanos é
um traço importante da DUDH (art. 21 e 24, II). O art. 28 indica que a ordem jurídica deve
respeitar a dignidade, dispositivo do qual Comparato extrai a busca pela felicidade, previsto
como direito inato ao homem na declaração americana.
Há quem enxergue na DUDH uma interpretação autorizada das obrigações contidas na
Carta das Nações Unidas, sendo um documento com suficiente status jurídico.
Na Declaração Final de Viena, 171 Estados resolvem reafirmar a sua adesão aos
propósitos e princípios enumerados na Carta das Nações Unidas e DUDH.
Há também no plano internacional, uma opinio juris que considera juridicamente
vinculante para os Estados.
O DIDH é a soma de todos os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e
coletivos estipulados pelos instrumentos internacionais, regionais e pelo costume
internacional. A fonte preferida são os Tratados Internacionais.
Quanto aos Tratados internacionais, podemos afirmar que as normas dado por escrito
são mais fáceis de se realizar do que os costumes internacionais.
Não há hierarquia entre essas duas fontes no âmbito do direito internacional dos
direitos humanos.
Após a 2ª Guerra, houve uma proliferação de documentos versando sobre os direitos
humanos. Nesse contexto, surgem sistemas de proteção dos direitos humanos: Regionais ou
Universal, que se complementam.
O Sistema Universal de Proteção dos Direitos Humanos possui uma série de
documentos.

Sistema Universal de Proteção dos Direitos Humanos


Na verdade, representou uma codificação dos direitos humanos, trazendo as
convenções centrais de proteção dos direitos humanos, como:
a) os Pactos de Direitos Civis e Políticos, e o de Direitos Econômicos, Culturais e
Sociais (ambos de 1966). Esses dois pactos juridicizaram a DUDH;
b) Convenções sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial (1966) e
contra a mulher (1979), contra a tortura, penas cruéis ou tratamentos degradantes (1984);
sobre os direitos da criança (1989); de todos os migrantes, trabalhadores e de membros da sua
família (1999); pessoas com deficiência (2006); de pessoas com desaparecimento forçado
(2006).
Além dessas Convenções centrais, há vários protocolos que foram adotados como
complementos:
c) Protocolo Facultativo ao Pacto de Direitos Civis e Políticos - de 1966
(estabelecimento de procedimento de petições individuais) e de 1989 (abolição de pena de
morte);
d) Protocolo Adicional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 2008
(estabelecimento de procedimento de petições individuais);
e) (Dois) Protocolos Facultativos à Convenção da Criança de 2000 – um é referente ao
envolvimento de criança em conflitos armados, e outro se refere à pornografia infantil e venda
de crianças para fim de se prostituir.
f) Protocolos Facultativos à Convenção Contra a Tortura de 2002 e à Convenção de
eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher de 1999.
Os Protocolos Facultativos são tratados internacionais autônomos, razão pela qual
precisam ser ratificados pelos Estados antes de se tornarem instrumentos vinculantes.
Uma série de Convenções da OIT se acrescentam a esta categoria de Tratados
protetores dos direitos humanos, como
g) a Convenção nº 169 de 1989: versa sobre os povos indígenas e tribais;
h) Convenção 182 de 1999: eliminação das piores formas de trabalho infantil.

Sistemas Regionais
Há uma série de documentos. Podemos citar, quanto ao Sistema Interamericano, os
seguintes:
a) Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica)
de 1969: foi complementado por dois protocolos facultativos:
a.1. Protocolo de San Salvador de 1988: traz direitos econômicos, culturais e sociais.
a.2. Protocolo sobre a abolição da pena de morte de 1990.
b) Convenção Interamericana para prevenir e punir a tortura (1985). Difere da
Convenção contra a tortura de 1984.
c) Convenção Interamericana sobre o desaparecimento forçado de pessoas (1994).
d) Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a
mulher (1994).
e) Convenção Interamericana para eliminação de toda forma de discriminação de
pessoas portadoras de necessidades especiais (1999)
Nem todos os documentos que parecem ser um tratado possuem essa qualidade, sendo
algumas meras resoluções, como a DUDH, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do
Homem; a Declaração sobre o Direito dos Povos Indígenas.
Por não ostentar a natureza de Tratados, gozam o status de soft law, ou seja, regras e
disposições em processo de formação do direito positivo.
No que se refere a DUDH e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do
Homem reconhece-se que essa transformação ocorreu pelo menos parcialmente, possuindo
alguma vinculação jurídica.

Costume internacional
Além dos Tratados, o costume é outra importante fonte do DIDH.
O costume internacional cria obrigações jurídicas para o seu sujeito, sem precisar da
conclusão formal de um Tratado.
Aplica-se a praticamente todos os Estados, até mesmo àqueles que se recusaram a
assinar um tratado de direitos humanos.
A sua violação enseja consequência semelhante a violação de um Tratado, ou seja, a
responsabilização internacional do Estado.
O art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça lista as fontes clássicas do
Direito Internacional Público.
Costume internacional é a prova de uma prática geral (elemento objetivo) aceita como
sendo direito (elemento subjetivo – reconhecimento de que se trata de uma obrigação
jurídica).
Prática é a conduta oficial dos órgãos do Estado no que se refere aos fatos
interestaduais que podem ter relevância para a formação do direito. A prática geral não pode
ser levada a efeito por um único Estado. Ademais, é preciso que haja opinião jurídica dos
Estados de que os atos praticados correspondem a uma obrigação jurídica.
A opinião jurídica pode ser extraída de declarações adotadas pelos Estados,
Conferências realizadas pela ONU ou demais organismos internacionais etc.
Muitas vezes, não é possível delimitar os elementos objetivos do subjetivo. Uma
doutrina autorizada recomenda a aplicação de um método dedutivo para identificar o costume
internacional.
O método dedutivo implica que determinado direito, já reconhecido, poderia ser
entendido como costume em razão da falta de prática estatal contrária a este direito.
Embora as decisões judiciais não possam configurar diretamente a formação do
costume internacional, sejam elas nacionais ou internacionais, elas podem demonstrar que a
análise já foi feita e respondida afirmativamente.
Os sistemas regionais se mantém em constante diálogo com o sistema global de
direitos humanos, estimulando uma doutrina universal de proteção.
É possível a formação de costume regional que não possa reclamar vigência nas
demais regiões do mundo. Ex. Costume do sistema regional africano ou europeu.
Uma norma que valha como costume internacional, em princípio, obriga todos os
Estados. Há apenas uma única opção para se liberarem da norma de vigência de costume
internacional: o Estado provar que eles se manifestaram, durante o processo de formação do
costume internacional, mediante protestos permanentes e inequívocos da sua objeção.
Jus cogens. O Direito Internacional Público reconhece categoria de normas em que não
aplicam a figura da objeção permanente – são as normas do chamado direito cogente ou
imperativo.
Isso porque o jus cogens dispõe de estatuto especial na ordem jurídica internacional,
em virtude do seu significado fundamental para a ordem internacional, não podendo ser
derrogados. Na Convenção de Viena sobre Tratados, os Estados reconhecem expressamente o
jus cogens (arts. 53 e 61).
O jus cogens também é reconhecido pela jurisprudência internacional. A respeito,
decisão sobre luta armada no Congo.
O art. 53 afirma que os Tratados em conflito com o jus cogens são nulos.
Ademais, o jus cogens tem efeito erga omnes, já que cria obrigações para todos os
Estados, até mesmo aqueles que não violaram direitos humanos.
Por outro lado, recomenda-se que o jus cogens seja utilizado de maneira responsável,
pois a invocação abusiva pode gerar sérios danos a este conceito.
No sistema interamericano, há uma crescente disposição em estender e concretizar
grupos de direitos humanos que valham como jus cogens.
Ex. Proibição de tratamento desumano e degradante.
Há uma lista do Comitê de Direitos Humanos, apontando aqueles que devem gozar de
status de costume internacional, como a proibição da liberdade de expressão e de religião;
proibir adultos de se casarem ou de negar às minorias a sua vida cultural; o direito das
minorias de praticar a própria religião e idioma.
Até o momento, nenhum direito econômico, social ou cultural passou à categoria de
costume internacional.
Os Tratados Internacionais e os costumes não são as únicas fontes formais das quais
emanam os direitos humanos.
O art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça determina como fonte adicional
os princípios gerais de direito.

Princípios gerais de direito


Não podemos diluir a normatividade jurídica das fontes em razão de se invocar
princípios. São princípios que fazem parte de quase todas as ordens jurídicas, como o
princípio da proporcionalidade.
O papel desses princípios é preencher as lacunas das normas jurídicas na ordem
internacional por meio do direito comparado.
Há autores que propõem tratar os direitos humanos internacionais não codificados
como princípios gerais do direito. Assim reconhecê-los traria enorme importância prática, pois
dispensaria a prova dos elementos constitutivos do costume internacional, em particular com a
prova da opinio juris.
No entanto, deve-se verificar que há um risco nessa proposta, de se construir direitos
humanos sem alguma forma de consentimento dos Estados, o que decerto dificultaria a luta
pela sua maior aceitação.
Os princípios gerais normalmente não dispõem de conteúdo e consequências jurídicas
determináveis, o que vai permitir a derivação de reivindicações e obrigações concretas.
Por fim, os princípios gerais do direito visam suprir uma lacuna jurídica não desejada,
o que é de difícil demonstração.

Fontes auxiliares
O art. 38, I, d, do Estatuto da Corte Internacional de Justiça aponta as decisões
judiciais e a doutrina dos juristas mais qualificados das diversas nações.
O art. 38, II faz menção a um método de raciocínio jurídico, que é a possibilidade de se
decidir com base na equidade, sob certos pressupostos. Não é uma fonte.

A proteção dos indivíduos até a 2ª Guerra Individual


Até a 2ª Guerra Mundial, os direitos humanos eram assunto interno dos Estados, sendo
relevante somente quando um país desejava proteger o seu cidadão em outro país ou quando
queria enviar um diplomata a outro país.
O Congresso de Viena, em 1815, anunciou uma declaração sobre tráfico de escravos,
sendo seguida por uma série de acordos bilaterais. Apenas após o londrino Tratado Quíntuplo
de 1841 é que o tráfico de escravos foi diminuindo até ser abolido.
Posteriormente, sob a égide da Liga das Nações, a Convenção sobre a Escravatura, um
dos primeiros documentos de direitos humanos universais, aprovado em 1926. A escravidão,
sem exceção, foi proibida. Hoje, faz parte do direito internacional consuetudinário.
Após a segunda guerra mundial, outra área de preocupação foi a proteção internacional
das minorias, como um grupo, beneficiando, por consequência, o indivíduo. Após o colapso
dos Impérios (Turco Otomano, Austro-húngaro e Russo), muitos Estados Multiétnicos deram
lugar a pequenos Estados, constituídos por minorias.
Desde os horrores da 2ª guerra, a comunidade internacional traçou a meta de preservar
as gerações vindouras do flagelo das guerras, o que deveria ser alcançado através de um
sistema de segurança coletivo – a ONU. No art. 55 da Carta das Nações Unidas, isso fica
muito claro.
O art. 13, da Carta das Nações Unidas afirma que a Assembleia Geral da ONU deve
contribuir para a efetivação dos direitos humanos, e em seu preâmbulo, os Estados
comprometem-se com os direitos humanos.
A inclusão de se respeitarem os direitos humanos na Carta da ONU foi um marco
histórico na proteção dos direitos humanos, pois, pela primeira vez, os Estados
comprometiam-se perante outros Estados a adotar um comportamento determinado diante dos
indivíduos.
A Carta das Nações é um tratado constitutivo de uma organização internacional, e
contém os princípios básicos do direito internacional. Tais disposições devem permanecer
gerais. Ademais, a ONU é uma organização de coexistência, já que deve permitir que países
ocidentais, orientais, socialista, capitalistas, desenvolvidos e subdesenvolvidos concordem
com ela.
Segundo o art. 1º, § 3º, as Nações Unidas tem o objetivo de estabelecer a cooperação
internacional para promover os direitos humanos para todos, sem distinção de sexo, cor,
religião.
A Carta das Nações Unidas, apesar de falar em direitos fundamentais e liberdades, não
traz definição para esses termos.
Por fim, impende ressaltar que a Carta da ONU é um acordo internacional, em que se
realizam as regras de interpretação da Convenção de Viena (art. 31).
Esta regra de interpretação não é muito útil, pois em 1945, a concepção de direitos
humanos diferia de maneira significativa entre os Estados

Declaração Universal dos Direitos Humanos


Com a aprovação da DUDH em 10 de dezembro de 1948 pela Assembleia Geral,
esclareceu-se o que se entendia por direitos humanos. É uma interpretação autorizada do que a
Carta das Nações Unidas entenderia a respeito dos direitos humanos e liberdades
fundamentais.
No próprio preâmbulo da Declaração, reconhece-se a dignidade inerente e os direitos
inalienáveis a todos os membros da sociedade como condição para liberdade, justiça e paz no
mundo.
Há na DUDH tanto direitos civis e políticos quanto direitos econômicos, sociais e
culturais. Os artigos iniciais se referem aos direitos de primeira geração (como o direito à
vida, integridade física, contra a tortura, propriedade, liberdades em geral etc.), e, ao final, os
de segunda geração (como a seguridade social, trabalho, livre escolha da profissão, educação).
Cumpre esclarecer que esta compreensão difere fundamentalmente da visão ocidental
clássica que compreende os direitos humanos no sentido da revolução francesa. Não se está
diante apenas dos direitos de base liberal.
Essa compreensão ocidental de direitos humanos se refere à Convenção Europeia de
Direitos Humanos, criada em 1950, que se limita aos clássicos direitos e liberdades civis.
A vantagem da DUDH é que ela considera todos os direitos humanos em sua unidade,
pois os direitos econômicos, sociais e culturais não são, de maneira alguma, direitos de
segunda classe. Ademais, este documento foi elaborado por unanimidade na Assembleia
Geral, com as abstenções da União Soviética e Arábia Saudita.
Há também desvantagens. A DUDH não se refere à autodeterminação dos povos, que é
um requisito para a percepção dos direitos humanos em sua totalidade. Outra desvantagem é
que se trata de resolução, o que acarreta discussões sobre a sua vinculatividade jurídica.
As declarações políticas, mesmo não gozando de vinculatividade jurídica, tem
importância moral, principalmente quando aprovadas por unanimidade, mas não são
exequíveis.
Todos os países estiveram mais ou menos empenhados na declaração de princípios de
direitos humanos.
A DUDH constitui um documento importantíssimo do direito consuetudinário.
Outra desvantagem da DUDH é que ela não tem um mecanismo de
aplicação/realização. Os Estados assumem obrigações perante outros Estados, mas também
tem o dever de transmiti-las ao povo, de forma que é necessário um controle da realização dos
direitos humanos.
Paralelamente à elaboração da DUDH, a ONU enfrentou a codificação das normas de
controle do genocídio (símbolo do nacional-socialismo).

Convenção sobre o genocídio (1948)


No art. 1º, confirma-se que é um crime internacional e visa prevenir o crime e punir os
agressores. Para punir os agressores e prevenir o crime, fez-se uma definição do genocídio no
art. 2º (intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico ou religioso).
O Estatuto do TPI também traz uma definição, mais ampla e adequada do que esta.
A perseguição a grupos políticos não pode ser punida como genocídio, o que é uma
falha deste art. 2º. Por outro lado, impende mencionar que é difícil demonstrar a intenção do
autor (elemento subjetivo do crime).
Ruanda e a ex-Iugoslávia enfrentaram esse problema, quando julgadas no TPI.
O art. 3º pune o genocídio, a conspiração, a incitação e a sua tentativa. Os autores não
podem sequer invocar o argumento da imunidade decorrente de pertencerem a um cargo de
autoridade de um país.
O art. 6º afirma que o autor do genocídio responde por um tribunal habilitado do
Estado em que foi cometido o crime ou pelo TPI que reconhecer a sua competência.
Nesse momento, constitui-se para a ONU a missão para criar o Tribunal Penal
Internacional, o que somente ocorreu quase 5 décadas depois, em 1998. Possui competência
complementar, atuando quando os Estados não são capazes de punir o genocídio ou não
querem.
Os órgãos jurisdicionais são os órgãos primários de realização dos direitos humanos
consagrados no direito internacional dos direitos humanos.
Até o momento, 140 países assinaram a convenção sobre o genocídio, como o Brasil.
Os Estados-membros se comprometem a evitar o genocídio (art. 1º).

Codificação dos Direitos Humanos


A DUDH foi o ponto de partida para a construção do sistema de direitos humanos das
nações unidas e para todos os outros tratados internacionais. A DUDH foi juridicizada sob a
forma de um Tratado, cujo processo se inicia em 1949, e foi concluído em 1966, com a
elaboração do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos, Culturais e Sociais
O primeiro, embora aprovado em 1966 pela Assembleia Geral das Nações Unidas,
somente entra em vigor em 1976, quando alcança um número de ratificações necessárias (35
países).
Em 1951, o projeto foi separado em duas partes (daí os dois Pactos), sob a influência
dos países ocidentais que não aceitavam a indivisibilidade dos direitos humanos, pois haveria
uma diversidade no processo de implementação desses direitos. Os direitos civis e políticos se
aplicariam de imediato, enquanto os sociais, econômicos e culturais seriam programáticos.
A Comissão de Direitos Humanos decidiu elaborar duas Convenções distintas. A
adoção simultânea de ambos os Pactos (12 de dezembro de 1966) deixa claro que eles
apresentam uma unidade, apesar de serem separados.
No início de 2009, pertenciam ao Pacto civil 174 países; e, ao Pacto social, 160 países.
O Brasil adotou ambos os pactos a 24 de fevereiro de 1992, através dos decretos 591 e 592 de
06 de junho de 1992.
Com relação a esses dois Pactos, há uma diferença crucial: normas autoaplicáveis de
um lado e normas programáticas de outro. O art. 2º do Pacto Civil deixa isso claro
(“comprometem-se a respeitar e garantir a todos os indivíduos...”). O art. 2º do Pacto Social
faz o contraponto (“adotar medidas para progressivamente obter... a plena efetividade dos
direitos aqui reconhecidos”).
Procedimentos de implementação do Pacto Civil
1) Relatório estatal
Os Estados partes devem relatar regularmente a implementação dos direitos civis e
políticos em sua jurisdição, conforme determina o art. 40 do Pacto, que prevê todo o
procedimento do relatório estatal.
Nesse sentido, o relatório é submetido ao Secretário-Geral das Nações Unidas, que vai
encaminhá-lo ao exame do Comitê. Os relatórios deverão sublinhar fatores que indiquem a
dificuldade na implementação dos direitos consagrados no Pacto Internacional de Direitos
Civis.
Para evitar que o processo de relatório estatal se torne politizado, os Estados relata a
um Comitê de especialistas, e não a um organismo intergovernamental (art. 28).
O Comitê de Direitos Humanos é criado pelo art. 28, composto por 18 membros
eleitos, integrado por nacionais dos Estados parte, devendo ter elevada reputação moral e
reconhecida competência em matéria de direitos humanos.
Os membros realizam 3 funções importantes, como o recebimento e avaliação dos
relatórios dos Estados (art. 40); e a decisão sobre as comunicações individuais (art. 1º do
Protocolo Facultativo nº 1), e a interpretação das obrigações do acordo.
Os Estados, após o primeiro relatório, devem relatar novamente em um espaço de
tempo de 5 anos. Os relatórios devem incluir, para cada direito consagrado do Pacto Civil,
medidas administrativas, legislativas e executivas do Estado parte para cada
Tem sido usadas também informações de organizações não governamentais, que,
majoritariamente, relatam problemas em relação aos direitos humanos, de forma bastante
crítica.
O relatório é avaliado pela Comissão ao final do procedimento, como satisfatório ou
não satisfatório, e de maneira geral os aspectos positivos e negativos são resumidos ao final.
Todo este procedimento visa promover a cooperação entre os Estados em matéria de direitos
humanos, na qual as boas práticas são identificadas, assim como se criticam as
vulnerabilidades. O relatório é público, e é um mecanismo que deseja ter efeitos basicamente
preventivos.
Sendo comprovada a violação dos direitos humanos, os Estados serão
responsabilizados para reprimir a violação e assegurar a reparação às vítimas.
Em 1995, o Brasil apresentou, com atraso de 2 anos, o seu primeiro relatório, e em
2005, o segundo relatório.
2) Queixa Estatal
Este procedimento está previsto no art. 41 do Pacto e é denominado de comunicação
estatal. Em linhas gerais, a queixa estatal precisa ser aceita pelos Estados (de se submeter ao
Comitê para receber comunicações estatais) - tanto o que comunica a violação, quanto aquele
que efetivamente violou. Em virtude disso, trata-se de um procedimento fortemente político.
3) Comunicação individual
Na elaboração do Pacto Civil, havia, desde o início, a questão de como as pessoas
poderiam se defender da violação dos direitos humanos. O acesso ao Tribunal de Direitos
Humanos foi aceita pelos países ocidentais, e categoricamente rejeitado pelos países orientais.
Essa dificuldade inicial ameaçou fracassar toda codificação dos direitos humanos, de
juridicizar a DUDH. Consequentemente, fez-se necessária a criação de um recurso individual,
previsto em um Protocolo Facultativo, que deve ser ratificado separadamente.
No início da elaboração, a proposta era a formação de um Tribunal de Direitos
Humanos, com acesso individual. Os países orientais não aceitaram. Então, foi criado um
Protocolo Facultativo, que permite a Comunicação individual.
Dos 163 membros, 111 ratificaram o Protocolo Facultativo, como a Argentina, Chile e
Uruguai. Permite-se que o Comitê receba e analise as comunicações dos indivíduos sob a sua
jurisdição, que afirmam ser vítima de um dos direitos reconhecidos no Pacto. Isso significa
que uma pessoa pode se queixar de uma violação de direitos humanos diretamente ao Comitê
(se o Estado é signatário do Protocolo Facultativo).
Com base na documentação apresentada, o Comitê verifica se houve violação. Em caso
positivo, pede ao Estado que reprima as violações, e uma indenização à vítima ou à família. O
Comitê não pode apurar os fatos no local, e não pode forçar que sua decisão seja aplicada,
pois não é um Tribunal.
O requisito para a apresentação de uma reclamação ao Comitê é o esgotamento dos
recursos jurídicos internos.
No âmbito universal, não existe recurso individual compulsório para as vítimas de
violação dos direitos humanos. Apenas os Estados que ratificaram o Protocolo Facultativo nº 1
permitem que os seus jurisdicionados se dirijam diretamente ao Comitê.
Em 1989, foi aprovado um 2º Protocolo Facultativo, que incluía a abolição da pena de
morte, entrando em vigor em 1991, e sendo ratificado por 70 países. Os Estados partes se
comprometeram a eliminar a pena de morte dos seus Códigos Penais.

Outras Codificações de Direitos Humanos no âmbito da ONU


Os direitos humanos estão vocacionados a criar um padrão universal, e a DUDH
codifica essa unidade. Por outro lado, a codificação também ramifica essa unidade.

Direitos econômicos, sociais e culturais


O Pacto Social foi elaborado paralelamente ao Pacto Civil, entrando em vigor somente
em 1976. Até 2009, pertenciam a este acordo 160 países. A filiação é praticamente idêntica à
do Pacto Civil, com a substancial exceção dos EUA.
O art. 2º, I, obriga os países a uma implementação progressiva, de maneira que os
direitos sejam estabelecidos pouco a pouco. Esta é uma fraqueza, enquanto mecanismo de
execução.
Assim como no Pacto Civil, há um Comitê, que, todavia, apenas analisa os relatórios
dos Estados (art. 16).
Em 10 de dezembro de 2008, com a resolução ARS 63/117, apresentou-se Protocolo
Facultativo ao Pacto Social, dando poder ao Comitê de receber e decidir comunicações
individuais sobre violações de direitos econômicos, sociais e culturais.
Essa exigência é principalmente direcionada ao países industrializados, que,
frequentemente, escondem-se por detrás do caráter programático dos direitos sociais.

Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas Discriminação Racial


Foi aprovada em 21 de dezembro de 1965 pela Assembleia Geral da ONU. Deixa claro
que a luta contra a discriminação era e é uma das principais tarefas da ONU no âmbito dos
direitos humanos, sobretudo após as experiências de uma ideologia racial do nazismo.
Além de proibir a discriminação racial, proíbe-se qualquer distinção, exclusão,
restrição ou preferência fundada na raça, cor, descendência, origem nacional ou étnica, que
tenha por objetivo anular ou comprometer o reconhecimento, o gozo ou exercício dos direitos
humanos e das liberdades fundamentais nos domínios político, social ou cultural ou em
qualquer outro domínio da vida pública.
São aceitas somente distinções entre nacionais e estrangeiros, bem como medidas de
discriminação positivas para superar discriminação prévia, ou seja, ações afirmativas.
Esta Convenção exige a condenação de toda propaganda que busque justificar ou
promover, de alguma forma o ódio ou superioridade racial, baseadas em teoria da
superioridade de uma raça ou grupo em razão da cor de pele ou etnia.
Os Estados se comprometem a adotar medidas positivas e imediatas para eliminar
qualquer incitação de discriminação racial.
O art. 4º é de suma importância, vez que traz os princípios da liberdade de expressão,
assumindo algumas obrigações, como declarar delitos punidos pela lei as formas de
discriminação racial ali previstas; punir organizações que incitem a discriminação, bem como
a participação nessas organizações e atividades.
Os países que aderiram à Convenção tem que adotar medidas imediatas e eficazes,
especialmente no domínio do ensino, educação, cultura, informação, para lutar contra o
preconceito que leva contra a discriminação racial, e promover a compreensão, indulgência e
amizade entre povos e raças ou nacionalidade.
Esses compromissos são de longo alcance, e mostram a rejeição geral de
discriminação.
No início de 2009, 173 países haviam aderido. O Brasil aderiu por meio do decreto
65.810 de 08 de dezembro de 2009.
Essa convenção prevê um organismo de fiscalização – Comitê para eliminação da
discriminação racial.
De acordo com o art. 9º, os países são obrigados a relatar as suas medidas adotadas
contra o racismo a cada 2 anos. Esse período curto provou ser impraticável. Por isso, reduziu-
se a obrigação periódica e passou a priorizar a análise de relatórios urgentes, para uma análise
mais detida.
Os procedimentos do Comitê são relativamente ineficientes, em comparação com os
procedimentos do Pacto Internacional dos Direitos Civis.
Nos termos do art. 11, há, ainda, uma queixa estatal facultativa, ou seja, os Estados-
partes podem se dirigir a um Comitê se observarem manifestações raciais em outros Estados
partes.
O art. 14 prevê que os Estados partes podem declarar que dão ao seu cidadão o direito
de reclamar perante o Comitê (reclamações individuais). Até 2009, 53 países declararam que
aceitam essa possibilidade de conferir direito de petição ao indivíduo, inclusive o Brasil
(2003).
Contudo, a comunicação individual vem sendo tímida, realizadas por cidadãos
europeus, mas sendo julgadas injustificadas.

Convenção Para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (1979)


Em 1946, a ONU criou uma Comissão para tratar da condição da mulher. Em 1952, foi
elaborada uma convenção sobre os direitos políticos da mulher. Em 1957, foi elaborada uma
convenção sobre a nacionalidade das mulheres casadas. Em 1962, elaborou-se convenção
sobre aprovação do casamento.
A discriminação contra a mulher faz parte da pauta da ONU há algum tempo. Mas o
instrumento mais importante e poderoso é, sem dúvidas, a Convenção de 1979.
O conceito de discriminação contra a mulher está definido no art. 1º. A Convenção
ainda contém uma série de obrigações positivas, como a eliminação do tráfico de mulheres e a
prostituição.
Em contraste com a convenção, a segregação baseada no gênero, como praticada em
países como Arábia Saudita e Afeganistão, não é mencionada; assim como a violência na
família, propagandas sexistas, frequentar lugares públicos etc. São pontos frágeis da
Convenção.
A Convenção dispõe de um mecanismo de fiscalização sob a forma de um Comitê
(composto por especialistas, que recebem o relatório dos signatários). Em dezembro de 2000,
entrou em vigor um Protocolo Facultativo, de modo que passou a aceitar comunicações
individuais. O Brasil ratificou esse protocolo através do decreto legislativo 107 de 06 de junho
de 2002.
Por fim, em geral, parece que a maioria dos países toma medidas efetivas para a
implementação da Convenção.

Convenção Contra a Tortura (1984)


A tortura é uma agressão direta à dignidade humana, e uma grave violação de direitos
humanos. Estas violações ainda não foram superadas, apesar da proibição dessas condutas.
Podemos apontar a forma de tratamento conferida a supostos terroristas.
Há muitas ONGs que integram a sociedade civil internacional, como a Anistia
Internacional, que relata que em, aproximadamente, metade dos países, a tortura é
sistematicamente utilizada. Até mesmo os EUA recorrem a estas práticas, na sua luta contra o
terrorismo.
Nos anos de 1970, a ONU começou a tomar medidas contra a tortura. E, em 1984,
seguiu-se a Convenção Contra a Tortura.
Esta convenção obriga os Estados a tomarem medidas administrativas, legislativas e
jurisdicionais ou outras eficientes, para impedir a tortura em todas as suas áreas de jurisdição.
A tortura não pode ser um mecanismo utilizado em qualquer que seja a situação, pois
não existe justificativa para a tortura. O art. 1º desta Convenção traz uma definição do termo
“tortura”.
Na doutrina, critica-se essa definição, vez que muito estrita. Assim, não pode ser
cometida por omissão e negligência; nem no âmbito privado; permite um sofrimento
necessário; e não pode acontecer sem um propósito, como o puro sadismo.
Ainda, não menciona os castigos corporais aplicados nos países islâmicos, bem como
que se legalize a tortura no combate ao terrorismo, o que é um retrocesso em direitos
humanos.
O tratamento degradante e menos grave também é coibido. Um Comitê de especialistas
contra a tortura recebe relatórios dos Estados, mas pode receber queixas dos Estados, e
conduzir inquérito se houver evidência da tortura (art.20). Somente pode se realizar o
inquérito no local, com o consentimento do Estado. Os países podem recorrer (art. 28).
Esta convenção foi ratificada por 146 países, inclusive o Brasil (desde 1989), através
do decreto 40 de 14 de fevereiro de 1991. O primeiro relatório foi apresentado somente em
2001, e se considerou crítico a cultura de aceitação de abuso de poder de servidores públicos,
especialmente em delegacias de polícia, e também as más condições de higiene nas prisões.
Por fim, uma medida que poderia contribuir para a prevenção eficaz seria a criação de
um mecanismo que possa visitar nos Estados partes as delegacias, prisões e estabelecimentos
similares sem convite prévio.
Isso foi formulado por um Protocolo Facultativo em 18 de dezembro de 2002. Em 26
de junho de 2006, entra em vigor um Subcomitê da Convenção que tem esse poder. Em 2009,
46 países já haviam ratificado, entre eles o Brasil (decreto 6085 de 19 de abril de 2007).

Convenção Sobre os Direitos das Crianças


A criança, como um grupo vulnerável, necessita de uma proteção especial, razão pela
qual, desde 1959, a ONU adotou uma declaração dos direitos da criança. Entretanto, em
virtude de inúmeras violações dos direitos da criança, surgiu a necessidade de se elaborar um
Tratado Internacional para salvaguardar esses direitos.
Foi aprovada, com grande apoio, em 1989, pela Assembleia Geral da ONU e entra em
vigor 01 ano após.
Hoje, 193 Estados pertencem a esta Convenção. É a que possui a maior abrangência,
não sendo ratificada somente pelos EUA e pela Somália.
A Convenção define crianças como pessoas menores de 18 anos, abrangendo também
os adolescentes.
Este tratado envolve direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e direito
humanitário internacional.
De um lado, o texto reconhece a vulnerabilidade especial da criança; e, de outro,
consagra e protege o desenvolvimento da sua identidade e autodeterminação.
Portanto, são impostas aos Estados obrigações positivas para assegurar um padrão de
vida digno, acesso à saúde, educação (…).
Princípios que permeiam essa convenção:
a) Princípio da proibição da discriminação (art. 2º);
b) Direito à vida e ao desenvolvimento ideal (art. 6º);
c) Direito à participação (art. 12);
d) Orientação ao melhor bem-estar da criança (art. 3º)
A Convenção busca um equilíbrio na relação Estado-pais-crianças, sendo a
responsabilidade principal dos pais. Ao Estado compete um dever fiduciário.
As regras da convenção dos direitos da criança é o excesso de detalhamento,
regramento demasiado. Por outro lado, as disposições que tratam da exploração precisariam de
um aprofundamento.
Esta solução foi encontrada por meio do Protocolo Facultativo referente à venda de
crianças, à prostituição e pornografia infantil, entrando em vigor em 2002, e ratificado por 130
países até o início de 2009, dentre os quais o Brasil (em 2004).
Ademais, a proibição do trabalho infantil foi complementada pela Convenção 182 da
OIT sobre a proibição das piores formas de trabalho infantil.
As chamadas crianças-soldados é considerada uma das piores formas de abuso infantil,
mas a Convenção não possui proibição clara quanto ao recrutamento de crianças.
O art. 38 permite o recrutamento a partir dos 15 anos, inclusive de participar de lutas
armadas, o que contradiz com o art. 3º.
O Protocolo relativo ao envolvimento de crianças em conflitos armados buscou
solucionar essa questão, estimulando que somente os maiores de 18 anos podem ser recrutados
compulsoriamente. Voluntariamente, as pessoas maiores de 16 anos podem aderir às Forças
Armadas. Foi ratificada por 127 países. O Brasil aderiu em 2004.
Esta opção foi necessária em alguns países, em que as frentes de trabalho são bem
poucas.
A implementação da Convenção é monitorada por um Comitê de especialistas, e os
seus poderes se limitam à análise dos relatórios estatais. No art. 45, permite-se que ONGs
participem do processo.

Convenção para a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros


das suas Famílias
Esta Convenção foi aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1990, e
entrou em vigor em 2003, tendo por escopo a não discriminação deste grupo vulnerável.
No início de 2009, faziam parte 40 países. No entanto, só fazem parte os países de
origem dos trabalhadores migrantes. Os países do Norte industrializado, que são de
acolhimento, rejeitam a Convenção, por tratar igualmente trabalhadores legais e ilegais. O
Brasil não faz parte da Convenção.
Em 2004, o órgão de monitoramento (Comitê dos trabalhadores migrantes) iniciou os
trabalhos. Examina os relatórios dos Estados, e pode receber, em algumas circunstâncias,
comunicações individuais.

Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Necessidades Especiais


Esta convenção foi aprovada pela Assembleia Geral da ONU em 2006, com a
resolução A61611, e entrou em vigor em 2008.
No início de 2009, ratificaram 49 países, dentre eles o Brasil.
A Convenção tem por objetivo promover, proteger e assegurar o exercício pleno e
equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais das pessoas com
necessidades especiais, bem como promover o respeito pela sua dignidade.
Pessoas com necessidades especiais são aquelas com necessidades especiais físicas,
mentais ou sensoriais, que, em conjunto com diversas barreiras, podem impedir a participação
plena e igualitária com outros na sociedade.
No art. 3º, formulam-se 8 princípios fundamentais:
a) Respeito pela dignidade inerente; independência da pessoa, inclusive a liberdade de
fazer as próprias escolhas e autonomia individual;
b) Princípio da não discriminação;
c) Plena e efetiva participação e inclusão na sociedade;
d) respeito pela diferença e aceitação das pessoas com necessidades especiais como
parte da diversidade humana e da humanidade;
e) igualdade de oportunidades;
f) acessibilidade;
g) igualdade entre o homem e a mulher;
h) respeito pelas capacidades e desenvolvimento das crianças com necessidades
especiais, e respeito pelo seu direito a preservar a sua identidade.
No âmbito dessa Convenção, há um Comitê de especialistas, que se reuniu, pela
primeira vez, em 2009, cujo papel é monitorar a aplicação e realização da Convenção. 28
países ratificaram o protocolo facultativo, que permite as comunicações individuais.

Convenção Internacional para a Proteção de Pessoas Contra o Desaparecimento Forçado


Essa conduta fez parte da ordem do dia de muitas ditaduras latino americanas, como a
brasileira, argentina, chilena, peruana, boliviana, venezuelana etc. Desde 1980, a ONU
trabalha neste tema, quando existia um grupo de trabalho de direitos humanos que se ocupou
do tema.
Em 1992, a Assembleia Geral aprovou uma declaração para a proteção de pessoas
contra o desaparecimento forçado (declaração A/RES/47/133). Em 2003, iniciou-se a
codificação que culminou com a aprovação da Convenção pela Assembleia Geral em 20 de
dezembro de 2006, sendo assinada e até fevereiro de 2009, ratificada por 81 países, mas ainda
não entrou em vigor.
O Brasil assinou em 2007. A Argentina já ratificou.
Pela Convenção, o desaparecimento forçado é considerado um crime contra a
humanidade. Os Estados partes se comprometem a incluir esses delitos no Código Penal e a
tomar todas as medidas necessárias para aplicação/realização da lei.
No art. 7º, do Estatuto do TPI, o desaparecimento forçado constitui um crime contra a
humanidade punível, mas o TPI somente terá competência se o crime for cometido em se
tratando de ataque generalizado ou em grande escala contra a população civil.
Na América Latina, o crime de desaparecimento forçada tem papel especial,
largamente praticado na ditadura. Na Argentina, por exemplo, havia o chamado campo “El
Limpo”, em que se faziam os voos da morte, e as pessoas eram jogadas ao mar.
Em 1994, foi criada em Belém, uma convenção interamericana contra o
desaparecimento forçado, que entra em vigor em 28 de março de 1996. O Sistema
Interamericano já tinha formulado uma Convenção nesse sentido, tendo impulsionado a
codificação universal.

Conclusão
Hoje, existe uma codificação global em sua totalidade e em relação a determinados
grupos. A tarefa da comunidade internacional é garantir que os Estados ratifiquem essas
Convenções, que retirem as suas reservas e efetivem o gozo dos direitos humanos por parte
dos seus indivíduos. É o desafio da proteção efetiva.
A partir de então, alcançaríamos um padrão de proteção dos direitos humanos. Para
além da ratificação dos Tratados, devemos respeitá-los e efetivar as suas normas.
Antônio Casezi fala da experiência do mal, da manipulação dos direitos humanos pelos
Estados.
O trabalho dos organismos de monitoramento deve ser apoiado. As comunicações
individuais devem ser incentivadas, pois coloca o indivíduo na posição de se defender da
violação dos direitos humanos.
Ainda, os Comitês de monitoramento são altamente burocráticos e há bastante
interferência nos relatórios dos Estados, de forma que há muito a ser feito no tocante ao
aperfeiçoamento dessas medidas de proteção dos direitos humanos.
A debilidade do monitoramento ainda é patente, pois a comunidade internacional
pouco cuida da implementação após a conclusão da análise do relatório.
O sistema de direito ou princípio de Estado de direito não pode ser transferido para os
órgãos do Tratado, o que se requer um maior interesse dos atores não estatais nesse processo
político.

Mecanismos institucionais de implementação dos direitos humanos pelos órgãos da ONU


Além da proteção dos direitos humanos pelos órgãos criados por Tratados, a própria
ONU é obrigada a proteger os direitos humanos por força da Carta. Esta defesa é feita por
meio dos seus órgãos.

Conselho de Direitos Humanos


É o sucessor, nos anos 90, da desacreditada Comissão de Direitos Humanos. O
Conselho tem duas principais tarefas: a de promover a codificação dos direitos humanos e a de
lidar com as violações de direitos humanos.
É o órgão central para a proteção dos direitos humanos dentro do sistema da ONU. Foi
instaurado pela resolução A/60251 como órgão subsidiário da Assembleia Geral da ONU.
Constitui-se de 47 membros, nomeados pela Assembleia Geral por voto secreto com maioria
absoluta, ou seja, 97 dos 192 votos, por um período de 2 anos.
Dentro desses 47 membros, já houve momentos de serem membros Estados que
notoriamente violadores de direitos humanos.
Houve pedido para que os membros do Conselho de Direitos Humanos tenha bom
histórico no que concerne ao respeito pelos direitos humanos. Em 2008, o Brasil foi eleito
para o Conselho.
Mas nem todos os países tem bom histórico. Os membros do Conselho se reúnem, pelo
menos, 3 vezes ao ano. Pode, ainda, realizar sessões especiais.
Ocupa-se principalmente das violações graves aos direitos humanos. Um papel
interessante é que o Conselho é responsável pela educação em direitos humanos, bem como
pela prestação de serviços de consultoria. Atua como um Fórum para o diálogo sobre questões
temáticas de todos os direitos humanos.
É considerado um grande passo que todos os países devem se submeter a uma revisão
periódica – entregar um relatório de 20 páginas sobre a atuação dos direitos humanos em sua
jurisdição, a serem produzidos com atores não estatais.
Um segundo relatório de 10 páginas é apresentado pelo secretariado da ONU, com
base em informações de relatores especiais.
O terceiro relatório vem de organizações não governamentais.
Todos esses relatórios são examinados por um grupo de trabalho constituído por todos
os 47 membros do Conselho em prazo de 3 horas.
Não-membros do Conselho podem apenas apresentar breves considerações.
Este processo é avaliado como positivo na doutrina, pois os examinadores são
representantes do governo, expressando a posição do Governo com as suas questões.
A possibilidade para se caminhar para um diálogo é visto como altamente positivo.
Faz-se válido que todos os países se submetam a este procedimento. Contraria-se a posição
segundo a qual somente países desenvolvidos participem dele. Em 11 de abril de 2008, por
exemplo, o Brasil participou.
O Conselho possui poderes para aplicar procedimentos especiais a determinados temas
de direitos humanos. Ex. A instituição de um relator especial temático é uma possibilidade.
Outro instrumento que o Conselho pode lançar mão é a instituição de relator especial
de cada país, cuja tarefa é compilar e controlar todas as informações relevantes sobre os
países.

Comitê consultivo
É um Comitê consultivo do Conselho dos Direitos Humanos, tendo substituído a
chamada sucomissão para proteção e promoção dos direitos humanos. Seu papel é prestar
assistência ao Conselho de Direitos Humanos.
O Sistema das Nações Unidas conta com uma Comissão para o Status da Mulher, que
foi fundada por uma resolução do Conselho Econômico e Social, denominada Comissão
Funcional, com 45 membros e que se ocupa exclusivamente da igualdade entre os sexos e
desenvolvimento das mulheres no mundo.
Há outras comissões temáticas para a defesa dos direitos humanos, como por exemplo,
a comissão para prevenção dos crimes; o Fórum permanente para assuntos indígenas.
O alto-comissariado da ONU para os direitos humanos é outro mecanismo de
monitoramento dentro do sistema. É um componente do secretariado das Nações Unidas, que
tem a tarefa de promover e proteger os direitos humanos universais no mundo. Para cumprir
essa missão, realiza as suas próprias pesquisas, realiza seminários, workshops, consultorias
sobre questões atuais etc.
Trabalha também com pronunciamentos e apelos à publicidade; procura o diálogo com
o governo e engaja-se com a intermediação dos direitos humanos ao redor do mundo. Dá
importância à cooperação e participação de organizações não governamentais e de grupos da
sociedade civil, além de apoiar a criação de grupos da sociedade civil na defesa dos direitos
humanos.

Assembleia Geral da ONU


De acordo com o art. 10 da Carta da ONU, ela possui uma responsabilidade geral por
todas as questões no âmbito do estatuto, inclusive pela promoção e proteção dos direitos
humanos. A única exceção é o art. 12, que dá prioridade ao Conselho de Segurança.
Os direitos humanos integram o âmbito de competência da Assembleia Geral.
A Assembleia Geral aprovou todos os tratados de direitos humanos elaborados pela
ONU e recomendou que os Estados o ratificassem.
De grande importância política são as conferências mundiais e as sessões especiais. Ex.
Cúpula do Milênio de setembro de 2000, onde se discutiram objetivos para o próximo milênio,
cujo resultado foi alcançar, em 2015, uma série de objetivos, como a redução pela metade das
pessoas vivendo em pobreza absoluta, eliminação da discriminação contra as mulheres na
educação; redução da mortalidade infantil (em 2/3) e materna (em 3/4); acesso básico à
educação; fim da propagação da malária e da AIDS; desenvolvimento sustentável; proteção
dos recursos naturais; supressão das dívidas; acesso a medicamentos e comunicação, entre
muitos outros.
A Assembleia Geral condena as violações de direitos humanos. Assim, por exemplo,
ela atuou em relação à Coreia do Norte, com a resolução 62167, salientando que é obrigada a
preservar os direitos humanos em razão da sua vinculação à ONU e aos Tratados de Direitos
Humanos. Condena as torturas, condenações públicas, e demais formas de violação.

Conselho de Segurança
Segundo o art. 24 da Carta, o Conselho de Segurança tem a responsabilidade principal
pela paz mundial, e deve agir imediatamente em caso de ameaça a esta paz. Ex. Violações
sistemáticas e em massa aos direitos humanos, que representam ameaça à paz.
O Conselho de Segurança classificou, no art. 39, diversas formas de ameaça à paz,
agindo para superar esses perigos.
Ex. Em 1992, considerou-se a fome na Somália como ameaça à paz, e decidiu utilizar
Forças Militares para levar assistência humanitária para as pessoas necessitadas, depois da
tentativa, sem sucesso, de incursões não militares. Pela primeira vez, as violações de direitos
humanos foram respondidas, dentro de um país, pela comunidade internacional com a
intervenção coletiva. Desse modo, pode-se agir militarmente contra a violação dos direitos
humanos.
Muitas vezes, esta intervenção é bloqueada pelas grandes potências que possuem o
poder de veto no Conselho de Segurança.
Em 1998, a situação de Kosovo constituía uma ameaça à paz e à região, mas não pôde
tomar as medidas necessárias naquele momento, de modo que o Conselho de Segurança não
cumpriu a sua função de salvaguardar a paz no mundo. Os países da OTAN, em 1999, fizeram
uma intervenção militar sem autorização do Conselho de Segurança, justificada pela
necessidade de intervenção humanitária em razão da situação de emergência.
Há uma discussão ainda em curso sobre o instituto de intervenção humanitária.

Discussões sobre intervenção humanitária


Em 23 de março de 1999, a OTAN iniciou os ataques aéreos contra a Sérvia para pôr
fim às violações maciças de direitos humanos em Kosovo. Havia uma discriminação contra a
população albanesa, o que se classificou como crime contra a humanidade, atribuída à
população sérvia. Mais de 90% da população não sérvia foi expulsa.
Somente após 78 dias de bombardeio da OTAN, cessaram as perseguições dos sérvios
aos albaneses.
Argumentos a favor da intervenção humanitária promovida pela OTAN: foi justificada
por razões morais, para prevenir o genocídio e crimes contra a humanidade. A intervenção
também era necessária, pois não havia outra solução realista. A intervenção foi justificada
porque se estabeleceu uma ameaça à paz pelo Conselho de Segurança, que não atuou. O
direito consuetudinário permitiu uma intervenção humanitária.
Argumentos contrários à intervenção: o Conselho de Segurança teria o monopólio da
violência. Ademais, a Assembleia Geral não foi invocada. A ação não estaria prevista no
Tratado da OTAN, que só conhece a autodefesa como motivo de ação.
Elaborou-se um conceito abrangente em 2001 da responsabilidade para proteção, por
uma Comissão Internacional independente, acolhida pelo Secretário Geral da ONU, em suas
propostas de reforma do referido organismo, sedimentando-se em uma resolução do final de
2005.
Assim, se um país não assume a responsabilidade de tutelar os direitos humanos, deve
permitir que a comunidade internacional a assuma.
Renuncia-se à concepção tradicional de soberania, na medida em que a população
vítima é colocada em primeiro plano.
Deve-se observar 5 critérios básicos: gravidade da ameaça às pessoas; a integridade
dos motivos da comunidade internacional; a utilização da força militar apenas como último
recurso; proporcionalidade da utilização dos recursos; adequação das consequências.
Ainda se discute se a responsabilidade para proteger tem a qualidade do direito
consuetudinário. É uma grande dúvida, mas a violação dos direitos humanos não constitui
mais assunto interno dos Estados.

Mecanismos de Proteção no âmbito internacional

Comitê de Direitos Humanos


Art. 28 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.
Os membros do Comitê são eleitos e são integrados por nacionais dos Estados parte do
pacto – pessoas de elevado valor moral e reputado conhecimento em matéria de direitos
humanos.
O Comitê tem competência para analisar os relatórios anuais dos Estados, bem como
apreciar as denúncias estaduais contra outros Estados, e denúncia por particulares, através de
um procedimento quase contencioso (mas depende da assinatura de um Protocolo Facultativo)
O Comitê de Direitos Humanos tem desenvolvido um corpus jurisprudencial do maior
relevo na interpretação e realização dos direitos humanos em geral.
O art. 40 do Pacto prevê que os Estados submetam relatório sobre as medidas por eles
adotadas para tornar efetivas os direitos previstos no Tratado.
Os relatórios são submetidos ao Secretário-geral das Nações Unidas, que vai
encaminhar para o exame ao Comitê.
Dentro de um prazo de 3 meses, o Estado parte considerar que um outro não vem
cumprindo as disposições, poderá, mediante comunicação escrita, levar o conhecimento da
questão a este. Se, dentro de um prazo de 6 meses, a contar da data da comunicação ao Estado
destinatário, a questão não tiver sido dirimida, qualquer dos Estados poderá levar a questão ao
Comitê.
O Comitê se submete à exigência do prévio esgotamento dos recursos internos.
O art. 42 do Pacto traz outra questão importante – Comissão ad hoc.

Conselho de Direitos Humanos


Até a sua recente criação, existia a Comissão de direitos humanos, composta por 53
Estados e funcionava como órgão subsidiário do Conselho Econômico e Social da ONU.
Trata-se de órgão da ONU, diferentemente do Comitê (fruto de Tratado Internacional),
e busca a implementação dos direitos humanos.
O Conselho é órgão subsidiário da Assembleia Geral da ONU.
Esse órgão se reúne regularmente (3 vezes ao ano, no mínimo), com uma sessão de 10
semanas. Pode se reunir excepcionalmente, pode formular recomendações à Assembleia Geral
da ONU e aos Estados para promover e respeitar os direitos humanos.
Nos seus trabalhos, poderão ser admitidos como observadores Estados, organizações
intergovernamentais e nacionais de direitos humanos, organizações não governamentais etc.

Comitês Especiais
Estão previstos pelas várias Convenções Internacionais para lidarem com tipos
específicos de violações de direitos humanos: Comitê para a tortura; direitos econômicos e
sociais; do direito das crianças; para eliminação da discriminação racial; para eliminação de
discriminação contra as mulheres. Este último tem competência para analisar queixas
individuais ou coletivas a favor de indivíduos e grupos.
As queixas só podem dizer respeito aos Estados, e é um Protocolo Facultativo. Deve se
basear na Convenção de Eliminação da Discriminação Contra as Mulheres. Esse Comitê
também tem o poder de fazer recomendações provisórias de medidas de direito para proteção
da mulher.

Alto comissariado para os direitos humanos


O art. 1º, 13, 55 da Carta da ONU, e a resolução 48.141 de 1993 prevê a existência do
alto comissariado. Compete-lhe agir em cooperação com todos os órgãos de proteção dos
direitos humanos, e reagir à ocorrência de violações graves; bem como desenvolver ações de
caráter preventivo, nomeadamente através de missões em regiões específicas. O alto
comissariado desenvolve, ainda, atividades no domínio da sensibilização e da educação para
os direitos humanos.

Organização Internacional do Trabalho


A OIT é criada pelo Tratado de Versalhes de 1920, como um Fórum Internacional de
discussão das questões sociais.
Desde 1949 é uma agência especializada da ONU, dando um importante contributo em
relação aos standards mínimos de condições de trabalho, cujo conteúdo assume bastante
importância no contexto de globalização da economia. Seus desafios ainda são muito grandes,
sobretudo em países da Ásia.
A OIT afirma 4 tipos essenciais de direitos: direitos básicos (contra a servidão
involuntária, trabalho infantil e discriminação); direitos cívicos (liberdade de associação
sindical); direito de sobrevivência (como direito ao subsídio de invalidez ou não ser submetido
a condições excessivamente perigosas); direitos de segurança (restrições ao despedimento e
direito a benefício por aposentadoria).
Apesar de tudo, a doutrina considera que os cerca de 180 Tratados elaborados sob a
égide da OIT dispõem de meios de realização e de aplicação inadequados.

Programas de cooperação técnica na área de direitos humanos


A proteção de direitos humanos requer uma preparação tecno-jurídica adequada,
designadamente na preparação de membros das Forças Armadas, juristas participantes na
elaboração e implementação da lei e das convenções de direitos humanos.

Implementação das Convenções de direitos humanos


A ratificação dos direitos humanos nem sempre traduz a posteriori uma melhoria
efetiva em matéria de direitos humanos.
Hoje, é muito maior nos Estados que têm um compromisso constitucional com os
valores da dignidade humana, direitos fundamentais, democracia e do Estado de Direito.
Em todo caso, a celebração de Convenções Internacionais sobre direitos humanos é
globalmente positiva, na medida em que permite, a longo prazo, maior empenho da ONU e
comunidade internacional na promoção e denúncia da violação de direitos humanos, com
implicação para Estados que não ratificaram a Convenção.

Avaliações doutrinárias acerca dos mecanismos de garantia institucional em âmbito


universal
Quanto aos mecanismos de garantia institucional em âmbito universal, há uma
antinomia fundamental, pois são os Estados os maiores violadores de direitos humanos,
enquanto deveriam promovê-los e protegê-los. O melhor modo para assegurar o respeito pelos
direitos humanos é a previsão de garantias judiciárias internacionais.
Todavia, na comunidade internacional, não vigora o princípio da solução judiciária
obrigatória de controvérsias. Repousa sempre sobre a manifestação de vontade dos Estados,
aceitando ou não a solução judiciária.
Além disso, tais mecanismos são formas mais brandas e menos eficientes daqueles
existente em âmbito regional. No âmbito universal, não existem mecanismos de garantia de
tipo jurisdicional, como existem no modelo regional europeu e americano.

Mecanismos instituídos pelos Tratados de Direitos Humanos


Cuida-se dos Comitês, que atuam por meio de 3 procedimentos:
a) exame dos relatórios estatais (das relações periódicas transmitidas pelos Estados-
partes). As respostas tem natureza recomendatória, isto é, não são vinculantes, o que
demonstra que se trata de uma forma de controle muito frágil, pois é baseada na vontade de
colaboração dos Estados-membros.
b) exame por violações cometidas por um outro Estado parte. Apenas pelos Estados
que aceitaram o Protocolo Facultativo. Trata-se de sistema inoperante, pois nenhum Estado
tem interesse em ativar um sistema de acusações recíprocas.
c) exame de violações de direitos humanos por indivíduos ou grupo de indivíduos.
Depende da aceitação do Estado, normalmente através de um protocolo facultativo. Essas
comunicações possuem dimensão ética e política, mas não ostentam vinculatividade jurídica.
A eficácia desses Comitês se manifesta por meio da adoção de observações gerais, a
fim de garantir a uniformidade da interpretação do Pacto dos Direitos Civis e Políticos na
ordem interna dos Estados.
O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais também traz
protocolo facultativo para receber comunicações individuais.
O mecanismo dos relatórios é pouco eficaz. E, 1985 é criado o Comitê para o
desenvolvimento dos direitos econômicos e sociais, inspirado no modelo do Comitê previsto
no Pacto de Direitos Civis e Políticos. A diferença é que o primeiro é órgão subsidiário do
Comitê Social e Econômico, e não um órgão instituído pelo Tratado, de modo que não pode
examinar comunicações individuais.
Os mecanismos instituídos pelos direitos humanos consistem em uma rede vasta, mas
bastante ineficaz.
Os vários Comitês não impõem a litispendência, de forma que uma mesma
comunicação pode ser avaliada por vários Comitês.

Mecanismos instituídos por resoluções dos órgãos da ONU


As resoluções da Assembleia Geral são os principais mecanismos, assim como aquelas
instituídas pelo Comitê Social e Econômico, criado em 1985.
A Comissão de Direitos Humanos, que antecede o Conselho de Direitos Humanos, foi
criada em 1946 para monitorar os direitos humanos nos Estados-partes da ONU. Não se
confunde com o Comitê de Direitos Humanos, instituído pelo Pacto Internacional de Direitos
Civis e Políticos, órgãos com atuações diferentes.
A Comissão era órgão subsidiário do Comitê Social e Econômico, mas, em 1967, foi
previsto mecanismo pelo qual poderiam ser analisadas as comunicações individuais por
violações graves e persistentes de direitos humanos (resolução 1235) – pela primeira vez o
indivíduo pôde acionar mecanismo de controle em âmbito universal.
A Comissão de Direitos Humanos elaborou sistema especial de relatórios – por tema
ou por território – que se desenvolveu gradualmente para enfrentar exigências particulares.
O alto-comissariado das Nações Unidas foi instituído pela Res. 48141 da Assembleia
Geral, posteriormente à Conferência Internacional sobre direitos humanos organizada em
Viena em 1993.
A função principal do alto-comissariado é exercer um papel ativo na prevenção à
violação de direitos humanos no mundo.
As várias estruturas devem evitar uma postura acusatória, e focar na atitude
conciliatória, o que traz mais resultados do que uma atitude de confronto.
Em grande parte, as informações e conhecimentos adquiridos são utilizados em
círculos internos e restritos das Nações Unidas.
A Comissão de direitos humanos foi substituída pelo Conselho de Direitos Humanos
nos anos 90, que tem a tarefa de promover a codificação dos direitos humanos e promover a
sua efetivação. Atua como Fórum de questões temáticas referentes aos direitos humanos.

Especificidades dos Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos


A defesa dos direitos humanos precisa se ocupar dos pressupostos gerais de aplicação e
realização dos direitos humanos. Os Tratados de direitos humanos mostram uma série de
particularidades.
Âmbito de validade material dos Tratados de Direitos humanos
Os tratados entram em vigor frequentemente após o depósito de um determinado
número de diploma de ratificação em uma instituição designada para ser a depositária, como o
Secretário Geral da ONU (ex. Art. 29 do Pacto de Direitos Civis e Políticos).
Nos casos em que os Tratados não regulam a entrada em vigor, devemos nos socorrer
das regras gerais previstas na Convenção de Viena sobre os Tratados (em particular, o art. 24).

Momentos da formalização do Tratado


Assinatura: os Estados declaram o texto negociado e a sua prontidão de iniciar os
procedimentos nacionais para receber a autorização do legislador para se obrigar
internacionalmente (por meio da ratificação do acordo).
O art. 14 da Convenção de Viena trata desse tema. O único compromisso advindo da
assinatura do Tratado é o de não frustrar os seus objetivos e finalidades antes de entrar em
vigor (art. 18 da Convenção de Viena).
O pacta sunt servanda ainda não se aplica, pois ainda está na fase da assinatura. O ato
com o qual o Estado se torna contratante é a ratificação, junto com o depósito do diploma. A
assinatura apenas indica a intenção de o Estado assinar o Tratado.

Direito dos Tratados sobre direitos humanos


Os tratados de direitos humanos possuem uma série de especificidades, mas há a
possibilidade de se recorrer às disposições gerais da Convenção de Viena de 1969.

As especificidades dos tratados de direitos humanos


Em princípio, os tratados de direitos humanos se submetem às regras dos demais
tratados internacionais, apesar de possuir uma série de especificidades.

Âmbito de validade material


Os tratados de direitos humanos, como tratados multilaterais que são, frequentemente
tem a sua entrada em vigor prevista após um determinado número de depósitos de ratificação.
Geralmente, esses tratados também determinam a instituição designada para exercer essa
função de depositário, como o Secretário-Geral da ONU.
Na hipótese em que não é regulada o depósito em instrumentos de ratificação,
devemos nos socorrer das regras gerais (Convenção de Viena, em particular o art. 24).
No âmbito interno, o Executivo negocia, enquanto o Legislativo aprova, com ou sem
reservas, podendo apresentar emendas. O Executivo aprovará por decreto presidencial,
passando a surtir efeito no plano interno.
Pela assinatura do Tratado, o Estado declara o texto negociado, e a sua prontidão de
iniciar os procedimentos internos e necessários para receber a autorização do legislador, e se
obrigar internacionalmente através desse acordo.
A única obrigação jurídica que decorre da assinatura é de não frustrar o objetivo e a
finalidade do tratado antes da sua entrada em vigor.
O ato preciso em que os Estados se tornam contratantes é a ratificação, pelo qual o
Tratado passa a ser considerado vinculativo para o Estado contratante. Isso exige a
transformação do tratado no direito doméstico em alguns ordenamentos jurídicos.
A assinatura meramente indica a pretensão do Estado de ratificar o Tratado
Internacional.

Aplicabilidade dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos na Ordem Jurídica


Interna
Há Constituições que partem da ideia de que o direito internacional e o direito estatal
formam uma só ordem jurídica, uniforme. É o entendimento, a grosso modo, do monismo.
Dentro dessa lógica, algumas ordens jurídicas aceitam a primazia do direito internacional,
outras estipulam a do direito estatal, e mais frequentemente, há um compromisso entre essas
duas posições radicais.
A maioria dos documentos Constitucionais consideram o direito internacional e o
direito nacional como ordens jurídicas autônomas, de forma que não há a questão da primazia,
mas sob quais condições as normas de direito internacional pode ser executada na esfera
interna dos Estados.
Alguns legisladores optam por uma postura amigável para com o direito internacional.
Ex. Aceitam a incorporação automática na ordem jurídica interna.
Outras já pressupõem um ato jurídico, como uma lei de aprovação, para que se declare
a aplicabilidade do Tratado Internacional na esfera interna.
No Brasil, o art. 5º, § 3º, CR prevê que os Tratados Internacionais sobre direitos
humanos deve ser aprovado em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por 3/5 dos
votos dos respectivos membros, equivalendo às emendas constitucionais.
O STF entende que os Tratados que não seguirem esse rito valerão como normas
supralegais, pois estão acima da lei, mas abaixo da Constituição (HC 87285/TO; RE
466.343/SP).
A CRFB segue o modelo dualista, segundo o qual os tratados internacionais sobre
direitos humanos não são automaticamente aplicáveis, necessitando serem transformados na
ordem interna, o que se efetiva pelo decreto presidencial.
Ocorre que uma forte doutrina, capitaneada por Cançado Trindade, sustenta que, em
razão do art. 5, § 1º, CF haveria uma abertura para essa normação internacional, pois o rol de
direitos fundamentais não exclui outros decorrentes de tratados internacionais.
Há normas cujo conteúdo ainda carecem de uma certeza suficiente e, por isso,
precisam ser concretizadas pelo legislador.
Isso não significa que todos os direitos garantidos nas codificações não criem
obrigações diretas para o indivíduo.
Há normas que são diretamente aplicadas, denominadas de self executing. Outras
normas demandam concretização do legislador.

Reservas
Os Estados que não podem ou não querem aceitar a validade de um determinado
dispositivo, mas, ao mesmo tempo, querem fazer parte do Tratado, podem, unilateralmente,
excluir o dispositivo por meio de uma reserva.
Ex. O art. 2º, I, d, da Convenção de Viena de 1969 apresenta o conceito de reserva.
É uma ferramenta importante para que o Estado faça parte do Tratado, apesar da
modificação unilateral do seu conteúdo.
Nem toda declaração escrita que parece ser uma reserva é, de fato, uma reserva,
podendo se tratar de uma declaração interpretativa. Muitas vezes, a linha que as separam é
muito tênue.
A declaração interpretativa não tem a intenção de modificar o texto do Tratado.
Os Estados não podem hipertrofiar o uso de reservas, em particular no que diz respeito
aos objetivos e conteúdos principais do Tratado, sob pena de se pôr em risco a normatividade
internacional protetiva.
Várias Convenções de direitos humanos mostra um número muito alto de reservas.
O art. 19 da Convenção de Viena declara inadmissível a reserva quando incompatível
com o Tratado e com o seu objeto e finalidade.
No que tange aos tratados de direitos humanos, as proibições absolutas de reserva são
raras, pois se quer alcançar um grande número de Estados.
O Comentário geral nº 24 do Comitê de Direitos Humanos da Comissão Europeia, que
versa sobre o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, cuida das reservas nesse
Tratado, trazendo exemplos e explicações de reservas.
As reservas são inadmissíveis quando tem por objeto garantias que são integram o
costume internacional e/ou jus cogens.
Quais são as consequências jurídicas de uma reserva inadmissível? Alguns Estados
utilizam o seguinte argumento: primeiro, faltaria aos órgãos de proteção de direitos humanos
competência para analisar a questão, sobretudo os órgãos de monitoramento. Os Estados que
fizeram reservas inadmissíveis são plenamente obrigados pelo acordo.

Âmbito de validade temporal dos Tratados sobre direitos humanos


As restrições também são possíveis no sentido temporal. Por um lado, os Estados
podem denunciar um Tratado Internacional sobre direitos humanos e se afastar daquelas
obrigações, ou suspender determinadas garantias, como medida temporária.

Denúncia
O direito internacional dos direitos humanos reconhece o princípio da liberdade de
contratação por parte dos Estados, tendo em vista a soberania. Em consequência, concede-se
ao contratante o direito a denunciá-lo, ou seja, retirar-se definitivamente do Tratado.
Há uma proposta segundo a qual a denúncia aos Tratados de Direitos Humanos deve
ser fruto da atuação do Poder Executivo e do Poder Legislativo em conjunto.
Por vezes, as partes do acordo têm regulado a denúncia.
Art. 63, I, Convenção de Viena: princípio da indenunciabilidade. Há dois casos em que
se permite a denúncia de um Tratado Internacional: a) demonstra terem as partes tensionado
admitir a possibilidade da denúncia; b) o direito de denúncia possa ser deduzido da natureza.
No que tange aos tratados de direitos humanos que não possuam cláusula de denúncia,
depreende-se poucas razões para justificar uma possível denúncia, em razão da sua natureza.
Contudo, é uma questão decidida à luz de um caso concreto.
Outro mecanismo que poderá restringir o âmbito de validade de um tratado é a
suspensão.

Suspensão
Durante situações comprovadamente excepcionais, os Estados podem suspender
temporariamente uma série de dispositivos do Tratado. Esta medida é drástica, mas
admissível, e em tratados internacionais de direitos humanos são chamadas de derrogação
(cláusulas derrogativas).
As cláusulas de derrogação estabelecem que, durante determinado tempo, alguns
dispositivos do Tratado não terão aplicabilidade no âmbito de determinado Estado. Para
limitar a possibilidade do seu abuso, a cláusula de derrogação dos Tratados traz uma série de
pressupostos formais e materiais que permite determinar a legitimidade de uma suspensão.
Determina-se a legalidade da suspensão de direitos humanos.
A não observância desses pressupostos determinará a ilegalidade da suspensão de
direitos humanos.

Pressupostos materiais da suspensão


Normalmente, aparece o termo “emergência pública”, que não está definido pelo
direito internacional. Podemos extrair que emergência pública abrange situações cuja natureza
é objetivamente excepcional. Por isso, pode justificar por tempo limitado essas medidas
extraordinárias.
Ex. Guerras, conflitos armados, determinados distúrbios internos.
O art. 27 da Convenção Americana de Direitos Humanos traz uma dessas cláusulas de
derrogação, em caso de ameaça à independência ou segurança do Estado parte.
O art. 4º do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos exige uma ameaça à
existência da nação, o que significa que uma parte da população poderá ser atingida por um
evento. São situações objetivamente excepcionais.
Ocorre que essas normas, muitas vezes, são vagas, de maneira que concedem ao
Estado um grande espaço de discricionariedade para identificar a situação que deve ser
objetivamente excepcional.
Apesar disso, o Estado está sujeito a controle. Os órgãos internacionais competentes de
monitoramento fiscalizam e questionam a legalidade da medida tomada pelo Estado no caso
concreto. Muitas das vezes, o princípio da proporcionalidade é invocado nessa matéria
Há direitos humanos que jamais podem ser suspensos, pois tal medida será sempre
desproporcional. Geralmente, esses direitos são fixados pela cláusula de derrogação como
direitos humanos não derrogáveis. Tais direitos variam de tratado para tratado.
Os direitos não derrogáveis que estão presentes em quase todas as cláusulas de
derrogação são basicamente: o direito à vida; a proibição da tortura, da escravidão e servidão;
e o princípio da legalidade do nulla poena sine lege; o princípio da discriminação por origem,
sexo, raça, cor etc.
Outro pressuposto da suspensão é a compatibilidade das medidas tomadas pelo Estado
com as demais obrigações que lhe impõem a obrigação internacional. Precisa-se verificar se a
suspensão é compatível com o costume internacional e o jus cogens. É o que está previsto no
art. 27, I e II, Convenção Americana de Direitos Humanos, e art. 4º, Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos.
Nem todos os Tratados de Direitos Humanos contém uma cláusula de derrogação,
assim como nem todos possuem cláusula sobre denúncia. Nesse caso, aplicam-se as regras
gerais da responsabilidade internacional do Estado.

Pressupostos formais para a utilização das cláusulas de derrogação


No aspecto formal, algumas cláusulas de derrogação, para aumentar a segurança,
exigem que o estado de emergência seja oficialmente declarado. Dessa forma, assegura-se a
legalidade da Administração em tempos em que os direitos humanos correm sério risco de
violação.
Ex. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 4º, I); e Convenção
Americana de Direitos Humanos (Art. 27).
Há uma obrigação de informar aos demais Estados, por intermédio de um determinado
órgão, a realização dessa medida, sobre os direitos suspensos, o porquê e por quanto tempo.
O dever de relatar também facilita o trabalho de proteção dos órgãos internacionais de
direitos humanos, no que diz respeito ao monitoramento.
Alguns Estados suspendem direitos humanos sem tornar essa medida transparente,
podendo, a depender das circunstâncias, a suspensão de um direito ser inadmissível.

Confluência dos direitos internacionais dos direitos humanos e o direito internacional


humanitário
Os direitos humanos podem ser suspensos, conforme visto, a depender de algumas
situações, como tempos de guerra ou conflitos armados. O regime jurídico que regulam estas
últimas situações (guerra e conflitos armados) é do direito internacional humanitário (direito
internacional dos conflitos armados).
A noção que hoje prevalece na doutrina autorizada é a de que os direitos humanos se
mantém, em princípio, aplicados durante uma guerra ou outro conflito armado, o que denota
um ponto de contato com o direito internacional humanitário.
Contribuem para essa noção as cláusulas de derrogação, já que alguns direitos
humanos são inderrogáveis.
A consequência é uma aplicabilidade cumulativa do direito internacional dos direitos
humanos e do direito internacional humanitário.
Há uma relação de especialidade, pois as regras do direito internacional humanitário
são especiais, devendo as regras de direitos humanos serem interpretadas à luz daquele direito.
Ex. O direito internacional humanitário concede o direito limitado de matar outro combatente,
enquanto, em tempo de paz, matar uma pessoa é proibido. Conclusão: o direito à vida tem
outro conteúdo em conflitos armados.
Por vezes, o direito internacional humanitário não regula uma determinada situação,
hipótese em que as normas dos direitos internacionais dos direitos humanos poderão suprir
uma lacuna.
Sobre quais condições se aplicam o direito internacional humanitário? Há uma zona
cinzenta em torno da definição do conflito armado.
Hoje, existe uma discussão em torno dos perigos políticos e práticos da aplicação do
direito humanitário nos conflitos urbanos extremos.
Os tratados de direitos humanos não são suspendidos em caso de conflitos, desde que
não derrogáveis, quando poderão ser suspensas.
Os conflitos armados não suspendem automaticamente os tratados de direitos humanos
e as suas garantias. Algumas podem ser suspensas.
É possível que o conteúdo dos direitos humanos precise ser interpretado à luz do
direito internacional humanitário.
Âmbito de validade territorial. Será que os Estados partes de um Tratado são obrigados
a respeitá-lo mesmo em territórios nacionais de Estados que não aderiram a este instrumento?
A maioria dos Tratados universais e regionais inicia o seu texto com o objeto e
finalidades, e, regularmente, encontram-se cláusulas definindo o seu âmbito de validade
territorial.
Só para exemplificar, o art. 1º da Convenção Americana de Direitos Humanos obriga
os Estados partes a respeitar e garantir os direitos e liberdades a toda pessoa sujeita a sua
jurisdição. Já o art. 2º do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos estende a proteção a
todos os indivíduos que estejam em seu território e que estejam sujeitos sob a sua jurisdição.
A jurisdição do Estado pode ser extraterritorial, de modo que a previsão da Convenção
Americana é bem mais aceita do que a do Pacto Civil, uma vez que neste, impõe-se que o
indivíduo esteja dentro das fronteiras do Estado parte para que goze de proteção.
Hoje é aceito que o conceito de jurisdição é o que determina o âmbito de validade
territorial de Tratados Internacionais de Direitos Humanos.
Embora o conceito de jurisdição possa trazer alguma controvérsia, há um consenso
mínimo sobre o seu conceito básico. A jurisdição não necessariamente corresponde ao
território nacional, podendo se estender para fora dele. Nessas condições é que surgem as
grandes controvérsias.
Há a construção de uma rica doutrina, apesar de ainda incipiente, defendendo os
princípios sobre a aplicabilidade extraterritorial dos Tratados de Direitos Humanos.
A princípio, os direitos humanos são submetidos a esfera intraestatal, sejam eles
nacionais ou estrangeiros. No entanto, há hipóteses em que o Estado é impedido de exercer a
soberania em seu próprio território, quando este está sujeito a ocupação de tropas estrangeiras.
Quando o Estado exerce a sua autoridade soberana para além das fronteiras, está
vinculado aos Tratados de Direitos Humanos. Quando não exerce a autoridade soberana em
seu próprio território, o Estado não dispõe do controle efetivo do seu próprio território.
Portanto, a violação de direitos humanos ocorridos fora da sua esfera de influência não
pode ser a ele imputado. Isso decorre das regras gerais da responsabilidade internacional do
Estado. O significado do critério do controle é importantíssimo nesse âmbito.
Ex. Diplomata comete crime fora do território nacional. O Estado assume o controle
físico sobre ele para além da fronteira nacional. Nessas hipóteses, o ato cometido pode ser
imputado ao Estado (direitos humanos que se aplicam extraterritorialmente).
Se um agente de um serviço secreto comete homicídio em Estado X, a sua atuação será
violadora do Estado que tem o seu controle, atraindo a responsabilidade no âmbito
internacional.
Nas hipóteses em que o Estado saiba da atuação ilegal dos agentes estrangeiros em seu
território, ou deveria saber, mas não age; este Estado pode ser responsabilizado.
Qual é o tipo de controle necessário para se estabelecer obrigações extraterritoriais?
Essa questão se tornou relevante em um caso concreto (caso Bankovic), em que a
Corte Europeia de Direitos Humanos tinha que decidir sobre a aplicação da Convenção
Europeia de Direitos Humanos na Sérvia. Na época, este país não havia aderido ao
instrumento.
O bombardeio aéreo da OTAN matou diversos civis, dentre os quais Bankovic. A Corte
Europeia declarou a ação inadmissível, pois as vítimas não se encontravam sob a jurisdição da
Convenção (art. 1º). Pressupôs apenas o controle territorial stricto sensu, considerando
insuficiente o controle da OTAN sobre o espaço aéreo.
Esta decisão foi muito criticada pela doutrina, em especial pela presumível omissão da
Corte na aplicação das regras gerais de responsabilização internacional dos Estados. Bastava
convocar as regras gerais da responsabilidade.
A Corte Internacional de Justiça decidiu que o Pacto Internacional de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais seriam essencialmente territoriais.
Existe uma jurisprudência sobre a concretização do conceito de jurisdição ainda em
processo de formação. No caso “Issa e outros vs. Turquia”, a Corte Europeia de Direitos
Humanos pareceu indicar, para alguns autores, uma interpretação menos restritiva.
No sistema interamericano de direitos humanos, falta uma jurisprudência refletindo os
limites de jurisdição. Há um caso em que se peticionou à Comissão Interamericana de Direitos
Humanos, tendo em vista que a força aérea dos EUA bombardeou cidade iraquiana, destruindo
hospitais e matando diversos civis (dezembro de 2004).
Em razão disso, os sobreviventes peticionaram para a Comissão, baseando-se na
presumível aplicação da Convenção Americana aos sobreviventes iraquianos do ataque. A
interpretação é mais generosa do que o critério de controle da Europa.

Interpretação dos Tratados sobre Direitos Humanos


Defender os direitos humanos internacionais significa realizar as normas internacionais
de direitos humanos, como fundamento de pretensões contra o Estado. Nesse processo de
interpretação, erros são facilmente cometidos quando da interpretação e da sua realização. A
interpretação precisa ser feita com base nos textos autênticos, ou seja, aqueles em que os
Estados partes oficialmente declararam como vinculante.
O art. 53 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos só autoriza a
interpretação dos textos em inglês, espanhol, francês, chinês e russo, a fim de diminuir a
possibilidade de interpretar expressões com significados um pouco diferentes destas línguas.
No Sistema Interamericano, os textos autênticos estão na versão em espanhol, inglês,
francês e português.
É preciso levar em conta que a proteção dos direitos humanos não deve seguir
interpretações diferentes por cada instituição nacional, sob pena de se transformarem em
instrumentos políticos.
Logo, os termos dos direitos internacionais dos direitos humanos devem ser
interpretados autonomamente, sem se recorrer às ordens jurídicas nacionais. Isso porque o fato
de existir o mesmo termo no direito interno, não necessariamente implica que será
interpretado de modo igual.
O ponto de partida para qualquer interpretação é o sentido literal da norma. É preciso
aplicar critérios suplementares para determinar o conteúdo exato da norma, que estão contidos
nos parágrafos do art. 31 da Convenção de Viena sobre Tratados Internacionais. Embora não
haja hierarquia entre os critérios, o seu arranjo determina a ordem do exame, e valem como
costume internacional. São eles:
1 – O Tratado deve ser interpretado de acordo com a boa fé, segundo o sentido comum
atribuível aos termos do Tratado em seu contexto, e à luz de seu objetivo e finalidade. A boa fé
é o princípio geral de interpretação.
2 – Interpretação gramatical (teor do Tratado).
3 – Interpretação sistemática (contexto).
4 – Interpretação teleológica (objeto e finalidade).
No que tange aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, é particularmente
importante que o preâmbulo e os anexos podem ser incluídos na consideração, mas não
refletem a vontade subjetiva nem dos Estados nem do intérprete, mas ajuda a identificar a
vontade objetiva dos contratantes.
Além disso, para se averiguar essa vontade objetiva, podem ser consultados os
trabalhos preparatórios (art. 32 da Convenção de Viena).
O art. 31, Convenção de Viena autoriza oficialmente a convocação de uma
interpretação evolutiva (§ 3º, “b”). A “prática seguida posteriormente” também abrange as
decisões dos órgãos responsáveis pelo monitoramento dos direitos humanos.
Tanto as Cortes Internacionais quanto as Regionais (decisões consultivas ou
contenciosas), assim como os Comitês e Comissões, podem influenciar a interpretação dessas
garantias.

Efeito útil dado aos Tratados e a sua interpretação dinâmica


O princípio da interpretação evolutiva (consagrada no art. 31, da Convenção de Viena
de 1969) aplica-se a todos os Tratados Internacionais. Por conseguinte, também se aplica aos
Tratados de Direitos humanos, crescendo consideravelmente o significado da interpretação
teleológica dos Tratados de Direitos Humanos.
Esta interpretação progressiva deve ser ainda mais radical em se tratando de direitos
humanos, sobrepondo-se de modo mais consistente à vontade dos Estados, e até mesmo se
desvinculando dela, ao colocar a proteção do indivíduo no centro das atenções e considerações
finais.
Os Tratados Internacionais de Direitos Humanos são instrumentos vivos (consideração
feita em uma opinião consultiva), pois são criados para garantir e otimizar a proteção dos
indivíduos e grupos contra possíveis assaltos à sua dignidade humana.
Como conteúdo das normas de direitos humanos, elas são normas bem abertas, com
um campo de indeterminação bastante amplo, precisando ser concretizado pelos seus
intérpretes, valendo o princípio da efetividade, ou seja, o princípio do efeito útil, que exige,
entre duas ou mais opções de interpretação, que o intérprete escolha aquela melhor realiza a
finalidade do Tratado, aquela em que a promoção ou proteção prática ocorrerá no momento da
sua incidência.
Portanto, proíbe-se uma interpretação restritiva dos direitos humanos. A interpretação
deve assumir uma atitude progressiva e pro omni.
Podemos falar em uma interpretação dinâmica dos direitos humanos em vez de uma
interpretação evolutiva. No entanto, ela precisa seguir a metodologia de interpretação para que
seja a mais transparente possível e não seja acusada de ativismo político.
Igualmente inadmissível é interpretar os Tratados dos Direitos Humanos conforme
previsto no art. 5º, II, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e art. 29 da CADH,
isto é, que se permitisse o seu afastamento em virtude de leis, regulamentos ou costumes do
Estado.
Ainda, não há uma técnica oficial de subsunção observada pelos órgãos internacionais
de proteção dos direitos humanos, o que é bastante aconselhável, sobretudo em uma matéria
de imenso potencial emancipatório.

Âmbito de proteção dos direitos consagrados nos Tratados de Direitos Humanos


É necessário perguntar se um determinado ato está na esfera legal de proteção dos
direitos humanos, o que não pode ser constatado de forma abstrata, mas decorre do conteúdo
concreto da respectiva garantia.
Todos os desenvolvimentos teóricos que os direitos fundamentais “impuseram” à
doutrina, de certa forma, pode ser adaptado no estudo dos direitos humanos.
A existência de uma lei interna pode significar uma ingerência no âmbito de proteção
de um direito humano consagrado em Tratado? O ponto de partida é que os órgãos
internacionais de proteção dos direitos humanos não podem anular leis nacionais nem querem
criticá-las de modo abstrato. Na verdade, ocupam-se das decisões de casos individuais.
Apesar disso, a jurisprudência do Sistema Interamericano considerou como
inexistentes as leis de anistia do período ditatorial. Isso porque há a ideia muito forte de
controle de convencionalidade no Sistema Interamericano, onde os objetos de controle – leis e
Constituições – teriam como parâmetro a Convenção Interamericana de Direitos Humanos.
Pode ocorrer que a violação à Convenção seja determinada a partir da mera existência
da lei, mesmo sem ato de execução, desde que prejudique os direitos humanos consagrados
(na Convenção). Ou seja, a simples edição de uma lei viola a CIDH.
Se uma lei nacional restringe o âmbito de incidência do direito consagrado na CIDH
não significa que, por si só, esta lei seja ilegal.
Houve um caso no Sistema europeu em que se aduziu que a lei somente seria declarada
ilegal se ela não satisfizer os direitos básicos do Estado de Direito. Essa experiência foi
acompanhada no Sistema Americano quando se deparou com as leis de anistia no Brasil.
Grande relevância nessa questão de delimitação no âmbito de incidência é a
convocação do princípio da proporcionalidade, que levará em consideração a situação no
momento que a medida foi tomada. Qualquer ingerência deve ser proporcional ao fim
esperado e necessária às circunstâncias do caso.

Conflito entre a Constituição e o Tratado Internacional


As relações entre direito internacional e direito interno podem assumir três possíveis
caminhos:
a) Teoria monista: é aquela que propõe a supremacia do direito interno sobre o direito
internacional.
b) Teoria dualista: é aquela segundo a qual o ordenamento jurídico internacional é
separado e distinto dos sistemas jurídicos internos.
c) Teoria monista internacionalista: é aquela que afirma o pluralismo, mas também a
unidade dos ordenamentos jurídicos, e postula a supremacia do direito internacional sobre o
direito interno.

Teoria monista
Esta teoria foi desenvolvida no século XVIII pelo jurista tedesco J.J. Mozart, sendo
elaborado completamente no final do século XIX e início do século XX, tendo como base as
concepções de Hegel.
O direito interno, segundo esta teoria, também compreende o direito internacional,
prevalecendo sobre este último, que é considerado um direito estatal interno.
Essa teoria sustentava a existência de um único complexo de ordenamentos jurídicos
estatais, e negava a existência do direito internacional distinto e autônomo do direito interno.
Essa teoria refletia o extremo nacionalismo e o autoritarismo das grandes potências,
que se preocupavam em tutelar os seus próprios interesses.

Teoria dualista
Teve inspiração na concepção de direito internacional prevalente na Grã-Bretanha, e
também nos EUA, onde se reconheciam a autoridade das normas consuetudinárias e dos
Tratados devidamente ratificados por autoridades competentes.
Nesses países, o direito internacional somente eram considerados vinculantes no
âmbito interno na medida em que realizada a sua accettazione pelas autoridades nacionais
competentes. Eram Estados inclinados ao direito internacional. Esta concepção foi
transportada para a teoria jurídica em 1899 pelo publicista alemão Tripert.
A teoria de Tripert foi elaborada completamente pelo jurista italiano Dionísio
Anczilotti (1902-1928).
O ordenamento jurídico internacional é autônomo e distinto dos ordenamentos
jurídicos internos para esta teoria. Assim, podemos verificar algumas diferenças, como entre
os sujeitos: indivíduos e grupos de indivíduos, no plano interno; e Estados, no plano
internacional.
Quanto às fontes legislativas, no direito interno temos as leis do parlamento ou os
precedentes judiciais; no direito externo, temos os Tratados ou costumes.
Quanto ao conteúdo das normas jurídicas, o direito interno disciplina, entre outras
matérias, a organização do Estado, a relação deste com o indivíduo (etc); enquanto o direito
internacional disciplina principalmente as relações entre os Estados.
A dimensão marcante desta teoria é a impossibilidade de o direito internacional
endereçar-se diretamente aos indivíduos. As normas internacionais, para serem realizadas no
âmbito interno, necessitam que os preceitos internacionais sejam transformados em normas
jurídicas internas por procedimentos livremente estabelecidos pelo Estado (Dionísio
Anzilotti).
As normas internacionais não podem modificar ou invalidar diretamente as normas
internas, da mesma forma que estas últimas não podem modificar ou invalidar aquelas. Nesse
contexto, não se pode falar em controle de convencionalidade ou revogação de normas
internas contrárias a Tratados Internacionais.
Trata-se de teoria inspirada em moderado nacionalismo, que sustentava a exigência de
conformar-se às normas internacionais, transformando-as em normas vinculantes para o
ordenamento interno.

Teoria monista internacionalista


Foi proposta em 1899 pelo tedesco Kauffman, sendo sucessivamente elaborada e
desenvolvida entre 1920 e 1934 pelo Hans Kelsen.
Essa teoria foi aceita por diversos juristas, como Verdross e Selle. Esta teoria sustenta a
existência de um ordenamento jurídico unitário imaginado como uma pirâmide. Sustenta ainda
a superioridade do direito internacional, como um ordenamento localizado acima da pirâmide,
isto é, o direito internacional é parâmetro de validade do ordenamento jurídico.
Segundo esta teoria, o direito interno deve ser sempre conforme ao direito
internacional, sob pena de ilegitimidade (controle de convencionalidade).
Não é necessária a transformação do direito internacional em direito interno como no
dualismo, uma vez que o direito internacional e interno fazem parte de um único ordenamento
jurídico.
Os sujeitos de direito internacional não se diferenciam radicalmente daqueles do
direito interno, já que, em ambos os ordenamentos, os destinatários últimos das normas
jurídicas são os indivíduos.
Para além disso, as normas internacionais podem ser aplicadas como tais pelos
Tribunais nacionais sem necessidade alguma de transformação, o que poderá ser apenas a
exigência do direito interno, e não internacional.
As teses kelsenianas sustentam que o ordenamento jurídico internacional controla,
ainda que imperfeitamente, todos os ordenamentos nacionais que estariam àquele. Foi
inspirada no internacionalismo e no pacifismo. A prevalência do direito internacional não é
fruto de uma avaliação científica, mas de valores morais e políticos.
Constata-se a falta de um mecanismo internacional incapaz de revogar as normas
internas conflitantes com o direito internacional.

Modernas transformações nas relações entre direito internacional e ordenamentos


jurídicos internos
A teoria monista nacionalista é claramente privada de valor científico, objetivando
sustentar posições ideológicas e políticas.
Diversamente, a teoria dualista constituía o reflexo da realidade jurídica do séc. XIX e
primeira metade do séc. XX. A comunidade internacional era constituída de Estados soberanos
que mantinham relações no ambiente jurídico substancialmente separado e distinto do âmbito
interno.
A teoria monista internacionalista era bastante avançada para a época, até mesmo
utópica, pois não correspondia à realidade das relações internacionais, e tinha relevante
impacto ideológico, vez que enfatizava o papel do direito internacional como fator de controle
da conduta dos Estados.
Em muitos setores, o direito internacional tem efetuado incursões no direito interno,
contribuindo para a efetivação das normas previstas nos Tratados, aperfeiçoando o sistema de
proteção. Sendo assim, podemos dizer que não mais constitui uma esfera de direitos
rigidamente separada e distinta das esferas de direitos dos ordenamentos jurídicos internos.
Muitas regras internacionais conferem direitos diretamente aos indivíduos, sem
intermediação dos sistemas jurídicos internos. Ex. Norma em matéria de crimes
internacionais, que impõem determinados comportamentos, como não cometer crime contra a
humanidade, genocídio, tortura etc.
O direito internacional não é mais o jus interpotestatis, ou seja, o direito que governa
somente as relações entre Estados soberanos, mas, sim, um direito que se refere diretamente
aos indivíduos, conferindo direitos e impondo deveres (ex. Direito de petição, dever de não
cometer contra a humanidade, tortura etc). Subjaz o conceito de civitas maxima, ou seja, uma
comunidade indivíduos, Estados e órgãos intra-estatais.
Trata-se da mudança do direito inter partes para um direito super partes.
A Convenção de Viena de 1969 prevê no art. 27 aduz que uma parte não pode invocar
as normas do direito interno para justificar o descumprimento de um Tratado. Haveria uma
ofensa à boa fé internacional.

Transformação do direito internacional em direito interno


No caso em que houve a troca das populações gregas e turcas, a Corte Permanente de
Justiça Internacional (Liga das Nações) sustentou a existência da obrigação dos Estados de
conformar o próprio direito interno às obrigações internacionais.
As disposições contidas em alguns Tratados Internacionais pedem expressamente a
alguns Estados partes de produzir a legislação necessária para a atuação das suas normas (Ex.
Convenção de Genebra; Convenção de 1948 sobre o Genocídio; Convenção de 1965 sobre
Discriminação Racial, Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos etc).
O Estado pode ser responsabilizado internacionalmente caso tenha deixado de elaborar
a necessária normativa de adatamento (transformação do direito internacional em direito
interno).
O direito internacional não estabelece nenhuma disciplina a respeito das normas
internacionais por parte do Estado. Portanto, cada país é livre para estabelecer de que modo
cumprirá no âmbito interno as próprias obrigações internacionais.
Mecanismos de adatamento:
a) adatamento automático-permanente: dever de aplicar normas presentes e futuras de
direito internacional sem necessidade de ulterior intervenção do legislador. O mecanismo
jurídico interno pode se transformar de maneira contínua e automática às regras
internacionais. É um Estado amigo do direito internacional.
b) adatamento ad hoc: a normativa internacional somente se aplica ao território
nacional mediante uma específica normativa interna. Vale dizer, para que a norma
internacional seja aplica depende da produção da norma interna.
Existem normas internacionais que não são self executing (imediatamente aplicáveis),
de forma que o mecanismo preferido é o adatamento ad hoc, ao passo que, em se tratando de
norma self executing, será oportuno optar pelo sistema automático de adatamento.
Normalmente, se o adatamento é feito mediante ato legislativo ordinário, as normas
internacionais assumem o status de lei ordinário. Se o adatamento for feito por procedimento
de elaboração de norma constitucional, as normas internacionais assumem esse status.
Uma postura nacionalista tende a adotar o mecanismo do adatamento ad hoc, e assim,
recepcionar as normas internacionais com o status de lei ordinária. O Brasil está no meio
termo. A postura internacionalista tende a adotar o mecanismo de adatamento automático
Depois de assinado o Tratado, este é aprovado com ou sem emendas, não podendo o
parlamento ser privado das suas competências.
A maioria dos Estados, dentre os quais o Brasil, tendem a negar à norma de origem
internacional uma prevalência sobre a legislação interna, reduzindo o seu papel no
ordenamento interno.
Isso se dá principalmente pela tentativa de os Estados evitarem assumir obrigações
irrevogáveis e, em qualquer caso, não modificáveis por meio de legislação ordinária. Há ainda
o medo desses Tratados integrarem o parâmetro de controle de constitucionalidade exercido
internamente.
Há normas internacionais que se endereçam diretamente aos indivíduos, sem
intermediação dos sistemas jurídicos internos.

Conflito entre Tratado internacional e direito interno


Qual destas normas deve prevalecer?
O art. 5º, § 2º, CR diz que ao elenco dos direitos constitucionalmente consagrados, há
o reenvio dos direitos e garantias expressos em Tratados Internacionais sobre a proteção dos
direitos humanos. Logo, não são excluídos os direitos nos Tratados em que o Brasil seja parte.
Esse dispositivo promove aquilo que se denomina de abertura à normação
internacional, que passou a ser um elemento caracterizador de várias outras ordens
constitucionais contemporâneas. Os direitos internacionais integrariam o bloco de
constitucionalidade.
Jorge Miranda faz essa mesma observação em relação ao direito português, averbando
que tais direitos ostentam natureza constitucional (princípio da máxima efetividade das
normas constitucionais).
Em 1977, o STF julgou o RE 80.004, comparando o Tratado Internacional à lei
ordinária, esvaziando os esforços do Estado em participar daquele Tratado, uma vez que
suscetível a alterações diante da normação interna.
A denúncia não deve ser um ato isolado do Executivo, mas fruto de uma cooperação
com o Legislativo.
No HC 72.131 de 1995, o STF decidiu que não há qualquer primazia hierárquico-
normativa dos Tratados ou Convenções sobre o direito impositivo interno.
No HC 79.785-RJ, atribuiu-se hierarquia infraconstitucional aos Tratados de direitos
humanos, mas supralegal.
O art. 5º, § 2º promove essa abertura à normação internacional e serviu de fundamento
para o professor Cançado Trindade defender a tese de que os Tratados Internacionais de
Direitos Humanos já ostentariam status constitucional, o que foi seguido por diversos outros
autores.
A alteração trazida pela EC 45/04, para esta tese defendida por Cançado Trindade,
apenas significou que esse procedimento de emenda atribuiria aos Tratados de direitos
humanos o status de norma formalmente constitucional, em que pese já serem materialmente
constitucionais.
Há, ainda, uma compreensão que considera que os Tratados de direitos humanos
apresentariam uma superioridade hierárquica em relação aos demais Tratados Internacionais
de natureza mais técnica, na medida em que integraria o jus cogens, aceita e reconhecida pela
comunidade internacional (André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros – autores
portugueses). Há um status de supraconstitucionalidade conferida aos Tratados. Hildebrando
Accioly defende essa tese no Brasil.
O professor Celso Albuquerque Mello advogava que o importante seria a
predominância do direito internacional, que ocorre na prática internacional. O direito
internacional se dirigiria ao indivíduo diretamente sem a necessidade de que fosse
transformado em lei interna. O professor considerou o RE 80.004 um verdadeiro retrocesso.
Qual é o valor de um Tratado se ele possui o mesmo status de uma lei interna,
podendo ser por esta revogada?
Atualmente, os Tratados sobre Direitos Humanos possuem status supralegal, mas não
possuem status constitucional caso não se submetam ao procedimento de Emenda.
Celso de Mello defendia que a CRFB optou pelo dualismo, pelo menos quanto aos
direitos humanos.

Hierarquia dos Tratados de Direitos Humanos no Brasil


Predominou no STF a tese que atribuiu aos Tratados de direitos humanos o status
supralegal. O professor Gilmar Mendes teve uma atuação decisiva na formação do acórdão.
Caráter supralegal. O primeiro fundamento invocado foi o da supremacia formal e
material da Constituição. Houve uma negativa da tese da hierarquia constitucional. Se
houvesse entendimento diverso, anularia a possibilidade de realizar o controle de
constitucionalidade de diversos diplomas internacionais.
O STF fiscaliza o Executivo e o Congresso Nacional. A decisão do Supremo foi
política, exteriorizando que não queria perder esse poder.
Ainda, argumentou-se o risco dessa normatização. A ampliação inadequada dos
sentidos possíveis da expressão “direitos humanos” poderia abrir uma interpretação normativa
alheia ao controle da sua compatibilidade com a ordem constitucional interna.
Outro argumento seria o de que os Tratados já ratificados (antes da EC 45/04) e não
submetidos ao procedimento especial de aprovação, não poderiam ser equiparados às normas
constitucionais.
Os Tratados sobre os Direitos Humanos, ainda na linha argumentativa do Supremo,
não poderiam afrontar a supremacia da Constituição, mas teriam lugar especial reservado no
ordenamento jurídico.
No final das contas, o Supremo quis preservar o parâmetro de controle, ao mesmo
tempo em que quis dar maior relevância e estabilidade aos Tratados de Direitos Humanos.
O STF entendeu que o Tratado de Direitos Humanos paralisa a eficácia jurídica da lei
interna com ele conflitante, diante do seu inequívoco caráter especial. Observe que não há
revogação da lei interna, dado que o Tratado somente atua no plano da eficácia, e não da
existência ou validade. Igualmente, a referida lei não se sujeita ao controle de
convencionalidade.
No direito comunitário europeu, a normativa comunitária assume prevalência
aplicativa relativamente à legislação estatal. Essa preferência tão somente determina a
prioridade de aplicação do direito comunitário, e o plano da validade e existência da lei interna
permanecem inalterados. Essa preferência aplicativa resulta numa paralisação da eficácia
jurídica da norma.
Cançado Trindade sustenta que uma lei contrária à Convenção pode ser discutida no
plano da validade e existência.
O STF aplica instituto parecido com a preferência aplicativa para paralisar a eficácia
das normas internas em matéria de direitos humanos.
Canotilho fala em abertura da Constituição, amizade para com o direito internacional,
o que fica claro no nosso art. 4º, CR.
Na discussão da prisão civil do depositário infiel, consignou-se que havia outros meios
executórios para satisfazer o crédito. Dessa forma, a prisão civil não atendia ao exame de
proporcionalidade como proibição de excesso. Também foi convocado o princípio da reserva
legal proporcional.
Vale dizer, o poder de conformação atribuído ao legislador não pode desvirtuar o
sistema de garantias constitucionais, alargando o conceito de depositário infiel
desmesuradamente, como foi o caso da alienação fiduciária.
Gilmar Mendes ainda lembrou do risco de atomização das normas constitucionais, vez
que teríamos diversas outras normas (Tratados Internacionais) com status constitucional,
gerando grande insegurança jurídica.
Outro argumento é que teríamos dificuldades em saber qual ou quais Tratados teriam
essa conotação.
Outro grupo de Ministros do STF defendia o caráter constitucional dos Tratados de
Direitos Humanos, como a CIDH, instituída pelo Pacto de São José da Costa Rica (Celso de
Mello) – ADI MC 1480.
A CADH foi instituída pelo Pacto de São José da Costa Rica e incorporada ao direito
brasileiro pelo Decreto 678/92.
O Ministro Celso de Mello, com base na doutrina de Celso Lafer, asseverou que os
Tratados de Direitos Humanos teriam natureza constitucional, mas destaca a supremacia da
Constituição sobre os Tratados, sobretudo quando estes importarem em supressão,
modificação ou redução de tais direitos.
Com efeito, os Tratados de Direitos Humanos celebrados após a Emenda
Constitucional 45/04, para serem revestidos de natureza constitucional, deverão observar o
procedimento do art. 5º, § 3º. Os anteriores à EC 45, e posteriores à promulgação da CF/88
assumem um caráter de norma materialmente constitucional porque incluídos no bloco de
constitucionalidade.
Celso de Mello, ainda, fala do controle de convencionalidade dos atos estatais internos.
Observações
A tendência atual em face do processo de globalização é no sentido de que o direito
internacional vem a regular os mais variados aspectos daquilo que tradicionalmente se
chamava de negócios domésticos. Confere um reforço às teorias monistas, enfatizando a
necessidade de aprofundar a coerência do direito normativo internacional e interno.
O objetivo do direito internacional é promover o desenvolvimento do pleno potencial
de cada indivíduo como ser humano autônomo e a liberdade.
O ideal de se adotar a teoria monista não pode ignorar a existência de pluralismo de
ordenamentos jurídicos internos, muitas vezes diversos e antagônicos. Nesse sentido, não há
como se falar em um ordenamento jurídico único.
Sem comprometer a soberania interna, as várias Constituições pretendem viabilizar a
cooperação internacional e a promoção da comunidade internacional, globalmente
considerada.
Recorre-se, hoje, à ideia de uma rede de normas nacionais, internacionais e
comunitárias através dos seus protocolos de interconexão.

Tese do direito supraconstitucional ou materialmente constitucional


Há normas provenientes de Tratados de Direitos Humanos cujos valores
inquestionavelmente são superiores à Constituição, que são limitadores do próprio Poder
Constituinte (Hildebrando Accioly e André Gonçalves Pereira).
São as normas do chamado jus cogens, que é um direito internacional imperativo,
conduzindo-se a este conceito de supraconstitucionalidade. É um limite ao Poder Constituinte.
Esta tese não significa necessariamente a invalidação da Constituição, mas poderá
ocorrer a inaplicabilidade prática da Constituição em um caso concreto.

Tese das normas convencionais como direito infraconstitucional


As convenções são direitos infraconstitucionais, o que não exclui que uma norma
convencional, em uma segunda análise, revele-se materialmente constitucional ou
supraconstitucional.
A primazia da Constituição não é afirmada em termos absolutos (art. 27, Convenção de
Viena c/c art. 46 – um Estado pode alegar que o seu consentimento foi viciado pela violação
manifesta de uma regra do seu direito interno, cuja importância é fundamental).
O princípio geral é o de subordinação das Convenções Internacionais à Constituição,
que é reafirmado com a consagração constitucional dos processos de fiscalização da
constitucionalidade das normas constantes das Convenções Internacionais.

Convenções Internacionais como direito supralegal


É o entendimento do STF. Uma lei não pode violar Convenção Internacional, salvo se
a mesma lei afirmar princípios fundamentais, constitucionalmente consagrados, ou jus cogens,
ou direito internacional comum ou geral, violados pela Convenção Internacional.
No direito comparado, o art. 25, da Lei Fundamental de Bonn estabelece a
conformidade do ordenamento interno ao direito internacional geral. As normas internacionais
gerais prevalecem sobre a lei interna, e são submetidas ao limite do respeito dos princípios
fundamentais da lei fundamental.
Na Constituição Francesa de 1958, o art. 53, estabelece que após a ratificação tais
tratados produzirão efeitos internos, e o art. 55 determina a prevalência dos Tratados sobre a
legislação interna, desde que haja reciprocidade. O art. 54 determina a submissão dos Tratados
às normas constitucionais.
Nos EUA, os Tratados ratificados, após autorização por 2/3 dos senadores, constitui
fonte de direito federal, e prevalece em relação ao direito dos Estados da federação.

Condição jurídica do indivíduo na ordem internacional


Canotilho fala de um princípio de abertura internacional, que está consagrado no art. 4º
da nossa Constituição, e art. 7º da Constituição portuguesa. Trata do princípio que orienta um
determinado Estado nas suas relações internacionais, aceitando as dimensões fáticas e
jurídicas da interdependência internacional.
A abertura da Constituição significa que esta deixa de ter um sistema regulativo
exaustivo, exclusivo e totalizante para aceitar alguns condicionantes externos. Dessa maneira,
o direito internacional se torna um direito do próprio país, e também o reconhecimento dos
seus princípios ou regras como medidas de justiça, que seriam vinculativas para a própria
ordem jurídica interna. Em última análise, temos um Estado internacionalmente limitado.
Com efeito, ratifica-se o apelo ao princípio da interpretação em conformidade com os
direitos humanos. A abertura internacional também pressupõe uma base antropológica amiga
de todos os homens e povos. A ordem internacional e a ordem constitucional interna são
iterativamente abertas, fundadas nos direitos humanos.
Ainda, podemos destacar que estamos acometidos de uma auto-suficiência estatal, sob
o ponto de vista jurídico, diferentemente dos países que possuem maior abertura para a
normatividade internacional.
Transconstitucionalismo
Marcelo Neves apresentou a tese do transconstitucionalismo para ingresso de professor
na USP. Transconstitucionalismo não se trata de um constitucionalismo internacional, ou
supraconstitucional, ou estatal, ou local.
Esta tese surgiu da constatação de que muitos problemas de direitos humanos ou
fundamentais, e de controle de limitação de poder tornaram-se concomitantemente relevantes
para mais de uma ordem jurídica.
Nesse sentido, o direito constitucional se emancipa relativamente do Estado, pois é
cada vez mais comum o envolvimento de duas ou mais ordens jurídicas na solução de certos
problemas constitucionais.
Os pressupostos teóricos desta construção são: a) tese da razão transversal; e b) teoria
dos sistemas (Luhmann).
Marcelo Neves concentra seus esforços nas chamadas pontes de transição, seja entre os
sistemas jurídicos e sociais, seja entre as ordens jurídicas.
Fala da necessidade de conversações constitucionais, e do fortalecimento do
entrelaçamento entre as diversas ordens jurídicas (estatais, internacionais, locais,
transnacionais). Não há a pretensão de domínio de uma ordem sobre a outra.
As relações normativas são transterritoriais “impõe” a abertura do constitucionalismo
para além do Estado. Em outras palavras, o constitucionalismo não se restringe a uma
comunidade política, geograficamente determinada, pois alguns problemas constitucionais
demandam o entrelaçamento entre diversas ordens jurídicas. Seria um sistema jurídico
construído sem hierarquia (eterarquicamente).
O transconstitucionalismo pode se exteriorizar de diversas formas: entre o direito
internacional público e o direito estatal; entre o direito supranacional (direito comunitário) e o
direito estatal; entre as ordens jurídicas estatais; entre as ordens jurídicas estatais e
transnacionais; entre ordens jurídicas estatais e locais; entre o direito supranacional e o direito
internacional.

Um aspecto positivo do transnacionalismo é chamar a atenção de que o


constitucionalismo não se limita às nossas fronteiras.

Indivíduo na ordem internacional


É um tema para compreensão da titularidade dos direitos humanos consagrados nos
Tratados.
Condição do indivíduo no direito internacional tradicional: do século XVII ao século
XX, os indivíduos eram submetidos ao exclusivo domínio do Estado. Eram considerados
objetos, ou, no máximo, beneficiários das normas internacionais.
A Corte Permanente de Justiça Internacional, em 1928, decidiu, em um caso, que
sendo um Tratado Internacional, não pode como tal, criar diretamente direitos e obrigações
para os indivíduos, o que resume a visão predominante do indivíduo até a Segunda Guerra
Mundial.
Em matéria de proteção e tratamento dos estrangeiros, o indivíduo era objeto de tutela
somente quando pertencente a um outro Estado, e não porque mereciam uma tutela enquanto
indivíduos.
Toda a matéria relacionada à proteção e tratamento dos estrangeiros, até a 2ª Guerra
Mundial, quando protegia o indivíduo, não o fazia em razão da sua condição de ser humano,
mas de pertencer a um outro Estado.
Imperava uma lógica estatalista, uma vez que os indivíduos deveriam ser tutelados na
medida em que pertenciam a outro Estado. A legislação aplicada aos conflitos armados nesse
período é fruto dessa lógica.
Pós 2ª Guerra:
O processo de Nuremberg e o seu imediato desenvolvimento altera o paradigma com
relação à percepção do indivíduo na ordem internacional.
Os aliados perceberam que alguns dos crimes odiosos cometidos pelos alemães não
eram proibidos pelo direito internacional, pois o direito dos conflitos armados se aplicava
somente entre os beligerantes, o que comportava as vítimas de guerra, que pertenciam ao
exército ao à população do Estado inimigo. O nacional-socialismo de Hitler cometeu crime
contra a própria população.
O Acordo de Londres de 08 de agosto de 1945 instituiu o Tribunal Militar de
Nuremberg, autorizando-o a julgar os crimes contra a humanidade. Era uma norma
revolucionária, pois, pela primeira vez, retirava-se o véu da soberania estatal em matéria de
tratamento do indivíduo como súdito, e olhava o indivíduo como tal.
Os crimes perpetrados no nazismo foram contra o gênero humano, ainda que em
conformidade com o direito interno do Estado.
O Tribunal de Nuremberg mostrou que havia limites à soberania do Estado. A
Assembleia das Nações Unidas adotou dois instrumentos para dar certeza a esta forma de
conceber o indivíduo: Convenção para Repressão do Crime de Genocídio (09 de dezembro de
1948) e a Declaração Universal de Direitos Humanos (10 de dezembro de 1948).

Os direitos humanos convencionalmente reconhecidos e o direito de petição individual


Após a 2ª Guerra Mundial, o direito internacional tem conhecido uma evolução sem
precedente, sobretudo em razão da afirmação da subjetividade jurídica do ser humano. No
âmbito internacional, tivemos a Convenção Contra a Discriminação Racial (1965), Pacto de
Direitos Civis e Políticos, o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), a
Convenção Contra a Discriminação da Mulher (1969), a Convenção sobre Crianças (1991) e
outras. No âmbito regional, tivemos inúmeros outros diplomas.
A Convenção Europeia, em virtude do Protocolo 11, permitiu aos indivíduos apresentar
a Corte Europeia de Direitos Humanos verdadeira petição individual. Esta petição tem
dimensão internacional, e os indivíduos têm a titularidade desses direitos, prescindindo do seu
concreto reconhecimento da ordem jurídica interna. É um direito diretamente conferido ao
indivíduo pelas normas internacionais, e pode ser exercitado a prescindir do conteúdo da
normativa interna.
O direito de petição encontra alguns limites, pois trata-se de um direito procedimental,
limitado a apresentação da petição, sem demais participações. O protocolo 11 permite que o
indivíduo participe ativamente, apresentando memoriais, recursos etc.
A limitação também se dá porque os indivíduos não possuem nenhum direito contra a
atuação coercitiva da Corte, no caso de uma eventual condenação do Estado.
Ainda, trata-se de direito precário, pois o Estado poderá denunciar ou extinguir o
Tratado ou anular a resolução que estabelece esse direito ao indivíduo.
O direito de petição independe da naturalidade do indivíduo que demanda em face do
Estado acusado. Pode ser nacional do Estado acusado ou de outro.

Criminalização internacional das condutas individuais


Há direitos consagrados por Tratados Internacionais de Direitos Humanos, como o
direito de petição, mas também há obrigações, que são direcionadas aos indivíduos para com a
comunidade internacional (ex. Não cometer genocídio).
A criminalização internacional das condutas individuais afirma essa subjetividade do
indivíduo, e leva em consideração que esses crimes são cometidos a título e para fins privados.
Neste caso, não se está tutelando os valores da comunidade internacional em seu conjunto,
mas, sim, interesses tutelados pelos ordenamentos penais internacionais.
Há crimes que são internacionais apenas porque a norma que impõe a sanção é
internacional. Algumas vezes, a punição da conduta está prevista também ou exclusivamente
no direito consuetudinário, como a pirataria (a punição está prevista exclusivamente no direito
consuetudinário). Temos, nesse caso, a universalidade da jurisdição penal, ou seja, o exercício
da jurisdição penal por cada Estado que tenha capturado o pirata.
O direito internacional passa a criminalizar condutas no intuito de proteger valores
próprios e fundantes da comunidade internacional em seu conjunto. A partir desse momento,
rompe-se com a criminalização do indivíduo na ordem internacional dos primeiros tempos. O
objetivo é diferente – proteger valores da comunidade internacional em seu conjunto, daí por
que se proíbe o crime de guerra e contra a humanidade.
São obrigações internacionais impostas aos indivíduos, que devem se abster da
violação de tais normas, sob pena de responsabilidade internacional. Nesse âmbito, o direito
internacional entra em contato diretamente com os indivíduos sem a intermediação dos
sistemas jurídicos internos (como é a consagração do direito de petição e a criminalização de
uma série de condutas).
Os indivíduos que violam essas obrigações são penalmente responsáveis, e devem ser
processados pelos Tribunais nacionais de qualquer Estado ou por um Tribunal internacional
competente.
O direito de pretender o cumprimento das obrigações internacionais protetivas da
pessoa humana não diz respeito apenas a um Estado, mas a todos os indivíduos. O indivíduo
não tem poderes específicos de atuação coercitiva, podendo instituir procedimentos penais em
face dos pretensos autores do crime em questão nos Tribunais Nacionais ou submeter o caso
ao Procurador do Tribunal Penal Internacional.

A questão da subjetividade internacional dos indivíduos


A pirataria era o único caso em que se supunha o status internacional do indivíduo, e,
de certa forma, a proteção dos estrangeiros (mas enquanto pertencente a outro Estado, e não
como indivíduo).
Kelsen sustentava que a norma internacional sobre pirataria imporia diretamente
obrigação jurídica sobre o indivíduo.
Hoje, os indivíduos são titulares do direito de petição perante as Cortes Internacionais
de Direitos Humanos (dos Estados que reconhecem esse direito), e a posição dos indivíduos
foi radicalmente modificada quanto à esfera das obrigações jurídicas. A partir da década de
1990, o ordenamento jurídico internacional passou a punir algumas categorias de crimes
internacionais, como o genocídio, os crimes contra a humanidade e os crimes de guerra.
Inicialmente, criavam-se Tribunais Penais Internacionais ad hoc, como foi o caso de Ruanda e
da ex-Iugoslávia. Posteriormente, surgiu a Corte do TPI, e por fim, Tribunais Penais de
natureza mista, como ocorreu em relação à Serra Leoa.
Esses Tribunais formularam uma farta jurisprudência sobre essas questões do direito
penal internacional, formando as normas consuetudinárias. Difundiram o convencimento de
que certas condutas não podem restar impunes, e os responsáveis devem responder
penalmente. A comunidade internacional atua por meio de órgãos próprios de justiça, através
dos seus Tribunais. O comando penal não é mais uma prerrogativa exclusiva dos Estados
soberanos, tornando-se internacional.
Vale ressaltar que isso não exclui a possibilidade de os Estados punirem os
responsáveis por esses crimes. A atuação primária na efetivação da normativa internacional de
direitos humanos cabe aos órgãos do Estado. A atuação punitiva do Estado será exercida em
nome da comunidade internacional.
Nem todos os Estados estão prontos a conferir aos indivíduos o direito de petição aos
órgãos internacionais, apesar de reconhecerem o respeito a certos valores fundamentais.
A regra sobre pirataria deu origem a uma jurisdição internacional, já que conferiu a
qualquer Estado o poder de paralisar e capturar embarcação para, posteriormente, submetê-la a
um juízo penal dos próprios Tribunais.
O ordenamento internacional tem uma série de mecanismos de tutela de direitos
humanos manejáveis diretamente pelos indivíduos, e a presença de regras substanciais que
estabelecem direitos humanos.
Os sistemas normativos de direitos humanos, normalmente, possuem o seu próprio
sistema coercitivo.

Indivíduo como sujeito de direito internacional


A soberania do Estado é acompanhada de uma responsabilidade de proteção dos
direitos humanos, porque se pretende levar a uma igual dignidade e liberdade dos indivíduos.
Não obstante a Paz de Westfália seja identificada como a afirmação da soberania
estadual, também constituiu um marco no desenvolvimento do direito internacional dos
direitos humanos.
Isso porque a liberdade religiosa é colocada como direito fundamental e garantia da
estabilidade da ordem internacional, e como limite à soberania do Estado.
No mesmo contexto está o desenvolvimento do constitucionalismo moderno e do
início do século XX (constitucionalismo social).
A ratificação de Tratados de Direitos Humanos não significa o respeito por esses
direitos. E falar em direitos humanos é falar em direito transnacional e devem ser parte
integrante de todos os Estados.
Com relação à proteção internacional dos direitos humanos, a Carta das Nações Unidas
referem-se a esses direitos como uma dimensão da cooperação entre os Estados, e uma
questão de interesse geral da comunidade internacional. A proteção internacional dos direitos
humanos é condição para a manutenção da paz (art. 55, Carta da ONU).
Foi apenas com a aprovação da Resolução nº 48/141 de 1994 que a Assembleia Geral
da ONU reconheceu a proteção dos direitos humanos como uma das prioridades da
comunidade internacional.
O direito internacional de direitos humanos trata-se de direito de proteção, que abrange
tanto as normas de cunho internacional quanto nacional.
Os Pactos Jurídicos de 1966 buscam conferir força vinculativa aos direitos humanos, o
que não sucedia com a DUDH. Criaram direito consuetudinário dos direitos humanos,
vinculando até mesmo os Estados que não o ratificaram. Esses direitos são interdependentes e
complementares.
O Pacto de Direitos Civis e Políticos consagra primordialmente direitos negativos, e
também direitos relacionados com a prestação de condições normativas, institucionais,
administrativas necessárias à proteção e efetivação de tais direitos perante terceiros.
O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais consagrou a
autodeterminação dos povos, e uma série de normas programáticas, diferentemente do que
sucede no âmbito dos direitos civis e políticos. É possível a adoção de um Protocolo
Facultativo criando um sistema de queixas formais, individuais e coletivas pela violação dos
direitos sociais, econômicos e culturais.
Outras convenções também tiveram enorme importância no contexto da personalidade
internacional do indivíduo (sobre o Genocídio, sobre os Refugiados, direitos políticos das
mulheres, sobre a discriminação contra as mulheres, combate aos crimes de apartheid, contra a
tortura e outros tratamentos cruéis, direitos da criança etc).

Direitos humanos como direitos objetivos e subjetivos


À primeira vista, a titularidade dos direitos humanos parece não gerar tanta
controvérsia, mas é possível invocar pessoas jurídicas no tocante a esta proteção.
Nem todos os direitos humanos, para uma doutrina, podem ser perseguidos
judicialmente pelas vítimas no plano internacional. No entanto, cria-se uma polêmica, pois um
direito sem a respectiva ação judicial não poderia ser assim considerado (Cançado Trindade).
Na dimensão objetiva, os direitos humanos representam o conjunto de normas
vigentes, incluindo aqueles direitos que não podem ser reivindicados pelos seus titulares.
Existem direitos humanos como direitos subjetivos, porque podem ser perseguidos
pela via judicial. Estes são considerados os verdadeiros direitos humanos, pois são
justiciáveis.
Outra corrente aponta que seriam meras obrigações, reconhecendo os indivíduos como
meros beneficiários, e não como titulares de direitos.
São duas as interpretações possíveis para o termo direito:
a) Direitos no sentido objetivo: conjunto de normas vigentes, incluindo direitos que
não podem ser reivindicados judicialmente (não são justiciáveis pelos seus beneficiários,
impondo apenas obrigações aos Estados).
b) Direitos no sentido subjetivo: são aqueles que atuam através das garantias que
podem ser perseguidas pela via judicial.
Há quem entenda que somente estas últimas podem ostentar a natureza de direitos
humanos porque se identifica a pessoa humana como seu titular.
Essa noção é questionável, pois não reflete a opinião de uma doutrina mais moderna,
tanto que Cançado Trindade considera que todos os direitos humanos são justiciáveis.
Podemos distinguir, nessas duas correntes, a pessoa humana como titular do direito
subjetivo e como beneficiária, mas sem dispor de acesso direto a órgãos de monitoramento
para perseguir esses direitos.
A consequência da titularidade de direitos e obrigações no plano internacional é o
reconhecimento da subjetividade jurídica do indivíduo. Ademais, o indivíduo possui deveres,
como o de se abster de cometer crime de genocídio e de tortura. Os Estados concedem direitos
e obrigações a indivíduos e grupos.
Uma série de normas de direitos humanos apenas criam obrigações diretas em face de
outros Estados ou da comunidade internacional, mas não em relação ao ser humano.

Direitos individuais
Os direitos humanos podem se referir tanto às pessoas naturais quanto às pessoas
jurídicas.
Os direitos civis e políticos são reconhecidos pelo Estado como direitos subjetivos
internacionais. A razão principal para esse reconhecimento é o fato de o Protocolo Facultativo
de Direitos Civis e Políticos de 1966 que prevê um procedimento quase judicial perante o
Comitê, permitindo aos indivíduos o encaminhamento das comunicações individuais. As
Convenções Centrais autoriza o Comitê a considerar tais petições.
Reitere-se que o Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais (2008) também permite aos indivíduos peticionar perante o seu Comitê.
A Convenção Internacional para a proteção de todas as pessoas contra o
desaparecimento forçado, que ainda não entrou em vigor, prevê a possibilidade de
comunicações individuais.
Os Comitês, mediante os relatórios estatais, avaliam o cumprimento dos respectivos
Tratados. Nos comentários gerais, têm concretizado o dever de informação.
Nesses comentários, explica-se aos Estados como eles devem compreender e cumprir
os deveres impostos pelos Tratados Internacionais. Dessa forma, acaba limitando o não
cumprimento de um dever pelo Estado através de fundamentações vazias e evasivas.
As violações dos direitos econômicos, culturais e sociais podem ser examinadas
indiretamente pelo Comitê de Direitos Humanos (do Pacto de Direitos Civis e Políticos),
juntamente com a proibição de não discriminação, prevista no art. 26 do Pacto de Direitos
Civis e Políticos.
No Sistema Interamericano, existem dois órgãos: Comissão Interamericana de Direitos
Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Eles aplicam sobretudo a
Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, estipulando predominantemente direitos
civis e políticos. A CADH foi complementada pelo Protocolo de San Salvador, que prevê os
direitos econômicos, sociais e culturais.
As petições individuais podem ser apresentadas somente à Comissão Interamericana
de Direitos Humanos, não podendo ser apresentadas diretamente à Corte. A CADH prevê que
apenas Estados partes e a Comissão podem apresentar petição à Corte. É diferente do sistema
Europeu.
O Brasil reconheceu a competência da Corte Interamericana em 2002 pelo Dec. 4463
de 8 de novembro de 2002, para que esta pudesse julgar.
O indivíduo tem locus indireto perante a Corte.
A Convenção de Belém do Pará, que trata da violência contra a mulher, prevê no seu
art. 12, petições individuais.
Por uma questão lógica, as pessoas jurídicas não podem ser vítimas de tortura, mas
podem ser titulares de direitos humanos, na medida em que protege o indivíduo, e este será
vítima da violação. É comum que os indivíduos se organizem coletivamente, seja para
articular opiniões, exercer convicções religiosas, promover reivindicações ou até mesmo para
exercer atividade econômica.
O gozo de alguns dos direitos humanos fica na dependência do meio, que pode ser a
pessoa jurídica.
No plano internacional, temos alguns exemplos: o art. 8º, I, c, Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais estipula o direito dos sindicatos de funcionar sem
obstáculos ou outras limitações. O art. 13, IV garante a liberdade das entidades para
estabelecer e dirigir instituições de ensino. O protocolo facultativo autoriza os indivíduos a
encaminhar petição ao Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
Não se defende a pessoa jurídica em si mesma, mas como meio à satisfação dos
direitos humanos.

O protocolo facultativo ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e também o


Comitê contra a Tortura (da Convenção contra a tortura ou outras penas cruéis ou degradantes)
referem-se meramente a comunicações provenientes de indivíduos, que aleguem ser vítimas
de violação.
A interpretação dada pelo Comitê é que esses indivíduos são exclusivamente pessoas
naturais. No âmbito do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, a pessoa jurídica tem
acesso indireto a esses mecanismos. O indivíduo atua em seu próprio nome diante da violação
de um direito individual.
No sistema interamericano, convém observar o art. 44 da CIDH, que permite qualquer
pessoa ou grupo de pessoas apresentar petições à Comissão Interamericana, não sendo
necessário alegar que são as vítimas.
Ex. Organizações não governamentais legalmente reconhecida, como a Anistia
Internacional.
Em relação aos direitos coletivos, poucos são os direitos humanos assim reconhecidos.
O caso especial se refere ao direito dos povos indígenas, cuja existência é aceita pela
comunidade internacional, principalmente no Sistema Interamericano de Direitos Humanos.
No plano global, apenas o direito à autodeterminação tem a sua existência
incontestável, sendo garantido pelo art. 1º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos
e art. 1º do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, além do costume
internacional.
Na doutrina, entende-se que este direito vale como jus cogens.
O conteúdo do direito à autodeterminação ainda está em discussão, sobretudo no
aspecto externo (como o direito de secessão).
Apesar de consagrar a autodeterminação dos povos, o protocolo facultativo do Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos se refere apenas às comunicações individuais. O
Comitê não é competente para considerar petições em nome dos povos.
Entretanto, este Comitê, recentemente, manifestou o seu interesse em discutir a
autodeterminação em relação a outros direitos humanos individuais, como no caso Apirana vs.
Nova Zelândia (2000) e no caso Mary Ellen vs. França (2002).
Ainda mais controverso do que a autodeterminação são os direitos humanos de 3ª
geração, na medida em que estes envolvem os direitos coletivos (direito à paz, meio ambiente
ecologicamente equilibrado etc). Estes direitos muitas vezes são reconhecidos apenas nos
discursos. Mas isso não significa que sejam direitos insignificantes.
A defesa dos direitos humanos deve ocorrer com base em fundamento sólido de
proteção, o que não existe nos direitos de 3ª geração.
No plano regional, esta avaliação é um pouco diferente, pois a Convenção Africana
sobre Direito dos Povos (1998) reconhece vários direitos humanos coletivos. O caso da tribo
Ogoni é emblemático.
No sistema interamericano, destaca-se o direito dos povos indígenas, havendo rica
jurisprudência a respeito deste direito coletivo. É tratado como direitos humanos cada vez
mais justiciáveis.
Embora o Pacto de San Salvador tenha consagrado direitos econômicos, culturais e
sociais, os direitos coletivos são bem restritos no âmbito do sistema interamericano. No art.
11, é previsto o direito ao meio ambiente sadio, que é tratado como direito de toda a pessoa, e
não como direito coletivo.
Vários direitos humanos individuais possuem dimensão coletiva, mas isto não os
transforma em direito coletivo.
Ex. O art. 27 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos determina que,
havendo minorias étnicas, religiosas ou linguísticas não podem ser privadas de ter a sua vida
cultural, professar a sua religião e utilizar a sua língua. Não são direitos coletivos. Apenas os
membros, individualmente considerados, podem apresentar comunicações ao Comitê de
Direitos Humanos, na hipótese de serem vítimas.

Deveres impostos pelos Direitos Humanos


Os principais obrigados pelo direito internacional dos direitos humanos são os Estados.
Entretanto, os direitos humanos também são ameaçados por pessoas privadas ou particulares,
grupos não governamentais, por corporações ou empresas transnacionais.
Ex. Empresas farmacêuticas resolvem fazer testes de medicamentos em povos
africanos. Estará sujeita aos direitos humanos.
Obrigam-se os Estados a tomarem medidas adequadas para que os seres humanos não
se tornem vítimas de sucessivas violações.
Fala-se em eficácia inter privatos dos direitos humanos.
Há um paradoxo, na medida em que o Estado é o principal garantidor dos direitos
humanos, mas o seu potencial violador.
Vários Tratados de Direitos Humanos articulam a obrigação dupla do Estado: de
respeitar e garantir os direitos contidos na Convenção.
A CADH, no art. 1º, I, estipula que os Estados-partes comprometem-se a respeitar os
direitos humanos (...) e garantir o seu livre e pleno exercício.
O art. 2º, I, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos traz previsão
semelhante.
O Estado poderá ser responsabilizado se não garantir os direitos consagrados nos
Tratados Internacionais de Direitos Humanos, assim como em sua violação direta.
A Comissão de Direito Internacional, em 2001, formulou um artigo, tratando da
responsabilidade do Estado. O Estado é responsável por todos os atos dos seus órgãos e
agentes (incluindo os 3 Poderes), desde o Presidente até o servidor municipal. De maneira
excepcional, pode ser responsável por atos de pessoas privadas ou outros entes.
O Estado é impedido de negar a sua responsabilidade, vez que o direito internacional
dos direitos humanos não se interessa por questões intraestatais.
Frequentemente, os órgãos dos Estados cometem atos ultra vires, que ultrapassam em
muito as suas competências.
O Estado também é responsável pelos atos cometidos por pessoas privadas, as quais
delegou atividade pública (ex. Concessionárias de serviço público). Esta responsabilidade
impede o Estado de se eximir por conta da delegação da tarefa, tendo em vista que estas
questões intraestatais não são importantes para o direito internacional dos direitos humanos.
O Estado é responsabilizado porque não fiscalizou de modo adequado.
Há hipóteses em que o Estado se torna cúmplice clandestino de pessoas privadas que
violam direitos humanos, tolerando as atividades ilegais. Nesses casos, o Estado mantém
contatos informais com milícias, grupos de extermínio etc. O grande desafio é o campo
probatório.
A doutrina tem desenvolvido a regra da imputação, previsto no art. 8º do citado artigo.
Pressupõe a conduta de uma pessoa ou grupo de pessoas atuando sobre as instruções do
Estado, ou sob o controle dele. O grande desafio é comprovar a cumplicidade clandestina do
Estado.
A Corte Internacional de Justiça sustenta o critério da dependência completa quanto ao
controle a ser realizado, embora o Tribunal Penal Internacional tenha seguido noção mais
ampla para a ex-Iugoslávia. Assim, não exigiu dependência completa, linha seguida pela
doutrina (mais protetiva).
Em caso de intolerância do Estado para com os direitos humanos, é bastante
aconselhável que se intervenha contra os atores privados.
Quando há violação de direitos humanos, gera-se uma séria de deveres para o Estado.
Por consequência, o Estado deve determinar a cessação da violação a tais direitos; promover a
omissão de futuras violações de direitos; promover a restituição natural; e indenizar. Caso a
violação permaneça, o Estado é obrigado a agir para cessá-la. Também deverá agir para
prevenir futuras violações a direitos.

Há outras medidas que podem assumir formas imateriais, como os pedidos de


desculpas oficiais, criação de instituições destinadas a rememorar as contínuas violações,
desenvolvimento de programa de capacitação de um determinado pessoal etc.
Quais são os outros autores que estão vinculados pelo direito internacional dos
direitos humanos?
São atores não-Estatais, como grupos não governamentais, pessoas privadas, grandes
corporações etc. Estes agentes não são partes nos Tratados de Direitos Humanos.
O direito internacional dos direitos humanos obriga o Estado a proteger os seus
indivíduos, inclusive aquelas que advém de atores privados.
Para além disso, o direito internacional humanitário obriga as partes envolvidas no
conflito armado a respeitar os padrões mínimos de civilização.
O direito internacional penal possibilita a condenação de indivíduos, em particular pelo
cometimento de crimes contra a humanidade, crimes de guerra e violações graves de direitos
humanos.
Todos caminham na mesma linha de proteger os indivíduos.
Quanto à possibilidade de responsabilizar pessoas privadas pela violação dos direitos
humanos, o Estado é obrigado a adotar medida legislativas e administrativas que visem
prevenir, impedir ou reprimir estas violações, a fim de cumprir o seu dever de garantir os
direitos humanos.
Ex. Obrigação de criminalizar atos que constituem violações de direitos humanos.
Deverá criar instituições para prevenir e punir os violadores.
Algumas corporações internacionais são mais poderosas do que muitos Estados, e, por
vezes, estes atores não cumprem as suas responsabilidades sociais. Estas corporações
comprometem-se a cumprir apenas algumas recomendações (como a emanada por uma
Subcomissão da ONU, em resolução de 13 de agosto de 2003). Este documento é apenas uma
sugestão (soft law), não havendo vontade em transformá-los em hard law.
Os agrupamentos não governamentais armados, que lutam contra governo estrangeiro,
por vezes são apoiados clandestinamente. Se for provado que o Estado exerça controle sobre
esses grupos (não precisa ser completa), haverá responsabilização daquele. O mesmo vale para
o Estado em que o conflito ou rebelião acontece. O desafio é sempre probatório.
As organizações intergovernamentais também podem violar direitos humanos.
O Estado, ainda que delegue competências a organismos internacionais, não se libera
da responsabilidade de proteger os direitos humanos. Ex. União Europeia. Está autorizada a
estabelecer atos que alcancem os direitos fundamentais dos indivíduos a ela submetidos.
Tem se evitado enfrentar alguns temas, como a responsabilidade por violação de
direitos humanos por atuação da ONU, como ocorreu em Kosovo ou no Timor Leste
(administrações transitórias). É necessário se invocar a regra da imputação, pois a ONU não
dispõe da sua própria tropa, mas de Estados, o que torna a discussão bem acirrada.
As sanções autorizadas pelo Conselho de Segurança também suscitam esse
questionamento (da responsabilidade da ONU), quando houver violação a direitos humanos.

Deveres imanados dos direitos humanos


A obrigação de respeitar os direitos humanos não significa que a interferência estatal
resulta necessariamente em sua violação. Pelo contrário. É possível que se restrinja
determinados direitos humanos, sob certas condições, a fim de serem adotadas uma série de
medidas por parte do Estado.
A liberdade de expressão, por exemplo, garantida no art. 19 do Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos prevê certas restrições em determinadas condições.
Alguns direitos humanos não podem ser restringidos, por óbvio. No entanto, isso não
significa que nenhuma ingerência estatal jamais possa ser justificada. O princípio da
proporcionalidade deve ser invocado na análise desses atos de ingerência.
Exige-se do Estado a adoção de medidas proativas, implicando as chamadas
obrigações de fazer ou positivas, que se subdividem no dever de proteger e de garantir.
Hoje, a doutrina defende a existência de um modelo tridimensional com relação a esses
deveres (dever de respeitar, dever de proteger e o dever de garantir). A Convenção Africana de
Direitos Humanos apresenta 4 dimensões: dever de respeitar, dever de proteger, dever de
promover e o dever de cumprir.
Não é possível se exigir um Estado fiscalizador (a la big brother), pois estaria violando
uma série de outros direitos. Deve procurar um equilíbrio entre estes dois extremos, de modo a
não criar obrigações quase impossíveis de serem cumpridas.
Quais são os pressupostos gerais de violação do dever de proteger os direitos
humanos por parte do Estado?
São 3 pressupostos:
Proteger os direitos humanos de um perigo concreto ou de conhecê-lo;
Possibilidade objetiva de evitar a violação de direitos;
Omissão em tomar uma medida sensata e apropriada.
O Estado só pode ser responsabilizado pela sua omissão se as suas autoridades sabiam
ou tinham de saber do respectivo perigo, pretensões ou atividades dos agentes privados. É
importante a comprovação deste elemento de conhecimento – o saber positivo do Estado sobre
o perigo ou a falta de diligência no que diz respeito a prever a violação.
Ex. Caso em que o Estado sabia que certas crianças eram impedidas de frequentar a
escola primária, o direito à educação obriga o Estado a agir.
É importante, nessa seara, a previsibilidade da violação dos direitos humanos. Deve-se
demonstrar que o perigo não existia apenas abstratamente, mas já havia se concretizado.
O segundo pressuposto é que o Estado deveria objetivamente ter tido a possibilidade
de prevenir a violação do direito – não se pode exigir o impossível do Estado (análise quanto à
proporcionalidade).
A violação do dever de proteger decorre da omissão do Estado em reagir
(apropriadamente) à situação em questão. Deve escolher a medida mais apropriada. Esse
poder discricionário não é ilimitado, e pode ser examinado pelos Tribunais e órgãos
internacionais de proteção dos direitos humanos. O Estado não pode tomar outras medidas que
não estejam estipuladas pelo direito internacional dos direitos humanos.
Até que ponto o Estado é obrigado pelos direitos humanos a proteger grupos e
indivíduos dos chamados perigos objetivos?
Entende-se por perigos objetivos aqueles que decorrem das forças da natureza, como
uma catástrofe ambiental ou construções feitas pelo homem, que representam sérios riscos aos
direitos tutelados pelos direitos humanos, como as usinas nucleares, fábricas que poluem de
forma significativa o meio ambiente etc. Há um consenso que o dever de proteger também se
estende a estes perigos.
A Corte Europeia de Direitos Humanos condenou a Turquia (em 2004) por aceitar que
operassem, em seu território, fábricas emissoras de gases tóxicos responsáveis por causar má
formação dos bebês.
Decorre do dever de proteger o dever de garantir. Este se subdivide no dever de
facilitar e de prestar.
O dever de facilitar exige do Estado a criação dos pressupostos legais, institucionais e
processuais necessários para possibilitar aos titulares a efetiva realização dos direitos
humanos. Não pressupõe perigos imediatos.
Esse dever de facilitar requer a adoção de políticas ou planos de ação, tendentes a
criação ou melhoramento de certas instituições ou elaboração e promulgação de determinadas
leis. É mais amplo do que o dever de proteger. O dever de facilitar tem natureza abstrata e
indeterminada, não implicando a adoção de uma medida específica. Nesse sentido, ele é
programático.
Em casos excepcionais, o dever de garantir se transforma no dever de prestar
determinados serviços, o que é muito evidente no contexto dos direitos econômicos, sociais e
culturais.
Ex. Quando ocorre uma catástrofe natural ou outro desastre que ameaça a vida das
vítimas, o Estado tem de ajudá-las mediante ações prestacionais. Caso não disponha de
equipamento necessário ou recursos insuficientes, deve pedir ajuda internacional.
É geralmente justificado deduzir algumas consequências com referência aos direitos
civis e políticos, como o direito à vida.
O dever de garantir está no centro dos deveres processuais (art. 2º, § 3º, Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos).
As mais importantes obrigações processuais são as de investigar, processar e punir os
autores das presumíveis violações de direitos humanos. O problema da impunidade está
vinculado ao não cumprimento dos deveres processuais, resultante da falta de vontade dos
órgãos estatais ou sua completa omissão em perseguir tais violações.
Outro dever importante, que decorre da afirmação dos direitos humanos, é o de
respeitá-los, protegê-los e prestá-los sem discriminação.
Esses deveres vigem como jus cogens. São obrigações erga omnes, e todos os Estados
são competentes para reagir à sua violação. Alguns autores chamam de obrigações erga
omnes, valendo como costume internacional para todos os Estados do mundo. Obriga-se os
Estados a promover o respeito pelos direitos humanos.
Não está claro se os Estados podem aplicar medidas para sancionar os Estados
violadores de direitos humanos. No que se refere às graves violações, como de limpeza étnica,
parece afirmativa esta resposta.

Tribunal Penal Internacional


O direito internacional penal representa a afirmação da personalidade jurídica
internacional do indivíduo. A doutrina costuma interpretar o advento da justiça penal
internacional à luz da teoria de Hugo Grócio.
A responsabilidade criminal internacional decorre da prática de atos que a comunidade
internacional qualifica como um todo de crimes internacionais. Não se defende o direito dos
Estados-partes individualmente considerados, mas a responsabilidade criminal internacional,
nos moldes em que vem sendo redesenhada pós 2ª guerra, decorre da prática de atos que a
comunidade internacional como um todo qualifica como crimes internacionais.
Alguns teóricos consideram que o direito internacional penal traduz uma falha dos
mecanismos de proteção de direito internacional clássico.
Hoje, assiste a um verdadeiro culto da responsabilidade, que tem grande impacto
midiático.
As graves violações de direitos humanos são agora qualificadas como crimes pelo
direito internacional (crime contra a humanidade, genocídio, tortura...), ao mesmo tempo em
que se admite a responsabilização criminal internacional diretamente pelos indivíduos, ainda
que tenham agido em nome ou por conta do interesse do Estado.
A responsabilização criminal internacional pode abarcar outras condutas consideradas
lesivas a bens fundamentais da comunidade internacional. Nesse caso, estaremos diante do
direito penal transnacional (protege bens fundamentais da comunidade transnacional).
Paralelamente à consolidação do direito penal internacional, caminha o
desenvolvimento de uma jurisdição penal internacional, que é estruturalmente imparcial e não
militar.
A internacionalização da jurisdição penal representa um passo da maior importância na
superação do conceito tradicional de soberania estadual, e na legitimação do direito
internacional dos direitos humanos.
A soberania permanece com outros contornos, e menos densa do que outrora. Nesse
contexto, a soberania do Estado não pode ser invocada como justificativa da impunidade de
condutas que a comunidade internacional qualifica como crimes contra a humanidade.
Desenvolvimento da responsabilização penal internacional do indivíduo no contexto
histórico
Quais foram os mais recentes momentos de desenvolvimento histórico da justiça penal
internacional?
O primeiro foi o “direito de genebra sobre conflitos armados de 1864”; as conferências
de paz de Haia, de 1899 e 1907 (sobre a conduta na guerra); as convenções de 1929 sobre
feridos e prisioneiros de guerra; o art. 227 do Tratado de Versalhes, que previu a criação de um
Tribunal Penal Internacional para o julgamento do Imperador germânico Guilherme II, mas foi
fracassada pela concessão de asilo pelos países baixos.
O direito humanitário tinha valor muito mais simbólico do que real. Até a 2ª guerra, o
direito internacional era uma realidade puramente interestadual. Os Estados eram praticamente
os únicos sujeitos de direito na ordem internacional.
O Estatuto do Tribunal de Nuremberg ou Acordo de Londres (08 de agosto de 1945)
estabeleceu a sua competência para julgar os crimes contra a paz, os crimes de guerra e os
crimes contra a humanidade. Também foi importante na afirmação de uma justiça penal
internacional. Aliás, foi a primeira vez que caiu o véu da soberania do Estado, e o Tribunal
condenou os criminosos alemães com base no costume internacional.
Igualmente relevante foi o Tribunal de Tóquio de 1948 (Tribunal Militar Internacional
para o Extremo Oriente).
Outro ponto importante foi a resolução de 95 (nº 1) de 11 de dezembro de 1946 da
Assembleia Geral da ONU, que confirmou os princípios de Nuremberg; o mesmo acontecendo
com a Comissão de direito internacional na sua segunda sessão de 1950. Esta Comissão veio
considerar possível e desejável a existência de uma jurisdição internacional com competência
para julgar crimes de genocídio (nessa Resolução de 95).
Nesse contexto, foi aprovada a Convenção sobre Genocídio de 1948, e o art. 6º previa
a existência de um Tribunal Criminal Internacional. No entanto, o clima de guerra fria se
revelou adverso à sedimentação de uma justiça penal internacional.
Também importante foi o papel desempenhado pela DUDH.
Não podemos esquecer a experiência dos Tribunais ad hoc para a ex-Iugoslávia e
Ruanda. Esses órgãos assinalaram uma verdadeira revolução silenciosa no direito
internacional (Cassese).
Esses Tribunais basearam a sua atuação nos princípios do duplo grau de jurisdição, da
exclusão da pena de morte e da preclusão dos julgamentos à revelia quando a ausência traduza
o não reconhecimento da jurisdição obrigatória.
O princípio do non bis in idem ganha especial destaque e confirma a subsidiariedade
que caracteriza a jurisdição internacional. Tendo havido um julgamento nacional, os Tribunais
da ONU apenas intervém se a jurisdição nacional não foi imparcial nem independente ou se o
crime não foi objeto de procedimento diligente.
Quanto à jurisdição internacional, há um dever de cooperação dos Estados com esses
órgãos jurisdicionais, embora sejam estes desprovidos de meios para coagir a colaboração. Os
Tribunais Penais ad hoc foram concebido como importantes instituições dotadas de poderes
jurisdicionais limitados.
São limitados porque não constituíram o estabelecimento de uma jurisdição penal
permanente, mas, apesar disso, contribuíram enormemente, na medida em que procuraram
institucionalizar e processualizar a realização do princípio da responsabilização criminal
internacional.
Apesar de serem Tribunais ad hoc, levaram à conclusão de que se impunha uma
jurisdição penal permanente.
Houve, ainda, a mobilização da nova sociedade civil internacional em torno da
jurisdição penal internacional.
Os Tribunais Penais Não Governamentais também contribuíram, como a
Fundamentação para a Paz, instituído em 1966, nos EUA, para julgar as ações penais no
Vietnã.
Ainda, podemos citar os Tribunais Penais Não Governamentais instituídos contra os
crimes de guerra na Chechenia, estabelecido por ativistas de direitos humanos e políticos
russos. Entende-se que esses Tribunais podem dar grande contributo para o desenvolvimento
da jurisdição internacional, pois tende a aumentar a participação da sociedade civil nas
relações internacionais. Há, ainda, um grande apelo midiático. Ademais, suas decisões se
baseiam no direito internacional, com base em relevante doutrina.

Tribunal Penal Internacional (TPI)


A necessidade da criação de uma jurisdição penal permanente surgiu após as
experiências dos Tribunais ad hoc para a ex-Iugoslávia e Ruanda.
Há importantes vantagens em se criar um Tribunal Permanente: Economia de custo de
instalação; Estabilidade institucional; Legitimidade acrescida, que decorre de maior
imparcialidade.
O Estatuto de Roma entrou em vigor em 1º de Julho de 2002, tendo os primeiros 18
juízes eleitos em fevereiro de 2003.
Qual é a natureza jurídica do TPI?
Trata-se de uma instituição permanente, de origem convencional, integrante do sistema
das Nações Unidas, com sede em Haia, dotada de personalidade jurídica internacional e de
capacidade jurídica internacional funcionalmente adequada.
Não obstante tenha sido criado por Tratado, a amplitude da sua missão e o respectivo
reconhecimento internacional indica que teria uma efetividade jurídico-internacional erga
omnes.
O TPI coexiste com a Corte Internacional de Justiça. A responsabilidade penal dos
indivíduos por crimes contra a humanidade é de tipo sancionatório; coexiste com a
responsabilidade penal dos Estados pelos mesmos atos, cuja natureza é compensatória.
Com a criação do TPI, torna-se desnecessária e até mesmo desaconselhável a criação
de novos Tribunais Penais ad hoc.
A organização do TPI assenta na existência de um juízo de instrução, um juízo de 1ª
instância, uma instância de recurso e um procurador.
A representação e a orientação do Tribunal fica a cargo da presidência. Os trabalhos
burocráticos é de responsabilidade da respectiva secretaria (art. 34, Estatuto do TPI).

Objetivos do TPI
Estão previstos no preâmbulo do Estatuto.
O TPI visa a proteção dos direitos humanos, a afirmação da justiça na ordem
internacional e o combate à cultura da impunidade dos crimes internacionais (Antônio
Cassese).
A jurisdição penal internacional faz parte de um movimento mais vasto de limitação
das imunidades dos Estados e da afirmação da jurisdição universal sobre todos os crimes
internacionais.
A legislação nacional deve favorecer a responsabilização efetiva pela prática desses
crimes, e não dificultá-la.
A justificação do TPI passa também pelo exercício de uma pedagogia político-moral de
respeito pelos direitos humanos; pelo Estado de Direito, pelos valores democráticos, dando
concretização à chamada cultura moral globalizada.
A jurisdição penal internacional tem como objetivo favorecer a reconciliação nacional
e a paz entre os povos.
O TPI pode constituir um instrumento importante na luta pelo terrorismo, mas a
questão é controvertida, como será visto em momento oportuno.

Complementariedade e subsidiariedade
O TPI pretende pôr termo às situações em que os autores morais e materiais dos crimes
contra a humanidade permaneciam impunes por omissão do Poder Judiciário do Estado a que
pertenciam. O TPI se orienta pelos princípios da complementariedade e subsidiariedade, o que
significa dizer que são os Tribunais nacionais possuem um lugar central na realização e
concretização do direito internacional penal. Há um caráter limitado e secundário da
intervenção do TPI.
Por conta disso, cada Tribunal nacional deve se conscientizar de que deve realizar o
direito penal internacional.
Um dos objetivos do direito internacional penal consiste em pressionar os Estados no
sentido de que estes venham a promover a punição dos crimes internacionais.
A vantagem da complementariedade e subsidiariedade é que se salvaguarda a
soberania dos Estados, incentivando-se a criminalização das condutas tipificadas como crimes
internacionais. Só se não o fizerem é que se deve extraditar os indiciados para que o TPI o
faça.
Não existe uma reserva de jurisdição internacional, pois quem ocupa o lugar central
nesta matéria são os Tribunais nacionais, que devem interpretar e realizar o direito penal
internacional.
Uma das premissas fundamentais em que se assenta o TPI é a jurisdição universal em
matéria de crimes internacionais. Essa premissa também se manifesta no dever de os Estados
exercerem a respectiva jurisdição penal sobre os responsáveis pelos crimes internacionais.
A intervenção, em primeira linha, é dos Tribunais nacionais, vez que é considerada a
via mais adequada e desejável para persecução dos crimes. A fim de preencher eventual vazio
da jurisdição internacional, ao TPI é atribuída competência relativamente aos crimes
internacionais mais graves, e intervindo de forma complementar em face das jurisdições
nacionais.
Isso significa que o TPI não é visto como instância hierarquicamente superior dos
Tribunais Nacionais. Intervém a título subsidiário, como ultima ratio, nos casos em que a
jurisdição nacional não tiver condições de assegurar uma investigação e julgamento com base
nos princípios do due process of law internacionalmente reconhecidos.
O TPI possui uma prerrogativa, pois poderá impor oficiosamente a sua jurisdição aos
Estados, decidindo contra a posição por eles adotada. No entanto, os Estados tem ao seu
dispor um conjunto de mecanismos que lhe permitem assegurar os seus direitos de jurisdição.

Da informação, do recurso e da impugnação da jurisdição


Da informação: dirige-se informação ao TPI relatando de que se está a proceder ou se
procedeu a inquérito sobre nacionais ou outras pessoas sob a sua jurisdição, pleiteando a sua
manutenção (art. 18, II, Estatuto do TPI).
Recurso: há previsão de recurso contra a decisão proferida pelo juiz de instrução, que é
aquele que cuida da investigação (art. 18, IV).
Impugnação da jurisdição do TPI: o Estado, além de impugnar a jurisdição do TPI,
pode discutir a admissibilidade de um caso (art. 17 e 19).
Nessa discussão entre o Tribunal e o Estado cabe ao TPI, que funciona como uma
super-instância de recurso. O TPI confia o processo à jurisdição nacional, mas reserva-se o
direito de intervir se, quando e como achar adequado.
O princípio da jurisdição universal em matéria de crime contra a humanidade não pode
ser esquecido. O TPI deve considerar relevante a pendência de um processo penal diante de
Tribunal nacional de qualquer Estado.

Objeto da jurisdição do TPI


A jurisdição começa a se definir em razão da matéria, circunscrevendo-se aos crimes
mais graves. No art. 5º trata dos crimes da competência do Tribunal, que se restringe aos
crimes mais graves, que afetam a comunidade internacional em seu conjunto. Consagrou-se o
princípio da universalidade.
O Tribunal tem competência para julgar alguns crimes, como o genocídio, crimes
contra a humanidade, crimes de guerra e de agressão. O TPI poderá exercer a sua competência
em relação ao crime de agressão, desde que nos termos do art. 121 e 123, seja aprovada uma
disposição em que se defina o crime e se enuncie as condições em que o Tribunal exercerá
competência.
Esses crimes são qualitativamente diferentes dos crimes comuns, uma vez que
manifestam uma macro ou megacriminilidade. Assim se compreende a sua imprescritibilidade
(art. 29). Os crimes da competência do TPI não prescrevem!
Deve-se levar em conta a existência de uma especificação mais detalhada de um
instrumento designado por elementos do crime (art. 9º).
A jurisdição do TPI é delimitada ratio temporis, ou seja, é uma jurisdição limitada no
seu âmbito temporal, pois se aplica o princípio da irretroatividade das suas normas, quer geral,
quer relativamente a cada Estado-parte (art. 11). Significa que o TPI só terá competência em
relação aos crimes cometidos após a entrada em vigor do seu Estatuto.
A jurisdição também é limitada ratio personae, pois, em princípio, apenas os Estados-
partes do Estatuto ou da nacionalidade do arguido se submeterão ao TPI.

Condições prévias ao exercício da jurisdição


O Estado que se torna parte no Estatuto, aceita a jurisdição do Tribunal relativamente
aos crimes de sua competência (como o genocídio e a tortura).
O TPI poderá exercer a sua jurisdição se um ou mais Estados forem parte do Estatuto
ou aceitarem a competência do Tribunal ou a pessoa a quem seja imputado o crime esteja sob
a jurisdição de Estado que faz parte do Estatuto de Roma.
Se a aceitação da competência por um Estado que não seja parte do Estatuto for
necessária, poderá, mediante declaração depositada junto ao secretário, consentir que o
Tribunal exerça a sua competência em relação ao crime em questão.
A responsabilidade penal internacional é individual, pelo que os Estados propriamente
ditos não respondem criminalmente. Pode ocorrer de o Estado ser julgado na Corte
Internacional de Justiça pelos mesmos fatos, mas com uma lógica de compensação e não de
sanção.
O TPI é competente apenas para julgar pessoas singulares, maiores de 18 anos,
independentemente da sua qualidade oficial (arts. 25, 26, 27 e 28). Estão excluídas as pessoas
coletivas, como é o caso das empresas transnacionais.
No entanto, a responsabilidade criminal internacional abrange os membros dos órgãos
sociais dessas empresas que participam de crimes internacionais, bem como quaisquer
representantes de entidades privadas que estejam diretamente envolvidos na prática desses
crimes internacionais.
Quais são os fins das penas internacionais? O funcionamento do TPI aponta para uma
transposição sui generis dos princípios do direito penal da ordem nacional para a
internacional, nomeadamente nos domínios da prevenção geral e especial, reprovação,
ressocialização e incapacitação.
A jurisdição internacional preocupa-se com a prossecução de outras finalidades, que
transcendem os fins da pena, mas que assumem relevo central nas relações internacionais. É o
caso da justiça transicional e restaurativa de reconciliação nacional; a pedagogia moral e
jurídica; a preservação da verdade dos registros históricos; da reafirmação e restauração
psicológica das vítimas e familiares.
Por isso, o TPI não pode ser considerado um Tribunal análogo aos de direito interno, o
que pode justificar especificidades processuais diferentes naquelas admitidas no julgamento de
crimes comuns.
Além disso, a multiplicidade das funções políticas, jurídicas e morais, o que pode
servir uma fonte de mal entendidos e frustrações.

Organização e funcionamento do TPI


O TPI é composto pela presidência; 3 sessões respectivamente: de recurso, de
julgamento em 1ª instância e de instrução; o gabinete do procurador e a secretaria (art. 34).
O TPI é composto por 18 juízes (art. 35 e 36), os quais exercem as suas funções de
forma independente (art. 40), e de acordo com regra de exclusividade, admitindo-se o aumento
do número de juízes ou a adoção de regime de tempo parcial para juízes que não integrem a
presidência, em função da quantidade de trabalho (art. 35, III; 36, II). A presidência poderá
aumentar o número de juízes.
Os juízes que comporão a presidência desempenharão as suas funções em regime de
exclusividade desde a sua eleição. A presidência, em função do número de trabalho, pode
decidir em que medida os demais juízes desempenharão o seu trabalho e em regime de
exclusividade.
Não poderá haver dois juízes da mesma nacionalidade (art. 36, 6º e 7º), os quais serão
eleitos por escrutínio secreto em assembleia dos Estados-partes, por maioria de 2/3. O
Presidente, o 1º e 2º Vice são eleitos por 3 anos pela maioria absoluta dos juízes (art. 38).
Poderão ser reeleitos uma única vez.
O gabinete do procurador é presidido por este, que tem como função exercer a ação
penal junto ao TPI, de acordo com o princípio acusatório.
O procurador e os procuradores adjuntos possuem qualidades e competências em tudo
análogas às dos juízes. Terão nacionalidades diferentes, e desempenham os seus cargos em
regime de dedicação exclusiva (art. 42).
O Gabinete do Procurador atua de forma independente enquanto órgão autônomo do
Tribunal (natureza jurídica). Competir-lhe-á recolher comunicações, e qualquer outro tipo de
informação, devidamente fundamentada, sobre crimes da competência do Tribunal, a fim de
os examinar, de os investigar e exercer a ação penal junto ao Tribunal.
A Secretaria é responsável pelos aspectos não judiciais da Administração e pelo
funcionamento do TPI.
Processo perante o TPI
O impulso processual ocorre com a denúncia de crimes ao procurador ou ao juízo de
instrução. É igualmente possível a investigação a partir de notícias que chegam ao
conhecimento do procurador (art. 15).
O procurador apreciará a seriedade da notícia recebida, podendo abrir ou não o
inquérito. Em caso positivo, apresenta pedido de autorização ao juízo de instrução,
acompanhado de toda documentação de apoio.
Se, após o pedido, o juízo de instrução considerar que há fundamento para abrir o
inquérito e que o caso parece caber na jurisdição do Tribunal, o juízo de instrução autoriza a
abertura do inquérito.
Se o juízo de instrução recusa a abertura do inquérito, nada impedirá o procurador de
formular ulteriormente outro pedido, com base em novos fatos.
No caso de o procurador considerar insuficientes as informações apresentadas para
instaurar o inquérito, ele comunicará as razões a quem tiver apresentado o requerimento.
É sempre dada aos Estados a possibilidade de preferirem o exercício dos seus poderes
de jurisdição e de impugnarem a decisão do TPI.

Princípio do non bis in idem (art.20)


O Tribunal não poderá julgar pessoas por crimes pelos quais já tenham sido
condenadas ou absolvidas, salvo se o processo em outro Tribunal tenha tido por objetivo
subtrair o acusado à sua responsabilidade criminal por crimes da competência do TPI, ou não
tenha sido conduzido de forma independente ou imparcial, ou tenha sido conduzido de
maneira incompatível com aquela que pretende submeter a pessoa à ação da justiça.
Igualmente, nenhuma pessoa poderá ser julgada por Tribunal, caso já tenha sido
julgada pelo TPI em relação ao crime do art. 5º (crimes contra a humanidade, tortura,
genocídio etc).
O princípio do non bis in idem é relativo no âmbito do TPI.
Todos os processos encontram-se conformados pelos princípios de direito penal
(nullum crime sine lege, nulla poena sine lege, nulla poena sine crimen, não retroatividade em
razão da pessoa – art. 22/24).
A exclusão da jurisdição sobre menores de 18 anos e a irrelevância do cargo e da
função do pretenso autor dessas violações também são consideradas.

Inquérito e Instrução
Durante o inquérito e investigação, vigora o princípio do segredo de justiça, cujo
fundamento é a proteção das pessoas, evitar a politização do Tribunal, preservar os meios de
prova e a salvaguardar a eficácia da investigação. Há um sistema de notificações confidenciais
aos Estados e restrição de informação sobre processos em curso.
Ao procurador, é conferido o poder de citação, de proceder ao colhimento das provas,
de solicitação da cooperação dos Estados, e requerimento de mandados de detenção, dotados
de efeitos direitos e notificações para comparecer ao Tribunal (arts. 55/59).
Depois do inquérito, segue-se à abertura da instrução, podendo o arguido requerer para
aguardar o julgamento em liberdade (art. 60). Nesta fase, a acusação deve ser apreciada e
confirmada pelo juízo de instrução.
É reconhecido ao arguido o direito de audiência e de contestação, de acordo com os
princípios do contraditório (arts. 60/61).

Julgamento
O julgamento obedece aos princípios da justiça, da imparcialidade, da presencialidade,
da boa administração da justiça, da publicidade e da presunção de inocência (art. 63 e 66).
O art. 63 prevê a presença do acusado em julgamento, consagrando o princípio da
audiência. Caso perturbe a audiência, poderá ser ordenada a sua remoção da sala e
providenciar para que acompanhe o processo e dê instrução ao seu defensor a partir do
exterior da mesma, utilizando, se necessário, meios técnicos de comunicação.
O art. 66 consagra o princípio da presunção de inocência. O nº 2 diz que incumbe ao
procurador o ônus da culpa do acusado. O nº 3 indica que o Tribunal deve estar convencido de
que o acusado é culpado.
Alguma doutrina tem chamado atenção desadequação desse grau de convicção no
âmbito da justiça internacional, preconizando uma maior preponderância ao critério da prova,
e não a da ausência de qualquer dúvida razoável. A questão é muito controversa.
Entende-se que não se pode ser condenado em processo se houver uma dúvida
razoável.
A prolação da decisão tem como requisitos essenciais o dever de o Tribunal proceder
ao exame de toda prova apresentada e apenas dela, bem como garantir a congruência entre os
fatos e a decisão (art. 74, II).
O Tribunal fundamentará sua decisão exclusivamente nas provas produzidas ou
examinadas em audiência de julgamento.
Os juízes procurarão tomar a decisão por unanimidade, e, não sendo possível, por
maioria. A decisão será proferida por escrito e conterá uma exposição completa e
fundamentada da apreciação das provas.
Da decisão, cabe recurso para a 2ª instância, e na pendência do recurso, e para efeito da
colocação em liberdade, o Tribunal deve ponderar os direitos do arguido com os dados fáticos
e interesses substantivos e processuais presentes (art. 75).
O recurso é admitido de outras decisões processualmente relevantes, cabendo ao
Tribunal decidir sobre o seu efeito suspensivo ou meramente devolutivo (art. 82).
Há possibilidade de ulterior revisão da sentença condenatória ou da pena,
nomeadamente no caso da descoberta de novos elementos de prova ou da falsidade dos
elementos de prova com base nas quais o arguido foi condenado, ou descumprimento dos
deveres funcionais por parte dos juízes que prolataram a sentença.
O art. 86 determina que há o dever de colaboração dos Estados na execução das penas.
Embora esteja prevista a possibilidade de prisão perpétua, também se prevê a prisão de
até 30 anos, tendo em conta as circunstâncias objetivas e subjetivas do crime do arguido.
O art. 77 trata das penas aplicáveis: pena de prisão por um número determinado de
anos até o limite máximo de 30 anos; pena de prisão perpétua, se o elevado grau de ilicitude
do fato e as circunstâncias o justificarem; pena de multa; perda de produtos, bens e haveres
provenientes do crime.
Na determinação da pena (art. 78), o Tribunal levará em consideração as condições do
crime e fatores pessoais do condenado. Será descontado da pena aplicada o período no qual o
condenado esteve sob detenção (detração).
A prisão perpétua será revisível ao fim de 25 anos de prisão.
Admite-se o recurso extraordinário de revisão da sentença condenatória ou da pena
diante da descoberta de novos elementos de prova de que não se dispunha quando do
julgamento, por razões não imputadas ao requerente, e desde que suficientes para alterar o
veredicto final, bem como a falsidade da prova ou a existência de conduta reprovável por parte
dos juízes (art. 84).

Debilidades do TPI
- Possibilidade de instrumentalização política em razão da sua íntima interdependência
das relações internacionais, o que poderia minar a credibilidade do Tribunal junto à opinião
pública mundial.
- A natureza transpessoal do crime. A responsabilidade individual pode ser insuficiente
para dar conta da dimensão moral e jurídica das atrocidades cometidas.
- Exclusão das pessoas coletivas. A responsabilidade individual deixou de fora as
pessoas coletivas de direito público ou privado, muitas das quais com capacidade de causar
graves violações de direitos humanos.
- Adequação quanto ao combate ao terrorismo, o que é comprometido pela não
ratificação do Estatuto de Roma pelos EUA. É um tema de bastante controvérsia. Há um
documento americano que proíbe a cooperação dos Estados Unidos com o TPI.
- Difícil acomodação do TPI com os meios alternativos.
- Os desafios da justiça transicional e restaurativa.

Avaliação doutrinal
Com relação ao crime de genocídio, é dedicada uma norma ad hoc no art. 6º, distinta
dos crimes contra a humanidade definidos no art. 7º.
O Conselho de Segurança pode bloquear a atividade do TPI (art. 16) por um período de
12 meses, renováveis (mas o dispositivo não traz prazo limite de renovações).

O terrorismo e o seu impacto sobre os direitos humanos


Quem é terrorista? Qual é o conceito de terrorismo? Por anos, os Estados discutem
sobre a definição deste tema. Já exista um acordo de fundo sobre a sua definição, mas que não
podia se aceitar porque ligado à ideologia. Assim, muitos Estados da Europa oriental não
poderiam se enquadrar neste conceito, ainda que se recorressem a métodos terroristas.
Para os Estados ocidentais, o fato de assumirem uma ideologia, não lhes retiravam o
qualitativo de terroristas, em razão da escolha dos métodos de combate.
A dificuldade em se definir o terrorismo existe principalmente por conta do direito dos
povos à autodeterminação.
Os Estados não estavam de acordo com a exceção, como a luta dos povos pela sua
autodeterminação – lutas libertárias. Controvertia-se se tais lutas entrariam no conceito de
terrorismo ou se seriam uma exceção ao seu conceito.
Esta disputa sobre a exceção perdeu vigor, e se chegou a uma conclusão favorável às
velhas teses ocidentais. Atualmente, é possível dizer, com base no direito internacional, que
terrorista é qualquer pessoa que cometa uma ação criminosa contra civis ou militares não
envolvidos em ações bélicas, com o objetivo de coagir o governo, uma organização
internacional ou entidades não Estaduais, por meio da difusão do terror na população civil
ou com outras ações, por motivação política ou ideológica (Antônio Cassese).
Apesar desta definição ser largamente aceita, há quem discorde dela: A Convenção
Árabe contra o Terrorismo, de 1998.
O terrorismo é conceituado como qualquer ato ou ameaça de violência, qualquer que
seja a motivação ou objetivo, que se verifica na progressão criminosa de um indivíduo ou
grupo, e que tenta difundir o pânico entre as pessoas, que cause temor ou que ponha em
perigo de vida liberdade ou segurança, ou que procure causar danos ao meio ambiente ou
instalações, ou propriedades públicas, ou privadas, ou de ocupá-las, ou sequestrá-las, ou que
tente colocar em perigo os recursos nacionais (art. 1º, II).
A Convenção Árabe exclui desta conceituação todos os casos de luta com quaisquer
meios, compreendida a luta armada contra a ocupação estrangeira e agressões para libertação e
autodeterminação. De acordo com os princípios da legislação internacional, não deverão ser
considerados como crime, não se aplicando a nenhuma luta interna ou conflito em qualquer
que seja o Estado árabe (art. 2º).
Esta Convenção foi formulada para se adequar aos fins políticos dos países árabes,
posição esta reafirmada em termos ambíguos em seus documentos. Nesse sentido, a
Convenção de Kuala Lumpur sobre Terrorismo, de 03 de Abril de 2002, pela Conferência
Islâmica dos Ministros das Relações Exteriores; a Declaração de 25 de fevereiro de 2003 da
13ª Conferência dos Líderes de Estado ou de Governo dos países não alinhados; a Declaração
de 14 de outubro de 2004, da 2ª reunião intergovernamental da União Africana sobre
terrorismo.
A Liga da Conferência Islâmica continua a insistir na distinção entre terrorismo e
guerra de libertação nacional, de maneira que esta não estaria compreendida no conceito
daquela.
No terrorismo, há uma característica, porque a vítima é casual, não sendo escolhida
pela sua ideologia, etnia, religião ou classe social. É sacrificada somente para imprimir terror e
impor à autoridade um determinado comportamento. Pode-se falar em uma despersonalização
da vítima, que é bem mais acentuada do que no genocídio, que escolhe um determinado grupo
étnico, religioso ou racial (armeno, hebreu, negro, muçulmano, membros de uma tribo
indígena).
As vítimas são inocentes no ataque terrorismo, atacando-se às escuras pessoas que
normalmente não mantêm nenhum nexo com a ideologia ou política contra a qual se quer
atingir.
Os terroristas violam gravemente os direitos humanos. De qualquer forma, a ação
terrorista constitui sempre uma resposta perversa para problemas graves. Não só porque causa
morte e sofrimento, mas também porque é suscetível de endurecer o autoritarismo do governo.
Quase sempre os Estados vítimas do terrorismo agem com repressão generalizada, limitando
os direitos humanos de toda a população, como ocorreu na Inglaterra (lei de 11 de março de
2005).
Ainda, é responsável por introduzir discriminação entre nacionais e estrangeiros,
conforme ocorreu nos EUA. O tratamento conferido aos nacionais e estrangeiros suspeitos de
terrorismo é completamente diverso. Os primeiros são presos nos EUA em cárceres normais,
enquanto os segundos são enviados para Guantánamo.

Direitos humanos dos terroristas


Não são poucos que pensam que os terroristas constituem um mal tão grave ao Estado
Democrático de Direito, que se derrogue-lhes direitos fundamentais, os quais são gravemente
restringidos, como tem feito os EUA, principalmente após o ataque de 11 de setembro.
No entanto, deve-se levar em consideração que os direitos humanos são direitos de
todos, inclusive dos terroristas, e cujo fundamento não é só prático, mas ético-jurídico.
Quando se admite o uso de métodos peculiares, os executores não hesitam em chegar à
tortura, o que é uma vedação aos direitos humanos. O Estado de Direito não pode se degradar,
mas se ater aos preceitos dos direitos humanos.
Kant já insistia na degradação moral na qual incorre o Estado que pune com penas
desumanas e degradantes. Vários Tratados Internacionais de Direitos Humanos permitem a
limitação dos direitos humanos em situações excepcionais, mas estabelecem o núcleo de
preservação que não podem ser ignoradas nem mesmo nestas situações excepcionais, como as
cláusulas de derrogação.
Entre estes direitos, está o direito à vida, de não ser submetido a tratamentos
desumanos e degradantes, de não ser submetido à tortura, ao justo processo etc.
As pessoas suspeitas de terrorismo gozam de todos os direitos humanos, respeitante a
qualquer indivíduo preso, sobretudo os relacionados à prisão e ao processo. A força para
realizar a prisão deve ser proporcional à periculosidade do agente. O Estado não deve usar a
força de forma arbitrária e desproporcional. Uma vez detidos, eles gozam de todos os direitos
respeitantes a qualquer preso.
Apenas recentemente, a Suprema Corte dos EUA (28 de junho de 2004) reconheceu
aos suspeitos o direito de habeas corpus (Caso Yasser Hamdi). Em outro caso, decidiu-se que
o suspeito de terrorismo poderia se dirigir diretamente ao juiz.
No caso Hamdi, a juíza Sandra Day O'Connor argui que o Tribunal imparcial não
precisa ser uma Corte Judicial, mas uma Comissão militar apropriadamente constituída. Além
disso, as regras probatórias podem ser suavizadas, a ponto de reverter o ônus da prova. Não é
necessário o Estado provar a culpa, devendo o detento, dentro do cárcere, provar a sua
inocência. Decidiu-se não libertar o preso. Esta decisão é bastante criticada pelos militantes de
direitos humanos (Dworkin: “O que a Corte realmente disse?”).
A liberdade da pessoa humana é um bem essencial.

Caso “MacCann” e outros v. Reino Unido


No início de 1988, os serviços secretos ingleses contra o terrorismo tomaram
conhecimento de que membros do Ira comandaram ataque em Gibraltar, e, em 6 de março, os
suspeitos foram identificados, enviando-se a foto dos 3 suspeitos aos postos de fronteira da
Espanha. Havia suspeita que o atentado teria se desenvolvido por meio de automóvel repleto
de explosivos, acionados à distância.
McCann, percebendo que seria preso, colocou a mão no peito. O agente, pensando que
fosse para acionar a bomba, disparou, e neste intervalo, viu uma mulher colocando a mão na
bolsa, pensando que fosse pegar um detonador, também disparou contra ela. Outro agente
disparou contra a mulher. Ainda, foram feitos outros disparos contra McCann. Um terceiro
suspeito foi atingido, mesmo quando ele estava no chão.
O responsável pela operação afirmou que os agentes tinham a intenção de executar os
terroristas, pois era a única forma de remover a ameaça. Não foram encontradas armas nem
detonadores.
A Corte Europeia de Direitos Humanos decidiu que o Reino Unido violou o art. 2º da
Convenção Europeia de Direitos Humanos; que o direito à vida constitui valores fundamentais
da ordem democrática; que o uso da força, ainda que admitido, comporta o teste de
necessidade, devendo ser utilizado somente quando necessário. A CEDH considerou que o
planejamento e a execução da ação foram contrárias ao art. 2º da Convenção.

Rede de proteção formulada por Convenções Internacionais sobre Direitos Humanos


São vários documentos internacionais de direitos humanos prevendo proteção:
Convenção Europeia de Direitos Humanos (art. 15), Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos (art. 4º), a Convenção Americana de Direitos Humanos 1969 (art. 27), contêm
normas que permitem aos Estados derrogarem muitas normas da Convenção em situação de
emergência – cláusula de derrogação; guerra ou outro perigo público que ameaça a vida da
nação.
Estas medidas restritivas devem ser proporcionais à situação perante a qual pretende se
reagir. Por outro lado, não podem incompatíveis com outras obrigações internacionais
assumidas pelo Estado. A derrogação deve ser imediatamente colocada à disposição de outros
Estados-partes.

Avaliação doutrinal
Com base no documento A 66/762 das Nações Unidas, versa-se sobre a estratégia
global contra o terrorismo.
Aduz que se modificou a definição do conceito de terrorismo, no art. 1º do Acordo
Árabe contra o Terrorismo; que, em 21 de dezembro de 2011, a Liga Árabe aprovou o acordo
de luta contra o branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo; e acordo árabe de
luta contra a cibercriminalidade. Em 19 de janeiro de 2011, a Liga condenou ataques
terroristas em diversas regiões do mundo.

A ONU e a luta contra o terrorismo


O Conselho de Segurança concedeu carta branca aos EUA, com a resolução CSNU
1368 de 2001 para combater o terrorismo, qualificando o terrorismo como ameaça à paz e à
segurança internacionais, reconhecendo, de forma expressa, o direito de legítima defesa.
A legítima defesa é um direito natural, cujo uso não é por isso assegurado a partir de
uma constatação do Conselho de Segurança, sendo inútil esta referência.
O Pacto de Paris de 1928 prescreve que a guerra foi proscrita como meio válido de
solução de controvérsias.
Em 1945, a Carta de São Francisco (Carta da ONU) vai além e proíbe todo e qualquer
emprego da força, do qual a guerra é uma forma extrema (art. 2º, § 4º). Todos os membros
deverão evitar o uso da força.
Em 2001, qualifica-se o ato de 11 de setembro como ato de ameaça à paz e segurança
internacionais, reconhecendo o direito de legítima defesa.
O conceito de guerra é estrito (contencioso armado entre 2 Estados). Somente a
agressão armada justifica o uso da legítima defesa.
A resolução 1368 reconhece o direito à legítima defesa dos EUA, mas não definiu
contra quem. Mais. A resolução da Assembleia Geral da ONU 3314 de 1974 também prevê
como hipótese permissiva de legítima defesa a agressão armada indireta. Os EUA têm
justificado as suas ações com base nessas resoluções. O segundo argumento nunca foi bem
aceito perante o direito internacional.
Em matéria de manutenção da paz, a responsabilidade pertence ao Conselho de
Segurança das Nações Unidas, o qual define o que é agressão. A resolução anti-terrorismo
1373 de 2001 alargou ainda mais os poderes do órgão. Até então, o Conselho de Segurança
poderia se pronunciar em face de uma situação concreta, mas, para esta resolução, quaisquer
ato de terrorismo representa uma ameaça à paz, o que faculta ao Conselho agir de forma
preventiva.

Sistema interamericano de proteção e o terrorismo


No dia 21 de setembro de 2001, em Washington, ocorreu a 23ª reunião de consulta dos
Ministros das Relações Exteriores da OEA, que conclamou os Estados americanos a
assinarem a Convenção de Supressão do Financiamento ao Terrorismo de Nova York, de
1999. Ainda, encarregou o Conselho Permanente da OEA a preparar um esboço para uma
Convenção mais abrangente.
Contudo, o mais importante reflexo do atentado de 11 de setembro foi a adoção da
Resolução 1840 de 30 de junho de 2002 da Assembleia da OEA, a qual proclama a Convenção
Interamericana Contra o Terrorismo.
Trata-se de um documento que é fruto dos trabalhos do Conselho Permanente da OEA
e do Comitê Interamericano Contra o Terrorismo, criado pela Declaração do Mar Del Plata, de
novembro de 1998.
A Declaração de Lima de abril de 1996 foi a 1ª Conferência especializada sobre o
terrorismo, tendo sido adotado um plano de ação para a cooperação hemisférica para a
prevenção, o combate e a eliminação do terrorismo.
As normas de repressão ao terrorismo são anteriores no sistema interamericano, apesar
de a 1ª Conferência ter sido realizada em 1996.
Houve uma decisão tomada em 21 de setembro de 2001, que tornou o Tratado
Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), de 02 de setembro de 1947, o documento
mais antigo de cooperação hemisférica sobre o terrorismo.
Os esforços dos países americanos contra o terrorismo já são bastante antigos.
Na 23ª reunião, formulou-se resolução que previa que os ataques terroristas contra os
EUA são ataques contra todos os Estados americanos e, em acordo com todas as disposições
relevantes do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tratado do Rio de Janeiro) e
com o princípio da solidariedade continental, todos os Estados-membros do Tratado do Rio
de Janeiro devem providenciar efetiva assistência recíproca para fazer face a estes ataques e
a ameça de ataque similar a qualquer Estado americano, a fim de manter a paz e a segurança
do continente.
A Convenção Interamericana Contra o Terrorismo, no art. 2º, reporta-se ao termo
delito, e não como agressão armada, fazendo referência a outros dispositivos. O art. 11 trata da
inaplicabilidade da exceção por delito de crime político, uma vez que o ato terrorista, se assim
considerado, traria o regime jurídico do asilo político, fazendo com que seus autores evadam-
se de um julgamento justo.
Nenhum dos delitos estabelecidos no art. 2º será considerado político ou a ele conexo
ou inspirado.
Também, no art. 13, previu-se a denegação da concessão de asilo a suspeito de ataque
terrorista, afastando a condição de refugiado.

O terrorismo e o direito brasileiro


O art. 4º, VIII, CR erigiu o repúdio ao terrorismo como princípio basilar que deve
orientar o Estado brasileiro nas suas relações internacionais. No art. 5º, XLIII, reforçou-se este
repúdio ao determinar que o crime de terrorismo seja insuscetível de graça e anistia.
O Ministro Celso de Mello, no voto do Processo de Extradição nº 855/2004, decidiu-se
que uma vez que o Poder Constituinte emitiu claro e inequívoco juízo de desvalor em relação
a qualquer ato delituoso impregnado de índole terrorista, não se pode conceder ao terrorista o
mesmo tratamento benigno atribuído ao criminoso político. O Min. alude à Convenção
Interamericana Contra o Terrorismo para corroborar esta afirmação, que descaracteriza a
natureza política do ataque terrorista.
O prof. Antônio Cassese tenta estabelecer um recorte para o terrorismo, que tem por
alvo qualquer civil ou militar não envolvido em ação bélica (sob pena de atrair o direito dos
conflitos armados), com o objetivo de coagir um Governo ou Organização Internacional por
meio da difusão do medo na população civil.
O terrorismo, ainda, tem o traço da transnacionalidade e a desnecessidade da
motivação política ou ideológica.
O prof. Luís Jiménez Asúa prescreve que os delitos terroristas não constituem uma
figura homogênea, sendo caracterizado por objetivar produzir grandes estragos para a vítima,
absolutamente desconhecidas, e que são acidentais, procurando causar intimidação pública.
Há uma dificuldade em se conceituar o terrorismo.
A maior resistência na delimitação deste tema é da Liga Árabe e da Conferência
Islâmica, por conta da autodeterminação.
Na jurisprudência do STF, há dificuldade em sua conceituação, na medida em que o
terrorismo é definido como atentado às instituições democráticas, o que é bem precário, pois
se o ato se dirige ao regime democrático, ele é terrorista. Mas e se se opuser à ditadura? Este
raciocínio nos levaria ao entendimento segundo o qual não há crimes políticos na democracia
nem terrorismo na ditadura, caso o ato se dirija contra esses governos.
O STF pode descaracterizar a índole política de um ato para efeitos de extradição,
conforme art. 73, § 3º, Estatuto do Estrangeiro, mas não se elaborou uma diferença que
distingua terrorismo de delito político.
Na legislação penal brasileira, não se tipifica o terrorismo.
A lei 10744/03 dispõe sobre a assunção pela União da responsabilidade civil advinda
de ataque terrorista, mas não há tipificação penal.
Em 26 de dezembro de 2005, ratificou-se a Convenção Interamericana Contra o
Terrorismo (Decreto 5639). O art. 15 prevê que o combate ao terrorismo possui limites: pleno
respeito ao Estado de Direito, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais.
Quanto à denúncia, o art. 23 prevê que a Convenção poderá ser denunciada mediante
notificação escrita dirigida ao Secretário-geral da OEA, surtindo efeito 1 ano após a data em
que a notificação tiver sido recebida. A denúncia significa a retirada imediata do Estado-parte
do Tratado.
A denúncia não afeta nenhum pedido de informação ou assistência feita no período de
vigência da Convenção para o Estado denunciante.

Manifestações do crime de terrorismo


O terrorismo é um fenômeno criminal que pode se manifestar de diversas formas. O
prof. Antônio Cassese afirma que, em razão disso, é um crime camaleônico. Segundo as
modalidades e as circunstâncias, os atos terroristas podem entrar na conceituação de várias
categorias de crimes internacionais.
Para além da despersonalização da vítima, um traço distintivo é que os atos terroristas
podem constituir um crime internacional em sentido próprio, desde que observadas algumas
exigências.
Ex. Se eles revelam um nexo com um conflito armado de caráter internacional ou
interno, ou se há uma amplitude ou intensidade tal capaz de integrá-lo como crime contra a
humanidade, este ato terrorista pode ser identificado como crime contra a humanidade.
Os atos não podem ficar confinados ao território de um Estado. O terrorismo possui
uma nota de transnacionalidade, o que pode ser considerado um elemento do seu conceito.
Esses atentados podem ser cometidos por indivíduos que agem a título individual,
enquanto pertence a grupos ou organizações criminosas ou por órgãos ou representantes do
Estado. Nesta última hipótese, implica a responsabilidade do Estado. Haverá uma dupla
responsabilização nesse caso – responsabilização criminal dos autores do ato e
responsabilização internacional do Estado.
Os atos de terrorismo são vedados, quaisquer que sejam as qualidades da vítima, quer
civis, quer militares que não estejam no curso de conflito armado.
O terrorismo também pode constituir um crime de guerra.
O art. 33, I, da IV Convenção de Genebra de 1949 veda as Forças Armadas de uma
parte beligerante de cometer atos de terrorismo contra civis. O fundamento é a necessidade de
impedir a prática comum de recorrer a medida intimidatórias para aterrorizar a população.
Os atos de terrorismo também são proibidos se cometidos por civis que lutam ao lado
de uma parte beligerante ou contra a potência ocupante. Há uma discussão sobre o direito dos
povos à autodeterminação.
Nos Tratados Internacionais dos Direitos dos Conflitos Armados, os atos de terrorismo
são proibidos e também constituem crime internacional quando praticados em face de objetos,
e não apenas de pessoas. Ex. Ato terrorista em face de instalações aéreas utilizadas por civis.
O terrorismo, ainda, pode ser compreendido como crime de guerra.

Terrorismo como crime contra a humanidade


Caso o terrorismo faça parte de um ataque sistemático contra a população civil, poderá
ser caracterizado como crime contra a humanidade.
O Estatuto do Tribunal Penal Internacional prevê que os crimes contra a humanidade
possa ser cometido somente contra civis (art. 7º).
Os atos terroristas contra militares ou contra instalações militares podem entrar no
âmbito de competência do Tribunal? O direito consuetudinário se consolidou com um recorte
mais amplo do que aquele contido no Estatuto de Roma, limitado à população civil. Mas esta é
uma questão polêmica, havendo quem entenda ser aplicado o direito de guerra. Outros
apontam que se o militar não estiver envolvido em ação bélica, a competência seria do TPI.

Terrorismo como crime internacional autônomo


As ações terroristas cometidas no interior de um determinado Estado (ETA, IRA, por
exemplo) são atos penalmente relevantes que constituem crimes, os quais são puníveis com
base no direito interno do Estado em que foram cometidos. Para que possam constituir crimes
internacionais propriamente ditos, eles devem possuir algumas características:
a) Para além dos confins nacionais: as pessoas envolvidas, os meios ou instrumentos
empregados ou coeficiente de violência empregada vão para além dos confins nacionais. É a
nota da transnacionalidade que precisa ser identificada nesses crimes.
b) Os atos devem ser cometidos com o sustento, a tolerância ou a aquiescência do
Estado, na qual está localizada a organização terrorista.
c) devem representar um caso de concreta ameaça à paz. O terrorismo deixou de ser
um fenômeno criminal contra o qual os Estados possam combater por meio de cooperação
bilateral ou multilateral. Hoje, o terrorismo constitui um fenômeno pertencente à comunidade
internacional em seu conjunto.

Avaliação doutrinal
A Liga Árabe continua a apoiar as lutas de libertação nacional, mas admitiu que ações
violentas contra civis constituem atos criminosos. A Conferência islâmica também admite que
possa se tratar de crime de guerra, mas não de ato de terrorismo.
A Câmara de apelo do Tribunal especial para o Líbano discutiu se existe, no direito
internacional, uma definição de terrorismo. Em uma longa decisão (16 de fevereiro de 2011),
chamando atenção para a desnecessidade para motivações políticas ou ideológicas,
contentando-se apenas com o dolo.
Quanto ao termo “guerra ao terror” (George W. Bush e vários estudiosos da matéria),
verifica-se uma tentativa em manipular o conceito de guerra, que procura justificar, sob o
plano político uma série de atos que o direito veda.
Antônio Cassese conversou com um jornalista, George Aquaviva, produzindo um livro
denominado “A experiência do mal”, que reflete a sedimentação de anos de estudo e atuação
de juiz internacional.
A verdadeira resposta ao terrorismo poderá vir de ações políticas de longo prazo, pois
considera que o terrorismo é uma resposta perversa e fanática aos problemas de fundo da
comunidade internacional (Cassese).
Tornou-se discurso corriqueiro atribuir às religiões o papel de fundo neste fenômeno.
Cassese afirma que tais causas estão para além do fanatismo religioso, pois, de um lado, temos
países ricos e desenvolvidos, e, de outro, países miseráveis, onde predomina o desemprego,
falta de instrução e uma série de problemas.
Cassese afirma que se esses jovens, que vivem neste ambiente de miséria, fossem
formados em uma civilização diversa, na qual as crianças têm acesso à instrução, não são
analfabetas, receberam desde cedo valores como o respeito pela dignidade humana, não
matariam na perspectiva de ir para o paraíso.
Há, ainda, a questão do colonialismo. Os países ricos dominaram esses povos e não
mostraram nenhum interesse em formar médicos, engenheiros, professores, mas apenas
explorar recursos naturais, promovendo aliança com ditadores, corrompendo e se aproveitando
da situação. Os colonizadores pagam a conta por não terem transmitido tais valores.
Talvez um dos objetivos dos terroristas de 11 de setembro seja o de desmantelar o
respeito aos direitos humanos pelos países democráticos (é uma indagação que Cassese deixa
no ar).
Por fim, a morte de Osama Bin Laden constituiu uma grave violação de direitos
humanos, pelo menos de 3 princípios ético-jurídicos fundamentais: as informações iniciais de
onde se encontrava o dito terrorista foram fruto de tortura; além disso, houve operação militar
no território do Paquistão sem a sua concordância formal; ademais, um Estado Democrático
não pode se transformar em assassino, exceto nos casos de violência bélica ou diante de uma
ordem legítima de pessoa que procura se evadir do ato de prisão.
O termo “guerra ao terror” precisa ser evitado, a fim de se impedir tais ações.

Aula 13.

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