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Dir. Humanos - Curso Alcance
Dir. Humanos - Curso Alcance
José Alfredo
1. Introdução
Os direitos humanos encerram uma ideia de limitação, o que é facilmente
compreendido a partir das liberdades fundamentais do indivíduo, sobretudo os direitos
humanos de 1ª geração.
Há uma relação protetiva conferida ao indivíduo, principalmente na sua relação com o
Estado e na sua relação particular com outros indivíduos.
Essas liberdades não são totalmente protegidas, pois podem ser limitadas pelo Estado
na medida em que pareça necessário preservar os direitos fundamentais e humanos de outros
titulares ou particulares. Há um conceito clássico a respeito dos direitos humanos:
Há muitos autores que defendem que os direitos naturais prevalecem sobre os direitos
positivos.
O contratualismo aponta para o primado da razão, do indivíduo e da universalidade,
que está ligada a um certo cosmopolitismo, que se sobrepõe a toda autoridade positiva, ou
seja, o poder do Estado, e ao humanismo, ou seja, direitos de todo homem.
Em outras palavras, esse contratualismo do início da modernidade culminou com o
primado da razão, com o primado do indivíduo e da universalidade, ligada a um certo
cosmopolitismo (afastamento dos enraizamentos particulares) e ao humanismo.
Temos 3 momentos em uma linha evolutiva dos direitos humanos, que foram
consagrados por Norberto Bobbio, embora não tenha sido por ele formulado. A partir dos
caros valores religiosos e morais, chegamos a parâmetros e comandos jurídicos, sempre mais
articulados, a partir da positivação até os valores internacionais válidos e interplanetários para
cada cidadão do mundo, para cada habitante da civitas maxima.
Os direitos humanos são direitos históricos, que surgem no início da modernidade
junto à concepção individualista de sociedade (Bobbio).
O problema de fundo dos direitos humanos não é tanto aquele de justificá-lo, mas de
protegê-lo (Bobbio). Não é um problema filosófico, mas um problema jurídico ou político.
O ponto principal que devemos enfrentar é que as normas de direitos humanos não
possuem a chamada vis coactiva, mesmo as decisões dos Tribunais internacionais, que
dependem que as suas decisões sejam cumpridas pelo Estado. Os direitos humanos possuem
apenas a vis directiva. Em outras palavras, tudo que é aceito pela comunidade internacional
repousa sobre o conceito de soberania.
Esquematicamente, são os seguintes os momentos:
1) Momento da positivação
2) Momento da generalização
3) Momento da internacionalização
3.1. Antiguidade
Platão e Aristóteles reconheceram o Estatuto da escravidão como algo natural, pois
somente um pequeno número de homens, especialmente qualificado, possuía o saber da gestão
do Estado (Platão). Aristóteles defende a condição natural do escravo.
O pensamento sofístico é uma exceção, pois, a partir da natureza biológica ou comum
a todos os seres humanos, aproxima-se da tese da igualdade natural e da ideia de humanidade.
O pensamento estóico também é uma outra exceção, pois o princípio da igualdade
assume papel proeminente, na medida em que se funda no fato de que todos os homens se
encontram no nomos unitário que os converte em cidadãos do grande Estado universal.
Aqui, de forma bastante incipiente, já há uma ideia de universalização dos direitos
humanos. No entanto, a ideia de igualdade dos homens estava assentada em uma dimensão
individual e cosmológica, não ultrapassando o plano filosófico para se converter em categorias
jurídicas.
Terminologia
Há uma grande confusão terminológica na definição dos direitos humanos, sejam elas
teóricas ou normativas.
Os contratualistas (Grocius, Kant e Locke) falavam em direitos naturais ou inatos ou
originários para destacar a precedência ao pacto social e à associação política e denotar a sua
natureza humana.
A expressão “direitos humanos” ou “direitos do homem” aparece nos escritos
revolucionários modernos, embora seja registrado em 1537 de forma episódica, na iura
omnium. Os positivistas do século XVIII preferiam a expressão “liberdades públicas ou
individuais”. Na Alemanha, preferia-se “direitos fundamentais”.
A DUDH de 1948 retomou o termo direitos humanos, sendo comum a tentativa de
distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais.
Normalmente, fala-se que os direitos humanos são discussões que ocorrem no plano
filosófico, ao passo que direitos fundamentais ocorreria no plano jurídico. O termo direitos
humanos é muito usado nos documentos internacionais. São sedimentações da consciência e
das experiências históricas, axiológicas e jurídicas do homem.
Os direitos fundamentais são juridicamente válidos em um determinado ordenamento
jurídico ou que se proclamam invioláveis no plano interno. São direitos humanos de um
Estado.
Na França, o termo direitos fundamentais ganha um número grande de adeptos, pela
influência dos germânicos, mas continua usando o termo “liberdades públicas”, apesar da
imprecisão terminológica.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 fazia distinção entre
direitos do homem e do cidadão. Os primeiros são direitos naturais pertencentes ao homem
enquanto homem e anteriores ao Estado. É a liberdade dos modernos. Os segundos,
identificados como direitos civis e políticos, eram as liberdades já conhecidas na Antiguidade.
Nos EUA usava-se a expressão direitos naturais ou direitos inalienáveis como se lê na
declaração de virgínia, sendo recorrentes os termos liberdades civis ou individuais,
equivalente a direitos individuais.
A Constituição do Império positivou originariamente os direitos humanos sob o rótulo
de direitos civis ou individuais e políticos. Pontes de Miranda passou a empregar o termo
direitos individuais, por influência germânica, mas estes direitos eram somente aqueles que
valiam perante o Estado.
A Constituição de 1988 optou pelo termo “direitos e garantias fundamentais”, de modo
a incluir também os direitos coletivos.
Há autores que preferem “direitos fundamentais”, em razão da imediata referência à
fonte em que esses direitos são consagrados na ordem constitucional, reduzindo a zona de
indeterminação semântica, fazendo remessa à fonte positiva.
O professor José Sampaio (reinvenção da jurisdição constitucional) afirma que essa
terminologia variada tem o condão de engessar a utilização do potencial emancipatório dos
direitos humanos.
As concepções materiais sobre os direitos humanos procuram formular um sentido
para a expressão “direitos humanos” que se vincule ao conteúdo desses direitos.
Nessa perspectiva, podemos identificar 3 espécies:
a) positivista: incluem o núcleo do significado no direito posto, ou seja, os direitos
humanos precisam ser reconhecidos pelo direito.
b) não positivista: identificam os direitos humanos com aspirações morais ou
necessidades humanas maiores.
c) eclética: procura conciliar a dimensão jusnaturalista transcendental com a dimensão
positivista. Os valores são definidos pela sua historicidade, como a dignidade, liberdade,
igualdade etc., que devem ser positivadas, pois que hão de ser reconhecidas pela ordem
jurídica interna e internacional.
Os direitos humanos podem ser analisados em uma concepção formal, que se preocupa
em definir a estrutura lógica dos direitos, sem se preocupar em definir qual seria o seu
conteúdo.
Os jusnaturalistas do início da modernidade costumavam definir os direitos naturais
como inatos, inalienáveis, originários, universais e pré-estatais. Muitos autores ainda atribuem
estas características aos direitos naturais.
A universalidade é a marca estrutural dos direitos naturais, entendida puramente no
sentido lógico ou “avalorativo”, de atribuição a todos os homens.
Etapas de afirmação dos direitos humanos com base na classificação de Karel Vasak
É possível identificar quatro etapas de evolução dos direitos humanos: positivação,
generalização, internacionalização e especificação.
O processo de positivação se dá por meio da consagração dos direitos nos textos
jurídicos, que antes estavam projetados no plano da filosofia jurídica.
A generalização compreende uma série de processo de tripla natureza:
a) histórica, que nos remete à constatação de que as primeiras declarações de direitos
contaminaram os sistemas jurídicos ocidentais (constituições e legislação em geral),
consagrando direitos de cunho liberal. A partir desse momento, tem-se os primórdios do
constitucionalismo social (a partir de 1814).
b) teórico-filosófica: importa a conciliação progressiva, de um lado, a dimensão
filosófica com a dimensão positivista dos direitos humanos; de outro lado, a sua feição liberal,
restrita ao gozo de determinada classe social (a burguesia) com a necessidade de democracia;
e também com a marcha da inclusão social dos menos favorecidos ou socialmente oprimidos,
em virtude da influência do socialismo democrático ou social democracia.
c) jurídica: realça a sua positivação definitiva no temário constitucional. É o que se
chama de generalização jurídica no âmbito constitucional, e no âmbito internacional (tratados
e convenções). De outro lado, dá conta da multiplicação dos titulares e do objeto de direito, o
que culmina com a especificação.
O conteúdo dos direitos ganhou uma diversidade tanto quanto aos seus titulares
(especificação subjetiva), pois substitui o homem abstrato das primeiras declarações; e
introduz novas pretensões tuteláveis (especificação objetiva), como o sufrágio universal, o
direito de associação, sociais, e culturais.
Após as atrocidades da II Guerra, os direitos humanos deixam de ser questões de
natureza doméstica e se convertem em uma necessidade indeclinável, reconhecendo-se a
subjetividade jurídica no plano internacional.
Nesse momento, surge o direito internacional dos direitos humanos. Os Estados
assumem o compromisso de respeitar os direitos humanos independentemente da
nacionalidade do indivíduo.
Multiplicam-se documentos e tratados internacionais que versam sobre a proteção dos
direitos humanos.
Nesse contexto, cumpre examinar as gerações do professor Karel Vasak, conforme a
marca predominante dos eventos históricos e das inspirações axiológicas que lhe deram
identidade.
1ª Geração: surge com as revoluções burguesas do século XVII e XVIII, e valorizava a
liberdade. São direitos de base liberal.
Tais direitos se fundam em uma separação entre Estado e sociedade, que permeia todo
o contratualismo individualista do século XVIII e XIX. Nesse momento, o Estado atua de
maneira negativa, isto é, o indivíduo é protegido do Estado. Internamente, divide-se em
direitos civis e políticos. O Estado desempenha o papel de polícia administrativa, sendo a sua
atuação pautada na defesa da esfera individual.
Essa geração assegura uma esfera de autonomia individual. Locke defendia a
autonomia privada no início da Modernidade, como a vida, liberdade e propriedade, o que deu
origem ao individualismo possessivo.
Permite-se o desenvolvimento da personalidade de cada um. Encontra-se liberdades
em geral e específicas (imprensa, de locomoção, liberdade, segurança, proibição de prisões
arbitrárias, devido processo legal etc.).
O Estado tem o dever de abstenção e de prestação, devendo criar instrumentos de
tutela, como a polícia, o Judiciário e a organização do processo.
Os direitos políticos são aqueles de aspiração democrática e o seu núcleo se encontra
no direito de votar e ser votado (capacidade eleitoral ativa e passiva)
2ª Geração: decorre dos movimentos sociais e democratas e da Revolução Russa,
dando ênfase à igualdade material.
Aparece com os direitos sociais, econômicos e culturais, São direitos de base social,
surgindo como deveres impostos ao Estado. Na Constituição Brasileira de 1824 havia uma
obrigação imposta ao Estado quanto às crianças abandonadas, aos pobres enfermos e
inválidos.
A subjetivação e definição mais clara desses direitos esperou pela Constituição do
México de 1917, e a de Weimer de 1919, bem como a Declaração de Direitos Russa de 1918.
No Brasil, é consagrada com a Constituição de 1934.
Tais direitos resultam da superação do individualismo possessivo e do darwinismo
social, decorrente das transformações sociais, bem como pela crise do capitalismo, o que se
acelera diante revolução industrial, que aumenta o contingente de trabalhadores. Ainda, a
organização da classe trabalhadora, influenciada pelas ideias marxistas.
A igreja Católica, por meio da bula Rerum Novarum, também exerce certa influência,
no qual se aponta os abusos do capitalismo e a exploração desordenada.
Identifica-se a doutrina social da igreja, o socialismo utópico e científico, movimentos
social-democrata. Era um contexto de turbulência social, quando surgem os direitos sociais.
O Estado detém o papel da promoção da maioria desses direitos através da criação e
ampliação dos serviços públicos.
Está-se pleiteando uma igualdade material, o que impõe a identificação das diferenças
entre os seres humanos.
Os direitos sociais propriamente ditos seriam aqueles necessários à participação plena
na vida da sociedade, incluído o direito à educação, o gozo efetivo dos direitos de 1ª geração,
à maternidade etc.
Já os direitos econômicos se destinam a garantir um mínimo de vida e seguranças
materiais.
Os direitos culturais dizem respeito ao resgate e reprodução cultural das comunidades,
bem como a possibilitar a todos a participar da riqueza espiritual comunitária.
Características do DIDH
A rigidez da distinção entre público e privado não resiste ao imperativo de proteção
dos direitos humanos.
A justiciabilidade ou justicialidade dos distintos direitos humanos é outra
característica.
Ainda, podemos mencionar que o ser humano é sujeito do direito interno e do direito
internacional, sendo dotado de personalidade e capacidade jurídicas próprias.
Nesse aspecto, o direito internacional e interno estão em constante interação, de modo
a garantir a proteção eficaz do ser humano.
Além disso, consagra o critério da primazia da norma mais favorável, independente da
sua origem, seja ela de origem nacional, seja internacional.
As normas jurídicas são aplicadas e interpretadas tendo sempre presente as
necessidades prementes de proteção das supostas vítimas.
Também, deve-se haver o prévio esgotamento dos recursos de direito interno, que
reveste-se de caráter próprio, uma vez que há uma interação entre o direito internacional e
interno, bem como uma complementariedade de direitos e deveres, o que faz necessária a
observância de certas condições.
Outra característica é que o direito internacional dos direitos humanos pode reforçar a
imperatividade dos direitos constitucionalmente garantido, formando uma rede de direito, na
medida em que são reproduzidos em diversas normas constitucionais.
O DIDH surge em decorrência da 2ª Guerra e das atrocidades do holocausto, no qual o
maior direito passa a ser “ter direito”, ou seja, ser sujeito de direito (Hannah Arendt).
Nessa internacionalização dos direitos humanos, cumpre fazer alusão ao Tribunal de
Nuremberg, Carta das Nações Unidas (1945) e a Declaração Universal dos Direitos Humanos
(1948).
O Tribunal de Nuremberg, criado na década de 1940, significou um importante
impulso ao movimento de internacionalização dos direitos humanos, realizando e aplicando o
costume internacional para a condenação criminal dos envolvidos em crimes contra a guerra,
paz etc, previstos no Tratado de Londres.
Com efeito, reconhece-se que o indivíduo tem direitos protegidos no direito
internacional e tem dever para com a ordem internacional. Por outro lado, relativizou a
soberania dos Estados.
Sistemas Regionais
Há uma série de documentos. Podemos citar, quanto ao Sistema Interamericano, os
seguintes:
a) Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica)
de 1969: foi complementado por dois protocolos facultativos:
a.1. Protocolo de San Salvador de 1988: traz direitos econômicos, culturais e sociais.
a.2. Protocolo sobre a abolição da pena de morte de 1990.
b) Convenção Interamericana para prevenir e punir a tortura (1985). Difere da
Convenção contra a tortura de 1984.
c) Convenção Interamericana sobre o desaparecimento forçado de pessoas (1994).
d) Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a
mulher (1994).
e) Convenção Interamericana para eliminação de toda forma de discriminação de
pessoas portadoras de necessidades especiais (1999)
Nem todos os documentos que parecem ser um tratado possuem essa qualidade, sendo
algumas meras resoluções, como a DUDH, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do
Homem; a Declaração sobre o Direito dos Povos Indígenas.
Por não ostentar a natureza de Tratados, gozam o status de soft law, ou seja, regras e
disposições em processo de formação do direito positivo.
No que se refere a DUDH e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do
Homem reconhece-se que essa transformação ocorreu pelo menos parcialmente, possuindo
alguma vinculação jurídica.
Costume internacional
Além dos Tratados, o costume é outra importante fonte do DIDH.
O costume internacional cria obrigações jurídicas para o seu sujeito, sem precisar da
conclusão formal de um Tratado.
Aplica-se a praticamente todos os Estados, até mesmo àqueles que se recusaram a
assinar um tratado de direitos humanos.
A sua violação enseja consequência semelhante a violação de um Tratado, ou seja, a
responsabilização internacional do Estado.
O art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça lista as fontes clássicas do
Direito Internacional Público.
Costume internacional é a prova de uma prática geral (elemento objetivo) aceita como
sendo direito (elemento subjetivo – reconhecimento de que se trata de uma obrigação
jurídica).
Prática é a conduta oficial dos órgãos do Estado no que se refere aos fatos
interestaduais que podem ter relevância para a formação do direito. A prática geral não pode
ser levada a efeito por um único Estado. Ademais, é preciso que haja opinião jurídica dos
Estados de que os atos praticados correspondem a uma obrigação jurídica.
A opinião jurídica pode ser extraída de declarações adotadas pelos Estados,
Conferências realizadas pela ONU ou demais organismos internacionais etc.
Muitas vezes, não é possível delimitar os elementos objetivos do subjetivo. Uma
doutrina autorizada recomenda a aplicação de um método dedutivo para identificar o costume
internacional.
O método dedutivo implica que determinado direito, já reconhecido, poderia ser
entendido como costume em razão da falta de prática estatal contrária a este direito.
Embora as decisões judiciais não possam configurar diretamente a formação do
costume internacional, sejam elas nacionais ou internacionais, elas podem demonstrar que a
análise já foi feita e respondida afirmativamente.
Os sistemas regionais se mantém em constante diálogo com o sistema global de
direitos humanos, estimulando uma doutrina universal de proteção.
É possível a formação de costume regional que não possa reclamar vigência nas
demais regiões do mundo. Ex. Costume do sistema regional africano ou europeu.
Uma norma que valha como costume internacional, em princípio, obriga todos os
Estados. Há apenas uma única opção para se liberarem da norma de vigência de costume
internacional: o Estado provar que eles se manifestaram, durante o processo de formação do
costume internacional, mediante protestos permanentes e inequívocos da sua objeção.
Jus cogens. O Direito Internacional Público reconhece categoria de normas em que não
aplicam a figura da objeção permanente – são as normas do chamado direito cogente ou
imperativo.
Isso porque o jus cogens dispõe de estatuto especial na ordem jurídica internacional,
em virtude do seu significado fundamental para a ordem internacional, não podendo ser
derrogados. Na Convenção de Viena sobre Tratados, os Estados reconhecem expressamente o
jus cogens (arts. 53 e 61).
O jus cogens também é reconhecido pela jurisprudência internacional. A respeito,
decisão sobre luta armada no Congo.
O art. 53 afirma que os Tratados em conflito com o jus cogens são nulos.
Ademais, o jus cogens tem efeito erga omnes, já que cria obrigações para todos os
Estados, até mesmo aqueles que não violaram direitos humanos.
Por outro lado, recomenda-se que o jus cogens seja utilizado de maneira responsável,
pois a invocação abusiva pode gerar sérios danos a este conceito.
No sistema interamericano, há uma crescente disposição em estender e concretizar
grupos de direitos humanos que valham como jus cogens.
Ex. Proibição de tratamento desumano e degradante.
Há uma lista do Comitê de Direitos Humanos, apontando aqueles que devem gozar de
status de costume internacional, como a proibição da liberdade de expressão e de religião;
proibir adultos de se casarem ou de negar às minorias a sua vida cultural; o direito das
minorias de praticar a própria religião e idioma.
Até o momento, nenhum direito econômico, social ou cultural passou à categoria de
costume internacional.
Os Tratados Internacionais e os costumes não são as únicas fontes formais das quais
emanam os direitos humanos.
O art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça determina como fonte adicional
os princípios gerais de direito.
Fontes auxiliares
O art. 38, I, d, do Estatuto da Corte Internacional de Justiça aponta as decisões
judiciais e a doutrina dos juristas mais qualificados das diversas nações.
O art. 38, II faz menção a um método de raciocínio jurídico, que é a possibilidade de se
decidir com base na equidade, sob certos pressupostos. Não é uma fonte.
Conclusão
Hoje, existe uma codificação global em sua totalidade e em relação a determinados
grupos. A tarefa da comunidade internacional é garantir que os Estados ratifiquem essas
Convenções, que retirem as suas reservas e efetivem o gozo dos direitos humanos por parte
dos seus indivíduos. É o desafio da proteção efetiva.
A partir de então, alcançaríamos um padrão de proteção dos direitos humanos. Para
além da ratificação dos Tratados, devemos respeitá-los e efetivar as suas normas.
Antônio Casezi fala da experiência do mal, da manipulação dos direitos humanos pelos
Estados.
O trabalho dos organismos de monitoramento deve ser apoiado. As comunicações
individuais devem ser incentivadas, pois coloca o indivíduo na posição de se defender da
violação dos direitos humanos.
Ainda, os Comitês de monitoramento são altamente burocráticos e há bastante
interferência nos relatórios dos Estados, de forma que há muito a ser feito no tocante ao
aperfeiçoamento dessas medidas de proteção dos direitos humanos.
A debilidade do monitoramento ainda é patente, pois a comunidade internacional
pouco cuida da implementação após a conclusão da análise do relatório.
O sistema de direito ou princípio de Estado de direito não pode ser transferido para os
órgãos do Tratado, o que se requer um maior interesse dos atores não estatais nesse processo
político.
Comitê consultivo
É um Comitê consultivo do Conselho dos Direitos Humanos, tendo substituído a
chamada sucomissão para proteção e promoção dos direitos humanos. Seu papel é prestar
assistência ao Conselho de Direitos Humanos.
O Sistema das Nações Unidas conta com uma Comissão para o Status da Mulher, que
foi fundada por uma resolução do Conselho Econômico e Social, denominada Comissão
Funcional, com 45 membros e que se ocupa exclusivamente da igualdade entre os sexos e
desenvolvimento das mulheres no mundo.
Há outras comissões temáticas para a defesa dos direitos humanos, como por exemplo,
a comissão para prevenção dos crimes; o Fórum permanente para assuntos indígenas.
O alto-comissariado da ONU para os direitos humanos é outro mecanismo de
monitoramento dentro do sistema. É um componente do secretariado das Nações Unidas, que
tem a tarefa de promover e proteger os direitos humanos universais no mundo. Para cumprir
essa missão, realiza as suas próprias pesquisas, realiza seminários, workshops, consultorias
sobre questões atuais etc.
Trabalha também com pronunciamentos e apelos à publicidade; procura o diálogo com
o governo e engaja-se com a intermediação dos direitos humanos ao redor do mundo. Dá
importância à cooperação e participação de organizações não governamentais e de grupos da
sociedade civil, além de apoiar a criação de grupos da sociedade civil na defesa dos direitos
humanos.
Conselho de Segurança
Segundo o art. 24 da Carta, o Conselho de Segurança tem a responsabilidade principal
pela paz mundial, e deve agir imediatamente em caso de ameaça a esta paz. Ex. Violações
sistemáticas e em massa aos direitos humanos, que representam ameaça à paz.
O Conselho de Segurança classificou, no art. 39, diversas formas de ameaça à paz,
agindo para superar esses perigos.
Ex. Em 1992, considerou-se a fome na Somália como ameaça à paz, e decidiu utilizar
Forças Militares para levar assistência humanitária para as pessoas necessitadas, depois da
tentativa, sem sucesso, de incursões não militares. Pela primeira vez, as violações de direitos
humanos foram respondidas, dentro de um país, pela comunidade internacional com a
intervenção coletiva. Desse modo, pode-se agir militarmente contra a violação dos direitos
humanos.
Muitas vezes, esta intervenção é bloqueada pelas grandes potências que possuem o
poder de veto no Conselho de Segurança.
Em 1998, a situação de Kosovo constituía uma ameaça à paz e à região, mas não pôde
tomar as medidas necessárias naquele momento, de modo que o Conselho de Segurança não
cumpriu a sua função de salvaguardar a paz no mundo. Os países da OTAN, em 1999, fizeram
uma intervenção militar sem autorização do Conselho de Segurança, justificada pela
necessidade de intervenção humanitária em razão da situação de emergência.
Há uma discussão ainda em curso sobre o instituto de intervenção humanitária.
Comitês Especiais
Estão previstos pelas várias Convenções Internacionais para lidarem com tipos
específicos de violações de direitos humanos: Comitê para a tortura; direitos econômicos e
sociais; do direito das crianças; para eliminação da discriminação racial; para eliminação de
discriminação contra as mulheres. Este último tem competência para analisar queixas
individuais ou coletivas a favor de indivíduos e grupos.
As queixas só podem dizer respeito aos Estados, e é um Protocolo Facultativo. Deve se
basear na Convenção de Eliminação da Discriminação Contra as Mulheres. Esse Comitê
também tem o poder de fazer recomendações provisórias de medidas de direito para proteção
da mulher.
Reservas
Os Estados que não podem ou não querem aceitar a validade de um determinado
dispositivo, mas, ao mesmo tempo, querem fazer parte do Tratado, podem, unilateralmente,
excluir o dispositivo por meio de uma reserva.
Ex. O art. 2º, I, d, da Convenção de Viena de 1969 apresenta o conceito de reserva.
É uma ferramenta importante para que o Estado faça parte do Tratado, apesar da
modificação unilateral do seu conteúdo.
Nem toda declaração escrita que parece ser uma reserva é, de fato, uma reserva,
podendo se tratar de uma declaração interpretativa. Muitas vezes, a linha que as separam é
muito tênue.
A declaração interpretativa não tem a intenção de modificar o texto do Tratado.
Os Estados não podem hipertrofiar o uso de reservas, em particular no que diz respeito
aos objetivos e conteúdos principais do Tratado, sob pena de se pôr em risco a normatividade
internacional protetiva.
Várias Convenções de direitos humanos mostra um número muito alto de reservas.
O art. 19 da Convenção de Viena declara inadmissível a reserva quando incompatível
com o Tratado e com o seu objeto e finalidade.
No que tange aos tratados de direitos humanos, as proibições absolutas de reserva são
raras, pois se quer alcançar um grande número de Estados.
O Comentário geral nº 24 do Comitê de Direitos Humanos da Comissão Europeia, que
versa sobre o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, cuida das reservas nesse
Tratado, trazendo exemplos e explicações de reservas.
As reservas são inadmissíveis quando tem por objeto garantias que são integram o
costume internacional e/ou jus cogens.
Quais são as consequências jurídicas de uma reserva inadmissível? Alguns Estados
utilizam o seguinte argumento: primeiro, faltaria aos órgãos de proteção de direitos humanos
competência para analisar a questão, sobretudo os órgãos de monitoramento. Os Estados que
fizeram reservas inadmissíveis são plenamente obrigados pelo acordo.
Denúncia
O direito internacional dos direitos humanos reconhece o princípio da liberdade de
contratação por parte dos Estados, tendo em vista a soberania. Em consequência, concede-se
ao contratante o direito a denunciá-lo, ou seja, retirar-se definitivamente do Tratado.
Há uma proposta segundo a qual a denúncia aos Tratados de Direitos Humanos deve
ser fruto da atuação do Poder Executivo e do Poder Legislativo em conjunto.
Por vezes, as partes do acordo têm regulado a denúncia.
Art. 63, I, Convenção de Viena: princípio da indenunciabilidade. Há dois casos em que
se permite a denúncia de um Tratado Internacional: a) demonstra terem as partes tensionado
admitir a possibilidade da denúncia; b) o direito de denúncia possa ser deduzido da natureza.
No que tange aos tratados de direitos humanos que não possuam cláusula de denúncia,
depreende-se poucas razões para justificar uma possível denúncia, em razão da sua natureza.
Contudo, é uma questão decidida à luz de um caso concreto.
Outro mecanismo que poderá restringir o âmbito de validade de um tratado é a
suspensão.
Suspensão
Durante situações comprovadamente excepcionais, os Estados podem suspender
temporariamente uma série de dispositivos do Tratado. Esta medida é drástica, mas
admissível, e em tratados internacionais de direitos humanos são chamadas de derrogação
(cláusulas derrogativas).
As cláusulas de derrogação estabelecem que, durante determinado tempo, alguns
dispositivos do Tratado não terão aplicabilidade no âmbito de determinado Estado. Para
limitar a possibilidade do seu abuso, a cláusula de derrogação dos Tratados traz uma série de
pressupostos formais e materiais que permite determinar a legitimidade de uma suspensão.
Determina-se a legalidade da suspensão de direitos humanos.
A não observância desses pressupostos determinará a ilegalidade da suspensão de
direitos humanos.
Teoria monista
Esta teoria foi desenvolvida no século XVIII pelo jurista tedesco J.J. Mozart, sendo
elaborado completamente no final do século XIX e início do século XX, tendo como base as
concepções de Hegel.
O direito interno, segundo esta teoria, também compreende o direito internacional,
prevalecendo sobre este último, que é considerado um direito estatal interno.
Essa teoria sustentava a existência de um único complexo de ordenamentos jurídicos
estatais, e negava a existência do direito internacional distinto e autônomo do direito interno.
Essa teoria refletia o extremo nacionalismo e o autoritarismo das grandes potências,
que se preocupavam em tutelar os seus próprios interesses.
Teoria dualista
Teve inspiração na concepção de direito internacional prevalente na Grã-Bretanha, e
também nos EUA, onde se reconheciam a autoridade das normas consuetudinárias e dos
Tratados devidamente ratificados por autoridades competentes.
Nesses países, o direito internacional somente eram considerados vinculantes no
âmbito interno na medida em que realizada a sua accettazione pelas autoridades nacionais
competentes. Eram Estados inclinados ao direito internacional. Esta concepção foi
transportada para a teoria jurídica em 1899 pelo publicista alemão Tripert.
A teoria de Tripert foi elaborada completamente pelo jurista italiano Dionísio
Anczilotti (1902-1928).
O ordenamento jurídico internacional é autônomo e distinto dos ordenamentos
jurídicos internos para esta teoria. Assim, podemos verificar algumas diferenças, como entre
os sujeitos: indivíduos e grupos de indivíduos, no plano interno; e Estados, no plano
internacional.
Quanto às fontes legislativas, no direito interno temos as leis do parlamento ou os
precedentes judiciais; no direito externo, temos os Tratados ou costumes.
Quanto ao conteúdo das normas jurídicas, o direito interno disciplina, entre outras
matérias, a organização do Estado, a relação deste com o indivíduo (etc); enquanto o direito
internacional disciplina principalmente as relações entre os Estados.
A dimensão marcante desta teoria é a impossibilidade de o direito internacional
endereçar-se diretamente aos indivíduos. As normas internacionais, para serem realizadas no
âmbito interno, necessitam que os preceitos internacionais sejam transformados em normas
jurídicas internas por procedimentos livremente estabelecidos pelo Estado (Dionísio
Anzilotti).
As normas internacionais não podem modificar ou invalidar diretamente as normas
internas, da mesma forma que estas últimas não podem modificar ou invalidar aquelas. Nesse
contexto, não se pode falar em controle de convencionalidade ou revogação de normas
internas contrárias a Tratados Internacionais.
Trata-se de teoria inspirada em moderado nacionalismo, que sustentava a exigência de
conformar-se às normas internacionais, transformando-as em normas vinculantes para o
ordenamento interno.
Direitos individuais
Os direitos humanos podem se referir tanto às pessoas naturais quanto às pessoas
jurídicas.
Os direitos civis e políticos são reconhecidos pelo Estado como direitos subjetivos
internacionais. A razão principal para esse reconhecimento é o fato de o Protocolo Facultativo
de Direitos Civis e Políticos de 1966 que prevê um procedimento quase judicial perante o
Comitê, permitindo aos indivíduos o encaminhamento das comunicações individuais. As
Convenções Centrais autoriza o Comitê a considerar tais petições.
Reitere-se que o Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais (2008) também permite aos indivíduos peticionar perante o seu Comitê.
A Convenção Internacional para a proteção de todas as pessoas contra o
desaparecimento forçado, que ainda não entrou em vigor, prevê a possibilidade de
comunicações individuais.
Os Comitês, mediante os relatórios estatais, avaliam o cumprimento dos respectivos
Tratados. Nos comentários gerais, têm concretizado o dever de informação.
Nesses comentários, explica-se aos Estados como eles devem compreender e cumprir
os deveres impostos pelos Tratados Internacionais. Dessa forma, acaba limitando o não
cumprimento de um dever pelo Estado através de fundamentações vazias e evasivas.
As violações dos direitos econômicos, culturais e sociais podem ser examinadas
indiretamente pelo Comitê de Direitos Humanos (do Pacto de Direitos Civis e Políticos),
juntamente com a proibição de não discriminação, prevista no art. 26 do Pacto de Direitos
Civis e Políticos.
No Sistema Interamericano, existem dois órgãos: Comissão Interamericana de Direitos
Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Eles aplicam sobretudo a
Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, estipulando predominantemente direitos
civis e políticos. A CADH foi complementada pelo Protocolo de San Salvador, que prevê os
direitos econômicos, sociais e culturais.
As petições individuais podem ser apresentadas somente à Comissão Interamericana
de Direitos Humanos, não podendo ser apresentadas diretamente à Corte. A CADH prevê que
apenas Estados partes e a Comissão podem apresentar petição à Corte. É diferente do sistema
Europeu.
O Brasil reconheceu a competência da Corte Interamericana em 2002 pelo Dec. 4463
de 8 de novembro de 2002, para que esta pudesse julgar.
O indivíduo tem locus indireto perante a Corte.
A Convenção de Belém do Pará, que trata da violência contra a mulher, prevê no seu
art. 12, petições individuais.
Por uma questão lógica, as pessoas jurídicas não podem ser vítimas de tortura, mas
podem ser titulares de direitos humanos, na medida em que protege o indivíduo, e este será
vítima da violação. É comum que os indivíduos se organizem coletivamente, seja para
articular opiniões, exercer convicções religiosas, promover reivindicações ou até mesmo para
exercer atividade econômica.
O gozo de alguns dos direitos humanos fica na dependência do meio, que pode ser a
pessoa jurídica.
No plano internacional, temos alguns exemplos: o art. 8º, I, c, Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais estipula o direito dos sindicatos de funcionar sem
obstáculos ou outras limitações. O art. 13, IV garante a liberdade das entidades para
estabelecer e dirigir instituições de ensino. O protocolo facultativo autoriza os indivíduos a
encaminhar petição ao Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
Não se defende a pessoa jurídica em si mesma, mas como meio à satisfação dos
direitos humanos.
Objetivos do TPI
Estão previstos no preâmbulo do Estatuto.
O TPI visa a proteção dos direitos humanos, a afirmação da justiça na ordem
internacional e o combate à cultura da impunidade dos crimes internacionais (Antônio
Cassese).
A jurisdição penal internacional faz parte de um movimento mais vasto de limitação
das imunidades dos Estados e da afirmação da jurisdição universal sobre todos os crimes
internacionais.
A legislação nacional deve favorecer a responsabilização efetiva pela prática desses
crimes, e não dificultá-la.
A justificação do TPI passa também pelo exercício de uma pedagogia político-moral de
respeito pelos direitos humanos; pelo Estado de Direito, pelos valores democráticos, dando
concretização à chamada cultura moral globalizada.
A jurisdição penal internacional tem como objetivo favorecer a reconciliação nacional
e a paz entre os povos.
O TPI pode constituir um instrumento importante na luta pelo terrorismo, mas a
questão é controvertida, como será visto em momento oportuno.
Complementariedade e subsidiariedade
O TPI pretende pôr termo às situações em que os autores morais e materiais dos crimes
contra a humanidade permaneciam impunes por omissão do Poder Judiciário do Estado a que
pertenciam. O TPI se orienta pelos princípios da complementariedade e subsidiariedade, o que
significa dizer que são os Tribunais nacionais possuem um lugar central na realização e
concretização do direito internacional penal. Há um caráter limitado e secundário da
intervenção do TPI.
Por conta disso, cada Tribunal nacional deve se conscientizar de que deve realizar o
direito penal internacional.
Um dos objetivos do direito internacional penal consiste em pressionar os Estados no
sentido de que estes venham a promover a punição dos crimes internacionais.
A vantagem da complementariedade e subsidiariedade é que se salvaguarda a
soberania dos Estados, incentivando-se a criminalização das condutas tipificadas como crimes
internacionais. Só se não o fizerem é que se deve extraditar os indiciados para que o TPI o
faça.
Não existe uma reserva de jurisdição internacional, pois quem ocupa o lugar central
nesta matéria são os Tribunais nacionais, que devem interpretar e realizar o direito penal
internacional.
Uma das premissas fundamentais em que se assenta o TPI é a jurisdição universal em
matéria de crimes internacionais. Essa premissa também se manifesta no dever de os Estados
exercerem a respectiva jurisdição penal sobre os responsáveis pelos crimes internacionais.
A intervenção, em primeira linha, é dos Tribunais nacionais, vez que é considerada a
via mais adequada e desejável para persecução dos crimes. A fim de preencher eventual vazio
da jurisdição internacional, ao TPI é atribuída competência relativamente aos crimes
internacionais mais graves, e intervindo de forma complementar em face das jurisdições
nacionais.
Isso significa que o TPI não é visto como instância hierarquicamente superior dos
Tribunais Nacionais. Intervém a título subsidiário, como ultima ratio, nos casos em que a
jurisdição nacional não tiver condições de assegurar uma investigação e julgamento com base
nos princípios do due process of law internacionalmente reconhecidos.
O TPI possui uma prerrogativa, pois poderá impor oficiosamente a sua jurisdição aos
Estados, decidindo contra a posição por eles adotada. No entanto, os Estados tem ao seu
dispor um conjunto de mecanismos que lhe permitem assegurar os seus direitos de jurisdição.
Inquérito e Instrução
Durante o inquérito e investigação, vigora o princípio do segredo de justiça, cujo
fundamento é a proteção das pessoas, evitar a politização do Tribunal, preservar os meios de
prova e a salvaguardar a eficácia da investigação. Há um sistema de notificações confidenciais
aos Estados e restrição de informação sobre processos em curso.
Ao procurador, é conferido o poder de citação, de proceder ao colhimento das provas,
de solicitação da cooperação dos Estados, e requerimento de mandados de detenção, dotados
de efeitos direitos e notificações para comparecer ao Tribunal (arts. 55/59).
Depois do inquérito, segue-se à abertura da instrução, podendo o arguido requerer para
aguardar o julgamento em liberdade (art. 60). Nesta fase, a acusação deve ser apreciada e
confirmada pelo juízo de instrução.
É reconhecido ao arguido o direito de audiência e de contestação, de acordo com os
princípios do contraditório (arts. 60/61).
Julgamento
O julgamento obedece aos princípios da justiça, da imparcialidade, da presencialidade,
da boa administração da justiça, da publicidade e da presunção de inocência (art. 63 e 66).
O art. 63 prevê a presença do acusado em julgamento, consagrando o princípio da
audiência. Caso perturbe a audiência, poderá ser ordenada a sua remoção da sala e
providenciar para que acompanhe o processo e dê instrução ao seu defensor a partir do
exterior da mesma, utilizando, se necessário, meios técnicos de comunicação.
O art. 66 consagra o princípio da presunção de inocência. O nº 2 diz que incumbe ao
procurador o ônus da culpa do acusado. O nº 3 indica que o Tribunal deve estar convencido de
que o acusado é culpado.
Alguma doutrina tem chamado atenção desadequação desse grau de convicção no
âmbito da justiça internacional, preconizando uma maior preponderância ao critério da prova,
e não a da ausência de qualquer dúvida razoável. A questão é muito controversa.
Entende-se que não se pode ser condenado em processo se houver uma dúvida
razoável.
A prolação da decisão tem como requisitos essenciais o dever de o Tribunal proceder
ao exame de toda prova apresentada e apenas dela, bem como garantir a congruência entre os
fatos e a decisão (art. 74, II).
O Tribunal fundamentará sua decisão exclusivamente nas provas produzidas ou
examinadas em audiência de julgamento.
Os juízes procurarão tomar a decisão por unanimidade, e, não sendo possível, por
maioria. A decisão será proferida por escrito e conterá uma exposição completa e
fundamentada da apreciação das provas.
Da decisão, cabe recurso para a 2ª instância, e na pendência do recurso, e para efeito da
colocação em liberdade, o Tribunal deve ponderar os direitos do arguido com os dados fáticos
e interesses substantivos e processuais presentes (art. 75).
O recurso é admitido de outras decisões processualmente relevantes, cabendo ao
Tribunal decidir sobre o seu efeito suspensivo ou meramente devolutivo (art. 82).
Há possibilidade de ulterior revisão da sentença condenatória ou da pena,
nomeadamente no caso da descoberta de novos elementos de prova ou da falsidade dos
elementos de prova com base nas quais o arguido foi condenado, ou descumprimento dos
deveres funcionais por parte dos juízes que prolataram a sentença.
O art. 86 determina que há o dever de colaboração dos Estados na execução das penas.
Embora esteja prevista a possibilidade de prisão perpétua, também se prevê a prisão de
até 30 anos, tendo em conta as circunstâncias objetivas e subjetivas do crime do arguido.
O art. 77 trata das penas aplicáveis: pena de prisão por um número determinado de
anos até o limite máximo de 30 anos; pena de prisão perpétua, se o elevado grau de ilicitude
do fato e as circunstâncias o justificarem; pena de multa; perda de produtos, bens e haveres
provenientes do crime.
Na determinação da pena (art. 78), o Tribunal levará em consideração as condições do
crime e fatores pessoais do condenado. Será descontado da pena aplicada o período no qual o
condenado esteve sob detenção (detração).
A prisão perpétua será revisível ao fim de 25 anos de prisão.
Admite-se o recurso extraordinário de revisão da sentença condenatória ou da pena
diante da descoberta de novos elementos de prova de que não se dispunha quando do
julgamento, por razões não imputadas ao requerente, e desde que suficientes para alterar o
veredicto final, bem como a falsidade da prova ou a existência de conduta reprovável por parte
dos juízes (art. 84).
Debilidades do TPI
- Possibilidade de instrumentalização política em razão da sua íntima interdependência
das relações internacionais, o que poderia minar a credibilidade do Tribunal junto à opinião
pública mundial.
- A natureza transpessoal do crime. A responsabilidade individual pode ser insuficiente
para dar conta da dimensão moral e jurídica das atrocidades cometidas.
- Exclusão das pessoas coletivas. A responsabilidade individual deixou de fora as
pessoas coletivas de direito público ou privado, muitas das quais com capacidade de causar
graves violações de direitos humanos.
- Adequação quanto ao combate ao terrorismo, o que é comprometido pela não
ratificação do Estatuto de Roma pelos EUA. É um tema de bastante controvérsia. Há um
documento americano que proíbe a cooperação dos Estados Unidos com o TPI.
- Difícil acomodação do TPI com os meios alternativos.
- Os desafios da justiça transicional e restaurativa.
Avaliação doutrinal
Com relação ao crime de genocídio, é dedicada uma norma ad hoc no art. 6º, distinta
dos crimes contra a humanidade definidos no art. 7º.
O Conselho de Segurança pode bloquear a atividade do TPI (art. 16) por um período de
12 meses, renováveis (mas o dispositivo não traz prazo limite de renovações).
Avaliação doutrinal
Com base no documento A 66/762 das Nações Unidas, versa-se sobre a estratégia
global contra o terrorismo.
Aduz que se modificou a definição do conceito de terrorismo, no art. 1º do Acordo
Árabe contra o Terrorismo; que, em 21 de dezembro de 2011, a Liga Árabe aprovou o acordo
de luta contra o branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo; e acordo árabe de
luta contra a cibercriminalidade. Em 19 de janeiro de 2011, a Liga condenou ataques
terroristas em diversas regiões do mundo.
Avaliação doutrinal
A Liga Árabe continua a apoiar as lutas de libertação nacional, mas admitiu que ações
violentas contra civis constituem atos criminosos. A Conferência islâmica também admite que
possa se tratar de crime de guerra, mas não de ato de terrorismo.
A Câmara de apelo do Tribunal especial para o Líbano discutiu se existe, no direito
internacional, uma definição de terrorismo. Em uma longa decisão (16 de fevereiro de 2011),
chamando atenção para a desnecessidade para motivações políticas ou ideológicas,
contentando-se apenas com o dolo.
Quanto ao termo “guerra ao terror” (George W. Bush e vários estudiosos da matéria),
verifica-se uma tentativa em manipular o conceito de guerra, que procura justificar, sob o
plano político uma série de atos que o direito veda.
Antônio Cassese conversou com um jornalista, George Aquaviva, produzindo um livro
denominado “A experiência do mal”, que reflete a sedimentação de anos de estudo e atuação
de juiz internacional.
A verdadeira resposta ao terrorismo poderá vir de ações políticas de longo prazo, pois
considera que o terrorismo é uma resposta perversa e fanática aos problemas de fundo da
comunidade internacional (Cassese).
Tornou-se discurso corriqueiro atribuir às religiões o papel de fundo neste fenômeno.
Cassese afirma que tais causas estão para além do fanatismo religioso, pois, de um lado, temos
países ricos e desenvolvidos, e, de outro, países miseráveis, onde predomina o desemprego,
falta de instrução e uma série de problemas.
Cassese afirma que se esses jovens, que vivem neste ambiente de miséria, fossem
formados em uma civilização diversa, na qual as crianças têm acesso à instrução, não são
analfabetas, receberam desde cedo valores como o respeito pela dignidade humana, não
matariam na perspectiva de ir para o paraíso.
Há, ainda, a questão do colonialismo. Os países ricos dominaram esses povos e não
mostraram nenhum interesse em formar médicos, engenheiros, professores, mas apenas
explorar recursos naturais, promovendo aliança com ditadores, corrompendo e se aproveitando
da situação. Os colonizadores pagam a conta por não terem transmitido tais valores.
Talvez um dos objetivos dos terroristas de 11 de setembro seja o de desmantelar o
respeito aos direitos humanos pelos países democráticos (é uma indagação que Cassese deixa
no ar).
Por fim, a morte de Osama Bin Laden constituiu uma grave violação de direitos
humanos, pelo menos de 3 princípios ético-jurídicos fundamentais: as informações iniciais de
onde se encontrava o dito terrorista foram fruto de tortura; além disso, houve operação militar
no território do Paquistão sem a sua concordância formal; ademais, um Estado Democrático
não pode se transformar em assassino, exceto nos casos de violência bélica ou diante de uma
ordem legítima de pessoa que procura se evadir do ato de prisão.
O termo “guerra ao terror” precisa ser evitado, a fim de se impedir tais ações.
Aula 13.