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XI – Congresso Brasileiro de Sociologia

1 a 5 de setembro de 2003 Unicamp, Campinas – SP


Sociólogos do futuro

O cinema como consumo cultural: um estudo sociológico sobre


gostos e preferências da cultura cinematográfica junto ao
público universitário de Mossoró – RN

Jochen Mass Xavier Gomes

1
O cinema como consumo cultural: um estudo sociológico sobre gostos e preferências
da cultura cinematográfica junto ao público universitário de Mossoró - RN

Jochen Mass Xavier Gomes1


Introdução
O presente trabalho é ainda uma proposta a ser implementada ao longo do
empreendimento investigativo aqui proposto. Nosso objeto de investigação consiste na
análise dos condicionantes sociais, econômicos e culturais da construção das preferências e
gostos pelo consumo de cinema, tendo como recorte empírico à população universitária de
Mossoró – RN. Nesse sentido, pretendemos analisar a problemática do gosto cultural dos
indivíduos que em sua grande maioria estão presos à lógica de um mercado hegemônico e
eliminador da diversificação cultural do cinema. Por enquanto, se deteremos a alguns
breves comentários acerca da indústria cultural e suas relações com o público e suas
preferências fílmicas.
A proposta de estudar o problema do cinema passa, antes de tudo, por uma questão
cultural. Mas, que não se limita somente a isto. Ora, pensar os desdobramentos que cerca a
temática do cinema é, também, se deparar com problemas de ordem social, política,
econômica e ideológica das relações entre indivíduo e sociedade, levando-se em conta que
as mesmas são estruturadas a partir das esferas da produção e do consumo. Este conjunto de
relações constitui por si mesmo, uma problemática das Ciências Sociais. Adentrar-se no
assunto, é ainda, buscar o Estado e suas relações de divulgador ou manipulador da
produção/consumo de filmes; passando por problemas de soberania nacional, que se deve
em grande parte ao imperialismo americano que elimina a possibilidade de se conhecer a
produção cinematográfica de outros países. Esta por sua vez, impõe padrões e estilos de
vida como condiciona as preferências dos consumidores de cinema. Para Bernardet (2000),
os cinemas divergentes política e esteticamente do cinema dominante, isto é, da indústria
cinematográfica de Hollywood, foram sistematicamente esmagados, quer pelo comércio
cinematográfico que não abria suas portas a outras modalidades de cinema que não a do
sistema capitalista, quer pela repressão política e/ou policial.
O debate sobre a questão do cinema, no interior das Ciências Sociais não é algo
recente, nem totalmente novo, muito embora, não tenha tomado grande visibilidade. A

1
Pós-graduando em Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN.

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própria Escola de Frankfurt já analisava as relações de filme e público, arte e indústria no
cinema. A temática do cinema passa num primeiro momento, pela problemática da
indústria cultural – conceito que nasce de um texto publicado em 1947, “A Dialética do
Iluminismo” de Adorno e Horkheimer. Para ambos (1985), a indústria cultural permanece a
indústria da diversão, a sua permanência deve-se em grande parte ao controle sobre os
consumidores que como um todo, mantém os mercados. Quanto ao cinema, este é em sua
essência uma indústria, ele não precisa mais se apresentar como arte, mas como um carro-
chefe da indústria cultural ao qual não se concede o estatuto de arte autêntica.
Neste artigo, nos remeteremos ao problema de que a indústria cultural condiciona a
construção social das preferências e gostos pelos produtos cinematográficos como
homogeneíza os padrões de consumo de filmes, mesmo diante de um mercado globalizado
e altamente diversificado. É diante dessas transformações de mercado que ocorrem nas
diversas esferas da sociedade, que devemos nos inquietar sobre as práticas culturais dos
indivíduos consumidores atualmente. Será que a influência da cultura cinematográfica
americana diminui ou aumenta cada vez mais com as mudanças de mercado? Tomando o
universo do cinema brasileiro, como os consumidores e a produção de filmes se comportam
diante da invasão das produções hollywoodianas? Até que ponto vem homogeneizar as
preferências e os gostos de cinema? São algumas dessas questões que nos instigam a tomar
o consumo do cinema como um problema extremamente contemporâneo.
Os elementos norteadores do consumo de cinema
A nossa preocupação é compreender o consumo de cinema como um problema
cultural, constantemente condicionado e padronizado pela industrialização da cultura.
Assim, elencaremos alguns pontos inquietantes entre o consumo de cinema e as influências
da indústria cultural.
Num primeiro momento, é preciso investigar a influência da indústria
cinematográfica americana na construção social das preferências e gostos dos consumidores
de filmes nos vários países. Já que o poder de penetração dos produtos americanos, rompem
até as mais restritas políticas de proteção dos produtos, ao entrar em um determinado país.
Uma invasão que tem nos Estados Unidos seu maior filão, já que sua dominação não é só
econômica, mas que pode muito bem formar e construir gostos. Nesse sentido, pode-se
afirmar: “a dominação dos países subdesenvolvidos por cinematografias industrializadas

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não é exclusivamente econômica. É global. Ela forma gostos, acostuma a ritmos etc.
Gosta-se, por exemplo, de filmes de mocinho e bandido, com uma narrativa acelerada e
happy-end, cujo o modelo é hollywoodiano” (Bernardet, 2000:28). É necessário frisar que,
ela não só exporta seus filmes, mas seu estilo de vida.
Diante da influente indústria cinematográfica americana, podemos buscar um outro
elemento que nortea o consumo de filmes, isto é, identificar os gêneros predominantes nas
preferências do público consumidor de cinema, tomando o Brasil como referência. Não
precisa ir muito longe para compreender que na nossa realidade de consumo, o público quer
ver o chamado filme do momento, preferem filmes de ação e aventura que outras temáticas.
Como observa Garcia-Cancline (1995), o público de cinema em sua grande maioria, quer
ver é o filme do momento, aquele da última estréia, ou seja, estes não têm mais tempo para
refletir e aguçar seu gosto sobre a obra fílmica. Aqui, não deixamos de salientar que esse
padrão de gênero se deve em grande parte ao domínio do estilo americano de fazer cinema.
Podemos entender que a repetição de um ritmo padrão no cinema criou uma certa
condição no gosto do público em geral, este público consumidor foi condicionado e
habituado a um cinema de ritmo acelerado. As mudanças no ritmo dos filmes trás um
problema para a produção industrial, ou melhor, para a indústria cultural. Bernardet (2000),
ressalta que, quando um filme foge a esse ritmo, este será considerado lento, monótono e
seu diretor ou montador poderão ser vistos como incompetentes. Quantas vezes os cineastas
do Cinema Novo foram qualificados de incompetentes por fazerem filmes “arrastados”. No
entanto, é preciso salientar que esse ritmo lento é na verdade, uma expressão de uma
cultura, ou seja, de um cinema diferente do de Hollywood, onde produções iranianas e a
lentidão de “vidas secas” expressam um outro ritmo de linguagem cinematográfica. Por
outro lado, todo o sistema produtor, distribuidor, exibidor e até o público tentará eliminar
esses filmes dos amplos circuitos comerciais. Assim, é muito complicado entender o que
realmente o público de cinema quer ver.
Cabe aqui, desvendar parte da influência da indústria cultural nos gostos e nas
preferências dos consumidores de cinema que se deve a fortes elementos condicionantes em
torno dessa relação entre consumo e público de cinema.
Verificar as motivações sociais pelos filmes brasileiros, buscando saber o grau de
aceitabilidade dos filmes nacionais no público é um outro elemento a ser desvendado.

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Como já sabemos, é grande a influência do cinema americano sobre as preferências do
público brasileiro. Uma invasão que tende em sua grande maioria a modificar e transformar
as preferências e até mesmo, os hábitos do público brasileiro.
Uma outra preocupação é que essa imposição direta e indiretamente cria no
imaginário do público brasileiro uma certa aversão pelos filmes brasileiros, e até mesmo,
uma crítica de que só as produções americanas são dignas de serem vistas. Isto é, uma
aversão sem bases fundantes de explicação, mas explicadas por uma dominação cultural
impregnada no imaginário social do público de cinema brasileiro. Assim, que elementos
explicam essa aversão do brasileiro em relação a seu cinema nacional, ela tem diminuído
ultimamente ou é só falsa propaganda?
Outra questão é perceber os impactos das novas tecnologias (fitas VHS, DVD e o
cinema na Internet) no modo de ver e consumir filmes, entendendo suas influências no
gosto e no hábito dos consumidores de cinema. Como o público consumidor de filmes se
apresenta e reage diante das novas tecnologias no cinema? Que impactos socioeconômicos
e culturais criam-se nas preferências do público de cinema?
Para entender esse viés de explicação, é preciso observar que um dos elementos
modificadores da relação entre filme e espectador, deve-se em relação à popularização da
televisão. Com ela toda idéia de tempo criada pelo cinema na primeira metade do século se
transforma. Nesse sentido, a relação do público de cinema com a televisão, juntamente com
o vídeo, não mais recorrem ao silêncio de uma sala de cinema, mas a um outro ritual de ver
e consumir filmes, eles recorrem ao lar privado de sua casa. Como analisa Garcia-Cancline
(1995), o cinema de videoclube converte-se num recolhimento da privacidade doméstica,
indicando uma mudança radical nas relações entre cinema e vida pública, ou seja, aquilo
que era contemplado na ritualidade coletiva, é agora um recolhimento na privacidade dos
consumidores de cinema.
Portanto, é necessário frisar como essa modernização das tecnologias modifica a
grau de assistência fílmica, em virtude das constantes interferências que o espectador, agora
contempla. Merece destacar: os anúncios publicitários durante o filme, o telefone e as
intervenções discordantes do resto da família, que por sua vez modifica a percepção e a
contemplação sobre a obra fílmica. Essas interferências criam ou podem criar mudanças na
maneira de refletir sobre o filme, entendendo-se como a capacidade de perceber o filme

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como uma obra de arte. Em outro sentido, podemos verificar que a modernização no modo
de ver filmes, trás a questão do consumo e sua ampliação num mercado altamente
vendável. Garcia-Cancline nos aponta (1995), que o vídeo se converteu, rapidamente, em
menos de uma década na principal forma de se ver cinema, e o mais interessante nesse
percurso de mudança, é fato de multidões que se acostumaram a ir ao cinema, vêem agora
de dois a quatro filmes por semana. Os cinéfilos que vão as salas uma vez por semana,
alugam a cada quinzena, de dois a três filmes.
Dessa maneira, as modernas tecnologias mudam e condicionam a capacidade dos
indivíduos converterem em consumidores. Uma lógica bem engendrada pelos alicerces de
um capitalismo de mercado em vigor nas sociedades altamente consumistas e modernas. O
público de cinema não é um mero consumidor, mas um cidadão tornando-se consumidor.
A indústria cultural padronizando as preferências e os gostos dos consumidores de
cinema
Numa sociedade cada vez mais massificada e globalizada em que nos encontramos,
a representação do cinema no imaginário dos indivíduos e de suas práticas culturais é ainda
alienante. Apesar da fragmentação da cultura nos espaços da sociedade a preferência do
público de cinema ainda depende em grandes proporções de seu caráter de puro
divertimento, ou seja, de seu caráter industrial. Assim, é necessário questionar se a indústria
cultural ainda preenche a função de entretimento, de que tanto se gaba. Na verdade, como
cientistas sociais, devemos investigar até que ponto os produtos da indústria cultural
moldam comportamentos e produzem concepções de mundo.
A industrialização da cultura cria no espaço social dos indivíduos mudanças no
gosto e no hábito do consumo de filmes, desenvolvendo dessa maneira, novos
consumidores de cinema. Neste sentido, estes mantêm um conjunto de diferentes relações,
desde as salas de exibições, com o videocassete e agora com produtos multimídia na
Internet. Os filmes produzidos atualmente são produtos multimídia, assim como seus
consumidores, que modificam as relações sociais dos indivíduos, dando a estes novas
formas, funções e significados sociais. Entendendo que os consumidores de cinema se
modificam, todavia, é necessário salientar se o gosto destes está diversificado ou
condicionado pelo comercialismo da indústria cultural.

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Desvendar parte da influência da indústria cultural no condicionamento dos gostos e
preferências por filmes é uma tarefa que vai de encontro com a observação de Ortiz (1986),
de que questionar a problemática da cultura na sociedade de massas, tem-se o mérito de
desvendar as relações de poder, onde normalmente se apresenta a cultura como expressão
de democracia e de liberdade.
Desse modo, analisando a questão do consumo cultural de cinema e suas relações
com a indústria cultural, remeteremos o que os teóricos da Escola de Frankfurt,
principalmente Adorno e Horkheimer, pensam da indústria cultural e o cinema. Nesse
sentido, observa-se alguns esboços de crítica à industrialização da cultura. Na indústria
cultural o produto – e pensando o consumo de cinema - atende a necessidades de um
público que não tem tempo para questionar o seu conteúdo. Conforme Thompson (2000),
os bens culturais são planejados para o consumo de massas, não são determinados por suas
características intrínsecas como formas artísticas, mas pela lógica corporativa da produção
de mercadorias e pela troca. Todavia, Tem-se com o surgimento das industrias de
entretenimento como empresas capitalistas à padronização e a racionalização das formas
culturais, bem como a atrofiação da capacidade do indivíduo pensar e agir de maneira
crítica e autônoma.
Adorno e Horkheimer (1985), concebem que a dissolução e a perda de certos
resíduos de uma religião objetiva e pré-capitalista, a diferenciação social e técnica e a
extrema especialização levaram a um caos cultural, ou seja, a cultura contemporânea veio
conferir um certo ar de semelhança. Ambos vão criticar as constantes repetições nos filmes
produzidos em sua época. As distinções entre os filmes A e B, têm menos a ver com seu
conteúdo que com a organização e computação estatística dos consumidores. A indústria
cultural classifica-os de acordo com a lógica do mercado capitalista, ela insiste que há
vantagens e desvantagens entre os produtos, mas a verdade é que servem apenas para
perpetuar a ilusão da concorrência e da possibilidade de escolha. No fundo é uma distinção
ilusória.
Podemos frisar que o que eles estavam pensando em seu momento histórico sobre a
idéia de repetição ainda se enquadram nas produções cinematográficas atualmente. Mesmo
diante de muitas produções terem tomado uma certa visibilidade aos olhos do público
consumidor de obras fílmicas, ainda se ver constantes repetições nos filmes. Na indústria

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cultural, o consumidor está sempre preso ao que já está classificado, muito antes por uma
espécie de esquematismo da produção. Adorno e Horkheimer (1985:153), vão criticar essa
repetição da indústria cultural, ao afirmarem que os clichês que se repetem do começo ao
fim de um filme. Nesse sentido, “Cada filme é um trailer do filme seguinte, que promete
reunir mais uma vez sob o mesmo sol exótico o mesmo par de heróis; o retardatário não
sabe se está assistindo ao trailer ou filme mesmo”. Assim, pode-se entender que o caráter
da indústria cultural se desenvolve com o predomínio da técnica sobre a arte, o alcance da
técnica sobre a idéia. O filme não deixa mais à fantasia e o pensamento dos espectadores a
capacidade de passear e divagar sobre a obra fílmica.
Nesse sentido, entendemos que o público ao se divertir seria captado pelo
fetichismo do produto, daí, afastando-se de uma atitude reflexiva. Ortiz (1986) observa que
o processo de fetichização não se limita somente, a esfera da produção, ele atinge o próprio
indivíduo. A reificação do mundo tem como conseqüência a coisificação da consciência, na
sociedade industrial o ouvinte não possui autonomia, ele simplesmente responde ao
estímulo provocado pela indústria cultural.
A Teoria Crítica dos dois autores aqui citados afirma que o poder da indústria
cultural provém de sua identificação com a necessidade produzida, a sua ideologia é
próprio negócio. A diversão é o prolongamento do trabalho sob o capitalismo, quanto mais
as pessoas procuram escapar do processo de trabalho mecanizado, mais se tornam escravas
deste processo. Assim, se este indivíduo é alienado do seu trabalho e de seu produto, de sua
vida e de si próprio, uma vez que não dispõe de tempo livre, este é incapaz de criticar a
sociedade e de se autocriticar. Na indústria cultural, o consumidor não deve ter nenhum
pensamento próprio. Por outro lado, Morin (1990) observa que a crítica intelectual atira a
cultura de massa (ou mesmo a indústria cultural) nos infernos infraculturais que vêem na
falsa cultura a alienação do homem restringida apenas ao trabalho, mas ela não se
apresenta, somente, neste ângulo de discussão e entendimento, porém atinge o consumo e
os lazeres dos indivíduos. Ela se caracteriza como uma Segunda Industrialização, a que se
processa nas imagens e nos sonhos, ou seja, atinge o imaginário dos indivíduos
consumidores.
Aqui, tem-se o cuidado de fazer ressalvas a Teoria crítica de Adorno e Horkheimer
quando afirmam que a força da indústria cultural reside na unidade com a necessidade

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produzida. A afirmação da unidade do sistema constitui uma das contribuições mais válidas
na obra destes autores, mas também das mais polêmicas. Para Martín-Barbero (2001:78),
ela se torna teoricamente abusiva e politicamente perigosa quando dela se conclui a
totalização da qual, se infere que do filme mais vulgar aos de Chaplin ou Welles, “todos os
filmes dizem o mesmo”, pois aquilo de que falam “não é mais que o triunfo do capitalismo
invertido”.
A crítica pessimista de Adorno e Horkheimer vêem no cinema nenhuma forma de
arte, mas pensam que tudo está perdido, só a arte mais elevada, a mais pura e abstrata
poderia escapar da manipulação e da queda no abismo da mercadoria. Conforme Silva
(1999), é preciso ressaltar que em seus textos posteriores (1964-69) se ver um Adorno mais
afinado com a idéia de um cinema mais crítico, aquele em que é possível diferenciar os
aspectos fílmicos que se expressariam num “cinema de arte”, contrapondo-se à lógica dos
filmes comerciais.
A cultura do imediatismo e o poder da indústria cinematográfica americana sobre os
consumidores de cinema
O consumo de cinema em nossa sociedade como em toda a cinematografia mundial
está em sua grande maioria, dependente e condicionado pela a hegemonia cinematográfica
americana. Enquanto, os Estados Unidos exigem livre circulação para seus produtos
audiovisuais; os europeus buscam proteger seus meios de comunicação, sobretudo o
cinema, defendendo que os filmes não são apenas um bem comercial, mas constitui uma
auto-afirmação da língua e da cultura na difusão para além das fronteiras. Assim, é
contraditória que os Estados Unidos reclamem livre circulação de sua ideologia e por outro
lado imponha restrições aos produtos culturais importados. A sua ideologia chega a
desqualificar o importado através de anúncios: “porque comprar músicas que vocês não
entendem?”. No cinema, se processa do mesmo jeito, as produções estrangeiras são
negadas, em virtude de não suportarem as legendas, mas ideologicamente expandem seus
produtos e eliminam outros idiomas, ou seja, as outras culturas. Nesse percurso, sua
indústria cinematográfica domina e se impõe no mercado mundial como em nenhum outro
lugar.
Segundo Garcia-Cancline (1995), os entretenimentos são tratados como negócio nos
Estados Unidos, como constitui a segunda fonte de rendimento, depois da indústria

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aeroespacial. Quando se discute o real poder dos Estados Unidos, fala-se muito em
tecnologia, fábricas de carros e de jatos. Mas, não é só isso, ele exerce um domínio cultural
e político incontrastável sobre os outros países. É freqüente ver autoridades francesas
reclamando da invasão de seu território por produtos da cultura de massa americana,
especialmente o cinema. A França mantém uma política protecionista ativa em benefício de
sua indústria cinematográfica, seus esforços amenizaram a política expansionista
hollywoodiana. Mesmo assim, em 1998, a produção conquistou seis das dez maiores
bilheterias entre os franceses. Pode-se salientar que sem essa lei de proteção, a França, por
escolha dos próprios cidadãos, já teria fechado as portas de sua indústria de cinema.
Eles querem exportar é seu estilo de vida. Nesse sentido, o que fascina as platéias,
além dos efeitos especiais, é o retrato idealizado que as fitas fazem da sociedade americana,
no qual sobressaem valores como vitalidade, dinamismo, mobilidade social, igualdade,
justiça e a certeza de que é possível vencer pelo próprio esforço. O cinema canta as glórias
do consumo com despudor que não se vê em nenhum outro lugar. Tendo isto em mente,
podemos destacar que o cinema americano também pode ser entendido como elemento do
imperialismo político e cultural do qual os Estados Unidos são a maior expressão.
O cinema é a mais decisiva arma estratégica da indústria de entretenimento dos
Estados Unidos que açula o gosto dos fregueses estrangeiros, abrindo caminho para novas
fontes de lucro. Assim, não é à toa, que todos os grandes conglomerados do setor (Sony,
Disney, Time Warner, Seagram, Viacom e News Corp) têm em sua base um estúdio de
cinema. Hollywood é, por assim dizer, a comissão de frente da força imperial americana,
como tem sido desde os anos 20, quando se tornou a primeira onda verdadeiramente
globalizadora do século XX. Já nasceu rodando fitas em escala industrial, pronta para
divertir multidões. Só para ilustrar sua ideologia cultural, das 100 maiores bilheterias do
cinema de todos os tempos, 93 são produções exclusivamente americanas e 25% do
mercado mundial de filmes é controlado pela indústria de cinema dos Estados Unidos2.
Como entender esse real poder que a cultura cinematográfica impõe sobre os outros
cinemas. Essa dominação cultural se deve a que viés de explicação.
Nesse sentido, Garcia-Cancline (1995), observa que a disseminação de canais de TV
e videoclubes por todo o mundo permitiu que os receptores de grandes e pequenas cidades

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Revista Veja, ed. 1646, N º 17; 26/04/2000.

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tivessem acesso a um repertório cinematográfico quase idêntico. Repertório este
manifestado em sua grande maioria pela hegemonia americana. Se nos cinemas, nas
televisões e no vídeo as fitas americanas cobrem entre 60% e 85% da oferta, tudo contribui
para identificar o cinema americano como o verdadeiro cinema. No entanto, a preferência
pelos filmes americanos, está também, relacionada ao domínio de seus ídolos
(Scharzenegger, Tom Cruise, Stallone e Mel Gibson), revelados por enquetes realizadas no
México3. É necessário questionar essa idéia de universalidade do cinema americano,
especialmente, o cinema hollywoodiano sobre os outros cinemas.
Neste seu estudo, Garcia-Cancline (1995) explica como se forma o saber fílmico
dos cinéfilos e videófilos, enfatizando que tanto a maioria dos que vão ao cinema, quanto
os que vêem vídeos, desconhecem os nomes dos diretores. Nos cinemas, quase todo o
público se retira antes que passem os créditos; nas videolocadoras, se vê o agrupamento dos
filmes por gênero e a minúscula referência aos diretores na ficha técnica. Por outro lado, o
excessivo destaque para os atores e as cenas “intensas” na capa. A insatisfação manifestada
pelos clientes interrogados nas videolocadoras não se refere à falta de outras décadas, mas à
carência de cópias das últimas estréias. Uma explicação a tomar as preferências ou os
gostos dos consumidores como modelos de um padrão singular, que vai de encontro ao
estilo americano de fazer filmes.
Não pretendemos universalizar as preferências e os gostos dos consumidores de
cinema, mas é importante não esquecer que em sua grande maioria, o público que ver é o
chamado filme do momento, aquele que prometa ação e aventura. Para estes, não importa o
que se alugue, quem seja o diretor, o importante é não perder o filme do momento. Vê-se,
nesse instante a necessidade de questionar todo esse imaginário construído socialmente,
acerca desse fenômeno de consumo. Para Garcia-Cancline (1995:187), “o imediatismo e
valor do instantâneo se refletem no que os jovens videófilos buscam, o grau de expectativa
modifica o modo como se vê. Os novos consumidores de imagens são adeptos do ritmo e,
em menor medida, da trama”. Nesse sentido, entendemos que vivemos uma espécie de
cultura do imediatismo no cinema, em que os consumidores não vêem o que preferem, mas
preferem o que a indústria cultural oferece no momento. O imediatismo parece ser
determinante dos atuais padrões de consumo do público de cinema. Nesse sentido, as

3
Para mais detalhes ver o trabalho de Garcia-Cancline, Consumidores e cidadãos, conflitos multiculturais da

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preferências dos consumidores podem está padronizadas ou condicionadas pelo filme mais
procurado nas videolocadoras. O mesmo pode ser observado nos mais assistidos nos canais
de TV por assinatura bem como nas Tvs convencionais.
O mesmo se processa com a representação dos filmes na televisão convencional. A
cultura televisiva deixa o telespectador ainda mais condicionado pela sua programação, do
filme de ação ao filme catástrofe. O público que assiste e depende desse meio não mais
contempla uma programação diversificada de cinema, com exceção daqueles que tem
acesso aos canais por assinatura (é necessário aqui questionar se os canais por assinatura,
realmente, apresentam diversificação na sua programação), os filmes que nos apresentam
tem ainda enraizada, a hegemonia do cinema americano. Para ilustrar esse debate, é
verificável, ultimamente nos canais por assinatura, filmes e séries reprisados à exaustão na
televisão paga brasileira. A média de reprises nos dezoito canais de filmes aumentou quase
10% entre o primeiro trimestre de 1999 e o mesmo período de 2001, conforme estudo mais
recente da empresa de pesquisas Pay-TV Survey. Nos últimos anos os principais canais a
HBO e o Telecine, tentaram aumentar a quantidade de títulos exibidos, mas em suas
programações não é difícil achar filmes que são transmitidos de sete a oito ou nove vezes
ao mês4.
Entendemos que a repetição massiva de alguns filmes tende a condicionar as
preferências e os gostos dos consumidores de cinema na televisão. A repetição limita as
possibilidades de diversificação e de expansão de novos gostos e preferências dos
consumidores. Adorno e Horkheimer (1985), já alertavam que o processo de uniformização
elimina as diferenças, ou seja, a repetição vem eliminar as diferenças nas obras fílmicas.
Dessa maneira, como o público analisa as constantes repetições de filmes nas Tvs
convencionais ou mesmo nas Tvs por assinatura?
CONCLUSÃO
A partir desse breve recorte teórico podemos salientar a necessidade de questionar
os elementos norteantes no debate do consumo de cinema como de suas relações com
público e suas preferências fílmicas. Por enquanto, é preciso saber se a indústria cultural
condiciona a construção social das preferências e gostos dos consumidores. Tal
problemática enfrenta a consolidação de uma indústria cultural que promove muito mais o

globalização, 1995.

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conformismo dos indivíduos consumidores a um padrão de cinema extremamente
condicionado pela indústria cinematográfica americana. O padrão cinematográfico
americano apresenta-se como predominante na cultura brasileira, que por sua vez pode
muito bem criar um determinado estilo de preferências no público de cinema. Questionar a
influência do cinema americano no público brasileiro é um ponto de partida para analisar as
raízes da nossa formação cultural de consumo de cinema. Mesmo diante dessa relação entre
padronização e pluralidade de gostos fílmicos, o cinema e suas relações com a indústria
cultural estão extremamente condicionados pela produção e a estrutura capitalista. O
cinema é um produto da indústria cultural. Portanto, verificar o nível de condicionamento
nas escolhas dos filmes por parte do público consumidor é um instrumento para os
interessados em desvendar possíveis inquietações sobre a cultura cinematográfica.

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Revista Veja, ed. 1710, Nº 29; 25/07/2001.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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