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INTENSIVO I

Daniel Carnacchioni
Direito Civil
Aula 01

ROTEIRO DE AULA

PRINCÍPIOS DE DIREITO CIVIL, FUNDAMENDO DO DIREITO CIVIL E PERSONALIDADE


CIVIL

1. Direito Civil: como compreender? Direito Civil clássico x Direito civil contemporâneo.

O melhor método para nós entendermos o Direito Civil é entender as razões, as causas e os fundamentos
do Direito Civil a partir do sistema em que ele está inserido. Em outras palavras: para termos uma ideia muito
ampla de como trabalhar com o Direito Civil partiremos da seguinte ideia (a partir de uma comparação): Direito
Civil clássico x Direito Civil contemporâneo. Observação: em relação ao Direito Civil clássico não há
necessidade, efetivamente, de olharmos para o Direito Romano. Basta entendermos o Direito Civil após a
Revolução Francesa, isto é, no Estado Liberal, no Estado Social e, agora, no Estado Democrático de Direito (ou
Estado Constitucional de Direito).
A partir dessa comparação (Direito Civil clássico x Direito Civil contemporâneo) nós efetivamente
compreenderemos o Direito Civil, pois o Direito Civil clássico tem alguns pilares de sustentação que o
caracterizam. E o Direito Civil contemporâneo tem alguns pilares de sustentação e outros paradigmas que o
caracterizam. No entanto, não seria mais fácil de, ao invés dessa comparação, simplesmente estudarmos o
Direito Civil a partir da perspectiva do que ele é hoje, isto é, se ele é clássico ou contemporâneo? Não, pois
nosso Código Civil de 2002, obviamente, possui muito do que é o Código Civil contemporâneo, mas ele mescla
muito do que nós conhecemos como Direito Civil clássico. Ou seja, embora nosso Direito Civil contemporâneo
ele esteja muito afinado com os valores sociais constitucionais, como dignidade da pessoa humana,
solidariedade social, igualdade substancial, função social e boa-fé objetiva, o nosso Código Civil ainda tem
resquícios, muito evidentes, do Direito Civil clássico. Por isso é preciso identificar onde estão esses resquícios
para compreendermos, pois o Código contém regras incompatíveis com o sistema que nós vivenciamos hoje,
principalmente baseado numa fonte normativa que é constitucional.

2. Direito Civil Clássico

2.1. Pilares do Direito Civil clássico:

a) Positivismo (Direito Civil é igual à lei) – sistema fechado. É a ideia de que o sistema, de que o
Direito, de forma geral, é igual à lei.

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b) Análise estrutural dos elementos de direito civil. O Direito Civil clássico ele se limita a trabalhar
com conceitos, ou seja, uma ideia conceitual de Direito. Por isso sempre buscamos uma resposta
pronta e acabada. E nessa análise conceitual, o que o Direito Civil clássico faz: simplesmente tenta
responder a uma pergunta. O que é determinado instituto? O que é posse? O que é propriedade? O
que é família? A partir dessa pergunta e da resposta, a qual ela remete você possui uma análise
meramente estrutural. Por exemplo: o que é uma obrigação? É um vínculo jurídico onde um sujeito
pode exigir de outro o cumprimento de uma prestação. Ou seja, nós temos os elementos estruturais
de uma obrigação: sujeito, objeto e vínculo. Basicamente, isso é suficiente para que efetivamente
tenhamos uma norma de Direito Civil.
c) Estado Liberal (Dissociação entre Estado e sociedade).

2.1.1. Positivismo clássico e positivismo normativo

Não há um único conceito para positivismo. Não compreende-lo como uma ideia universal, assim como
a democracia, os direitos humanos. Há, portanto, variações conceituais. O importante é compreender que há
modelos de positivismo. Basicamente, são dois os modelos: o positivismo clássico e o positivismo normativo.
Positivismo clássico: o Direito Civil é basicamente conceitual e sequer se admitia a interpretação das
normas. Como características podemos citar: a jurisprudência de conceitos, a escola de exegese francesa, os
pandectistas alemães. Enfim, dentro do positivismo clássico há um culto à lei muito grande.
Positivismo normativo: mais flexível: baseado, fundamentalmente, na Teoria de Kelsen. Teríamos as
seguintes ideias: o Direito associado à lei; o Direito é igual à lei. Mas, nesse positivamos normativo, nós temos
a possibilidade buscar uma compreensão de Direito através de um processo de interpretação, ou seja, a
hermenêutica faz parte do positivismo normativo.
No entanto, o que caracteriza, fundamentalmente, o Direito Civil nessa concepção clássica vinculada ao
positivismo é que no positivismo havia uma dissociação muito clara entre moral e Direito. Ou seja, no
positivismo, o Direito é considerado um sistema fechado, ou seja, ele não se relaciona com valores da
sociedade. No positivismo, quando o legislador elabora a norma possui um juízo de valor, mas a partir do
momento em que há uma norma e esta ingressa no sistema jurídica, não há mais possibilidade de valoração. No
positivismo, basicamente a ideia de validade da norma é baseada na obediência de um processo legislativo
formal devidamente cumprido. A grande questão positivista e, infelizmente no Brasil nós ainda temos arraigado
na nossa cultura, é que nós não trabalhamos com questões morais, de justiça, dentro do sistema jurídico.
Simplesmente temos uma norma, buscamos o significado dessa norma, mas há uma dissociação muito clara
entre moral e direito. O sistema é fechado, é autossuficiente.
Esses pilares que caracterizam o Direito Civil clássico (pós-Revolução Francesa até a Constituição de
1988 - Brasil) estarão muito bem evidenciados no período citado. A partir da CF/88 inicia-se o trabalho com
outro modelo de Direito (Direito Civil contemporâneo, fundamentado em valores constitucionais).

2.1.1.1. Finalidades do positivismo

Por que o positivismo foi arraigado à nossa cultura jurídica e até hoje possuímos dificuldade de trabalhar
com esse novo modelo de direito e, inclusive, com os valores que fundamentam a Constituição? Em razão de
duas finalidades do positivismo: segurança jurídica e objetivação do sistema jurídico.
O positivismo foi muito bem até o momento em que tínhamos uma sociedade mais estática onde as
mudanças culturais eram mais lentas. Hoje vivenciamos uma sociedade complexa e heterogênea onde é
impossível buscarmos objetividade, uma racionalidade a partir de regras. É óbvio que o Direito não
acompanhará a realidade da vida. Claro que essa mudança social, política e cultural contribuiu para o
questionamento do positivismo.

2.1.1.2. Questões positivistas que efetivamente influenciaram o Direito Civil clássico

a) Justiça está na lei: é justo porque a lei é válida sob o aspecto formal.
b) Moral dissociada de direito.

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c) Positivismo e princípios. Os princípios existiam no positivismo. A diferença é que no positivismo,
os princípios não eram fonte primária de Direito, mas fonte secundária, ou seja, destinavam-se ao
preenchimento de lacunas. Assim, os princípios, no positivismo, serviam como uma norma
subsidiária (fonte supletiva).
d) Crítica: ausência de critérios valorativos para aplicação da norma. Simplesmente se buscava o
sentido da norma através de ideias constitucionais clássicas, como a vontade do legislador (processo
de interpretação simplificado para aplicar e compreender a norma).
2.1.1.3. Exemplos

Exemplo 1: ao estudar a personalidade da pessoa natural verificamos duas teorias: a teoria natalista e a teoria
concepcionista (principais teorias). Se tivermos uma compreensão da diferença entre os pilares que
caracterizam o Direito Civil clássico daqueles que caracterizam o Direito Civil contemporâneo é possível
compreender as teorias por uma questão simples: a teoria natalista possui uma identidade muito grande com
esse modelo clássico de Direito Civil. Assim, quem é um defensor da teoria natalista é fortemente influenciado
por esse modelo positivista de Direito. Por que a personalidade da pessoa natural começa com o nascimento
com vida? Porque a lei diz. É uma concepção formal de personalidade. Por que se defende na teoria
concepcionista que a personalidade da pessoa natural começa desde a concepção embora a lei diz que a
personalidade começa com o nascimento com vida? Porque se faz uma análise dessa norma a partir de um novo
paradigma de Direito (Direito Civil contemporâneo não é baseado, somente, em regras, mas fundamentalmente
em valores, os quais são utilizados para buscar uma argumentação concreta para defender de que a
personalidade possa começar desde a concepção embora a lei diga que comece desde o nascimento com vida).
Assim, a teoria da concepção se identifica muito mais com esse modelo de Direito Civil contemporâneo.

Exemplo 2: teoria da incapacidade. O Código Civil, mesmo depois das alterações legislativas, no que tange às
incapacidades, ainda é conectado a uma ideia clássica de Direito Civil. Por quê? Pois utiliza uma ideia formal
de incapacidade. Quem é considerado incapaz? Os inseridos na lei. Muitos autores dizem que para uma pessoa
ser incapaz não basta a incapacidade formal, isto é, estar efetivamente no rol dos artigos 3º e 4º do CC. Ele
precisa ser material e concretamente incapaz, ou seja, no caso concreto ele precisa necessitar de proteção do
Estado para ser considerado incapaz. Por que a teoria da incapacidade vem sendo questionada? Porque essa
nova ideia de incapacidade, a qual restringe ainda mais a incapacidade, decorre dos novos modelos de Direito
Civil.

2.1.2. Estrutura – o que é e quais são os elementos que constituem cada instituto

O segundo pilar que caracteriza o Direito Civil clássico é a questão estrutural, a qual está vinculada ao
positivismo.
O que significa a ideia de estrutura? O Direito Civil clássico se caracteriza pela busca à resposta de uma
pergunta (qual o conceito de determinado instituto). Assim, em uma concepção clássica de Direito Civil se
busca estudar os elementos que constituem a estrutura desses institutos. Exemplos: quais são os elementos que
caracterizam a estrutura de uma obrigação? Existência de um sujeito, de uma prestação e de um vínculo
jurídico; quais são os elementos que caracterizam a estrutura de uma posse? Corpus e animus.
Assim, nesse modelo clássico, o Direito Civil se legitima, como norma e quanto à sua aplicação, com a
descoberta e análise dos elementos que constituem os institutos. Ou seja, nesse modelo clássico não se busca a
finalidade desses institutos. Os institutos de Direito Civil, sejam quais forem (contrato, família, sociedade) são
fins em si mesmos. Hoje, no modelo contemporâneo, todos os institutos de Direito Civil são meios para algo.
A única “coisa” que pode ser considerado um fim em si mesmo é a pessoa humana, pois todas as normas de
Direito Civil têm um objetivo: são meios para concretização da dignidade dessa pessoa. Exemplo: uma ideia
tradicional de família (fim em si mesmo) é totalmente diferente da família em uma concepção contemporânea
(meio para concretizar a dignidade dos membros que compõe o núcleo familiar – família eudemonista).
Assim, a ideia trabalhada no tópico é: para que tenhamos um determinado instituto legítimo e para que
esse instituto de Direito Civil possa ser aplicado e interpretado basta que esteja caracterizado todos os
elementos que o caracterizando (dados pela norma jurídica.; É uma ideia estrutural estrutural, pois busca-
se uma conceituação abstrata, ou seja, a partir da análise da lei. Hoje, não. Busca-se o conceito no
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caso concreto. É claro que a norma nos dá sustentação, mas exige-se valoração, compreensão do problema
para chegarmos a um conceito.
É claro que há uma finalidade nesse modelo clássico, mas tal finalidade não é condição de legitimidade
do instituto. No modelo contemporâneo de Direito Civil a finalidade condiciona a legitimidade. Exemplo: uma
obrigação, para ser legítima, deve conter todos os elementos estruturais. Mas, no modelo contemporâneo, se
agrega, a essa questão estrutural, uma finalidade, a qual condicionará a legitimidade, pois esta passa a ser parte
do conteúdo do instituto. Ou seja, uma obrigação sem função social não é uma obrigação; uma posse sem
função social é uma não posse; um contrato sem função social não é um contrato. A finalidade é a causa de
justificação da legitimidade.

2.1.3. Estado Liberal

O modelo clássico de Direito Civil é produto da concepção liberal de Estado, o qual há uma dissociação
muito clara entre Estado e sociedade.
O fundamento do Direito Civil é o Código Civil. A Constituição Federal trata de questões de Estado,
mas não de questão que envolvam a sociedade. Não é por outro motivo que na França, a época do Código Civil
Napoleônico, se dizia que o Código Civil era a Constituição dos cidadãos. E hoje, nesse novo modelo, é
impossível se trabalhar com o Direito Civil sem conexão com as normas constitucionais. Até porque a nossa
Constituição é a base de sustentação dessa finalidade que justifica os institutos de Direito Civil.
O Estado liberal, simplesmente, fez com que o Direito Civil ficasse isolado em relação à Constituição. O
Direito Civil tornou-se um ramo autossuficiente para resolver questões da sociedade. Tanto é que os direitos
fundamentais de primeira geração (liberdades públicas negativas) justamente evidenciavam a não intervenção
do Estado na sociedade e as questões que envolviam a sociedade eram reguladas pelo Código Civil.

3. Direito Civil contemporâneo

Assim como no Direito Civil clássico, o Direito Civil contemporâneo também possui três pilares, os
quais se inter-relacionam:
a) Pós-positivismo – o que significa este movimento?
b) Direito Civil é igual a estrutura mais função.
c) Estado Democrático de Direito – sistema aberto.

3.1. Pós-positivismo

A ideia do pós-positivismo, em termos universais, vem ganhando força, principalmente, após a 2ª


Guerra Mundial, pois há um argumento para a mudança dos paradigmas que fundamentam as normas. Uma
dessas alterações foi a mudança de movimento, ou seja, saindo de um sistema fechado para um sistema aberto.
Por quê? Porque o positivismo, historicamente, foi utilizado como fundamento/justificativa para várias
atrocidades praticadas, principalmente, pelos nazistas, no período da 2º Guerra Mundial. Exemplo: a defesa de
um oficial nazista acusado de um crime de guerra era baseada na lei, a qual o permitia.
Três principais causas que levaram à revisão do modelo positivista e consequente surgimento do modelo
pós-positivista:
a) A ideia de que o positivismo poderia acobertar injustiças (dissociação entre moral e direito).
b) Complexidade da sociedade contemporânea.
c) O positivismo, a pretexto de uma hermenêutica, estava levando a algumas arbitrariedades no âmbito
da decisão judicial (decisionismo).
O que significa esse movimento efetivamente? Se no positivismo havia uma separação muito clara entre
moral e direito, no pós-positivismo apresenta-se como uma de suas grandes características, ou seja, a moral se
inter-relaciona com o direito – o sistema é aberto fazendo com que os valores morais da sociedade ingressem no
sistema jurídico. E como ingressam? Por meio de um outro tipo de norma: os princípios. No positivismo havia a
possibilidade de uma lei injusta, porém válida (aspecto formal); no pós-positivismo, essa mesma lei, para ela ser
válida, não basta a análise do aspecto formal. Ela também deve ser justa. E o que é ser justa? É estar de
acordo com os valores que fundamental a nossa sociedade, os quais se encontram na Constituição.
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Os princípios, que no positivismo eram fontes secundárias ou supletivas, transformam-se, no pós-
positivismo, em fonte primária de Direito. Por isso, os constitucionalistas, hoje, citam a norma como gênero e
as regras e os princípios como espécies. Assim, o pós-positivismo trabalha, ainda, com a ideia de regra, mas ao
lado dos princípios, os quais contêm valores e possuem força normativa.
Qual a importância do tema? Não há como entender o Direito Civil atual sem compreender o
movimento pós-positivista. Os valores que fundamentam o Direito Civil não estão no Código Civil. Estão na
Constituição. O termo ou denominação “Direito Civil Constitucional” remete à ideia de que os institutos de
Direito Civil devem buscar a concretização de valores sociais que estão estabelecidos e que são exigências da
Constituição. Em outras palavras, é um Direito Civil que tem como fundamento valores e princípios de natureza
constitucional. Os institutos de Direito Civil são meios para a concretização de finalidades e objetivos que são
traçados pela Constituição. A estrutura está no Código Civil. O fundamento/finalidade está na Constituição.
O pós-positivismo fundamenta o neoconstitucionalismo, o qual será a base de sustentação do Código
Civil.

3.1.1. Movimento pós-positivista (características)

a) Moral se relaciona com o direito.


b) Valores socialmente relevantes são convertidos em normas jurídicas.
c) Parâmetros de justiça por ocasião da aplicação concreta do direito.
d) Valoração quando da concreção das normas não despreza o direito posto.

3.1.2. Neoconstitucionalismo (CF como norma fundamental)

O pós-positivismo é o fundamento jusfilosófico do neoconstitucionalismo: para compreender o Direito


Civil contemporâneo é preciso ter ciência das principais características do neoconstitucionalismo.

a) Constitucionalização do direito – irradiação das normas e valores constitucionais para todo o sistema.
STF denomina de “eficácia irradiante”. Pós-positivismo: no Direito Civil contemporâneo é preciso
buscar a justificação dos nossos institutos na CF e não no Código Civil.
b) Princípios com força normativa.
c) Reaproximação entre direito e moral.
d) Judicialização da política e das relações sociais.
e) Modificação da teoria das normas, fontes e interpretação (hermenêutica). O processo de hermenêutica
passa por uma evolução. A hermenêutica clássica é relevante, mas não é suficiente para dar respostas
adequadas.
f) Teoria dos direitos fundamentais – edificação sob a dignidade humana. É tão evidente a conexão do
movimento pós-positivista e do movimento neoconstitucionalista com o Direito Civil contemporâneo
que podemos dizer que o Direito Civil contemporâneo, como fruto desses movimentos, coloca a pessoa
humana no centro do sistema jurídico civil. Tanto é que todos os institutos de Direito Civil não são mais
fins em si mesmos, mas meios para a concretização de uma finalidade (dignidade da pessoa humana). A
única que é um fim em si mesmo é a pessoa.

3.1.3. Qual a consequência do pós-positivismo para o Direito Civil?

Resposta: abertura valorativa do sistema civil. Isto é, as normas possuem valores e o sistema passa a
permitir a valoração quando da concreção da norma. Em linhas gerais: se no positivismo o sistema era fechado
e autossuficiente (aplicador não utiliza juízo de valor) no pós-positivismo ele se abre e os valores da sociedade
passam a se inter-relacionar com o sistema jurídico. O pós-positivismo provocou um “choque” no sistema,
Consequência: a valoração que somente era realizada pelo legislador, no momento da elaboração da norma
(positivismo), passa a ser realizada, também, pelo aplicador da norma (pós-positivismo). É uma valoração que
parte da busca não apenas de uma validade formal da norma (positivismo), mas da validade material da norma
(pós-positivismo) para verificar se a norma efetivamente é compatível com os valores sociais e constitucionais.
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3.1.4. Como se viabiliza essa abertura valorativa?

Resposta: pelos princípios, os quais são equiparados a normas jurídicas (passam a ter força normativa).

3.1.5. Consequência

Impõe um constante diálogo do interprete com a norma jurídica (desse diálogo emerge a compreensão) e
a funcionalização (finalidade) dos direitos subjetivos.

3.1.6. Nova teoria da interpretação

A hermenêutica é alterada porque os métodos tradicionais de interpretação (hermenêutica clássica),


embora importante, não é mais suficiente para resolver esses problemas complexos de busca por uma
argumentação adequada e pela concretização de uma justiça que só pode ser efetivamente concretizada com
essa inter-relação do intérprete com a norma.
A compreensão da norma no pós-positivismo é feita em uma dimensão histórica. O intérprete não pode
ignorar a concreta situação histórica em que se encontra. Isto é, a aplicação do Direito Civil, como resultado
desse modelo pós-positivista, só é possível se o intérprete levar em consideração o momento concreto histórico
em que ele está vivendo. A partir desse contexto, dessa história, é possível construir uma decisão. Não basta
para, no caso concreto, verificar se um contrato tem função social unicamente com base na sua estrutura. É
preciso valorar a situação.

3.1.7. O conhecimento é falível e precário

Tudo é datado. O olhar é permeado pela historicidade e, portanto, sempre socialmente condicionado
(filtrado por nossas vivências e tradições).
Não há neutralidades científicas. Os conceitos e compreensões se assentam em pré-conceitos e pré-
compreensões.
As verdades são precárias e datadas.

3.1.8. Princípios – como aplicar?

Todas as teorias de argumentação que trabalham com a aplicação de princípios possuem um objetivo:
conferir racionalidade para as decisões.
As principais teorias são as teorias da argumentação desenvolvidas por Dworkin e Alexy. A teoria de
Alexy colocou na prática o inverso do que ela pretendia. O objetivo, como citado, é conferir racionalidade às
decisões judiciais. No entanto, desaguou no decisionismo/arbitrariedade/subjetivismo.
Alexy: 1ª tentativa de aplicação dos princípios:
I. A estrutura racional da proporcionalidade e suas sub-regras (adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito).
II. Premissa: possibilidade de colisão entre princípios.
III. Adequação e necessidade (limites fáticos) e proporcionalidade em sentido estrito (limite
jurídico).
IV. Teoria da argumentação jurídica que, se seguidas, conduziria a decisões dotadas sempre de
racionalidade.
V. Seria um critério racional de ponderação.
Dworkin: 2ª tentativa de aplicação dos princípios:
I. Premissa: não há colisão, mas concorrência entre os princípios para um determinado caso.
II. Apenas pela análise das razões trazidas pelos participantes da discussão será possível
compreender se a norma invocada funciona como regra ou princípio.
III. Ponderação como reflexão e não como método de aplicação.
IV. Princípio: análise do caso concreto (integridade)
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V. Interpretação construtiva (diálogo entre magistrado e sociedade).

A teoria de Dworkin é mais interessante para o Direito Civil, pois parte-se de um caso concreto. Não é uma ideia de
ponderação, mas de reflexão.

3.1.9. Direito Civil Constitucional (é o efeito do neoconstitucionalismo e do pós-positivismo)

Há ou deve haver uma aproximação e relacionamento entre direito e a justiça (moral). O pós-
positivismo é a matriz jusfilosófica que embasa as ideias neoconstitucionais ou a concepção teórica do
neoconstitucionalismo. Ocorre a abertura valorativa do sistema jurídico. As normas se dividem em regras e
princípios e o Judiciário passa a ter papel preponderante neste novo sistema (criação de norma). Por outro lado,
na visão positivista os valores são externos ao direito. Tais valores externos conduzem a atuação dos
legisladores. A moral é externa ao direito e os valores ingressam nas normas tão somente por meio da atividade
legislativa. Busca-se a vontade do legislador, sem qualquer aferição de justiça ou injustiça. No pós-positivismo
os valores permeiam o sistema tanto no momento da confecção da norma como durante sua aplicação. Os
valores servem-se dos princípios para oxigenar o sistema. Os princípios carregam os valores para essa
concretização.
Direito Civil Constitucional: busca da compatibilização dos institutos de Direito Civil com os valores
sociais constitucionais, os quais o fundamentam ou justificam, como o a dignidade da pessoa humana, valores
sociais, função social, boa-fé objetiva, entre outros. Conclusão: a compatibilização será viabilizada por um
processo de hermenêutica altamente sofisticado.

3.1.9.1. Valores sociais constitucionais como novos parâmetros hermenêuticos do Direito Civil

Só posso interpretar o Direito Civil a partir dos valores sociais constitucionais.


A irradiação das normas constitucionais e valores com a efetivação dos direitos fundamentais
(normatividade dos princípios).

3.1.9.2. Efeitos da constitucionalização

I. Submissão das normas de Direito Civil aos valores constitucionais.


II. Nova concepção de família, posse, propriedade e contrato. Exemplo: uma família sem os
parâmetros hermenêuticos constitucionais não será considerada uma família, mas uma reunião de
pessoas.
III. Funcionalização do Direito Civil: os direitos de natureza civil subjetivos servem a uma
finalidade que o fundamentam e o legitimam.

3.2. Estrutura + função

No Direito Civil clássico observamos apenas a estrutura, ou seja, o que é uma determinada estrutura.
Hoje, como resultado dessa constitucionalização, os direitos subjetivos de natureza civil estão
constitucionalizados. Então não basta, para que o instituto tenha legitimidade e esteja devidamente
fundamentado, que todos os elementos estruturais estejam presentes. Deve-se questionar: “o que é e para que
serve?” Agrega-se à ideia de estrutura a ideia de função, a qual nada mais é do que a finalidade.
A estrutura (elementos do instituto) é encontrada/baseada no Código Civil. A finalidade
(compatibilização aos valores sociais) é encontrada/baseada nos valores sociais presentes na Constituição.

3.2.1. Parâmetros do Código Civil (Direito/função; poder/dever)

O Direito Civil passa a ser entendido como “direito/função”. Direito: estrutura/Código Civil. Função:
funcionalidade/compatibilidade aos valores sociais constitucionais (realizada no caso concreto).
A finalidade e a funcionalidade passam a condicionar a legitimidade e a validade do próprio direito.
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Em suma:

Direito Função
Poder Dever

Direito/Poder: Código Civil (elementos estruturais). Em razão do direito é conferido poder ao titular.
Exemplo: a propriedade é um direito subjetivo. Em razão do direito de propriedade, o proprietário tem poderes
(art. 1.228 CC). Até aqui nós estamos diante do Direito Civil clássico. No modelo contemporâneo agrega-se ao
Direito/Poder uma função e um dever. Ou seja, o direito subjetivo de natureza civil torna-se direito/função. A
função integra o conteúdo desse direito e ao integrar o legitima e o condiciona. E ao poder corresponderá um
dever. Exemplo: quem tem um direito tem poder; para que a propriedade seja propriedade deve ela ter uma
função (afinada aos valores constitucionais que a justificam: função social). Para que essa propriedade tenha
essa função e seja uma propriedade não basta que o proprietário tenha poderes. Para que ele tenha essa
finalidade: é necessário que cumpra deveres.

3.3. Estado Democrático de Direito (breves comentários)

4. Resumo

Os institutos de direito civil são meios para a concretização de direitos fundamentais da pessoa humana,
em especial dignidade e seu núcleo essencial.
A pessoa humana foi colocada no centro do sistema jurídico. Objetivo do Direito Civil: garantia a todos
de uma vida digna: eficácia positiva e negativa da dignidade. Pessoa humana como um fim em si mesmo.

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