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UM OLHAR MICROSCÓPICO

SOBRE A CRIATIVIDADE

Teresa Amabile, especialista em criatividade (Harvard Business


School) em entrevista conduzida por Carlos Oliveira Santos em
Boston, USA.
http://www.fbcriativo.org.br/procria/artigos/UMOLHARMICROSCOPICO.htm

Desde a sua obra The Social Psychology of Creativity (1983), Teresa Amabile tornou-se uma
referência obrigatória nos estudos da criatividade. Doutorada em Psicologia na Universidade de
Stanford, em 1977, é atualmente Professora e Senior Associate Dean em Harvard Business
School. Prestigiada quer pela dimensão e diversidade do seu trabalho acadêmico, quer pelas
importantes incidências que ele pode gerar no meio das empresas e organizações, como poderá
se constatar através das suas palavras.

Mesmo que não se considerem as diversas apreciações da criatividade que acompanham, há


muitos séculos, a história da Humanidade, depois que J.P. Guilford publicou o célebre artigo
"Creativity", na revista American Psychologist, em 1950, são inúmeras as perspectivas de
abordagem deste campo, umas centrandas nas personalidades criativas, outras nos processos
cognitivos de criação, outras ainda nos produtos avaliados como criativos.

Teresa Amabile, sem menosprezar esses planos, fundou os seus estudos numa posição que
privilegia as chamadas "situações criativas", as circunstâncias envolventes, o ambiente social e as
diversas formas e processos como ele gera, incentiva, desenvolve, entrava, limita ou mata a
criatividade, que ela define como uma confluência de fatores diversos.

O curioso do modelo que Amabile foi construindo é que, partindo, embora, do primado social, ela
começou por considerar que o fator primordial da criatividade vem da motivação intrínseca dos
indivíduos. (sem motivação não há criatividade?) Os aspectos ambientais e sociais só eram, neste
caso, pertinentes porque, segundo ela, tinham um forte impacto na motivação intrínseca. (então
esses aspectos seriam os estímulos sobre a motivação, a qual gera a criatividade?) Uma das
principais teses de The Social Psychology of Creativity é a de que "a motivação intrínseca promove
a criatividade, mas a motivação extrínseca é-lhe perniciosa". Contudo, na edição atualizada,
bastante aumentada e ponderada, desse seu livro, feita em 1996, com o título Creativity in Context
(Westview Press), Amabile reaprecia e revaloriza o papel da motivação extrínseca.

Quer pela natureza do seu modelo, alimentado por um número enorme de estudos específicos,
quer pela sua proeminente posição na Harvard Business School, Amabile localizou bastante a sua
intervenção no domínio das organizações e empresas, criando alguns programas operatórios
(Keys: Assessing the Climate for Creativity; The Work Environment Inventory) capazes de se
constituírem em úteis instrumentos de intervenção.

Esta entrevista com Teresa Amabile é bastante esclarecedora, ainda que num espaço muito breve,
das linhas e potencialidades do seu importante trabalho. Fizemo-la, bem como ao programa que se
insere no Mestrado em Consumo, Mercados e Consumidores, da Escola de Gestão do ISCTE, com
o propósito de ajudar o desenvolvimento, em Portugal, dos estudos sobre a criatividade.

"As pessoas que estão familiarizadas com um trabalho num domínio específico, sabem quando
algo é criativo. Sabem identificar algo novo. Mas é bastante difícil exprimirem o que constitui as
características de um trabalho criativo".

"A componente do ato criativo em que tenho me concentrado é mais a componente da motivação.
Tenho verificado que as pessoas são mais criativas quando estão motivadas intrinsecamente.
As pessoas serão mais criativas quando forem motivadas principalmente pelo interesse, prazer,
satisfação e desafio do seu próprio trabalho, e não por pressões externas".

"Se as pessoas virem as recompensas como confirmação da sua competência, ajudando-as a um


maior envolvimento e empenho, isso apoia a motivação intrínseca e não tem efeitos negativos.
Mas os prêmios são usados nas organizações, na maior parte das vezes, de uma forma que
condiciona as pessoas, sem gerarem efeitos sinergéticos".

"A pressão do tempo pode ser um empecilho à criatividade.


É uma questão ambígua, pois se não há pressões de tempo também pode ser negativo. Mas a
maior parte das organizações tem o problema oposto - as pessoas literalmente não conseguem ter
tempo para explorar novas idéias, porque estão assoberbadas com o trabalho que é preciso
acabar".

"Não se integram as pessoas em projetos apenas com base nas suas capacidades, mas também
com base no que gostam de fazer, tentando articular os dois aspectos da melhor forma possível".

P - Ao procurar definir o campo da criatividade, adota o que designa por definição


consensual (consensual definition). Pode esclarecer-nos esse conceito?

Eu acredito que a criatividade é a produção de novas idéias que são também, de certo modo, úteis,
apropriadas, significativas e corretas. O que quer dizer que, para algo ser criativo, tem de ser
diferente do que foi feito antes, mas não pode ser meramente bizarro, tem de ter propósito, sentido,
tem de ser orientado para algum objetivo. Mas esta é uma definição conceitual, aceita, como
standard, pela maior parte dos investigadores da criatividade. Ora, é muito difícil operar com essa
definição, determinar, medir e avaliar, diretamente, criatividade com base nela. Assim sendo, o que
eu desenvolvi como processo de medida de criatividade foi uma definição e técnica consensual de
avaliação que passei a aplicar nas minhas pesquisas. É baseada no pressuposto de que as
pessoas que estão familiarizadas com um trabalho num domínio específico sabem quando algo é
criativo. Ou seja, pela sua experiência em contatar com atividades, com produtos, na sua área
própria, elas sabem identificar algo como novo, algo que funciona, que é útil. Mas é bastante difícil
para essas mesmas pessoas exprimirem o que constitui as características de um trabalho criativo,
mesmo que consigam reconhecê-lo quando confrontadas com ele.

Este é um fenômeno muito comum em psicologia. Por exemplo, verifica-se muito na atração física.
As pessoas podem avaliar a atração física; se lhes dermos fotografias, por exemplo, podem dizer,
numa escala de 1 a 10, até que ponto se sentem atraídas fisicamente. Encontraremos até pessoas
que podem concordar umas com as outras nessas avaliações, mas se as interrogarmos sobre o
que é que as atrai, por que é que esta ou aquela cara é atraente, vamos encontrar bastante
inconsistência no que as pessoas dizem. Nesta perspectiva, é isso que eu, basicamente, tenho em
conta nos estudos de criatividade: nós não perguntamos aos nossos avaliadores o que é que torna
uma coisa criativa, pedimos apenas que olhem para cada produto e o classifiquem numa escala
numérica do ponto de vista da sua dimensão criativa. Se usarmos avaliadores que estejam
familiarizados com aquele campo, que sejam, de algum modo, especialistas, os seus juízos
independentes articulam-se bastante bem, na maior parte das vezes. E aplicamos este método em
vários domínios: na criatividade artística, criatividade verbal, resolução de problemas, criatividade
nos negócios e em vários outros. É, essencialmente, a isto que chamamos técnica de avaliação
consensual.

P - Nessa perspectiva, o seu método assinala três componentes para a criatividade.

Efetivamente, há três componentes necessários a qualquer indivíduo para fazer trabalho criativo. A
primeira é expertise, também chamada “capacidades relevantes específicas (domain-relevant
skills)”. Trata-se do conhecimento numa área definida, onde a pessoa tenta ser criativa. Depende
da sua educação, experiência, treino informal, capacidades técnicas desenvolvidas, qualquer tipo
de aquisição naquele domínio. Por exemplo, não é possível fazer trabalho criativo em biologia
molecular a não ser que se saiba bastante sobre biologia molecular e isso constitui expertise
naquele campo.

Mas esta componente depende também, de algum modo, do talento, que é algo provavelmente
inato e que nos orienta para o trabalho e o pensamento numa área particular. Há pessoas que
possuem talentos verbais, outras talentos musicais, talentos matemáticos, etc. Todos esses
talentos iniciais impulsionam o caminho que é desenvolvido pela experiência, treino formal e
informal, tudo o que constitui a componente da expertise.

A segunda componente é a capacidade criativa, também chamada “processo de pensamento


criativo”. No meu livro (The Social Psychology of Creativity, 1983) chamo “capacidades criativas
relevantes (creativity-relevant skills)”. Esta componente pode ser aplicada a qualquer domínio, não
está confinada às áreas em que a pessoa é especialista. Trata-se, em suma, de uma maneira
pessoal de pensar os problemas, de os resolver, de olhar para o mundo em geral. É um estilo
cognitivo, digamos assim. Inclui um conjunto de técnicas cognitivas, táticas para produzir idéias
novas, tais como agarrar os problemas pelo avesso, ser capaz de apresentar novas perspectivas,
capaz de tolerar a ambiguidade, ou seja, sentir-se bem com algo que não está encerrado, que não
chegou ainda a uma conclusão, ser capaz de jogar com idéias diferentes. Outro aspecto importante
é o de se ser orientado para enfrentar riscos, ser independente e não conformista, no seu
pensamento e atitudes. Todos estes traços cognitivos e de personalidade tornam mais propício que
a pessoa surja com novas idéias aplicáveis, idéias criativas.

Também entendo que os estilos de trabalho fazem parte da componente das capacidades criativas.
É bem verdade que as pessoas que produzem um trabalho criativo notório, trabalham
intensamente, colocando bastante tempo e esforço na sua atividade. Isso também é uma
característica, uma aptidão, que parece relacionar-se com a criatividade.

Alguns destes aspectos, como disse, são, até certo ponto, inatos, podem ter que ver com a
personalidade básica, com a estrutura cognitiva básica do indivíduo, mas muitas capacidades
criativas podem ser aprendidas e desenvolvidas. A componente expertise pode ser, em grande
parte, aprendida; as capacidades criativas podem ser aprendidas, praticadas de muitas maneiras.
As pessoas podem aprender a tornar-se mais flexíveis no seu pensamento, mais fluentes, mais
originais.

Resta-nos a terceira componente:

A terceira componente, aquela em que eu me tenho concentrado mais, na minha pesquisa, é a


da motivação. O que tenho descoberto é que as pessoas são mais criativas quando estão
motivadas intrinsecamente. Isso significa ser motivado principalmente pelo empenho, desafio
pessoal, prazer, satisfação pelo próprio trabalho e não por fatores externos, motivações externas.
O que encontrei nas minhas pesquisas foi que, obviamente, a motivação intrínseca depende, até
certo ponto, das inclinações naturais da pessoa para fazer determinada coisa. Podemos, por
exemplo, gostar mesmo de ensinar, fazer música... Essa é a inclinação natural, a motivação
intrínseca natural. Mas o que descobrimos na nossa pesquisa é que o envolvimento social, o
ambiente social em que as pessoas estão enquanto fazem algo, pode conduzir a profundas
alterações na sua motivação intrínseca. Se tomarmos alguém muito intrinsecamente motivado para
fazer alguma coisa e o pusermos num ambiente que imponha muitos constrangimentos exteriores
e, por outro lado, ofereça imensas motivações externas, pode-se, na verdade, matar a motivação
intrínseca e, como resultante, mata-se a criatividade. Chamamos a isto o princípio da motivação
intrínseca da criatividade. As pessoas serão mais criativas quando forem motivadas principalmente
pelo interesse, prazer, satisfação e desafio do seu próprio trabalho e não por pressões exteriores.

P - A que pressões exteriores se refere?


A coisas, por exemplo, como recompensas. Se as pessoas sentem que estão fazendo uma coisa
tendo em vista a obtenção de uma recompensa, isso tende a limitar a criatividade. Se elas se
focam, primordialmente, na avaliação, no que alguém irá dizer, isso tende a provocar baixos
índices de motivação e de criatividade. Outro aspecto: sentir que se está sob vigilância, que se
está a ser analisado enquanto se trabalha, pode ter o mesmo efeito. A competição! A competição
dentro de um grupo, com os seus pares, pode minar a motivação e a criatividade.

No entanto, sem contradizer esses aspectos, acabou por desenvolver o conceito de “motivação
extrínseca sinergética”.

Acabamos por descobrir recentemente que há motivações extrínsecas que não têm estes efeitos
negativos. Podem mesmo ter efeitos positivos na motivação intrínseca e na criatividade. A isso
chamamos “motivação extrínseca sinergética”. Parece, por exemplo, que certo tipo de
recompensas podem estar neste âmbito. As recompensas tendem a ter um papel negativo quando
as pessoas as entendem como algo que procura controlá-las, subordiná-las. Mas se as
recompensas, as compensações, forem vistas como uma coisa que confirma a sua competência,
que mostra o valor e a apreciação pelo seu trabalho, isso pode não conduzir a uma limitação da
motivação e resulta até em efeitos positivos. (é contra ou reforça a teoria da expectativa de Victor
Vroom?)

Deixe-me dar-lhe um exemplo: se as pessoas estiverem numa organização onde vêem que
indivíduos ou equipes que fazem trabalho criativo acabam por receber alguma espécie de
recompensa, de reconhecimento por isso, parece não se sentirem controladas porque essa não foi
a razão pela qual elas fizeram o trabalho. A recompensa veio depois. Não se torna uma forma de
subordinação, mas uma manifestação de que o seu trabalho foi válido para a organização, que
elas deram um importante contributo e, nesse sentido, fomenta a motivação intrínseca.

Outro tipo de recompensa que é positiva é a que leva as pessoas a ficarem mais profundamente
empenhadas no trabalho. Estudei uma organização ‘high-tech’ com um sistema de recompensas
muito interessante. Se um grupo de cientistas ou engenheiros fazia um trabalho particularmente
bom, num projeto, era recompensado com recursos adicionais para os próximos projetos. Se
necessitasse de um novo equipamento, um supercomputador, algo assim, ou mesmo de um novo
técnico para o ajudar, essa organização recompensava o bom trabalho com recursos adicionais
para os projetos seguintes, o que levava as pessoas a ficarem ainda mais profundamente
envolvidas e entusiasmadas com o que estavam fazendo. É o que eu chamo “motivação extrínseca
sinergética”. Se as pessoas virem as recompensas como confirmação da sua competência,
ajudando-as a um maior envolvimento e empenho, isso apóia a motivação intrínseca e não tem
efeitos negativos. Contudo, isto não é um assunto nada fácil e penso que quando os prêmios são
usados numa organização, na maior parte das vezes são-no de formas que condicionam as
pessoas, sem gerarem efeitos sinergéticos.

P - Isso leva-nos, de algum modo, aos métodos e processos de desenvolver criatividade.


Qual é a sua posição neste campo?

Há inúmeras tentativas de promover criatividade. Muitas têm que ver com ensinar às pessoas
técnicas de pensamento criativo, como a de brainstorming de Osborn, por exemplo, as técnicas de
resolução de problemas, as de Edward de Bono, etc. Isso situa-nos na segunda componente da
criatividade - as capacidades criativas. A minha investigação não se foca aí e devo dizer que sou
muito cautelosa face a esses programas de treinamento, simplesmente porque não há muitos
dados de prova credíveis sobre os seus efeitos e a respectiva dimensão. Em qualquer caso, não é
esse o foco do meu trabalho pessoal. A minha preocupação é saber como podem os gestores
construir um ambiente de trabalho que promova a motivação intrínseca. O que digo é que as três
componentes são importantes. Assumo que as organizações e empresas contratam as pessoas
com base na sua alta expertise e, a partir daí, têm que ajudar as pessoas a desenvolvê-la. Um
grande número de organizações é muito boa nisso. Algumas tentam ajudar as pessoas a
desenvolver capacidade de pensamento criativo. Provavelmente algumas até conseguem ajudar.
Não é um assunto a desprezar. É uma espécie de material básico de que a pessoa dispõe no
sentido de ser criativa. Mas só se pode ser verdadeiramente criativo se for motivado
intrinsecamente. Pode ter-se muita expertise, mas se não se for motivado interiormente a realizar o
que se está fazendo, acaba por se fazer as coisas não de uma forma criativa, mas meramente por
fazer. Sinto que a componente da motivação é aquela em que os gestores têm de ter uma ação
mais influente, na forma como se constrói o ambiente de trabalho, e refiro-me sobretudo ao
ambiente social. Isso pode afetar a motivação de cada um permanentemente. Pode-se matar a
motivação de alguém, impondo demasiados constrangimentos, ou pode-se estimular a motivação
intrínseca, promover a sua criatividade, através de mudanças no ambiente de trabalho.

P - Que tipo de mudanças?

Primeiro, penso que é importante evitar matar a criatividade, analisando o que fazemos dentro das
organizações que entrava freqüentemente a criatividade e procurando eliminar esses fatores.
Aquilo a que chamamos os empecilhos organizacionais à criatividade inclui problemas de política
organizacional, confrontos sobre territórios, controles, propriedade de idéias, atmosferas que são
hostis a qualquer idéia, venha de quem vier. Ou então, quando nos focamos na manutenção do
statu quo, mantendo as coisas como estão, como sempre funcionaram... Aliás, tenho detectado
que uma organização que tem muitos problemas de política interna, também tende a ter uma
atitude negativa face a novas idéias. É, pois, importante para os líderes, gestores e executivos
tentarem perceber quais são os empecilhos da sua organização à criatividade, procurando reduzi-
los.

Também detectamos que a pressão do tempo pode ser um empecilho à criatividade. É uma
questão ambígua, porque se não há pressões de tempo isso também pode ser negativo. Mas a
maior parte das organizações tem o problema oposto, pelo menos neste país, e as pessoas,
literalmente, não conseguem tempo para explorar novas idéias porque estão assoberbadas com o
trabalho que é preciso acabar. É um forte impedimento e os gestores têm de pensar como ajustar a
concretização de um trabalho com a necessidade de altos níveis de criatividade, de uma pessoa ou
de uma equipe, de forma a possuírem suficiente tempo e espaço para trabalhar num problema.

Tenha-se em conta, também, o estímulo da criatividade e há várias coisas que se podem pôr em
campo para isso. Uma das mais importantes é um sentido de desafio positivo no trabalho, de forma
que as pessoas sintam que estão a funcionar a um alto nível das suas capacidades, a desenvolver
a sua competência. Esse nível ótimo de capacidades só pode ser obtido se as pessoas estiverem
bem colocadas, porque o que pode ser um nível ótimo para você, pode ser demasiado difícil para
mim. Por isso, não estarei a ser positivamente desafiada. Ou pode ser demasiado fácil, pelo que se
torna aborrecido. O que quero dizer é que os gestores, quando contratam pessoas ou as nomeiam
para projetos, têm de perceber os indivíduos e as suas competências, assim como os seus
interesses. Não se integram as pessoas em projetos apenas com base nas suas capacidades mas
também baseado no que gostam de fazer, tentando articular os dois aspectos da melhor forma
possível.

P - Estamos, pois, a referir-nos a fatores que têm profunda implicação nas características
mais gerais das empresas ou organizações?

Sem dúvida. A liberdade é outro fator que pode influenciar a criatividade. É importante dar às
pessoas alguma forma de auto controle, de domínio sobre o que estão a fazer, deixá-las tomar o
máximo de decisões que possam sobre a forma como irão atingir os objetivos que têm no seu
trabalho.

Também verificamos que o trabalho de grupo pode ser importante. Hoje, nas organizações, grande
parte do trabalho que resulta é feito por equipes. As interações que se estabelecem dentro delas
são muito importantes. Tem de haver um bom circuito comunicativo, um sentido de confiança e de
empenho mútuo e um espírito receptivo, aberto a novas idéias, dentro do grupo. Outro aspecto é a
importância do líder do grupo, sob diversas formas. Primeiro, tem de definir estratégias claras para
o projeto e certificar-se de que todos as entendem e assumem. Mas dentro dos objetivos tem de
proporcionar liberdade às pessoas, tal como referimos, dar-lhes a possibilidade de decidir como
alcançar os objetivos e a liberdade de explorar idéias alternativas. Porque se não há autonomia,
não se conseguem soluções criativas. As pessoas farão apenas aquilo que faziam antes.

Os supervisores dos projetos exercem um papel marcante na dinamização da comunicação dentro


do grupo e entre este e o resto da organização.

Ao nível organizacional, o encorajamento é também muito importante. Tem a ver com o grau de
colaboração entre projetos, entre unidades da organização, o grau de comunicação e a abertura a
novas idéias. Já falamos no papel destes aspectos, ao nível dos grupos, mas ele tem também de
estar presente em toda a estrutura. É importante possuir mecanismos para produção de novas
idéias, incluindo uma pessoa ou um lugar aonde as pessoas se dirigem para esse efeito.

Deve haver alguma espécie de recompensa e reconhecimento pela criatividade. Já falamos nos
problemas que isso coloca, mas, tomando tudo em conta, tem de se considerar a sua existência.

Os recursos são igualmente um ponto influente. Basicamente, tem de se possuir materiais, os


fundos, a informação, as pessoas necessárias. Mas podem surgir situações ambivalentes: abaixo
de determinado nível de recursos, é muito difícil fazer trabalho criativo. As pessoas podem ter
capacidades criativas, mas estão demasiado limitadas para as exercer. Por outro lado, se
houverem recursos acima de certo nível, não se vai necessariamente ser mais criativo. Não é,
portanto, uma função linear.

Todos estes indicadores que referimos são dos mais importantes no ambiente de trabalho que
suporta a motivação intrínseca e a criatividade. O reconhecimento disto baseia-se, atualmente, em
inúmeros estudos, feitos por nós e por outros, nas próprias organizações, analisando equipes,
situações e as organizações no seu conjunto.

P - Quais são, presentemente, os seus grandes desafios no campo dos estudos da


criatividade?

Penso que a próxima questão com que temos de nos confrontar, como investigadores, é saber
como é que estes ambientes positivos ou negativos se desenvolvem. Nós não conhecemos
verdadeiramente o que leva, no dia-a-dia, as pessoas a sentirem que, por exemplo, têm ou não
liberdade no seu trabalho, que a sua organização está aberta ou fechada a novas idéias. O que
tentamos perceber, neste momento, nas nossas pesquisas é, especificamente, o que é que os
gestores dizem e fazem, no quotidiano, que conduz a ambientes positivos ou negativos para a
criatividade. O que é que acontece dentro das equipes? O que fazem os líderes de equipes? Os
supervisores de projeto?

Creio que é importante este olhar microscópico, quer no plano teórico, para podermos,
efetivamente, compreender os mecanismos que determinam a criatividade, quer também do ponto
de vista prático. Eu não quero ser apenas capaz de dizer aos gestores que dêem liberdade às
pessoas. Quero poder dizer-lhes especificamente o que é que eles fazem que leva as pessoas a
sentirem que não têm liberdade. Acredito que não temos grande percepção do impacto dos nossos
comportamentos no ambiente que envolve as outras pessoas. Para mim, este é o próximo grande
desafio.

Lecciono, na Harvard Business School, um curso chamado Entrepreneurship, Creativity and


Organizations, no qual ajudo os estudantes a perceberem o que é a criatividade e como podem
mantê-la viva dentro deles próprios, bem como o enorme impacto que podem gerar, como
empresários ou gestores, ao promoverem um ambiente de criatividade no interior das respectivas
organizações. As suas ações podem decidir, dramaticamente, se a criatividade é alimentada ou
abafada.

Através da minha pesquisa tenho detectado que os gestores tendem a matar a criatividade, muitas
vezes sem intenção, ao implementarem ações que visam assegurar o controle sobre uma
organização ou ao gerirem os seus processos. O abuso de meios como avaliações, vigilâncias,
competições e sistemas de recompensa podem minar a criatividade das pessoas ao abalar a sua
motivação. Assim, abordamos, neste curso, o que é a motivação, qual o tipo de motivação mais
favorável à criatividade e que espécie de ambiente organizacional pode favorecê-la. Discutimos,
também, como se podem desenvolver idéias criativas de forma a que elas resultem em inovações
bem sucedidas.

Parte do nosso trabalho compreende o estudo de pessoas criativas em várias disciplinas, incluindo
os negócios, as artes e as ciências. Exploramos, inclusive, a criatividade envolvida na formação de
empresas, em pô-las de pé e mantê-las com êxito. Um aspecto que eu sublinho é que implementar
uma idéia de negócio é um processo tão criativo como gerar a idéia original.

As metodologias que abordo aplicam-se tanto a start-ups como a empresas já bem estabelecidas.
E o que é excitante é que o curso se dirige a uma vasta variedade de estudantes - dos que pensam
começar o seu próprio negócio aos que querem ir para a publicidade, para o marketing ou para a
área do entretenimento, dos que desejam consagrar-se à pesquisa e à inovação aos que desejam
a gestão ou atividades gerais.

Fico sempre impressionada, não só pela inteligência dos alunos como pelo intenso entusiasmo que
eles trazem para a sala de aulas. Particularmente compensador é estabelecer contacto com os
estudantes, saber como é que eles estão a usar os conceitos apreendidos no âmbito das suas
atividades. É um importante e agradável princípio, na Harvard Business School, esta manutenção
das relações escolares.

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