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A BASE MOLECULAR E BIOQUÍMICA DAS DOENÇAS

GENÉTICAS

Algumas doenças genéticas são provocadas por defeitos enzimáticos ou por outras causas como as descritas a seguir.
As enzimas são catalisadores biológicos que medeiam a conversão de um substrato em um produto. Um erro
metabólico hereditário é uma doença bioquímica geneticamente determinada na qual um defeito enzimático produz
um bloqueio metabólico que pode originar uma doença. A maioria desses erros é herdada como uma característica
recessiva.

Defeitos do Metabolismo dos Aminoácidos

1. HIPERFENILALANINEMIAS

São as anomalias que levam a um aumento no nível sanguíneo de fenilalanina.


Causas: as anomalias genéticas do metabolismo da fenilalanina são decorrentes de mutações no gene que codifica a
fenilalanina hidroxilase (PHA) ou nos genes necessários para a síntese de seu co-fator, a tetraidrobiopterina
(BH4). A mais comum dessas anomalias é a fenilcetonúria clássica (PKU).
Na fenilcetonúria clássica ocorre a deficiência da enzima fenilalanina hidroxilase, a enzima que converte a
fenilalanina em tirosina (fig.1). Devido a sua incapacidade de degradar a fenilalanina, os pacientes com PKU
acumulam este aminoácido no sangue, prejudicando o desenvolvimento do sistema nervoso central no início da
lactância. Uma pequena fração da fenilalanina total é metabolizada por vias alternativas produzindo ácido
fenilpirúvico e outros metabólitos secundários, que são excretados na urina.
Sinais clínicos: As crianças fenilcetonúricas parecem normais ao nascerem, mas se tornam progressivamente
retardadas, hiperativas, irritáveis e espásticas. Podem ainda apresentar microcefalia e eletroencefalograma anormal.
Através de uma triagem neonatal (teste do pezinho) , realizado poucos dias após o nascimento, pode-se diagnosticar
os afetados e iniciar o tratamento. Os afetados apresentam uma taxa elevada de fenilalanina no sangue.
Tratamento: visa restaurar os níveis normais da fenilalanina sanguínea. A criança é mantida em uma dieta pobre de
fenilalanina. Entretanto a fenilalanina é um aminoácido essencial e suplementos adequados são necessários ao
crescimento e desenvolvimento normais..
Padrão de herança: todos os tipos de hiperfenilalaninemias são autossômicos recessivos.

Fenilcetonúria Materna
Os homozigotos afetados quando tratados desde a infância levam uma vida normal, podendo ter filhos. Mas as
mulheres homozigotas para PKU devem manter a dieta quando grávidas, pois taxas elevadas de fenilalanina podem
provocar danos ao feto, causando retardo mental, microcefalia, prejuízo de crescimento e malformações cardíacas
(independente do genótipo do feto).

Diidroxifenilalanina  Melanina
(DOPA)
Fenilalanina Tirosinase
hidroxilase 2

Fenilalanina Tirosina
1

Ac. fenilpirúvico ac. p-hidroxi- fenilpirúvico

Fig;. 1. Via metabólica da fenilalanina mostrando alguns bloqueios. 1. Fenilcetonúria clássica.


2. Albinismo.
2. ALBINISMO

Causa: no tipo clássico de albinismo ocorre a falta da enzima tirosinase no melanócito, provocando um bloqueio na
via metabólica que leva a tirosina até a melanina, através da DOPA ( 3, 4-diidroxifenilalanina) (fig. 1).
Sinais clínicos: ausência de melanina no cabelo, na pele e na íris, fotofobia, astigmatismo, nistagmo e diminuição da
acuidade visual, além de serem susceptíveis ao câncer de pele.
Padrão de herança: autossômica recessiva.

Defeitos do Metabolismo dos Carboidratos


1. GALACTOSEMIA

Causa: A forma clássica de galactosemia resulta da deficiência da enzima galactose-1-fosfato uridiltransferase, que
converte a galactose-1-fosfato em glicose-1-fosfato. Em conseqüência deste bloqueio acumula-se galactose nas
células sanguíneas, no fígado, cérebro e rins. O diagnóstico pode ser feito pela triagem neonatal, fazendo-se a
dosagem da atividade da enzima galactose 1-fosfato uridiltransferase no plasma.
Sinais clínicos: vômitos, diarréia, desidratação, falta de desenvolvimento, catarata, hepatoesplenomegalia, retardo
mental, galactosúria e insuficiência ovariana nas mulheres. Estes sinais só ocorrem se os pacientes forem mantidos
numa dieta rica em leite.
Tratamento: Eliminação da galactose da dieta o mais cedo possível.
Padrão de herança: autossômica recessiva

2. GLICOSE

Temos aqui os tipos de DIABETES MELLITUS . As causas destes distúrbios são heterogêneas e incluem fatores
ambientais e genéticos. Os distúrbios estão associados a níveis altos de glicose plasmática (hiperglicemia), podendo
causar ainda cegueira, derrame cerebral, doenças cardíacas, insuficiência renal, lesões de difícil cicatrização e
amputação de membros inferiores. A tríade clássica dos sintomas da diabetes são: poliúria (aumento do volume
urinário), polidipsia (sede aumentada e aumento de ingestão de líquidos) e polifagia (apetite aumentado)
A diabetes mellitus tipo 1 (insulino-dependente) está associada a níveis reduzidos ou ausentes de insulina
plasmática e geralmente se apresenta antes dos 40 anos de idade. Os pacientes precisam receber insulina exógena para
sobreviver. Esta forma de diabetes é caracterizada por infiltração de células T no pâncreas e destruição das células
produtoras de insulina.
A diabetes mellitus tipo 2 (não insulino-dependente) corresponde a mais de 90% de todos os casos de diabetes.
Neste caso há alguma produção de insulina endógena e a doença pode em geral ser tratada pela modificação dietética
e/ou por drogas orais.Ocorre geralmente entre pessoas com mais de 40 anos. .
A diabetes gestacional se desenvolve durante a gravidez e pode melhorar ou desaparecer após o nascimento
do bebê. Embora possa ser temporária, ela pode trazer danos à saúde do feto e/ou da mãe, e cerca de 20% a 50% das
mulheres com diabetes gestacional desenvolvem diabetes tipo 2 mais tardiamente na vida.Ela é temporária e
completamente tratável mas, se não tratada, pode causar problemas com a gravidez, incluindo macrossomia fetal
(peso elevado do bebê ao nascer), malformações fetais e doença cardíaca congênita.

a b c d e

Pé diabético: (a) úlcera, (b) necrose, (c) amputação de dedos. Homem diabético: (d) antes e (e) após
tratamento com insulina.
Defeitos no Metabolismo das Purinas
SÍNDROME DE LESCH-NYHAN

Causa: mutações no locus da enzima hipoxantina guanina fosoforribosil transfease (HPRT)


Sinais clínicos: insuficiência renal, superprodução de ácido úrico, espasticidade, retardo mental,
automutilação compulsiva com destruição dos lábios e dedos provocada pelas mordidas do paciente.
Padrão de herança: recessiva ligada ao X.

Doenças de Armazenamento Lisossômico

Os lisossomos são organelas delimitadas por membranas contendo enzimas hidrolíticas envolvidas na degradação de
várias macromoléculas biológicas. Os defeitos genéticos destas hidrolases levam ao acúmulo de seus substratos
dentro do lisossomo, o que resulta em disfunção celular e, às vezes, em morte celular.

1. DOENÇA DE TAY-SACHS

Causa: deficiência da enzima hexosaminidase A (hex A) resultando na inabilidade em degradar


um esfingolipídeo, o gangliosídeo GM2 (lipídeo do sistema nervoso) que se acumula no cérebro
Sinais clínicos: as crianças afetadas parecem normais até cerca de 3 a 6 meses de idade, mas
gradualmente sofrem uma deterioração neurológica progressiva até a morte, que se dá entre 2 a 4
anos. Os pacientes apresentam um retardo progressivo no desenvolvimento, convulsões, paralisia,
cegueira e um ponto vermelho-cereja na retina, circundada por uma mácula clara.
Padrão de herança:autossômica recessiva.

2. MUCOPOLISSACARIDOSES (MPS)

As mucopolissacaridoses são um grupo heterogêneo de doenças de armazenamento lisossômico no qual os


mucopolissacarídeos (GAGs) acumulam-se nos lisossomos em conseqüência de uma deficiência em uma das
enzimas necessárias à sua degradação. As GAGs não degradadas apresentam-se na urina, onde podem ser detectadas
por testes de triagem.
As duas primeiras mucopolissacaridoses reconhecidas foram a síndrome de Hunter e a síndrome de Hurler. Elas
foram denominadas “gargoilismo” em função das feições grosseiras das pessoas afetadas.

2.1. SÍNDROME DE HURLER (MPS tipo 1)

Causa: deficiência da enzima alfa-L-iduronidase.


Sinais clínicos: retardo mental, baixa estatura, anomalias esqueléticas, opacidade da córnea,
hidrocefalia, rigidez das articulações e morte antes dos 10 anos de idade. O diagnóstico é feito entre
os 6 e os 18 meses de idade.
Padrão de herança: autossômico recessivo.

2.2. SÍNDROME DE HUNTER (MPS tipo 2)

Causa: deficiência da enzima iduronato sulfatase.


Sinais clínicos: similar à síndrome de Hurler, mas com progresso mais lento e sem opacidade da
córnea.
Padrão de herança: recessiva ligada ao X.
Defeitos de Proteínas Receptoras

HIPERCOLESTEROLEMIA FAMILIAR: uma Hiperlipoproteinemia Genética

As hiperlipoproteínemias genéticas são de significado clínico em função de seu papel no infarto do miocárdio, uma
importante causa de morte e incapacidade. Elas são caracterizadas por níveis elevados de lipídeos plasmáticos
(colesterol, triglicerídeos, ou ambos) e de lipoproteínas plasmáticas específicas.

A hipercolesterolemia familiar é uma doença genética causada pela deficiência do receptor LDL (principal proteína de
transporte do colesterol no plasma). Ela leva a um acúmulo excessivo de LDL no plasma, produzindo níveis muito
altos de colesterol plasmático. O colesterol é um lipídio e apesar da má fama, é um composto essencial para a vida,
estando presente nos tecidos de todos os animais. É obtido por meio de síntese celular (colesterol endógeno -70%) e
da dieta (colesterol exógeno- 30%). Níveis elevados de LDL,(“mau colesterol”) estão associados com os altos índices
de doenças cardiovasculares, enquanto nível elevado de HDL (“bom colesterol”) está associado com baixos índices
de doenças cardiovasculares.

Padrão de herança: autossômico dominante.


Esta doença causa aterosclerose grave. Tanto os heterozigotos como os
homozigotos desenvolvem doença cardíaca prematura em conseqüência de
ateromas (depósitos de colesterol derivado de LDL nas artérias coronarianas),
xantomas (depósitos de colesterol na pele e tendões), vistos nas figuras ao
lado, e arcus corneae (depósitos de colesterol ao redor da periferia da córnea).
Nos homozigotos a doença é mais grave e se manifesta mais cedo. Neles há uma maior redução no número de
receptores de LDL e de maior elevação de colesterol LDL no plasma. Eles podem ter doença cardíaca coronariana
clinicamente significativa na infância e poucos vivem além da terceira década. Embora a forma homozigota seja rara
(1 pessoa em 1 milhão), a forma heterozigota tem uma freqüência de 1 em 500. Os heterozigotos têm níveis de
colesterol plasmático que são cerca do dobro dos controles.
O diagnóstico precoce é fundamental para a prevenção primária desta doença, uma vez que pode prevenir o
processo aterosclerótico na criança e existe terapia disponível sob a forma de alteração de estilo de vida,
pela utilização de fármacos que diminuem o nível de colesterol.
 
Defeitos de Transporte
FIBROSE CÍSTICA (CF)

Sinais clínicos: os pulmões e o pâncreas exócrino são os principais órgãos afetados pela doença, mas uma importante
característica diagnóstica é o aumento das concentrações de cloreto no suor devido a problemas nas glândulas
sudoríparas (resultantes do defeito de transporte de Cl-). A doença pulmonar obstrutiva crônica desenvolve-se como
um resultado de secreções espessas e infecções recorrentes e as deficiências de enzimas pancreáticas ( lípase, tripsina,
quimiotripsina), impedem uma digestão normal. A obstrução pós-natal do trato intestinal inferior (mecônio íleo)
ocorre em 10 a 20% dos neonatos com CF. O trato genital também é afetado ( mais de 95% dos homens com CF são
inférteis). A morte resulta de insuficiência pulmonar e infecções.
Tratamento: no momento o tratamento da CF é dirigido para o controle da infecção pulmonar e a melhoria
nutricional. Como resultado de melhores antibióticos, fisioterapia respiratória e reposição com enzimas pancreáticas,
as taxas de sobrevida dos pacientes com CF melhoraram muito nos últimos anos.
Padrão de herança: autossômico recessivo

Referências Bibliográficas

THOMPSON & THOMPSON. Genética Médica. 6ª edição. Ed. Guanabara Koogan. Rio de Janeiro. 2002.
JORDE, L.B, et al. Genética Médica. Ed. Guanabara Koogan. 2ª edição. Rio de Janeiro. 2000.
BORGES-OSÓRIO, M,R.; ROBINSON, W.M. Genética Humana. Ed. Artes médicas Sul Ltda. R.S. 1993.

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