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CLÁSSICOS I N Q U É R I T O

Tenro -12

HORÁCIO

ARTE POÉTICA
Introdução, Tradução e Comentário de
K. M. Rosado Fernandes
da
faculdade de Letras de Lisboa

IHQPgRITO

EDITORIAL I N Q U É R I T O LIMITADA
LISBOA

V
N O T A Ã PRESENTE E D I Ç Ã O

À MEMÓÍUA DO MEU QUERIDO MESTRE


Esteve uma anterior edição portuguesa da Arte
PROF. SCARLAT LA MB RI NO
Poética boraciana esgotada durante vários anos. Por
ser peça indispensável para a compreensão da feitu- H EM LEMBRANÇA
ra da obra literária, por ter influenciado até ao sé- DA SUA GRANDE BONDADE
culo XVIII a literatura ocidental, foi essa edição pro- E VASTA ERUDIÇÃO.
curada. Por ser procurada, tornou-se rara e, uma
vez quase desaparecida, tem sido submetida ã tor-
tura de fotocópias sem número. Não se sabe como
se sentem os livros, mas alegramo-nos com a pre-
sente edição da Inquérito, que aparece quase inal-
terada, excepto no que respeita a indicações biblio-
gráficas, que foram actualizadas, e a dois ou três
casos do texto português, que foram melhorados.
PREFÁCIO

A presente edição tem como único fim proporcionar


mais um instrumento de trabalho aos estudiosos portu-
gueses interessados no conhecimento da teoria literária
antiga e da sua influência nas literaturas modernas. Fal-
tava-lhes, com-efeito, desde há muito tempo, uma tra-
dução portuguesa da Arte Poética horaciana e faltava-
-Ihes, sobretudo, a edição desta, acompanhada por um
comentário actualizado. Este lhes permitirá averiguar
em que medida progrediu, neste nosso século, a ciência
filológica ocupada em esclarecer este texto fundamental
de Horácio.
Tal carência foi a razão mais preponderante, sem
falar do meu gosto por Horácio, que me levou a abordar
o assunto e a levá-lo a cabo, muito embora não igno-
rasse as dificuldades e as contingências de tal empreen-
dimento.
Não deve o leitor procurar, no que se lhe apresenta
no comentário, originalidade de métodos e de matérias.
Não é possível, sem ser a longo prazo, fazer investiga-
ções originais sobre o texto da Arte Poética, pois a bi-
bliografia'fundamental sobre o assunto amontoa-se desde
há séculos e, ainda que de qualidade desigual, a verdade
é que o seu conhecimento se torna indispensável. Ora ele

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só é materialmente possível, pela leitura aturada de da forma, ou seja, d a língua e da estrutura do discurso
vários anos. horaciano. |
No entanto, para suprir essa lenta posse de conheci- O' texto latino fundamenta-se fprmfcipalrnenite nos
mentos e idéias, decidi tomar como fontes orientadoras textos estabelecidos por Villeneuve e Klingner, cujas
da rainha informação os estudos mais modernos sobre edições estão citadas na bibliografia. Só se introduziram algu- 1

Horácio e a sua Arte Poética, entre os quais se salientam mas ligeiras alterações n o tocante à ortografia, como,
os de Rosíagni, Perret e, muito especialmente, o de p . e x . , na substituição de uolt por tmlt (v. 348), a fim
Brink. A estes utilizei-os profusamente. de facilitar a compreensão dos versos horacianos a o leitor
Quanto ao plano, é este livro, por assim dizer, canó- menos versado na leitura do 'latim. Oxalá esta edição- lhe
nico. Na introdução, situei a Arte Poética no meio am- sirva de algum auxílio.
biente em que foi criada e assim também no lugar que Cumpre-me recordar agora a contribuição dada a
lhe compete no brilhante processo e evolução da obra este trabalho pelo Prof. Scarlat Lambrino que a morte
horaciana. Não descurei igualmente a problemática que aeafxnu de roubar, tão' bruscamente, à nossa convivên-
subsiste, no que respeita a estrutura do poema, as suas cia. Ele leu e melhorou o original com várias sugestões
fontes e a sua finalidade. P o r fim, tomei em considera- ditadas pelo espírito crítico, severo e justo, que todos
ção as edições portuguesas da Arte Poética, para que o lhe conhecíamos. T a m b é m ele deveria ter escrito o pre-
leitor possa fazer uma idéia segura do interesse desper- fácio para esta edição, se a morte o não tivesse sur-
tado, no nosso país, por este texto. preendido no meio dos seus trabalhos. Todas as palavras
Na tradução, que confronta o texto latino, procurei são poucas para descrever a sua acçao benéfica de di-
observar com fidelidade o texto original, fazendo o pos- dacta e investigador, mas estou certo de que a obra dos
sível para que o leitor o sinta cm todas as suas caracte- seus discípulos a comprovará largamente, pois, através
rísticas de documento literário, feito por um espírito deles, a sua figura continuará a viver.
perspicaz e crítico. Reata-me agradecer a o Prof. Prado Coelho o interesse tl
No tocante ao comentário, é ele o mais completo pos- que demonstrou na publicação deste trabalho le a o meu ;íí:
sível, sem que esteja demasiado sobrecarregado por mi- A m i g o Antônio Coimbra Martins a paciência com que i
nudências inúteis, que em nada facilitam a compreensão leu o original^ e a s sugestões com q u e enriqueceu este y
do texto e que não interessam senão ao especialista. íívto. Desejo finalmente lembrar a colaboração' dada pelo
Atendi sobretudo às dificuldades levantadas pelo con- Dr. Victor Buescu n a comecção das provas tipográficas
teúdo, mas esclareci também os aspectos mais insólitos e no melhoramento de vários pormenores.

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INTRODUÇÃO

H O R Á C I O E A SUA A R T E P O É T I C A

Foí na Apúlía e mais precisamente Vida


em Venúsía que Quintus Horatius Na8c, 65 a.C.
Flaccus nasceu, em 8 de Dezembro
de 65 a.C. Ele próprio o diz nas Odes., I I , 17, 17 e
segs., referindo-se aos signos astrais que presidiram ao
seu nascimento. Filho de um libertas (escravo forro)
que, entretanto, grangeara uma posição e uma pequena
quinta, foi enviado por seu pai a estudar em Roma
com o retor Orbilius, sentando-se nos mesmos bancos
que os filhos de senadores e cavaleiros, seus condis-
cípulos.'
Continuará os estudos em Atenas e, aos vinte anos
(44 a . C . ) , alistar-se-á no exército de Bruto como tri-
bunus militum, voltando a Roma em 42, depois ido
desastre de Filipos, que levara Bruto ao suicídio.
N o retorno a Roma espera-o a adversidade: o pai
morrera, e a pequena quinta, que possuía, fora confis-
cada. A pobreza esperava-o, pois, e só com o trabalho
quotidiano a poderia Horácio enfrentar. Emprega-se
então como scriba quastorius, ou seja, qualquer coisa

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só é materialmente possível, pela leitura aturada de da forma, ou seja, da língua e da estrutura do discurso
vários anos. horaciano.
No entanto, para suprir essa lenta posse de conheci- O texto latino fundamenta-se pr mt ipaimente nos
mentos e idéias, decidi tomar como fontes orientadoras textos estabelecidos por Villeneuve e Klingner, cujas:
da minha informação os estudos mais modernos sobre edições estão citadas na bibliografia. Só se introduziram algu-
Horácio e a sua Arte Poética, entre os quais se salientam mas ligeiras 'alterações no tocante à ortografia, como,
os de Kostagni, Perret e, muito especialmente, o de p. e x . , n a substituição de uolt por uult (v. 348), a fim
Brink. A estes utilizei-os profusamente. de facilitar a compreensão dos versos horacianos a o leitor
Quanto ao plano, é este livro, por assim dizer, canó- menos versado na leitura do' 'latim. Oxalá esta edição lhe
nico. Na introdução, situei a Arte Poética no meio am- sirva de algum aruxAio.
biente em que foi criada e assim também no lugar que Cumpre-me recordar agora a contribuição dada a
lhe compete no brilhante processo e evolução da obra este trabalho pelo Prof. Scarlat Lambrino que a morte
horaciana. Não descnrei igualmente a problemática que acabou de roubar, tão bruscamente, à nossa convivên-
subsiste, no que respeita a estrutura do poema, as suas cia. Ele leu e melhorou o original com várias sugestões
fontes e a sua finalidade. Por fim, tomei em considera- ditadas pelo espírito crítico, severo e justo, que todos
ção as edições portuguesas da Arte Poética, para que o lhe conhecíamos. Também ele deveria ter escrito o pre-
leitor possa fazer uma idéia segura do interesse desper- fácio para esta edição, se a morte o não tivesse sur-
tado, no nosso país, por este texto. preendido no meio dos seus trabalhos. Todas as palavras
Na tradução, que confronta o texto latino, procurei são poucas para descrever a sua acção benéfica de di-
observar com fidelidade o texto original, fazendo o pos- dacta e investigador, mas estou certo de que a obra dos
sível para que o leitor o sinta em todas as suas caracte- seus discípulos a comprovará largamente, pois, através
rísticas de documento literário, feito por um espírito deles, a sua figura continuará a viver.
perspicaz e crítico. Rcsta-mc agradecer a o Prof. Prado Coalho o> interesse
No tocante ao comentário, é ele o mais completo pos- que demonstrou na publicação deste trabalho e a o meu
sível, sem que esteja demasiado sobrecarregado por mi- A m i g o Antônio Coimbra Martins a paciência com que
nudências inúteis, que em nada facilitam a compreensão leu o original e à s sugestões com que enriqueceu este i
do texto e que não interessam senão ao especialista. livro. Desejo finalmente lembrar a colaboração dada pelo
Atendi sobretudo às dificuldades levantadas pelo con- Dr. Victor Buesou n a correcção das provas tipográficas
teúdo, mas esclareci também os aspectos mais insólitos e no melhoramento de vários pormenores.
a poesia, comprazendo-se em publicar poemas que, ainda;
como amanuense do Ministério das Finanças, setm que,
na juventude, o tornam célebre.
todavia, deixasse a ocupação que lhe era mais agradável,
a publicação de versos, que o ajudava a aumentar o
A obra poética que nos deixou é o Obra poética
pecúlio mensal.
reflexo da sua personalidade equili-
Foi exactamente nesta fase difícil que travou conhe-
brada, sem ser demasiado satisfeita, do seu carácter am-
cimento com Vário e Virgílio que o apresentaram a Me-
bicioso, sem que por isso fosse possuído por eterno des-
cenas, proporcionando-lhe, por volta de 38 a.C., um
contentamento. Combinava um bom-gosto muito seu,
lugar no círculo de literatos que se reunia na casa do
uma ironia prazenteira e um labor incansável, com os
grande benfeitor das letras. Com esta entrada para
resultados da sua experiência poética, com a leitura da
aquela sociedade de artistas e escritores, começará para
poesia grega e romana e com os conhecimentos teóricos
Horácio uma nova era de suoesso literário, de melhoria
que aprendera na escola de Orbílio, nas escolas de Atenas
financeira e uma longa amizade com Mecenas e alguns
e nos estudos que fez pala vida fora.
dos poetas protegidos por este. Também, como conse-
Desta sorte, a sua obra — em que a té^v^ (ws)
qüência natural do meio que passara a freqüentar, as
grega se combina admiràvelmente com o Italum facetum
suas relações sociais estenderam-se às personalidades do-
e com a ironia que ao poeta era peculiar — , ainda que
minantes da Roma de então e chegaram mesmo ao pró-
apresente certa diversidade, não deixa de estar unida
prio imperador que igualmente passou a protegê-lo. Al-
interiormente pelo seu equilíbrio e bom senso estético.
guns anos depois, já Horácio estava definitivamente
•liberto das preocupações financeiras e na posse reconfor-
Horácio inicia-se e dá-se a conhecer Epodos
tante de uma propriedade na região sabina, que, com a
sua casa de Roíma, formava um dos dois polos que deli- ao grande público com os Epodos

mitavam a sua existência de homem e die artista. Eim (:iambi) tem número de dezassete, compostos entre 41! e

Roma, desejava ter a tranqüilidade, a simplicidade que 31i a.C. e publicados em 30. Embora ainda incipiente

o esperavam na sua quinta. Uma vez nesta, porém, logo e imaturo, o poeta já aqui nos traz inovações importan-

ihe voltava o spleen da vida turbulentamente intelectual tes, como ale próprio diz, ao 'dar a conhecer ao Lácio
do meio artístico de Roma. os jambos de Arquíloco de Paros {Epíst., I, 19, 23-5).
Neles se ocupa da crítica social e política—-não tão
mordaz e pessoal como a de Arquíloco — , do amor e da
Até à sua morte, em 27 de Novem- Morte 8 a.C.
tranqüilidade que a vida do campo proporciona.
bro de 8 a.C., nunca mais abandonou

aa 15
A o s Epodos seguem-se as Sátiras Sátiras lembrar os pequenos lugares (fonte de Bandúsia), que, de
ftí (Satum ou Sermoties) constituídas por qualquer modo, lhe tinham agradado e excitado a ima-
p i d o i s livros ( o primeiro, publicado cerca de 35 a.C., con- ginação. A sede de perfeição que nas Odes se revela,
Ipf^tém dez poemas, e o segundo, que vem a lume cerca de já não escapara ao juízo ida antigüidade que diz, pela
30, contém oito), em que Horácio apresenta temática 'boca de Quintifiano, que «dos líricos é o mesmo Horácio
j> variada que percorre todas as gamas da vida contempo- quasie o único digno de ser lido, pois se inspira por vezes
rânea e da sua própria vida. Tomando Lucílio, o velho e está cheio de alegria e beleza, é múltiplo nas figuras,
poeta satírico, como seu modelo romano, Horácio vai audaz, com extremo bom gosto na escola das pala-
dor um novo rumo à sátira .tornando-a mais dúctil, mais vras» ( l ) . Este juízo da antigüidade define com exacti-
bem humorada: tem a arte de a (fazer tão contun- dão, julgamos nós, tudo quanto se possa pensar acerca
dente como a do .seu modelo, mas menos directa e me- do poeta.
\ nos grosseira. Os temas vão desde a gastronomia, litera-
ri . tura e observação >de tipos sociais, à descrição dos mais Já no fim da vida encomenda-lhe Carmen
I insignificantes incidentes da vida quotidiana, e neles Augusto um hino à maneira sáfica dedi- Saeculare
í: semeia Horácio, a cada passo, pormenores autobiográ- cado a Apoio e Diana. Compõe Horácio
ficos, idéias literárias, morais e filosóficas, nas quais então o chamado Carmen Sczculare, que foi cantado nos
sobressai notável tendência epicurista, a que apregoa o Jogos Seculares de 17 a.C. por um coro de 27 rapazes
meio termo e o prazer moderado. e 27 raparigas. Nele se celebram, em hábil combinação
de misticismo e patriotismo, a glória de Roma e os bene-
É, no entanto, nas Odes (quatro li- Odes fícios que a cidade colheu da genial administração de
vros e cento e três poemas) que Horácio Augusto.
mais se evidencia pela veia poética, pela técnica apurada
de versificador e pela linguagem tersa e sempre apro- Finalmente restam os dois livros das Epístolas
priada aos temas de que se ocupa. Estão compostas nos Epístolas. O primeiro, com 19 cartas, foi
mais variados metros gregos, desde as antigas estrofes
alcaicas e sáficas, à estrofe asclepiadeia da época hele-
( t ) Inst. Of., X, i , 96: « A t lyricarum idem Horatius fere
nísüca. Nelas trata Horácio dos temas que mais lhe inte- 60ÍUS legi diignus: nairt et msurgit aliquando et plenus est
ressam, comprazendo-se em cantar os feitos de homens iucunditatis et gratise et uaxius figuris et uerbis felicissime
políticos, em louvar os deuses e os seus amigos, em audax.»

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publicado em 20 a.C. Nele se encontra uma verdadeira Horácio marca a sua posição literária, colocando-se entre
filosofia da vida, em que o poeta, já amadurecido pelos os modernizantes da escola de Catulo e Calvo e os arcai-
anos e na posse de larga experiência, só foca o essencial zantes admiradores de Lucílio. Começa já a defender um
e despreza o acessório. Basta lembrar a Epíst. I, 11; princípio que veremos aparecer na Arte Poética: os escri-
escrita para combater a angústia de um amigo, a quem tores latinos devem formar o seu gosto na leitura das
Horácio diz que, por mais que procure, só nele próprio letras gregas; I I , 1: — Horário defende-se dos seus crí-
encontrará a paz: «os que correm os mares, mudam de ticos, fazendo a sua apologia por meio de um diálogo
céu, mas não de espírito» ( 2 ) . seu com O' jurisconsulto Trebácio.
Vemos que começa agora, no declínio da vida, a acal-
mar-se, tendendo para uma filosofia, em que entram Nas Epístolas, veremos mais patente Epístolas
elementos do epicurismo, de que se considera fiel adepto a veia crítica de Horácio, A Epíst., I, Literárias
(diz pertencer ao rebanho de Epicuro, Epíst., I, 4, 16) 19, dedicada a Mecenas, procura servir
e do estoicismo. Resta saber se este estoicismo foi apren- de defesa contra os críticos, que o acusa- Epístola a
dido nos livros de filosofia ou na sua experiência da vida. vam de imitação. É Horácio, porém, que Mecenas
No livro segundo das Epístolas (neste só se contam disso os acusa dizendo: « ó imitadores, ó
duas), entrega-se Horácio inteiramente à crítica literária. gado servi]!», pondo neles os defeitos de que o arguiam.
£ neste capítulo que vai integrar-se a Arte Poética. Defende-se, depois, mostrando em que medida fora ino-
vador e original dentro da poesia de Roma, ao introduzir
A Arte Poética, contudo, não surge Sátiras novos temas e novos metros, ao tdar a conhecer Arquí-
sem uma prévia evolução, que tentare- Literárias loco, Safo e Alceu.
mos esboçar. Já quando das Sátiras,
Horácio procura teorizar os seus conhecimentos de poé- Mais importante do que a anterior Epístola
tica. Em três sátiras compostas por volta de 30 a.C., é a epístola a Floro ( I I , 2), na qual o a Floro
I, 4; I, 10; I I , 1, tenta responder a certas questões teó- poeta explica as razões que o levaram a
ricas de poesia. I, 4: — O que constitui um bom poema não publicar mais no domínio da lírica, É que ele agora
e como pode averiguar-se a sua qualidade; I , 10: — não escrevia, porque tinha o suficiente, porque estava
velho e porque, enfim, Roma estava demasiado baru-
{2) V . 27: tCaelum, non animum inutant, qui trans maré lhenta. Além disso, todos devem, no fim da vida, voltar
currunt».
à meditação e à filosofia. Entretanto, critica o baixo

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Só três gêneros poéticos serão apreciados: o 'dramá-
nível da poesia romana, pela falta de cuidado que os
tico ( w . 139-213), o épico ( w . 214-270) e o lírico
poetas denotam na língua •poética que usam. Horácio
( v v . 132-138), que ocupará um lugar modesto. Trava
disserta sobre as razões de carácter netórico-poético que
discussão, sobretudo, acerca dos tópicos literários que
presidem à escolha de palavras e à composição da frase,
lhe eram caros: o antigo e o moderno; o 'grego e o ro-
tal como fará posteriormente na Arte Poética. Como
mano; o poeta e a sociedade. Este último tinha muita
nesta, já começa a defender o princípio de que o poeta
importância, visto que muitos poetas (como Virgílio),
| i. • deve ser um técnico da língua e não simples amador.
abandonando a poesia subjectiva, se tinham dedicado à
Horácio aparece-nos, neste poema, como teoriza dor da
causa de Roma a do Estado, cantando a grandeza de
literatura e como grande estilista, esses mesmos aspectos
ambos.
com que se revestirá e se afirmará definitivamente ma
Arte Poética. Mas Horácio não toma partido por qualquer posição
extremista: não é arcaizante, mas tão-pouco é moderni-
zante em todo o sentido. Se é helcnizante, é porque julga
Embora numerada, nas edições de Epístola
que a cultura refinada dos Helenos poderá trazer algum
Horácio, antes da epístola a Floro, a a Augusto
bem ao talento agreste dos Romanos. Quanto à função
epístola dedicada a Augusto pertence a
do poeta na sociedade, acha que este lhe pode ser útil,
data posterior. Com ela vem o poeta responder ao impe-
sem que, contudo, perca todo o seu individualismo.
rador que demonstrara desejo de possuir uma carta sua,
Tudo o que apregoa, já Horácio pusera em prática na
tanto mais que Horácio já enviara epístolas a outros seus
poesia até então publicada e isto era a garantia de que
amigos, menos importantes. Nesta altura, porém, estava
os princípios que teorizava levavam, de facto, a urna
Horácio ocupado com a publicação do quarto livro das
poesia cuidada e de excelente nível, qualidades que ele
Odes e não podia pretextar, como fizera na carta a
tanto prezava.
K Floro, o abandono da poesia, além de que, nesse mesmo
'livro das Odes, havia cinco poemas dedicados ao próprio
pljlAugusto. Assim, vai agora escrever, na epístola ao knpe- Incluída no grupo das epístolas ( 3 ) ARTE
f>5:\Tador, sobre um tema que a ambos interessava: a posição encontra-se a anais extensa e importante POÉTICA
; ; d o poeta e da poesia ma Roma contemporânea. Natural- composição, a Epístola aã Pisones, es- Título
píiíinente que a opinião d o poeta devia diferir da que o crita em hexâ metros dactílicos, sobre iteo-
político perfilhava, mas Horácio sabe defender-se hàbil-
{ 3 ) Alguns autores consideram a A. P. como a terceira epís-
^ ^ ^ e n t e de qualquer compromisso.

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ria literária. QuintiiLaiio chamar-lhe-á ( 4 ) , algumas gera- por si, uma tradição milenária e, afinal, são mais que
ções mais tarde, «ars poetioa» ou «de arte poética suficientes para servirem de epígraíe a um poema,
liber» ( 5 ) , títulos que se tornaram os mais conhecidos
e que possivelmente já caracterizavam a epístola antes O poema de Horácio é dedicado aos Dedicatória
de aparecerem citados na obra do grande retor, Houve Pisones, personalidades romanas, cuja
também quem desejasse combinar os dois títulos possí- identificação nos interessa sobremaneira para determinar
veis e 'assim aparece a carta poética designada como dois pontos fundamentais; a data aproximada do poema
Epístolas ad Pisones de arte poética. Este título deve ter e o seu escopo. Efectivãmente, contribuiria para o conhe-
sido motivado igualmente pelo facto de não estarmos cimento da finalidade com que Horácio escreve a A. P.
diante de um tratado, como daria a entender o Ars poé- o simples facto de se determinarem as actividades lite-
tica ou De arte poética, mas de uma simples carta aos rárias dos Pisões, e, bem assim, a data da composição
Pisões, onde se formulavam alguns princípios que, por- do poema ressaltaria com mais clareza, desde o momento
ventura, também poderiam aparecer num compêndio de em que soubéssemos quando eles viveram.
retórica. Mas a tarefa não é fácil. N o entanto, Porfirião, o
Cremos, no entanto, ser preferível utilizar os títulos comentador de Horácio, e que, segundo toda a verosi-
Ars poética ( 6 ) ou Epístola ad Pisones, os quais, muito milhança, devia estar em melhor posição do que nós
embora não dêem a entender tudo o que se encontra no para identificar os Pisões, diz-nos que a A. P. «foi dedi-
poema, e possam mesmo levar a certa ambigüidade, têm, cada a Lúcio Pisão e a seus filhos, ao Pisão que poste-
riormente foi custos urbis e que era poeta e patrono das
artes liberais» ( 7 ) .
tola d o lívxo I I . Outros, porém, falam da A. P. como
sendo um poema independente. Vid. Hora ti us. Opera,
ed, F . Klingner, Lápsia, 1959, <p. 294. Quintiliano, Se admitirmos esta identificação Data
Or,, Vm, 3, 60, refere-se à A. P., como se um poema que é, sem dúvida, a mais provável,
à parte constituísse: <t. ..Horatius in prima parte libri de somos forçados a aceitar concomitante mente uma data
arte poética...» Cremos ser esta segunda hipótese a que
mais se aproxima da verdade.
( 4 ) Inst. Or., Epíst. dedicatória a Trífon, 2: «...usus deinde ( 7 ) Comentário à A. P. 1: «hunc librum... ad Lucium Piso-"
I i o r a t i consilio, qui in arte poética euadet...» nem, qui postea urbis custos fuit, eiusque liberos misit;

( 5 ) V i d . n. 3. nata et ipse Piso poeta f u i t et studiorum liberalitLi


( 6 ) Será este o titulo escolhido na nossa tradução. antistes».

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ffi^^^fyisto que Lúcio Pisão fora cônsul com Augusto (cf. comentário aos w . 55, 387, 438, e t c . ) . O único dado
j B p o ^ i s a.Ç. N o entanto, esta identificação não satisfez que prevalece, apesar de certas reservas que se possam
M^Igjius eruditos (J. H . vau Réenen e A . Michaelis), que, fazer, é a personagem a quem o poema está dedicado,
pela convicção de que o ipoema tratava 'de maté- Lúcio Pisão, e com este a data do seu nascimento,
||masque tinham de ter forçosamente uma data anterior 49 a.C., e o facto de os seus filhos já estarem em idade
j f g ^ p b r a honaciana, formularam hipóteses em que ten- de compor poemas. Tudo isto leva a admitir, com J.
í ^ t a ^ a m reivindicar para o poema horaciano uma data Ferret, a possível data de i o a.C., ou, mais caute-
(^'anterior, partindo de outra identificação, a do Pisão ida losamente com Brink ( 8 ) , a possibilidade ide a Â. P.
A^ P . com Gneu CaJpúrnio Pisão que fora cônsul em ter sido composta depois de 14-13 a..C. A data tardia
V- .28, a.C. juntamente com Augusto. Falta, contudo, apoio parece impor-se, tanto mais que a crítica interna também
epigráíico para esta identificação, pois não consta que a autoriza.
Í;Gneu Pisão fosse amigo das letras nem tão-pouco que Com efeito, o poeta, v v . 304-306, afirma que «nil
^tivesse descendência, scribens ipse, docebo», i. e. que, naquela altura, não
t f ; . , A verdade é que, de Lúcio Pisão, sabemos que per- se dedicava à poesia lírica, pois Horácio só considerava
'tenda de facto a uma família com reconhecido interesse como escrever o compor poesia lírica ( 9 ) . No entanto,
£ pelas artes, muito embora nada saibamos sobre a sua também poderia admitir-se a interpretação de Plessis-
BjjV- "
-Lejay (10) que afirmam falar Horácio de não escrever
•*; descendência.
poesia dramática, mas de, no entanto, a ensinar. Isto
Levanta-se, porém, outro problema quanto à idade
invalidaria a utilização deste passo como achega crono-
de Lúcio Pisão. Ele, que nascera em 49 a.C., na data
lógica. Naturalmente, estas suposições poderão ter a sua
da publicação da A. P., já tinha filhos em idade de
razão de ser, e o facto dc Horácio não compor poesia
escrever poemas, ou pelo menos, de estarem interessados
lírica no internalhim lyricum de 23-18 a.C. e no de
em fazê-lo. Isso leva-nos a conferir data bastante tardia
ao poema.
Mas neste domínio da crítica externa, isto é, dos ele- ( 8 ) J. Perret, Horace, Paris, 1959, p. 190. Cf. F, Cupaiolo,
mentos exteriores ao poema, ainda há outros dados que Uepistola di Orazio ai Pisoni, Nápoles, 1194H. C.O.'Brink (
foram utilizados para datá-Jo em época não tardia. Estes Horace on Poetry, Prolegomena to the Literary Epistles,
: argumentos não são de molde a convencer, visto que as Omjbridg», 1-963, pp. 239-243
( 9 ) Brink, ob. cit,, p. 242.
referências a personalidades da época não se apresentam
(10) Horace, CEuvres, comentário ao v . 306.
. ' de tal modo claras, que sejam decisivas para a datação
i í-;

t
25 125
14-8 a.C. (8 a.C. é a data da sua morte), mostra que há arte poética que o autor apresenta, ou trata-se apenas do
possibilidades de colocar a composição de A.P. no úl- •uma epístola séria — se .bem que com o tom irônico
timo intervallum tanto mais que a A. P. é a súmula de próprio a Horácio—, em que este dá, sem procurar siste-
todos os seus conhecimentos de teorizador. Não cremos, tematizar, o núcleo das suas idéias sobre poesia e criação
todavia, que se possa considerar como definitiva, qual- literária e sobre a formação do bom poeta? Mas a ver-
quer das soluções propostas, visto faltarem dados con- dade é que Horácio, cultor da poesia lírica, vai agora
cretos e indiscutíveis. formular regras para a poesia dramática, porquê? De
J. Perret, por sua vez, admite a data tardia, porque igual maneira, é estranho que tal intento provenha d£
lhe parece mais verosímil que a Arte Poética suceda à um poeta que v i v e exactamente numa cidade onde o
epístola a Augusto, visto não ser provável que Horácio teatro não fazia parte integrante da vida social, corno
tivesse dedicado ao imperador uma epístola mais redu- na Grécia. Para esta escreve Aristóteles a Poética, em
zida que a dedicada aos Pisões, tanto mais que esta é que pràticamente só fala de: teatro.
superior do ponto de vista da teoria literária. As epís- Parece-nos plausível como resposta a estas interroga-
tolas a que o imperador se refere na carta que mandou ções, o que nos diz J. Perret (12). É que no tempo de
a Horácio, lamentando-se por não receber nenhuma de- Augusto teria havido um movimento, dirigido pelo pró-
las, devem ser as anteriores dedicadas a Floro (Epíst. II, prio imperador, para colocar o teatro no seu devido
2) e a Mecenas (as do primeiro livro), muito embora lugar, tanto mais que muitos dos espectáculos citadinos
neste caso contemos coim a oposição de E. Fraenkel (11). tinham desaparecido, tais como os .grandes actos de ora-

Julgamos, pois, ser mais prudente seguir a tradição tória forense, o que forçava o povo a ir para o circo

e admitir uma data de composição, de qualquer modo, ver os gladiadores ou, mais raramente, ao teatro. Além

posterior a 14-13 a.C. disto, também apoia esta tese o facto de Augusto ter na
realidade favorecido autores dramáticos e de ter saibo-
reado com raro prazer — ao contrário de Horácio — os
Depois de ler os 476 versos da Escopo do poe-
velhos poetas dramáticos do Lácio, como Planto.
Arte Poética o leitor tem o direito da ma e suas carac-
se perguntar qual o intento pretendido terísticas Tenta, portanto, Horácio escrever uma epístola aos

por Horácio. Trata-se de facto de uma Pisões, em que, de certo modo, desfaça a impressão ne-
gativa com que tinha descrito a poesia dramática no
(111) Horace, Oxford, p. 383. Quanto às palavras de Augusto
(P2) Ob. cit., p , i8ó e segs.
a Horácio, vid. p, 20.

t
27 125
Lácio, na epístola a Augusto, e dá regras, sem que pre-
tenda escrever um tratado, regras de experiência e de Steidle (16), por sua vez, afirma ser um conjunto de
leitura para que o poeta tenha resultados esteticamente preceitos, mas não um tratado. Cremos, por nossa parte,
mais profícuos na composição da poesia dramática. que na A. P. há um pouco de tudo o que se defende
No entanto, todos estes motivos são de ordem geral. nestas opiniões sem, no entanto, admitirmos que seja w n
Mas, no particular, que pretenderia Horácio? Quereria tratado. A verdade é que o poeta dá preceitos, mas não
levar os Pisões a escrever, e bem, obras dramáticas ou os dá todos, fazendo, pelo contrário, uma selecção
pensaria dissuadi-los de .tal intento? A esta pergunta não daqueles que melhor conhece e de que mais gosta e, não
é possível responder peremptòriamente, mas de tudo o se submetendo, deste modo, à ordem dos manuais esco-
que lemos parece sem dúvida deduzir-se que Horácio lares de retórica, que, porventura, serviriam de introdu-
quereria ievá-los a compor poesia dramática, observando ção à arte da poesia. N o entanto ele introduz os leitores,
os princípios da- composição literária que conduzem à sem qualquer intento escolar, na verdadeira essência da
perfeição. poesia.
Procura sobretudo expor as suas idéias, tiradas ou
.. . Resta-nos ainda o problema de como havemos de
não de autores precedentes, e tenta provar que para
classificar esta composição. Norden (13) atribui-lhe um
fazer poesia não deve pensar o aprendiz de poeta que
carácter isagógico, isto é, considera-a uma introdução
a poesia é uma actividade de amador, que o poeta nasce
à -poesia, com a divisão ars+artifex; Rostagni (14) pre-
por geração' espontânea, nem confiar em demasia no
tende ver nela um tratado de poesia à moda de Aristó-
talento, nas aptidões naturais do poeta. Para que a
teles, sem a profundidade da obra deste. Immtsch (15)
poesia seja algo de elevado, de útil à cidade, para que
diz ,tratar-se de uma selecção de problemas poéticos.
alcance o seu fim educativo e estético, tem o poeta de
possuir talento e arte, e para melhorar o seu critério
(13) E . Norden: « D i e Composition und Litteraturgattung der
literário deve submeter-se a trabalho aturado nunca des-
Horaz.schen Epistula ad Pisones», Hermes, XL {1905},
pp. 481-528. Cit. apud Brink, ob. cit., pp. 20 e segs. prezando a opinião dos críticos. Só assim, com uma
e 280. vigilância perfeita, poderá o poeta criar poesia verda-
(114) A . Rostagni, IJArte Poética di Orazio, Turim, 111930 deiramente digna deste nome.
(reed. 1946).
(U6) W . Steidle, Stuãien zur Ars Poética des Horaz: Interpre-
í 1 5 ) O. Immiseh, Horazens Epistel über die Dichtkunst, Phi-
tation des auf Dichtkunst und Gedichte bezüglichen
lologus, Suppl., vol. X X J V (193-2), cit. apud Brink,
Hauptteils (ir-294), Würzburg, pp. 147 e segs. Cit, apud
ob. cit., pp. 35 e 283.
Brink, ob. cit., pp. 35 e 283.

28
29
cia para o conhecimento das fontes da A. P.: o filólogo
Para exprimir as suas idéias sobre a Fontes
e papirologista Christian Jensen publicou um artigo (19)
maneira de escrever poesia, Horácio,
sobre um papiro com a obra de Filodemo «Acerca dos
além de relembrar a sua longa experiência de poeta e
Poemas», no qual apontava que havia encontrado não só
crítico, não esqueceu certos princípios de escola e para
referências mais abundantes ao Neptólemo de quem Por-
tal utilizou, com certeza, fontes da antiga crítica lite-
firião falava, como até fragmentos do próprio Neoptó-
rária.
lemo, que para mais apresentavam nítida conexão com
O escoliasta de Horácio, Porfirião (17), diz-nos que
os princípios defendidos na Arte Poética horaciana.
Horácio tirara da obra de Neoptólemo de Pário {cidade
A posição estética de Neoptólemo, que pode ser descor-
da Tróadc) os principais elementos cia sua Arte Poética:
tinada através dos fragmentos apresentados, coloca-se
«Nesse livro reuniu os preceitos de Neoptólemo de Pário
nitidamente entre a escola modernista de um Cailímaco,
acerca da arte poética, não todos, mas os mais impor-
ou seja, entre o neoterismo alexandrino e a escola mais
tantes».
tradicionalista e equilibrada de Aristóteles, mas apresen-
tando-se preponderantemente com uma feição peripaté-
A figura de Neoptólemo de Pário, no Neoptólemo
tica. Neoptólemo, que, por certo, era um alexandrino
entanto, foi pouco conhecida até ao de Pário
nos versos eruditos que escrevia e na sua erudição, assim
séc. x x , pois as referências que a este
como no requinte do estilo, era, contudo, aristotélico
poeta e, ao mesmo tempo, teorizador da poética se fa-
na defesa d o poema longo (Calímaco queria-o breve
ziam, eram pouco abundantes (em Ateneu, Estrabão,
[ 2 0 ] , como se vê na sua frase: «um grande livro é igual
Escoliastas de Homero, etc.), carência que levou os crí-
a um grande m a l » ) , e da unidade da concepção literária.
ticos de Horácio a dividirem-se quanto à importância
Quanto à divisão da abra teórica de Neoptólemo e da
a atribuir a Neoptólemo como inspirador das idéias do
sua possível influência na divisão da A. P. horaciana
poeta romano (18).
Na segunda década do século x x , ou seja mais pre- falaremos mais adiante.
cisamente em 1918, deu-se um facto da maior importân-
('19) «Neoptolemos imd Horaz», Abhand. d. Preuss. Ak.
d. Wt5s. (1918), X I V (1919), p. 48. Cít. apud Brink, f
(117) «in quem librum congessit praecepta Neoptolemi joã
iraplavou de arte poética, inon quidem omnia, sed eminen- ob. cit., p . 28, n. 1. Cf. a bibliografia de Jensen, acerca

tíssima». do mesmo assunto, na p. 127S. •'


(20) Frag. 465 ( P f e i f f e r ) .
(18) Vid. Brink, ob. cit., p, 43 e sega.

t 30 125
Mas é Horácio que predomina entre todas estas cor-
ilado de Neoptólemo, porém, outras possíveis in
rentes, é ele que reúne num todo os elementos das diver-
éfluências se entrevêem, destacando-se, sobremaneira, a
sas escolas, caJdeando-os com idéias e estilo provenientes
j da escola aristotélica, cuja influência se pode admitir,
da sua experiência e talento criador e formando um
pelo menos parcialmente, como .tendo-se infiltrado na
poema que obedece aos princípios que defende.
obra, através do próprio Neoptólemo. N o entanto, a exi-
guidade dos fragmentos que deste nos chegaram, não
Apesar do esforço de Horácio para Plano
permitem ser-se demasiado afirmativo, muito embora
fazer do seu poema uma obra una, este e Estrutura
saibamos que a teoria da unidade, da propriedade, do
tem sofrido as mais variadas interpreta-
estilo, do 7tçiÍ7tov, são princípios aristotélicos. Se olhar-
ções quanto ao plano. Já Escalígero em 15ól dizia na
mos, contudo, para a teoria dos cinco actos vemos que
sua Poética que o poema de Horácio era uma «ars sine
esta já não pertence a Aristóteles mas aos filósofos da
arte tradita» (22). A pretensão de Escalígero, contudo,
sua escola, dos seus continuadones na escola de Teo-
não tem razão de ser, visto que nunca se poderia ima-
frasto ( 2 1 ) . Este princípio, por exemplo, que vai im-
ginar um poema sobre a arte poética obedecendo ao
perar durante todo o hdenismo, foi possivelmente
sistema rígido a que se sobmete a .estrutura fixa de um
conhecido também através de Neoptólemo. N o comen-
manual de retórica. Outra atitude, contrária à de Esca-
tário ao poema, contudo, poderemos avaliar melhor estes
lígero, mas que nos parece igualmente errada, é a de
problemas.
Dacier — e, na sua esteira, a de Cândido Lusitano —
Tudo isto nos mostra que ao lado de uma possível (23), que admirava, na aparente falta de ordem do
influência directa de Aristóteles e da escola peripatética, poema, «Ia beauté du désordre».
ternos de admitir o conhecimento destes por meio de A crítica ao plano da Ars Poética torna-se, no en-
Neoptólemo de Pário e sua conseqüente influência. Além tanto, especialmente válida no decorrer deste século, pois
disso, como Neoptólemo pertence à época helenística não os filóloigos dispõem doutros meios mais seguros. No
é de estranhar que pela sua leitura tivesse Horácio tam- princípio deste século, em 1905, E . Norden, divide a
bém sido influenciado, mas levemente, pelo que se de- A. P. em duas grandes partes: Ars — 1-294/Artifex
fendia na escola alexandrina, a qual Horácio, ao longo
da sua obra, mostra conhecer bem. (22) Vid. Brink, ob. cit., p. 17; Arte Poética, trad. de C l n -
dido Lusitano, Lisboa, 1758, Discurso preliminar.
(23) Cândido Lusitano, ob. cit., ibidem. Cf. Brink, ob. cit.,
pp. 16-17.
(21) Vid, comentário aos w . 1189-190.

INQ 1! — 3 33
32
— 295-476. Este esquema, com mais ou (menos subdivi- Immisch: Ars 1-294: isoíiiciç, 1-46 (sobre a poesiá,:;.
sões, será adoptado por Jensen (1918), Rostagni conteúdo e o r d e m ) , 47-118 (estilo); 119-152 (imitação);!
(1930), Imrnisch (1932), estando todos de acordo 71 oít]/-!a 153-294 (gêneros literários, sendo o drama o gê-
quanto à última parte, ou seja, o artifex, que deve cor- nero escolhido).
responder à parte dedicada por Neoptólemo de Pário O último estudo de análise que conhecemos é o de
ao poeta (jrstviTTjr). N a verdade, com a descoberta do Brink que apresenta um esquema tripartido, mas com
papiro de Filodemo, vira-se, e Jensen o mostrara, que a uma ordem diversa, visto que defende diferente divisão
própria poética de Neoptólemo tinha um esquema, de da obra ide Neoptólemo ( 2 4 ) , que em v e z de ser
que nos ocuparemos um pouco mais adiante, e que à TtoÍTi/id e 7to[*5tt5:, era sim noíT|/«t, 7toÍ7)eri<;, etc. Deste
última parte desse esquema tripartido correspondia exac- modo teremos o seguinte plano, que parece sem dúvida
tamente um capítulo dedicado ao poeta, ao artífice. Esta o mais racional, e que obedece, em todas as suas partes,
parte, contudo, já fora apontada por Norden, mesmo à influência e estrutura ide certas fontes possíveis, entre
antes de se conhecer divisão de Neoptólemo. Temos as quais se evidenciam a própria obra
assitm o esquema dado gor Norden: A rs —-1-294: Partes de Neoptólemo de Pário, .as obras de Plano mais ra-
poética — 1-130 (1-41: conteúdo; 42-44: ordem; 45- Aristóteles, Poética, Retórica e o tra- cional (Brink) e
-130: estilo); Genera poética — 131-294 (épico e dra- tado desaparecido de Aristóteles De respectivas fon-
mático). Artifex ( p o e t a ) : 295-476, sendo esta última poetis: Introdução, 1-40 (corresponde tes da Arte Poé-
parte admitida unânimemente por todos os críticos, o que a Arist., Poética, 7-8) em que o poeta tica
nos dispensa de a citar nos planos que a seguir enume- insiste sabre a unidade da concepção
ramos. poética, pmceptwn, que será válido para todo o poema;
Jensen, depois de dar a conhecer a divisão da obra I." parte, sobre a ordem e o estilo, 40-118 (corresponde
de Neoptólemo de Pário: uoína-iç, i:olrijj.a o noimúç, ao capítulo •Koí^fia de Neoptólemo e a Arist., Retórica,
afirma que a primeira parte da Arte Poética horaciana I I I ) ; 2 / parte, sobre os grandes igéneros da poesia, 119-
se deve dividir da seguinte maneira; Ars: 1-294: itoÍTjàiç, -294 (que corresponde à tíoÍtjcl; de Neoptólemo e a
1-44 ( o r d e m ) ; i w b ^ a , 45-118 (sobre o estilo), 119-294 Arist., Poética e Retórica, I I , 12-14); parte, dedicada
(•gêneros poéticos: épico e dramático). ao poeta e à crítica poética, 295-476 (correspondente
Rostagni, por sua v e z : Ars: 1-294: itoÍYitnç, 1-45
(ordem): itot^/ia, 46-127 (estilo), 128-152 (imitação),
153-294 ( d r a m a ) . (24) V i d . p . 33.

t
35 125
aoTtsinTTÍçde Neoptólemo-e à obra desaparecida de Aris- Horácio de que, infelizmente, só encontrámos a citação:
tóteles De poetis). o d o P . Bento Peneira (Jesuíta), o de D. Firutuoso de
Não há dúvida de que este esquema nos aparece per- S. João, Cónego Regrante, o de Gaspar Pinto Correia,
feitamente verosímil e deve satisfazer todo aquele que que, segundo Costa e Sá, escrevera copiosas notas, o do
não procurar na Arte Poética •um plano demasiado fixo (em manuscrito) P . Peixoto Correia (Jesuíta). Além
em que todas as idéias estejam classificadas por rubricas, destes, temos as edições de Pedro da Veiga, publicada
plano que afinal iria contra a concepção poética de em Antuérpia, na Oficina de Cristiano Hauwel, em 1578,
Horácio, que vê na poesia não um gênero narrativo como e de Tomé Correia, prof, de humanidades em Pailermo,
a história ou os -poemas cíclicos, mas um gênero que Roma e Bolonha, que em Veneza, na Oficina de Fran-
cultiva os assuntos por temas, limitando-se a tratá-los cisco de Franciscis, em 1587, publicou um comentário à
nos aspectos que mais interessam ao artista. Seria querer Arte Poética de Horácio ( 2 5 ) .
fazer deste poema de Horácio uma obra científica, de
feição alexandrina, o querer descobrir um sistema rígido D o séc. x v n conhecemos uma edição da A. P. in-
de idéias que procurassem estudar exaustivamente o cluída na edição das obras completas de Horácio: Enten-
assunto que mais preocupa Horácio: como fazer um ibom dimento literal e cons traição portuguesa de todas as
poema evitando, na medida do possível, os erros em que obras de Horácio príncipe dos poetas latinos lyricos.
tão fàcilmente cai todo o que não tiver talento e técnica. Com Index copioso das Histórias & Fábulas conteúdos
nellas. Emendado nesta segunda impressão por industria

A Arte Poética horaciana encontrou, A A . P . em de Matheus Rodriguez mercador ãe Uuros, & impresso à

como em toda a Europa, favor muito Portugal sua custa, 1657- Lisboa, Officina de Henrique Valente

especial entre os latinistas portugueses, de Oliveira. Esta obra fora editada pela primeira vez a
que dela fizeram várias edições, as quais, muito embora expensas de Francisco da Costa, a quem foi atribuída a
d e desigual valor, deram a conhecer Horácio e os seus tradução e fora impressa por Manuel da Silva. Esta é
princípios poéticos ao público português. Loganoséc. x v i a opinião de Inocêncio ( 2 6 ) . N o entanto, Menendez Pe-
nosso humanista Aquiles Estaço publica em Antuérpia,
(25) Cf. as edições nomeadas por Costa e Sá ( v i d . p. 43), pp.
n o ano de 1553, um comentário à A. P., em que se 22-24 e a e< l* Cândido Lusitano no Discurso preliminar.
ocupa principalmente de crítica textual. Este é o pri- (26) Inocêncio, v o l . AT, p. 36S. Cf. Exposição Horacianaj Bi-
meiro trabalho português, de que tivemos notícia. Mas blioteca Nacional, Catálogo (elaborado por Luisa Maria da
ainda há outros comentários e edições da A. P. de Costa e A z e v e d o ) , Lieboa, 1937, pp. 71^713.

125
t 36
layo (27) afirma ser esta tradução de Jorge Gomes Arte Poética. Traduzida e illustrada em portuguez
Alamo. A edição referida é feita à curiosa maneira do por Cândido Lusitano, 1758, Lisboa, Officina Patriarca]
séc. x v n com o texto laitino intercalado no texto .portu- dc Francisco Luiz Ameno; 2. a ed. correcta e emendada,
guês, isto é, uma tradução inferiinear. A tradução é Officina Rollandíana, Lisboa, 1778; Nova edição, Officina
, demasiado servil e o aspecto tipográfico dificulta a lei- Rollandiana, Lisboa, 1883.
tura. Trata-se, contudo, de tentativa meritória, pois o Sem dúvida alguma é esta a edição, elaborada pelo
autor esforça-se por traduzir correctamente, palavra por
P . Francisco José Freire (Cândido Lusitano), que goza,
palavra, o texto latino.
entre todas as edições portuguesas, de maior fama, de-
Esta obra deve ter conhecido certo êxito na sua vido ao facto de estar trasladada etrn vernáculo sabo-
época, visto que foi reproduzida em mais duas edições, roso, se ibem que o autor a tivesse (feito em verso le se
que apresentam unicamente como variantes um título tivesse utilizado da (tradução francesa de Dacier (29).
com ligeiras modificações e formatos diversos do pri- O comentário1, já muito antiquado, ainda nos parece ex-
meiro: tremamente sugestivo,, sobretudo pelo que revela das
Obras de Horácio, Príncipe dos Poetas Latinos Ly- preocupações literárias vigentes na sua época.
ricos, com o entendimento literal & construição Por tu-
As críticas que se fizeram a esta tradução (30), de
giteza, ornadas de hum Index copioso das historias, &
que era prosaica, não são justificadas, visto que não se
Fabulas conteitdas nellas. Emendadas nesta ultima Im-
trata da tradução de um poema lírico, mas sim de um
pressão. 1681', Lisboa, Officina de Miguel Manesoal & à
poema com fins didácficos, cujo estilo não era conside-
sua custa (esta edição tem dois formatos diferentes).
rado, pelo próprio Horácio, como sendo, pertencente ao
Com o mesmo título repete-se esta edição em 1718, em
da poesia pura, na qual o poeta só contava a poesia
Coinmbra, Officina de Joseph Antunes da Sylva, É por-
lírica.
tanto esta últimaa 4.a edição, sendo a 1." de 1638, a 2."
de 1657 e a 3.a de 1681' (em dois formatos) ( 2 8 ) . Ainda do mesmo século nos chegaram outras edições:

1, A arte poética, traduzida em rima por Miguel do


É, no entanto, no séc. x v i i i que se publica a mais
célebre edição da A. P.:
125
(29) V i d . ed. de Antônio Luís de Seabra, (víd. p. 44);:;
( 2 7 ) Horácio en Espana, p . 143. p p . .278-279. -..
( 2 8 ) C£. Exposição Horaciana, p p . 72-73. ( 3 0 ) V i d . a . 29. ttyj ;

t 38
fcoüto Guerreiro, 1772, Lisboa, Regia Officina T y p o - Universidade de Coimbra o seu autor. Parece, contudo
graphica. que a primeira hipótese é a mais provável.
Depois de breve introdução, em que, não sem alguma
candura, o autor afirma que traduzira em verso «porque Arte poética. Epístola aos Pisões. Traduzida em por-
nenhumas razões podem persuadir os leitores a que gos- tuguez e iUustrada com escolhidas notas dos antigos e
tem mais do verso solto, que da rima», vem a tradução, modernos interpretes e com hum commentario critico
sem comentário, escrita com um mau gosto evidente, sobre os preceitos poéticos, lições varias} e in-telligenda
fugindo, para mais, à intenção lingüística do .texto hora- dos lugares difficultosos por Pedro José da Fonseca,
ciano e às próprias idéias do poeta, acrescentando muitos
1790. Lisboa, Officina de Simão Thadeo Ferreira.
pormenores sem valor, para conseguir obter umas rimas
Esta edição bilingüe é uma das mais bem .documenta-
de impressionante pobreza. Tem esta tradução unica-
das: o texto é precedido de um prólogo e acompanhado
mente valor histórico.
por notas a que se segue um «Commentario Critico».
O comentário e as notas são documentos da erudição do
Arte poética. Traduzida em verso rimado e dedicada autor e testemunhos da ciência Hlológica dos nossos eru-
à memória do grande Augusto, por D. Ritta Clara ditos do séc, x v i i i ( 3 2 ) . A tradução em prosa, mantém-
Freyre de Andrade. 1781. Coimbra, Regia Officina da -se fiel ao texto e, embora não dúctil, parece-nos valiosa
Universidade. pelo que representa de esforço para verter o 'pensamento
Consiste esta obra numa simples tradução, precedida horaciano em vernáculo.
de uma introdução sucinta em que se remete para o
comentário de Cândido Lusitano. A tradução é em verso Poética de Horácio. Traduzida e explicada methodi-
limado e disso muito se ressente, além de que o vocabu- camente para uso dos que aprendem por Jeronymo Sua-
lário está longe de possuir o sabor .do de Cândido Lusi- res Barbosa, jubilado na Cadeira de Eloqüência e Poezia
tano. Também à rima se sacrifica a idéia e a forma, que da Universidade de Coimíbra. 1791. Coimbra, Regis
saem por vezes erradas e frouxas. 0 autor desta tradução
não é D. Rita de Andrade, mas seu marido Bartolomeu (312) P e d r o Joeó d a Fonseca, j á fizera anteriormente um comen-
tário à A. P., que, existe, manuscrito, na B. N. d e ÍLis-
Cordovil, conforme diz Inocêncio (31). Outra hipótese
boa ( n . ° 1 0 6 7 6 ) e c u j o título é: « H o r á c i o , Notas esco-
é que teria sido Antônio Isidoro dos Santos, bedel da
lhidas à epístola aos Pisoens, de Q. Horácio Flacco, feitas
por Pedro José da Fonseca, professor de Rethorica e
{ 3 1 ) V o l . VHE, p . 163. < Poética na cidade de Lisboa, Anno, ifóç.

t
41 125
Officina Typographica. 2.* edição. 1815. Lisboa, Typo-
Arte Poética ou Epístola de Q. Horácio Flacco aos
graphia Rollandiana.
Pisões, vertida e ornada no idioma vulgar com ilustra-
A tradução é em verso rimado mas o estilo não cor- ções e notas para aso e instrucção da mocidade portu-
responde à língua horaciana, .pois é desinspirado e guesa por Joaquim José da Costa e Sá. 1794. Lisboa,
prosaico. Tem, além disso, o defeito de ser feita na
Officina de Simão Thaddeo Ferreira. ' ''
seqüência do texto horaciano inserido em diversas partes
Esta edição é precedida de uma copiosa introdução,
separadas, que correspondem aos inúmeros assuntos de
e o texto ibrüngue é acompanhado por não menos ajbiin-
que Horácio trata. Assim, a cada passo horaciano, eajbe
dante comentário. A tradução é conecta, ainda que por
um comentário que faz corpo com a tradução e o texto
vezes seja prolixa. Quanto à introdução parece-nos útil
latino. Deste modo, a consulta d o livro torna-se difícil
sobretudo um pequeno parágrafo ( V I , pp. 22-26) em
não se podendo ler, sem dificuldade, o texto e a tradução
que o autor descreve as edições de Horácio em Portugal.
em perfeito seguimento. O comentário, contudo, é
copioso e bastante completo para a época.
Por suia vez, do séc. x i x também chegaram até nós
algumas edições da A. P.:
A Poética restituida à sua ordem: com a interpretação
parajrastica em português e huma carta do editor a certo
Arte Poética. Epístola aos Pisões. Traduzida em
amigo sobre este mesmo assunto. 1793. Lisboa, Regia
verso portuguez por Antonio José de Lima Leitão. 1827.
Officma Typographica.
Lisboa, Impressão ide Manuel Joseph da Cruz.
O autor desta obra é o P . Tomaz José de Aquino
Esta edição é constituída unicamente pela traduçãt
que fez uma introdução assaz vaga, na qual semeia
com um òreve comentário destituído de interesse.
rermmscências eruditas sem grande ligação com o poema
A tradução, em verso ibranco, não reproduz o pensa-
horaciano; por isso, lhe chama «carta a certo amigo»
mento horaciano, mas sim o pensamento e o mau-gostí
A tradução, contudo, está escri ta em prosa—o autor cha-
do tradutor, muito embora ele diga no prefácio: «Paire
ma-lhe parafrástica — , num estilo demasiado prolixo e
ce-me que nesta minha tradução me aproximei ida con-
terra-a-terra, sendo apesar de tudo mais fiel que as de
cisão de Horácio m;ais que todos os outros».
Rita F. de Andrade e de Miguel d o Couto Guerreiro
O comentário que o acompanha é magro e mal documen-
tado, seguindo-se-Ihe a tradução das notas de Metas- Arte Poética. Epístola aos Pisões. Traduzida pek

tásio à A. P. Marquesa de Alorna, in Obras Poéticas, 1844 Lisboa


Voi. V , p. 3-66 e 325-326.

42
A Marquesa de Alarma fez uma edição bMingue, emendar se tivessemos paciência e vagar para nos
seguida de breve mas elucidativo comentário. A tradu- ocuparmos com ella por mais tempo» (p. 280).
ção, em verso branco, é bastante prosaica, foge, freqüen-
tes vezes à letra, qiuer acrescentando expressões que não Paraphrase da Epístola aos Pisões, comummente de-
estavam no texto latino, quer suprimindo outras que são nominada Arte Poética de Quinto Horácio Flacco, com
fundamentais para a sua compreensão. A l1.* edição annotações sobre muitos lugares por D. Gastão Fausto
desta tradução da A. P. saiu a lume em Londres, enii da Gamara Coutinho, Lisboa, na Typographia de José
1812 ( 3 3 ) . Baptista Morando, 1853.

A tradução muito livre, como o 'próprio títuío sugere,


Aos Pisões, sobre a arte poética, traduzida por An-,
lê-se com certo agrado e segue-se-lhe um comentário que,
tonio Luiz de Seabra, em Satyras e Epístolas de Quinto
emíbora nada traga de pessoal, satisfaz as exigências do
Horácio Flacco, traduzidas e comentadas por .... Porto,
leitor (34).
em casa de Cruz Coutinho, 1846, vol. I I , pp. 105-128,
335-280.
Passamos agora ao séc. x x , do qual só conhecemos,
Esta edição é constituída pelo texto traduzido e por
uma tradução, publicada no primeiro decênio do século.
um comentário mediano. O valor da tradução é infeliz-
mente bastante diminuído pela falta de talento d o autor,
que, no entanto, é de extrema severidade para os seus Obras de Horácio—Arte Poética (versão portu-
píedecessores (vid. pp. 277-280). Bfectivaimente, não guesa), sem nome de tradutor, Cruz e C. a Editor,
aprecia, com razão, nenhuma das traduções em verso, Braga, 1905-
que se fizeram anteriortmenbe, mas nem por isso 'deixa de Trata-se de um simples folheto com o texto da tra-
tentar o verso para fazer a sua tradução. Quanto a esta, dução, Esta apresenta-se geralmente conecta, mas nem
julgamos ser suficiente crítica, o que esítá implícito nas sempre dá o devido lugar a todos os elementos que sur-
palavras finais escritas pelo próprio autor: « D a nossa gem no^contexto horaciano. Naturalmente que a falta
tradução dizemos unicamente, que reconhecemos que de comentário desvaloriza (bastante este trabalho.
leva desigualdade, e alguns defeitos, que poderíamos

( 3 l ) Cf. Eoocêncio, vol. m , p. 136.


(33) Cf- a ed- de A, Luís Seabra, p. 279.

aa
44
Foram estes os elementos bibliográficos que conse-
guimos colher sobre a fortuna da A, P. horaciana em
Portugal. É possível que haja lacunas, mas julgamos
suficiente o número de edições consideradas, visto que,
PRINCIPAL BIBLIOGRAFIA MODERNA
por imeio delas, muito podemos avaliar do conhecimento
de Horácio e sua qualidade no nosso país.
Edições da Arte Poética ( A . P . )

Horace on Poetry, The 'Ars Poética', by C. O. Brink,


Cambridge, 1971.
Horace, Épitres, texte établi et tradiuit par F. Ville-
neuve, Paris, 1961.
Quintus Horatius Flaccus, Briefe, erklárt von A . Kiess-
ling & R . Heinze, 7,a ed., com apêndice por E .
Burck, Berlim, 1961: fundamental quanto à crítica
feita por Burck aos mais modernos trabalhos sabre
a A. P.

Horatius, Opera, ed. de F . Klingner, Lípsia, 1959.


Orazio, Arte Poética, introduzione e commento di A .
Rostagni, Turim, 1930.

Oeuvres dJHorace, ed. F. Plessis & P. Lejay, Paris,


1904.

Comentadores

Pomponi Porphyrionis commentarii in Horatiwn, ed, G.


Meyer, Lípsia, 1874.

Pseudoacronis scholia in Horatmm to&tustwra, ed. O.


Keller, 2 voís., Lípsia, 1902-1904.

46 47
Obras diversas
Grimal, P., Essaisur l'Art Poétique d'Horace, Paris, s.d.
(1968).
Bieler, L . , Geschichte der rõmischen Literatur, Berlim,
1961. Lausberg, H , , Elemente derItterarischen Khetorik, Muni-
que, 1963; Elementos de Retórica Literária, introd. e
Brink. C. O . , Horace on Poetry, Prolegomena to the lite-
trad. de R. M. Rosado Fernandes, Lisboa.
rary Eptstles, Cambridge, 1963; The 'Ars Poética',
Cambridge, 1971; Epistles Book II, The Letters to Au- The Oxford Classical Diciiotiary, Oxford, 1950 ( O . C . D . )
gustus and Florus, Cambridge, 1982. E a obra mais
Pelayo, Marcelino Mcnéndez y , Horácio en Espana. Tra-
actualizada e mais bem orientada que conhecemos.
duetores y conientadores de la Poesia Horaciana.
Cupaiolo, F . , L'Epistola di Orazio ai Pisoni, Nápoles, Solaces bibliográficos, Madrid, s. d.
1941. Trabalho claro e extremamente bem informado Perret, J . , Horace, Paris, 1959. Monografia sem preten-
e útil. sões a ser exaustiva, mas que, no entanto, é o resul-
Exposição Horaciana, Catálogo, (Biblioteca Nacional tado dos conhecimentos de um grande Üatinista.
de Lisboa), Lisboa, 1937- Obra organizada por Luiza Stégen G., Les épttres littéraires d'Horace, Namur,
Maria de Castro e Azevedo, que, com ela, contribui 1958. Estudo da estrutura das epístolas literárias de
grandemente -para o conhecimento das edições portu- Horácio, em moldes demasiadamente ambiciosos.
guesas de Horácio. Nem sempre fundamenta as suas opiniões. Vid. a
Fxânkel, E . , Horace, O x f o r d , 1959- É este o melhor es- recensão d e Maria Manuela de B. Albuquerque,
tudo sobre as composições de Horácio, mas infeliz- Euphrosyne, III (1961), pp. 433-437.
mente não trata 'da A. P., muito embora a ela se
refira quando necessário.

Gonçalves, F . Rebelo: «Horácio e Eurípides», Euph.ro-


syne, III (1961), p p . 49-64. Faz-se o estudo das
razões por que Horácio não apresenta, nas epístolas
literárias, Eurípides como seu modelo. É que o tra-
gediógrafo grego fugia das regras aristotélicas defen-
didas por Horácio.

48 1NQ 11 -
49
Q. HORATI FLACCJ. QUINTO HORÁCIO FLACO
DE ARTE POÉTICA LIBER ARTE POÉTICA

Humano capiti ceruicem pictor equinam Se um pintor quisesse juntar a uma cabeça hu-

iiungere si uelit et uarias inducere plumas mana. um pescoço de cavalo e_a membros de ani-

un dique conlatis memíbris, ut turpiter atrum mjtis de toda a ordem aplicar plumas variegadas, de f

desinat in piscem mulier formosa superne, forma a que temi irias se em torpe e negro peixe a. ^

spectatum admissi risum teneatis, amid? 5 mulher de bela face, contenteis vós o riso, ó m e u s _ O

Credite, Pisones, isti tabulae fore libram amigos, se a ver tal espectáculo vos levassem? P o i s 5

persimilem, cuius, uelut aegri somnia, uanae crede-me, Pisões, em tudo a este quadro se asseme-'

fingentur species, ut nec pes nec caput uni íharia o livro, cujas idéias vãs se concebessem quais

reddatur formae. «Pictoribus atque poetis sonhos de doente;, de tal modo que nem pés nem
^cabeça pudessem constituir^ uma só forma, Direis
1-40 — Introdução; defende-se a unidade da eoncepçSo poética. vós que «a pintores e a poetas igualmente se con-

I — Com este início, no qual se descreve um ser de hibri-


simples e una, formando um todo, Cf, Arist,, Poética, VT-VTI,
dismo impressionante, pretende Horácio defender, tal como &
1450 b e segs. Este princípio é defendido na A , P , até ao v . 37
fizera a escola aristotélica, a preferência pelo^verosímil, o que
poderá parecer contraditório visto sabermos que se criaram, na 3 — turpiter refere-se a de sinal e ao mesmo tempo a atrum,
antiga mitologia, seres fabulosos e híbridos corno os Centauros, o que torna difícil a sua tradução. Cremos, todavia, que mais
as Sereias, a Quimera, etc. Estes seres podem, no entanto, exis- reforce atrum devido à proximidade.
tir 110 mito, mas a obra poética não se lhes deve assemelhar 9 — Esta objecção, feita por um interlocutor imaginário,
na sua estrutura. Pelo contrário, a obra de poesia deve ser corresponde a um preceito já conhecido na antigüidade* cujo

50 51
quMlibet audendi sernper fuit aequa potestas.» 10 cedeu, desde sempre, a faculdade de tudo oUsar».i 10
. Sciinus, et hanc ueníain petimusque damusque uicissim, Bem o sabemos e, por isso, tal liberdade procura-1 l - V f j C
'sed non üt placidis coeant inmitia, non ut mos e reciprocamente a concedemos, sem permitir^ \
^.serpentes auibus geminentur, tigribus agni. contudo, que à mansidão se junte a ferocidade e- \
Jnceptis grauibus plerumque et magna professis que se associem serpentes a aves e cordeiros a- /
jjpjirpureus, late qui splendeat, unus et alter 15 tigres. *

:adsuitur pannus, cum lueus et ara Dianae Geralmente a princípios solenes e onde se pro-
et properantis aquae per amoenos ambitus agros metem grandes coisas, para obter mais efeito,
aut ílumen Rhenrai aut pluuiius describitur arcus: qualquer remendo purpúreo se lhes cose, ao des- 15
sed nunc non erat his locus. Et fortasse cupressum crever o bosque e o altar de Diana, as curvas de
rápidos ribeiros por amenos campos, ou o Reno
eco se encontra, p. ex., e m Luc., Pro imag., '18: t K um dito ou o chuvoso arco-íris; ali, porém, não cabiam tais
antigo, contudo, que poetas e pintores não têm de dar contas*. descrições. Porventura também sabes figurar um
Horácio admite, em princípio, o que esta velha sentença em si cipreste: mas que vem este fazer no meio dos des-
ooafcém, mas sem aceder a exageros, pois a poesia é imitação
(ji£{i7]ffiç) e a realidade não dá azo a fantasias exuberantes e
ção do R e n o ( v . r8) feita a despropósito. L e j a y , no entanto,
irracionais.
não admite esta última hipótese, -porque Bíbáculo nos seus
- ,. 14 — Censura o poeta, atendo-se, portanto, ao princípio Annales belli Gallici teria sido forçado, pela natureza d o tema,
dajmídade do põemãTíiidõ_o~que não~ tenha íntima conexão a falar d o Reno, não caindo, por conseqüência, no erro apon-
com o tema .poético,^tajs_çgmo-.as digressões de que nos dá tado por Horácio,

exemplos nos versos seguintes. Compara essas mesmas digres-


19 — A comparação do mau poeta com o pintor que, em
sões a remendos de púrpura que, porventura, se cosam num
todos os quadros, só sabia pintar um cipreste é fortemente
vestido de tecido diferente e que, em si, forma um todo. Esta
irônica pelo duplo facto de ser pintada uma árvore numa cena
crítica, como a seguir apontamos, era possivelmente dirigida*
marítima e de ser esta um cipreste, árvore bem conhecida como
contra certos poetas da antigüidade. No que respeita às
símbolo funerário. Deste modo, o cipreste, árvore dos mortos,
letras gregas é digno de tal critica, Antímaco de Cólofon
aparecia junto de alguém que no naufrágio se salvara com
(séc. rv a. C . ) , como nos diz Rostagni, visto que o poeta
vida. T u d o isto era contrário à verosimilhança que se pretende
grego, ma Tebaida, fazia digressões similares. Dentro das letras
na obra de arte.
romanas, contudo, já é mais difícil identificar um poeta que
O exemplo horaciano é tirado de um costume normal entre
possa ser objecto desta crítica. Rostagni admite que a imagem
os antigos: os náufragos faziam-se pintar na cena do naufrá-
do bosque de Diana ( v . i ó ) se dirija contra CornéLio Severo,
gio de que se tinham salvo. A pintura podia depois ser depo-
e que de Fúrio Bíbáculo se trate, quanto à crítica da descri-

t
53 125
seis sim ul are; quid hoc si fractis enatat exspes 20 troços do navio, do qual, perdida já a esperança, 20
nauibus, aere dato qui pingitur? Ainphora coepit quem te deu dinheiro para assim o pintares, a
institui; ourrente rota cur urceus exit? custo se salvou? Foi uma ânfora, sim, que começou
• 1
Denique sit quod uis, simplex dumtaxat et unum. a ser modelada: por que razão, da roda circulante^ |
Maxima pars uatum, pater et iuuenes patre digni, é u m pote que v a i sair? E m suma: faz tudo o q u e l '
decipimur specie recti. Breuis esse laboro, 25
qulseres, contanto que o faças com simplicidade e (
absourus fio; sectantein leuia nerui unidade.
deficiunt animique; professus grandiã turget;
Com a grande parte dos poetas, ó pai e ó filhos
serpit humi tutus nimium timidusque procellae;
dignos de tal pai, deixamos enganar-nos por falsas
qui uariare cupit rem prodigialiter unam,
aparências de verdade: forcejo por ser breve, em 25
delphinum siluis adpingit, fluetibus aprum. 30
obscuro me torno; a quem procura o estilo polido,
In uitium ducif culpae fuga, si caret arte.
faltam a força e o calor, e todo o que se propõe ,
vv-;.
atingir o sublime, descamba no empolado. Acaba,
sitada, num templo, como ex-voto. Vid, Hor., Odes, X, 5,
todavia, rastejando pelo chão o demasiado cauto,
13-16; Sát., I I , 1, 33; Pedro, XV, -2J1, -24; Pérsio, 1, S9-91 e
6, 32-33; J i i v „ Sdt., 14, 301 e segs. o que tem medo da procela; mas quem deseje
variar prodigiosamente um tema uno, pintará golfi-
21 — O urceus é um vaso muito diferente da ânfora (am- 30
nhos nas florestas e javalis nas ondas do mar.
phora). Esta é esguia e alta ao passo que aquele é baixo,
atarracado. O urceus era, além disso, um vaso para uso Procurando fugir do engano se cai no erro, caso
doméstico. não se possua a arte, Nas imediações da escola

23 — Neste verso faz-se a conclusão das premissas ex- IIOÔ b 27), eram os pontos óptimos do procedimento humano,
postas anteriormente: simplicidade e unidade do poema. Este Esta idéia repete-se na obra horaciana: Odes, I I , 10, 5 (aurea
modo de generalizar o princípio aristotélico provém, talvez, mediocritas); Sdt., I. r, i o ó (est modus in rebua); Ep., I,
da influência de Neoptólemo de P l r i o . Vid. Brink, Prole- r8, 9 (uirtus est médium uitiorum e t ufcrimque reduetum:
gomena, pp. 103, 231, 254. «np meio dos vícios, a virtude se equilibra, igualmente afas-
tada dos extremos»). Cf. Cíc., Bruto, 1149; De officiis, I, 89.
24 — Inicia agora o poeta a defesa da justa medida e da
elaboração cuidada na criação poética. Este critério, saído 25 ~ Horácio refere-se à breuitas como qualidade de estilo,
da escola perLpatética, aparece-nos aqui caldeado pela con- sem que a admita, contudo, em proporções demasiadas. Nesse
cepção horaciana da vida (vid. p. 18) segundo a qual o caso, origina-se a falta de clareza obscuritas. Vid. w . 149-
comedimento, o meio termo (jíêctÓtt)!;, cf. Arist., Et. Nic., -150; 335-336.

t 54 125
Aemilium circa ludium faiber imus et unguis Bmília, o mais Ínfimo dos escultores molidairA unhas
exiprimet et mollis imitabitur aere capillos, no ibronze e até neíe imitará cabelos sedosos, mas • o
infeJix operis summa, quia ponere totum será infeliz no acabamento da obra por não saber o
nesciet. Hunc ego me, siquid coraponere curem, 35 criar um todo. Se algo desejasse compor, não que-, 55
non magis esse uelim quam naso uiuere prauo reria assemelhar-me a esse, dq mesmo modo que
spectandum nigris oculis nigroque capillo. não me agradaria possuir horrível nariz, ainda que
Sumite materiam uestrís, qui scribitís, aequam 4 meus olhos negros e negros cabelos fossem dignos
uiribus et uersate diu quid ferre recusent, f
de admiração.
quid ualeant umeri. Cui Iecta potenter erit res, 4o Vós que escreveis, escolhei matéria à altura das
nec íacundia deseret hunc, nec lucidus ordo. * vossas forças e pesai no espírito longamente quo '
OTdinis haec uir-tus erit et uenius, aut ego fallor, coisas vossos ombros bem carregam e as que eles ,
j
! não podem suportar. A quem escolher assunto de 40
32 — O Aemilius ludus era uma escola de gladiadores 5
acordo com as suas possibilidades nunca faltará
romana, fundada por Emílio L é p i d o , em v o l t a d a qual se
encontravam lojas d e artífices, -escultores d o bronze. Ora estes, eloqüência nemião-pouco ordem luzida.
ainda que soubessem esculpir, não possuíam talento artístico A virtude e 'beleza da ordem consistirão — ou
e não eram capazes de conceber uma obra de arte, porque
a obra de arte tem de formar um todo, não interessando os
40-118 — A segunda parte da A . P . , que trata agora da ordem
pormenores senão em relação a esse todo.
e do estilo, corresponde respectivamente, segundo o esquema que
38-40 — C o m este passo se termina a primeira parte, a indicámos na Introdução, p. 34, ao capítulo em que Neoptó-
qual, nas opiniões de Norden e d e Rostagni, etc., era dedicada lemo de Pário se ocupa do tcoEt)/*íx. e ao capítulo I I I da
à inuentio, Brini, Prolegomenap. ia etc., discorda desta Retórica de Aristóteles.
classificação de Norden, visto q u e a admissão d a inuentio
pressuporia que, no resto d o poema, viessem as outras fases 40-41 — Estes dois vereoe servem de ligação entre 1-40
da composição da obra literária, preconizadas pela retórica e 4Í-IÍ18 tornando a transição menos precipitada. A o mesmo
antiga, às quais Horácio se refere, mas sem as querer com- tempo que se refere à escolha da matéria, que deve ser feita
pendiar. A verdade é que nos primeiros 37 versos não há segundo as possibilidades d o autor, diz-nos o poeta que, 110
I qualquer discussão técnica da escolha da matéria, o que diria caso daquela condição ser preenchida, surgirá então a fa-
Respeito a inuentio, mas tão-só a defesa da unidade da obra cundia e o ordo ou seja o estilo e a ordem da composição, que
: poética, q u e abrange a escolha d o assunto, a disposição e o ' completam a escolha da res ( w . 38-40}.
j^lo («íMeMíio, dispositio e elocutio). Se a o desejo de unidade
42-45 — R e f e r e - s e Horácio a o ordo ( t á j j i ç ) OU seja a uma
jSftf juntar o bom-senso teremos então uma obra de arte.
das características da dispositio (Vid, Lausberg, Elemente,

56
57
ut iam nume dicat iam nunc debentia dici, eu me engano — em que se diga imediatamente o
pleraque differat et praesens in tempus omittat, que tem de ser dito, pondo muitos ponmenores de
hoc amet, hoc spernat promissi carminis auctor. 45 lado e omitindo-os de momento: que o autor do
In uerbis et iam tenuis cautusque serendis poema prometido, ora escolha este aspecto, ora
dixeris egregie, notum si caliida uerbum despreze aquele. 45
reddiderit iunctura nouum. Si forte necesse est N o arranjo das palavras deveras também ser
indiciis monstrare recentibus abdita rerum, et subtil e cauteloso e magnlficamente dirás se, por
engenhosa combinação, transformares em novida-
des as palavras mais c o r r e n t e s S e porventura for
§ 42, que consiste em fixar um plano para a obra e dizer
unicamente o que vem a propósito. Esta divisão tem de ser necessário dar a conhecer coisas ignoradas, com
alterada se admitirmos a disposição apresentada por Klingner vocábulos recém-criados, e formar, palavras nunca
na sua edição, que tira o verso 45 da disposição tradicional,
colocando-o a seguir ao v . 46. Temos assim, em v e z do texto ração proposta, ainda que seja lógica, carece d o apoio dos
que apresentamos, o seguinte:
manuscritos, e este facto parece-nos extremamente relevante.

Ordinis haec uirtus erit et uenus, aut ego fallor 46-7111 — Horácio começa a entrar na teoria da escolha dó
ut iam nunc dicat iam nunc debentia dici, palavras, que pròpriamente é uma das partes da dispositío
pleraque differat et praesens in' tempus omittat. ( V i d . Lausberg., Elemente, § 46, 2 ) , e discute os preceitos,
In uerbis etiam tenuis cautusque serendis 46 que regulam a escolha das palavras em função d o poema {in
hoc amet, hoc spernat promissi carminis auctor. 45 uerbis ... serendis), ocupando-se logo dos singula uerba como
Dixeris egregie, notum si caliida uerbum, etc. 47 veremos, Brink, Prolegomena, <p. 94, aponta a possível in-
fluência no passo que se segue, de Aristóteles, Retórica, IMl'
Assim a tradução dos w . 42-44 seria: « A virtude e beleza
2-6, que Horácio pode ter conhecido directamente e por in-
da ordem consistirão — ou eu me engano — em que> se diga •^j. in-
termédio de Neoptólemo de Pário.
imediatamente o que tem de ser dito, pondo muitos ponnenores
de lado e omitindo-os de momento.» A tradução dos v v . 46, 47-48 — Caliida iunctura; trata-se, segundo afirma Ros-t.j'
45, 47 e segs. soaria: « N o arranjo das palavras o autor do tagni, da metáfora, na qual é possível, por hábil combinaçãcfej
poema prometido, se for cauteloso e discreto, preferirá transformar o sentido de uma palavra, ao colocá-la num -iftíflp
esta forma, deixará a outra de lado. E magnlficamente texto desabitual. Vid. F . Cupaiolo, A proposito delia calliãã:>^
dirás, se ...» N a versão tradicional, o verso 45 que pertencia iunctura oraziana, Nápoles, 194a. Horácio dá, juntamente'étfrif*?;
ao orâo, passa, na versão de Klingner (que segue B e n t l e y ) , o preceito, um exemplo que o corrobora. Efectivaménté,^!^
a pertencer à descrição da elocutio. Preferiremos, por nossa expressão d o v . 46, in uerbis ... serendis, está pela mais habi-*;
parte, mantermo-nos na tradição, reconhecendo, que a alte- tual, in uerbis inueniendis. A expressão horaciana provém

t
59 125
f^iágere tinctutis non exaudita Cethegis 50 ouvidas pelos Cetegos cintados, podes fazê-lo e 50
• continget dabiturque licentia sumpta pudenter, licença mesmo te é dada, desde que a tomes com
e i noua fictaque nuper habebunt ueríba fidem, si discrição. Assim, palavras, há pouco forjadas, em
JGraeco fonte cadent parce detorta. Quid autem breve terão ganho largo crédito, se, com parcimô-
Çaecilio Plautoque daibit Romanius, ademptum nia, forem tiradas de fonte grega. P o r que motivo,
Vergilio Vanioque? E g o cur, adquirere pauca 55 permitem os Romanos a Plauto e a Cecílio o que
!'í, 11
recusam a Virgílio e a Vário? Se a língua de Catão
uma metáfora de origem agrícola e traduz-se literalmente: « n o e de Énio, produzindo novas palavras, enriqueceu 55
semear de vocábulos». Quando ao advérbio egregie (v. 47)
tem ele o seu valor etimológico, i. e., de e + grex, ou seja, o 53-58 — o poeta, contrapondo os antigos comediógrafos
que foge d o rebanho, tal como a língua própria à poesia. Cecílio (séc. n a. C . ) e Plauto (sécs. n i - n a. C . ) aos seus
D o v . 48 ao v . 69 falará o poeta da possibilidade de criar contemporâneos (séc. i a . C ) Virgílio e Vário, alude à dife-
vocábulos novos, desde que estes sejam forjados com mode- rença de atitudes dos críticos para com os primeiros, aos quais
ração. permitiram inovações vocabulares, ao passo que aos modernos
poetas tal liberdade não era concedida. Com esta comparação
50 — Os Cetegos pertenciam a uma antiquíssima família pretende Horácio trazer a discussão as divergências de duas
d e R o m a . Cinctuti é o epíteto com que oe Cetegos 6ão caracte- escolas gramaticais: uma, chefiada por Cícero e César, de-
rizados, porque, ainda em tempos não muito afastados de fendia a analogia na parte morfológica e na parte lexical da
Horácio, eles se cingiam com o rústico cinctus em volta do língua, não admitindo, -portanto, neologismos;- a outra, admi-
peito ou da cintura de modo a ficarem os braços livres. Sobre tia a anomalia, concedendo que na língua se inovasse por
os ombros deitavam depois uma toga, Cinctutus é, além disso, meio da introdução de palavras novas. César, 00 seu trabalho
um vocábulo f o r j a d o por Horácio que, mais uma vez, exem- De analogia, afirma que se deve fugir, como de um rochedo,
plifica o preceito dado (cf. v . 4 6 ) . Poderíamos, em português, da palavra desusada e nunca ouvida: « H a b e semper in memó-
traduzir este neologismo latino por icintudos>, conservando ria atque in pectore ut tanquam scopolum sic fugias inauditum
assim a intenção horaciana. atque insoliens uerbum* (apud A u l o Gélio, 2V. A., I, Io e
Macrób., Sat., I , 5, 2 } . Horácio toma a posição defendida pela
53 — Graeco fonte: para a maioria dos romanos contavam escola contrária a César, mas, como sempre, admite-a, pres-
como neologismos as palavras derivadas do grego, ou seja, os supondo, que das liberdades concedidas se faça uso com come-
helenismos. Estes compreendem não só transi iterações d o gê- dimento e critério. Para continuar com exemplos tradicionais
nero de barbitos (lira), cf. Hor., Odes, I , 4 ou diota {vinho e respeitados da literatura arcaica, apresenta Horácio, no
v e t h o j j cf, H o r . , Odes, I , 9, «8, mas igualmente palavras decal- v . 56, oe casos de Énio e Catão que inovaram respectivamente
cadas semânticamente sobre modelos helénicos, taiscomo poten- na poesia e na prosa, introduzindo, na língua, novos modelos
ter d o v . 40 (SuvstTwç). prodigialiter do v . 29 ( t e p a r w S e í ) , etc. vocabulares,

61
60,
si possum, inuideor, cura lingua Catonis et Enni o idioma pátrio, com que razão hao-de malsinar-me
sermonem patrium ditauerit et noua rerum caso eu puder acrescentar-lhe algumas? Foi lícit(f*| . ,C
nomina protulerit? Licuit semperque Üicebit 1 e l í c i t o sempre será langar-jxm-jvocábulo cunhado^
signatum praesente nota producere nometn. com o selo da modernidade. Assim como as flores-
Vt siluae foliis pronos mutantur in annos, 60 tas mudam de folhas no declinar dos anos, e so"ãs^" Í60
prima cadunt, ita uerborum uetus interit aetas, folhas velhas caem, assim tamlbém cai em desuso
et iuuenum ritu florent modo nata uigentque. a velha geração de palavras e, à maneira dos J o -
Debemur morti nos nostraque. Siue receptus vens, as que há pouco nasceram em breveflores- *
terra Neptunus classes Aquilonibus arcet, cem e ganham pleno vigor, Nõs e as nossas obras. j
regis opus, sterilisue diu palus aptaque remis 65 estamos fadados para a morte! Mesmo que o m a r j j .
uicinas urbes alit et graue sentít aratrum, de Neptuno, recebido pela terra, proteja as arma-
seu cursum mutauit iniquum frugiibus axnnis, das dos Aquilões, em obra digna de reis; mesmo
que o pântano, estéril durante (muito tempo e apro-
priado para os remos, alimente as cidades vizinhas 65
56 — inuideor por mihi inuidetur: trata-se d e uma cons-
trução à moda grega (por ( f ô o v o u ^ a t ) , meologismo helénico, e até sinta o peso do arado; mesmo que o rio,
que Horácio apresenta para juntar o exemplo à regra, tal levado por caminhos favoráveis, mude o curso fa-
como já fizera antes { w . 47, 50).
Horácio, A c r ã o e Pseudoacrão. A d m i t i n d o essas alusões, muitos

60 — As palavras e sua v i d a são descritas por Horácio com dos comentadores modernos tentaram indevidamente encontrar

o mesmo símile que H o m . , Ilíada, V I 146 e segs., e Mimnermo, aqui um ponto de apoio para a ' d a t a ç ã o do poema, tomando

frag. 2 ( D i e h l ) , usam para caracterizar a v i d a dos mortais. como premissa o conhecimento de Horácio de certas obras pú-

Com ele, o poeta recorda as opiniões dos que pensam ser a blicas levadas a cabo em determinadas datas. "É, porém, ten-

língua um fenômeno natural, próprio da <púut; (natureza) e t a t i v a falaciosa, visto que nada nos diz que H o r á c i o pensasse

não imposto por autoridade (vójjuoi Oecst)- em tal ( v i d . Brink, Prolegomena, p. 241), ou, pelo menos, que

\
exclusivamente pensasse em obras determinadas. D e v i a sim,

63 — Debemur morti é construção helenizante e lembra o fazer estas referências com o intuito d e generalizar o tema da
verso atribuído a Simónides, A n t . Pai., X , 105: «todos estamos debilidade das obras humanos.
destinados à m o r t e » , \> —
65 — Palus, cuja prosódia normal é palus, aparece aqui
V1 • f
64 —-1£ possível que, nestas referências que se seguem, escandido c o m o palus, dando-se, por conseqüência, um caso de
Horácio enumere trabalhos públicos mandados efectuar por correptio iambica, que sobretudo fora normal na métrica ar-
César ou por Augusto, tal c o m o sugerem os comentadores dè caica plautina.

125
t 62
v a
doctus iter rndius, mortal ia facta peribunt, tídico para as searas: são obras humanas e de-* ^ ;
nedam sermonum stet honos et gratia uiuax. vem perecer. Assim também o valor e a graça das V^
Multa renascentur quae iam cecidere, cadentque 70 palavras nem sempre ^ge^o^ivazes.^Huitos'voe?- ' v^f
quae nunc sunt in honore uocabula, si uolet usus, bulosTjA"desapjareçjdps, voltarão àL_vidaJ e muitos . c3'
quem penes arbitrium est et ius et norma loquendi. outros, agora em^moda,. desaparecerão, se o uso 70

)
Res gestae regumque ducumque et tristia ibella assim quiser, poissó a ele pertencem a soberania_e
quo scribi possent numero, monstrauit Homerus. o/direito e a Jegislação da língua.. •V
Versibus impariter iunctís querimonia primum, 75 Em que metro se podem descrever os feitos d o s '
reis, dos chefes, as tristes guerras, já o demons-' y^/X
71 — Usus tem, neste contexto, um sentido bastante rico, V
trou Homero. O lamento, em tempo antigo, expri-
pois não é só aquilo a que se chamava na retórica latina
consuetudo loquentium (Quiot., Inst, Or., I, 6, 44; Aulo
mia-se em versos desiguais que foram unidos: 75
Gélio, N. A., X H , 13, n6), mas inclui em si a utilitas, ou seja
gundo a
a necessidade que leva à inovação formada pelos neologismos
sua teoria literária, eram estes e só estes que os Roma^
e pelo retorno ao uso de certos arcaísmos. Isto, contudo, não
nos deviam imitar,
permite identificar a expressão horaciana com as teorias da 73 — Quanto à epopeia e aos assuntos que descreve, assim
escola epicurista ( v i d . IBrkik, Prolegomena, p . a.36. n. 2 ) . Com como ao tom que nela se procura, tudo é descrito dentro da
o v . 72 faz-se a transição para um outro capítulo. habitual concepção de que tristeza e solenidade são as duas
características mais flagrantes desse gênero. N ã o fora em vão
73-85 — Entra agora Horácio nas discussões dos metros,
que a tragédia buscara exactamente na epopeia os seus prin-
os quais, como bem mostra .Rostagni, formam, no caso estrito
cipais temas.
d o verso, porte dos coniuncta u-erba (os singula uerba foram
tratados nos w . 416-72), pois estes só podem conceber-se dentro 75 — Fala
de determinado ritmo. Ora este ritmo é na poesia, o que se agora Horácio dos dísticos elegíacos ( i m p a r i t e r ,
eaitende por metro, o qual, (para obedecer aos preceitos d o porque constituídos por um hexâmetro e um pentâraetro dactí-
•jrpéjrov. tem de ser apropriado a o tema poético de que se trata, licos), mas não lhe é possível apresentar um inventor. N o en-
Brink, Prolegomena, p . gq, aponta, neste caso, a possível in- tanto, caracteriza os gêneros que adoptaram, como metro, o
fliiência directa ou indirecta (por Neoptólemo de P á r i o ) do dístico elegíaco: — r.° os cantos lamentosos, Esta atribuição é
• esquema delineado por Aristóteles, Retórica, LM, 8. Por isso, provocada pela discussão da origem da palavra elegia, que, na

seguir-se-á uma sinopse dos diversos metros e dos seus inven- antigüidade, era interpretada como proveniente de e Aéyetv ou
seja, traduzindo literalmente, «dizer ais», i. e., «lamentar-se».
tores (Eoperaí) > tal como era hábito fazer-se nas obras técnicas
Segundo recentes invéstígaçõos, essa palavra, deriva-se de
dos gramáticos antigos. Horácio, muito embora escreva para
um vocábulo armênio elgn — (caniço, f l a u t a ) . Quanto a
um público romano, só se referirá a modelos gregos, pois, se-
este aspecto e quanto ao inventor do poema elegíaco, v i d . G.

64 INQ 11 — 3 65
post et iam inclusa est uoti sententia compos; depois, neles se incluiu; a satisfação de promessas
quis tamen exiguos elegos emiserit auctor, atendidas. Sobre quem, no entanto, pela primeira
grammatici certant et adhuc sub iudice lis est. vez criou as singelas elegias, discutem os gramá-
Archílochum proprio rabies armauit iambo; ticos e ainda o litígio está em tribunal. Foi a raiva
hunc socci cepere pedem grandesque coturni, 80 quem armou Arquíloco do jambo que a este 6
alternis aptum sermonibus et popularis próprio: depois, a tal pé, adaptaram-no os socos
uincentem strepitus et natum rebus agendis. e os grandes coturnos por mais apropriado para 80
Musa dedit fidibus diuos puerosque deonum o diálogo, capaz de anular o ruído da assistência,
visto ser criado para a acção. A Musa concedeu à
Lucb, Die Rümische Liebeselegie, Heidelberga, 11961, p. 18 e lira o cantar deuses e filhos de deuses; o vencedor
eegs.; — 2.0 os epigramas votivos. N a realidade, porém, o dís-
tico elegíaco servirá para exprimir muitos outros gêneros poé-
80 — Os metros jâmbicos foram adoptados pela comédia e
ticos: o satírico, o convivial, o amoroso, etc.; vid. O.C.D., s. u.
pela tragédia ( v i d . Arist., Poética, V , 1449 a ) , que> a princípio
Elegiac Poetry. Horácio só se interessou em-referir os primór- usavam o tetrâmetro trocaico, próprio da sua origem satírica
dios do dístico elegíaco e não todos os gêneros em que ele e da sua forma coral. Só quando do coro e da exclusiva forma
aparece. corail se passou ao diálogo entre actores { f i m d o séc. v i a. C,
77 — exiguos elegos em comparação com a igrandeza da com Frínico e Téspis, na tragédia) é que os gêneros dramá-
epopeia. ticos usaram os jambos.
78 a discussão dos gramáticos (que ainda durava no Com socci (pequenos sapatos da comédia) e os grandes ...
tempo de Horácio) desenvolvia-se sobretudo em torno d o in- coturni (da tragédia), marca o poeta, por meio d e antítese,
ventor: — Calmo de Éfeso (séc. VII a. C.: de quem temos a a diferença de estilos entre o primeiro e o segundo gêneros:
mais antiga elegia), Arquíloco (séc. v n a. C . ) e Mimnermo o primeiro mais humilde e o segundo mais sublime.
{séc. VI a. C . ) eram os inventores mais apontados. 81-88 — Aristóteles, Poética, X X I V , 1460 a, tem a mesma
79 — Entra-se agora na descrição da poesia jâmbica, que
opinião sobre as funções d o jambo.
Horácio considera, seguindo a teoria peripatética, como apro-
priada para as invectivas de carácter pessoal. Afasta-se, porém, 83—Agora, na descrição da poesia mélica, i. e., Uricai,
{na antiga acepção d a palavra, poesia só acompanhada pela
da teoria aristotélica, quando propõe, como inventor do jambo, a
lira — f i d i b u s ) , considera Horácio os seguintes gêneros: i>,° hi-
Arquíloco, pois Aristóteles vira em Homero o seu inventor
nos em honra dos deuses; 2.0 encómios e epinícios em que se
( v í d . Arist., Poética, I V , 1448 b ) . Enfileirava assim na escola
celebram personagens, pela suas altas qualidades, ou pelas
alexandrina, à qual pertencia, p. ex., Neoptólemo de Pário,^e
vitórias desportivas obtidas; 3. 0 poemas eróticos, em que -se
que recusava a Homero a paternidade d o jambo, por não
canta o amor dos jovens; 4. 0 escólios em que se celebram 09
considerar homérico o poema Margites, no qual, e só neste
prazeres da mesa e d o vinho.
(dentro dos poemas homéricos), apareciam jambos.

125
t 66
no pugilato e o cavalo que, primeiro, cortou a
|;^t : f®|ileítn uictorem et equtun certamine primum
meta nas corridas; os cuidados dos jovens e o vi-
ÍÍMuuemum curas et libera mina referre. 85
nho que liberta dos cuidados. 1 85
i ^ g p i s c x i p t a s senuare uices openumque calores
v cur ego, si nequeo ignoroque, poeta salutor? Se não posso nem sei observar as funções pres-1

í.IÊ® nescire piudens praue quam discere maio? critas e os tons característicos dos diversos gêneros, ^

fli^epiibus expoui tragicis xes cômica noa uailt; por que hei-de ser saudado como poeta? Qual aí \

^.^lídignatur item priuatis ac prope socco razão por que prefiro, com falso pudor, desconhe- r OÍ
90
{lignis canminibus narrará cena Thyestae. cê-los a aprendê-los? Mesmo a comédia não quer

Singula quaeque looum teneamt sortíta decentem. os seus assuntos expostos em versos de tragédia e
! >
igualmente a ceia de Tiestes não se enquadra na 190 c r
Intèrdum tamen et uocem comoedia tollit,
narração em metro vulgar, mais próprio dos socos /
katusque Chremes temido delitigat ore;
da comédia, Que cada gênero, bem distribuído 1
et tragicus plerumque dolet sermone pedestri 95
ocupe o lugar que lhe compete.
Às vezes, todavia, levanta a voz a comédia e
86-88 —• Faz-se agora a transição para o capítulo que tra-
tará d o estilo e da maneira de o adaptar aos diferentes aspectos Cremete indignado raJlia em tom patético; mais
do drama. A l é m d o metro, têm de adaptar-se o estilo (o estilo vezes, no entanto, as personagens trágicas, seja
tem de ser •npéjrov = decens) aos gêneros literários ( v v . Í58-9 2 ), Telefo ou-Peleu, em língua rasteira se lamentam, 95
às paixões ( w . 93-113) e aos próprios caracteres (vv. 114-
- m 8 ) . Corresponde a Arist-, Retórica, HEI, 7.
91 — Cena Thyestae; havia tragédias em que a narração
87 — p o e t a salutor: referência a uma saudação usual entre
desta ceia era o momento fundamental da história de Tiestes.
os Gregos, que os Romanos traduziram por salue, poeta!
Nessa refeição eram servidos a Tiestes, pelo seu irmão Atreu,
Horácio não só se refere a si próprio como a t o d o e qualquer
os membros dos próprios filhos, Eurípides e Eruio escreveram
poeta.
tragédias com esse nome, e assim também, no tempo de Horá-
88-92 — O estilo tem de obedecer ao gênero a que se cio, o poeta Vário a quem já na A. P., v . 55, se fez referência.
adapta, e, portanto, é forçosamente diferente o estilo da
, comédia do da tragédia. 9 3 - H 3 — O estilo tem de adaptar-se às paixões que, no
drama, se descrevem.
90 — priuatis: Horácio parece lembrar com este contexto
a teoria peripatética de Teofrasto, segundo a qual a comédia
93 — Chremes é o tipo do pai avaro e irasclvel, freqüente
representava as acções de simples particulares, ao passo que
na comédia nova. Vid. a personagem deste mesmo nome do
a tragédia só se ocupava com as dos heróis (cf. Diomedes
Heautontimoroumenos de Tcrêncio.
Ars Gram., I , p. 488 K e i l ) .

69
aa
Telephus et Peleus, oum pauper et exuluterque quando, na pobreza e no exílio, lançam frases em--"-
proicit ampuHas et sesquipedalia uerba, poladas, palavras de pé e -meio, t e n t a d o c _ MS;
si curat cor spectantis tetigisse querella. pelo lamento o coração de quem os olha... „' '
Non satis est pulchra esse poemata; dulcia sunto N ã o basta que os fpoemas sfrjam. bejos: força; é4í$|ff\
et, quocumque nolent, animum and i to ris agunto. 100 que sejam emocionantes e que transportem, parai ;jfftfT
V t ridentibus adrident, ita flentibus adsunt onde quiserem, o espírito 'do ouvinte. Assim como '>100,'
humani uultus; si uis me flere, dolendum est 0 rosto humano s o m a q u é m vê rir o ads que
primum ipsi tibi; tum ,tua me infortunia -laedent, ram se lhes une em pranto, também se queres que '
Telephe uel Peleu; male si mandata loqueris, eu chore, hás-de sofrer tu primeiro: só teus infor- "
aut dormitabo aut ridebo. Tristia rnaestom 105 túnios podem comover-mé, quer sejas Telefo quer ;
uultum uerba dècent, iratom plena minaram, Peleu; se, porém, recitares mal o teu papel, dormi-
Iiudentem lasciua, seuerum seria dictu. tarei ou cairei no riso. Tristes palavras só dão bem 105
Format enim natura prius nos intus ad omnem com rosto pesaroso e com o irado as ameaçadoras;
for tuna mm habitum; iuuat aut impelHt ad iram, com rosto jovial palavras folgazãs e com o severo
aut ad humum maerore graui dediucit et angit; 110 as que mostrem seriedade. B, pois, a natureza que,
post effert aními motus interprete língua. antes de tudo o mais, nos forma inferi ormènfe"pãrã
as contingências^da sorte; eíajnos alegra ou n ^ i m -
96 — Telefo, personagem da tragédia, era. rnn rei da Mis ia.
pele para à cólera; também ela nos abate por teira *
Ferido por Aquiles nos campos de Tróia, vai, como mendigo,
ao campo dos Gregos em Argos, a f i m de sarar a ferida, da
com_ pesada tristeza, com angustia; e só .depois 110.
qual, segundo um oráculo, só assim se curaria. A tragédia descreve tais mudanças' de alma pela sua intérprete,
também 'pertence a figura de Peleu, pai de Aquiles, que de-
v i d o a vários revezes da sorte, acabou por fugir das terras
d o ouvinte na acção exposta. T o d o este passo está influen-
gregas. Os exemplos dados com Cremete, T e l e f o e Peleu, mos-
ciado pela teoria per.i patética, tal como indicámos no com.
tram casos em que o estilo se não adapta aos caracteres e ao
aos v v . S6-88.
gênero literário em que estes e as suas paixões estão inte-
1 |
grados.
108 — Horácio refere-se de novo (como nos v v . 6o e segs.)
99 e segs. — N ã o basta a beleza formal, é preciso que o à teoria que apresentava a língua como resultado de uma
poema dramático interesse os espectadores causando-lhes pra- origem natural, como fenômeno provocado pelas diversas im-
zer. Este obtém-se, fazendo-os sentir tudo o que se passa no pressões do espírito. Quanto às interpretações que viam, neste
palco, isto é, os sentimentos das personagens representadas, passo, influências estóicas ou epicuristas, mostra-se Brink,
dé tal modo que haja perfeita comparticipação (ffu^itaQEiv) Prolegomena, p, '136, n, 2, extremamente céptico.

t 70 125
Si dicentis erunt fortunis absona -dieta, a líaffaa.jSe as palavras do actor não corresponde-
Roraani tollent equites pedibesque cachinnum. rem à sua sorte, não deixarão todos os Romanos,
Xntererit multuirt, diuusne Ioquatur an heros, cavaleiros e peões, de soltar grandes risadas.
maturusne senex aq adhuc florente iuuenta 115 Tem igualmente de /tomar-se era conta, se quem
feniidus, et matrona potens an sedula nutrix, fala é d-aus ou é herói, velho sisudo ou homem :

mercatome uagus cultorue uirentis agelli, fogoso, na flor da idade; matrona autorilária 011 115
Cojchus an Assyrius, Thcbis nutritus an Argis. carinhosa ama; mercador errante ou lavrador de vi-
. t .
Aut famam sequere aut sibi conuenientia finge çosa courcla; sc vem da Cólquida ou da Assíria, se
scriptor. Honoratmn si forte reponis Achillem, 120 nasceu cm Tebas ou em Argos.
irapíger, iracundus , inexorabilis, acer Segue, ó escritor, a tradição ou imagina carac-
iura neget sibi nata, nihil non arroget armis. teres bem 'apropriados: sc acaso repuser es em cena 120 fl
Sit Medea ferox inuictaque, flebilis Ino, o glorioso Aquiles, fá-lo aotivo, colérico, inexorá-
vel e rude, que não admita terem sido criadas as leis
113 — pedites para manter irônico paralelismo com equites. também para ele e nada faça que não confie à força
Una andam a cavalo, são cavaleiros e são nobres, os outros
das armas. Que Medeia seja feroz e indomável,
andam a pé, são de infantaria, e são plebeus.

a obra poética (w. 119-152), depois falará dos principais


114-118 — O estilo também deve adaptar-se aos caracteres.
gêneros poéticos (153-294^.
A f i m de exemplificar este princípio, já defendido pela escola
peripatética, vai Horácio dar-nos uma lista, com valor exem- 119-127 — Para que o poeta consiga fazer obra coerente,

plar, de caracteres habituais da tragédia, desde Gregos a bár- força é que se cinja, 11a criação de caracteres, aos modelos
baros, desde velhos a jovens, pretendendo, com esta enumera- tradicionais, como Aquiles e Orestes, ou, caso desejar pôr
ção, afirmar que a cada um pertence um tom e um estilo em cena caracteres novos, que os descreva com verosimiltiança
.j.ipfÍP1"'0®' Quanto à possibilidade de influência, mesmo que in* e bem adaptados à acção em que aparecem.
^irecta, da Retórica de Aristóteles, sobre este passo, vid, 120 — Aquiles é figura da epopeia (lllada, etc.) e da tra-
...Brink, Prolegomena, p. 99. gédia (em L í v i o Andronico, Acio, É n i o ) .
'ir11 • <í.- • 123 — Medeia, filha do rei da Cólquida, foge da pátria por
O l 9 ? 2 9 4 — Constitui este passo a terceira parte da A . P , , e amor a Jasão, um dos Argonautas, sendo posteriormente aban-
1;',corresponde ao capítulo de Neoptólemo de Párío dedicado à donada por ele. Para se vingar de Jasão, mata os filhos que
j- JipÍTjfftC e possivelmente a Aristóteles, Retórica, II, 12-14. deste tivera, bem como a sua nova mulher Glau^e. Medeia
h Çf., Brink, Prolegomena, p. 138 aparecerá em muitas tragédins: na Grécia, na Medeia de Eurí-
© passim. Horácio vai agora pides, e m Roma, em tragédias, hoje perdidas, de Énio, Acio
- tratar da maneira mais apropriada de arranjar um tema para
125
t 72
|>erfidus Ixion, I o uaga, tristia Orestes. Ino chorosa, Ixfon pérfido, I o errante e Orestes
Siquid inexpertum scaenae committis et andes 125 triste. Mas se algo -de original quiseres introduzir,
personam formare noaiam, seruetur ad ímum ousando conceber em cena nova personagem, então 125
qualis aib incepto processerit et sibi constet. „que ela seja conservada até ao fim como foi descrita
Difficile est proprie comimimia dicere; tuque de início e que seja coerente.
rectius Iliacum carmen deducis in actus — "É. difícil dizer com propriedade-Q. q ue .n ão_per-""
quam si proferres ignota indictaque primus. 130 tence à tradição: melhor farás se o carme de ílion,
Puiblica materies priuati iuris erit, s i " em ac tos " trasladarei em vez de proferires, pela-
non circa uilem patulumque moraberis orbem, primeira vez, f a c t o s T n f ® o s ^ e ^desconheçidos. 130
Matéria a todos pertencente será tua legítima
e Ovíd 'io (esta última a mais célebre). A respeito de possível
crítica, horaciana à Medo ia de Eurípides, v i d . F . Rebelo Gotir-
pertença, se não ficares a andar àjvolfcano caminho
çalves, «Horácio e Eurípides», Euphrosyne, H I {'1961}, p. 55
CHtemnestra. Basta lembrar a seu respeito a tragédia do
e segs,
mesmo nome, escrita por Eurípides.
Ino, filhai de Cadmo, provocou involuntàriamente a
morte d o marido e dos filhos ao suscitar a cólera de Hera. 128-130 — Horácio passa agora a tratar de outro aspecto:

A involuntariedade do seu acto, (contraposto, por Horácio, ao introduz-nos na melhor maneira de escolher um tema 'para a

acto voluntário de Medeia) aumentou o efeito patético de sua obra poética, de modo a fazer obra original. A originalidade
figura, posta em cena por Eurípides. E m R o m a trataram-na e consistência da obra residirão em não imitar servíhnente
L í v i o Andronico, Enio e Acio e, depois da morte de Horácio, e em não pretender demasiado, por isso, interessa seguir um
Séneca. bom modelo, como a 1 liada de Homero.

124 — Ixion, será castigado por Zeus, por ter querido se- 1 3 1 - 1 5 2 — O poeta fundamenta-se, neste passo, na teoria
duzir Hera. Zeus faz-lhe- aparecer uma nuvem, com a forma aristotélica — não sabemos se por via directa ou indirecta —
de Hera, e Ixío-n unindo-se à nuvem, gerará, a figura híbrida (cf. Aristóteles, Poética, cap. V I T I ) , segundo a qual interessa
e monstruosa d o centauro. Desta história provém a frase por- seguir de preferência o exemplo de Homero, que reduz as suas
tuguesa «tomar a nuvem por Juno ( = H e r a ) > . T e m a de inú- obras a uma acção una sem pretender obter essa unidadé pela. ,
meras tragédias, de Ésquilo, Sóíocles, Eurípides e outros. monótona apresentação de uma só personagem, ou de mm só... ;
Io, amada de Zeus, será perseguida por Hera, que a trans- episódio, como faziam os 'poetas cíclicos, .-.>
' 1 'VííSGÍ
forma em vitela e a faz errar pelo mundo, perseguida por um
132 — O poeta defende neste verso ponto de vista i d é f em
jpj
enorme moscardo. Sobre este tema, escreveram Ésquilo, entre
tico ao de Calimaco, que, no epigrama 28, também afirmtt-fr
os Grego®, e, entre os Romanos, Acio.
claramente: «odeio o poema cíclico e detesto o caminhò'"Tp>g_ - ...
Orestes tristis, -porque perseguido pelas Eximas, deusas vin-
onde segue a multidão.» N ã o defende, contudo, senão-neste^
gadoras, devido a ter praticado o matricfdio, ao assassinar
ponto, as teorias da escola alexandrina, pois se filia, coinbj
• i-J;.-"-'

74
75 H
fenèc uerbo uerbum curabis reddere fidus
trivial, aberto a todos, e tão-pouco procurarâs,
IJpnteipres nec desilies imitator in artum,
como servil intérprete, traduzir^palavra por pala-
Infunde -pedem proferre pudor uetet aut operis lex. 135
vra, nem entrarâs, como imitador, em quadro
ffipj Nec sic incípies, ut scriptor cyclious olim:
muito estreito de onde te impedirão de sair a tirai-
«Fortunam Priami cantabo et nobile bellum».
dez e a economia da obra. E não irás começar 135
' Quid dignum tanto feret hic promissor hiatu?
comp^ outrora o escritor,xlclico^ cantarei, a
Parturient montes, nascetur ridiculus mus. 1,
fortuna de Príama.e a guerra famosa». Que obra _
Quanto rectius hic, qui nil molitur inepte: - 140
digna de tal exórdio nos dará o autor desta pro-
«Dic mihi, Musa, uirum, captae post têmpora Troiae
messa? Os montes parirão c nascerá um pequenino
qui mores hominum multorum uidit et urbes»,
rato. Quanto mais a preceito não começa este
Non fumum ex fulgore, sed ex fumo dare lucem
que nada constrói sem coicsão: «Fada-me, ó Musa, 140
cogitat, ut speciosa dehinc miracula promat,
do varão que, após os tempos da conquista da
Antiphaten Scyllamque et cum Cyclope Charybdim. 145
Tróia, cidades e costumes viu de tantos homens».
Nec reditum Diomedis ab interitu Meleagri,
Não pretende tirar fumo de um clarão, mas sim
de fumo tirar luz, para daí colher brilhantes pro-
já dissemos, mas da escola aristotélica, Cf. Brink, Prolegomena,
pp. 109, n. -2; 182, •231, n. 4. dígios: Antífates, G l a e Caríbdis com o Ciclope. 145

1 3 9 — Tradução d o provérbio grego: <0 monte deu à luz,


Não inicia o retorno de Diomedes pela morte do
e deu à luz um rato», cf. Ateneu, X I V , 616 D. O monossílabo
mus no fim do hexâmetro (contra a regra geral da métrica ab ouo. Deste m o d o se tornará o poema sobrecarregado com
romana, que, nesse lugar, exigia um dissílabo ou um trissílabo) descrições inúteis, que mais pertencem à história do que à
serve para realçar a pequenez d o rato. poesia. Neste ponto, Horácio, toma verdadeiramente o partido
141-142 — Tradução não literal de Hom., Odisséia, I, de Aristóteles, Poética, VIII, 1451 a 24, concordando, só em
v v . 1-2, parte, com as teorias alexandrinas, que, muito embora, segundo
Calímaco, fossem contra os poemas de grande extensão, eram
1 4 5 — A u t í f a b e s , rei dos antropófagos Testrig5es ( O d X ,
pelo menos a favor dos poemas eruditos.
100 e segs.); Cila e Caríbdis, monstros marinhos que viviam
Reditum Diomedis é a volta de Diomedes da expedição
perto do estreito de Messina, na Sicília (Od., X I I , 85 e segs.);
Ciclope, gigante monstruoso com um só olho, que v i v i a na contra Tebas (os sete contra T e b a s ) , que poderia constituir

•Sicília (Od., I X , 187, segs.). o tema de um poema cíclico do gênero das Tebaidas que, na
antigüidade, se conhecem. Mas o poeta cíclico, em vez de tratar
146 — Horácio dá aqui exemplos da maneira como se não
do assunto pròpriamente dito, começa a fazer a história das
deve tratar um tema poético, ou seja, começando por narrá-lo
suas origens relacionando-a com a morte de Meleagro, que

t
77 125
nec gemino ibellum Troianum orditur ab ouo; Meleagro, nem a guerra ide Tróia pelos dois ovos; . •(^4 /
semper ad euentum festinat et in médias res sempre se apressa para o desenlace e arrebata o ctí^J
non secus ac notas auditorem rapit, et quae ouvinte para o meio da acção, como se esta lha
desperat tractata nitescere posse relinquit, 150 fosse conhecida, e deixa de lado a matéria que ele

atque ita mentitur, sic ueris falsa remiscet, sabe não poder (brilhar. De tal modo cria ficções, de* 150'li
primo ne mediam, médio ne discrepet imum. tal modo mistura fábulas com a verdade, que nem Mf;,'!

Tu quid ego et populus mecum desideret audi, o meio destoa do princípio nem o fim do meio.

si plosoris eges aulaea manentis et usque Tu atende ao que eu, e o público comigo, dese- ;r

sessuri donec cantor. «Vos plaudite» dicat. 155 jamos, se quiseres que sentados esperemos o le- );•

Actatis cuiusque notandi sunt tibi mores, vantar d o pano, até que o actor nos peça os

mobilibusque decor naturis dandus et annis. aplausos. 155


Deves fazer ressaltar os caracteres de cada)
estava muito remotamente Ligado à história dos antepassados idade, e não deve faltar propriedade às naturezas,
de Diomedes. que com os anos variam. O menino, que já sabe
147—gemino ... ab ouo, trata-se de um exemplo similar
a o que acima citámos: a guerra d e T r ó i a f o i declarada por dução sobre a unidade d o poema, n o tratamento dos diversos
causa d o roubo d e Helena, irmã dos gêmeos Castor e P ó l u x , gêneros dramáticos de Grécia e R o m a : tragédia, comédia é
os Dioscuros, que, tal c o m o Helena, nasceram de um o v o de drama satírico. Cada um destes gêneros d e v e ser cultivado
Leda. Daí o falar o poeta de um « o v o g ê m e o » , i.e, duplo: dentro dos princípios qiie lhe são peculiares.
um, o o v o d e que saiu Helena, o outro, o o v o de; que nasceram 153-155 — i n t r o d u ç ã o aos preceitos da arte dramática.
os Dioscuros. 155 — kVos plaudite» ó a expressão com que terminavam
148 e segs. — H o m e r o é louvado por Horácio como exem- as comédias, p. ex. de Plauto, quando uma das personagens .
plo d e brevidade e de coesão na escolha d o tema e na. maneira pedia os aplausos do público. Can tor deve referir-se ao
de o apresentar, Efectiivamente, n ã o só e v i t a digressões fasti- actor acompanhado pela flauta. Quanto a aulaeum deve
diosas, c o m o o seu m é t o d o poético não coincide com o método esclarecer-se que se trata d o pano da cena, que era, no teatro
histórico-cronológico, segundo o qual se iniciam as narrações romano, levantado quando terminava a peça 0 baixado en-
pelo seu mais remoto principio. Deste modo, o poema de quanto ela durava.
H o m e r o apresenta-se uno na concepção e na realização, corres- 156-178 — Descreve Horácio os mores das personagens, ou
pondendo ao ideal aristotélico expresso no v , -152. seja os caracteres que podem aparecer nos diversos gêneros
153-294 — Depois de ter feito nos versos 1.-152 uma expo- dramáticos, Este estudo dos caracteres era habitual na escola
sição sobre os princípios a seguir na escolha do estilo e do iperipatética, bastando lembrar a obra de T e o f r a s t o com o
conteúdo, entra agora Horácio, depois de uma pequena intro- mesmo nome.

125
t 78
itHáJí*-
•il't :

Reddere qui uoces iam scit puer et pede certo articular palavras e o chão 'bate com passo certo,
signat humum, gestit paribus conludere et iram exulta por brincar com seus iguais e as cóleras
colligit ac ponit temere et mutatur in horas. 160 que vai tendo, logo as esquece, mudando de hora)
Lnberbus iunenis (tandem custode remoto a hora. O jovem, imberbe ainda, já liberto do pe-
gaudet equis canibusque et aprici gramine Campi, dagogo, gosta 'de cavalos c de cães te dos exercícios
cereus in uitium flecti, monitoribus asper, soalheiros na relva do campo Márcio. Mas ao vício
utilium tardais prouisor, prodigus aeris, se molda como a cera e responde asperamente aos
• subJimis cupidusque et amata relinquere pernix. 165 que aconselham, não pensa senão tarde no que á
' Conuersis stndiis aetas animusque uirilis útil; pródigo no dinheiro, altivo e ambicioso, larga
• quaerit opes et amicitias, insemit honori, rápido o que ainda há pouco amou. Mudados os
commisisse cauet quod mox mutare laboret. seus hábitos, quando a idade e espírito viris o ca-
11 1 *
racterizam, "já procura riquezas e amizades, servil,
-Multa senem circumueniunt incommoda, uel quod
à carreira das honras se submete; foge a comprome-
quaerit et inuentis miser abstinet ac .timet uti, 170
ter-se para não ter de sofrer depois ao remediar os
uel quod res omnís timide geiideque ministrat,
erros. Muitas agruras rodeiam o velho, ou porque,;
dilator, spe longus, iners auidusque futuri,
depois de procurar, miseravelmente se abstém e
difficilis, querulus, laudator temporis acti
hesita em fazer uso d o que encontrou, ou porque
se puero, castigator censorque minorum. tudo realiza com temor e frieza, atrasando com sua
Multa ferunt anni uenientes com moda secum, 175 esperança a longo prazo, inerte e ávido do futuro,
multa recedentes adimunt, N e forte seniles de carácter descontente, laimuriento, louvador dos
• mandentur iuueni partes pueroque uiriles; tempos passados, de quando era menino, castiga e
vsempre in adiunctis aeuoque morabitur aptis. censura os que são mais novos. Muitas .desvanta-
|g|Aut agitur res in scaenis aut acta refertur. gens traz consigo o mudar dos anos, mas muitas
j||pí'l62 •— Apricus Campus, por Campo Márcio, onde em R o m a outras o declinar leva consigo: não deve, pois, o
Rsffilaziam os exercícios militares. papel d o velho ser confiado ao jovem, nem o de
* ' 9-188 — Regras concernentes à arte dramática: criação homem ao rapaz. Que ^sempre os autores se ate-
P^l^aracteres e partes representadas eobre a cena ou partes
nha m às qualidades e atributos de cada idade.
simplesmente narradas por certas personagens (mensageiros,
*;etc(í* Esta primeira regra tinha como fim o evitar a apresen- Há acções que se representam no palco, outras,
i o de cenas sangrentas ou demasiado maravilhosas, como só se relatam depois de cometidas. O que se trans-

INQ n - 6
Segnius irritant ânimos demissa per aurem 180 mitir pelo ouvido, comove mais dèbilmente os espí- 180
quam quae sunt oculis subiecta fidelibus et quae ritos do que aquelas coisas que são oferecidas aos ::
ipse sibi tradit spectator; non tamen intus olhos, testemunhas fiéis, e as quais o espectador
digna geri promes in scaenam multaque tolles apreende por si próprio. Não faças, no entanto,
ex oculis, quae mox narret facundia praesens. representar na cena o que deva passar-se nos basti-
Ne pueros coram populo Medca tmcidet, 185 dores, retira muitas coisas da vista, essas que me-
aut humana palam coquat exta nefarius Atreus, Jhor descreve a facundia de urna testemunha. Que
aut in auem Procne uertatur, Cadmusin anguem.
Medeia não trucide os filhos diante do público, nem 185
Quodcumque ostendis mihi sic, incredulus odi.
o nefando Atreu cozinhe publicamente entranhas
Neue minor neu sit quinto produetior actu humanas; tão-pouco em ave Procne se transforme
faibuJa, quae posei uult et gpectanda reponi; 190
ou Cadmo em serpente. Detestarei tudo o que assim' V
nec deus intersit, nisi dignus uindice nodus
me mostrares, porque ficarei incrédulo.
inciderit; nec quarta loqui persona laboret.
Que a peça nunca tenha mais do que cinco actos
nem menos do que esse número, se acaso desejarque
já Aristóteles, Poética, X I V , 1453 b i - i r , também tinha acon-
voltem a pedi-la e tornar à oena depois de estreada.
selhado. Naturalmente que muitas destas cenas não eram apre-
Que na peça não intervenha um deus, a não ser
sentadas, devido a impossibilidade técnica, ainda que Aristó-
teles e Horácio a esse aspecto se não refiram. Cf. w . 114-127, que o desenlace seja digno de um vingador; nem
onde Horácio também se refere a aspectos da criação dos tão-pouco se canse um 'quarto actor a falar nai
caracteres. mesma cena.
185 -—Medeia: vid, com. ao v . 123.

186 — V i d . com. ao v . 91. (segunda, em ordem, nesta enumeração) que deve ter surgido,
já na época helenfstica, possivelmente na escola de Teofrasto.
187 — Procne, filha de Pándion, rei de Atenas,, c irmã
V i d . T , (B. L . Webster, Studies in Menander, Manchester,
de Filomela, foi transformada em rouxinol. Cadmo, rei de
1960, pp. fi®i e segs., 2212; 'Brink, Prolegomena, p. 1H4.
Tebas, aparecia nas Bacantes de Eurípides, onde Dioniso, deus
ex machina, lhe predizia a transformação em serpente, para 191-192 —- Normas (terceira regra) sobre o uso do deus ex
o castigar da sua falta de piedade. machina, que Aristóteles tinha condenado, na Poética, XV, 1

1454 b 2. Horácio admite o seu uso nos casos em que o desen-


1 8 8 — Horácio defende novamente a verosimilhança da
lace exija intervenção divina. -
acção, tal como os per ipa té ticos.
192 — A quarta regra restringe o número de actores a trêsj'.?Í ; i
1 8 9 - 1 9 0 — O poeta fala da divisão em cinco actos, regra
O quarto actor deve ser muta persona.

82
83 '
Que o coro 'deáeuda a sua individualidade reci-
§ j f l | Ascloris partis chorus officiumque uiríle
tando o seu papei como um actor, e não cante, no
•• defendat, neu quid médios intercinat actus,
meio dos actos, o que não se relacionar nem se
' quod non proposito conducat ©t haereat apte, 195
adaptar intimamente ao argumento. Que ele seja 195
• IHe 'bonis faueatque et consilietur amioe
propício aos bons e, com palavras amigas, os acon-
et regat iratos et amet peccare timentis;
selhe, aos irados insuflando calma e aos que temem
ille dapes laudet mensae breuis, ille salubfem
pecar, concedendo amor. Que louve as iguarias da
iustitiam Iegesque et apertis o tia portis; mesa frugal e assim também a justiça saneadora e
iille tegat com missa deosque precetur et oret, 200 as leis, tal como a paz que se goza de porta aberta.
ut redeat miseris, abeat Fortuna superbis. Que não revele os segredos confiados e peça aos
Tíbia non, iut nunc, orichalco uincta tubaeque deuses e lhes suplique que a Fortuna volte aos des- 200
aemula, sed tenuis simplexque foramine pauco graçados e abandone os soberbos.
adspirare et adesse choris erat utitís atque
Não era a antiga flauta, como agora, coberta?
nondum spissa nimis complere sedilia Eatu, 205
de Jatão, como se fosse rival 'da tuba, mas tênue e
quo sane populus numerabilis, utpote paruus,
simples, de singela embocadura, suficiente para dar
et frugi castusque uerecundusque coibat.
o tom, acompanhar o coro e espalhar-se, com seus
Postquam coepit agros extendere uictor et urbes
acentos, pelas bancadas ainda não à pinha. Nessa 20í
latior amplecti murus uinoque 'diurno
altura, ainda o povo se contava pelos dedos e,
pouco numeroso, acorria ao teatro, sendo sóbrio,
193-201 — E m quinto lugar v e m a regra que prescreve o morigerado e respeitador. Mas depois que, pelas
papel d o coro. Este deve ser considerado como um actor e
vitórias, se estenderam os campos e mais largos
intervir, portanto, na acção. Horácio tem, neste particular,
a mesma opinião de Aristóteles, Poética X V U I , T456 a 25-32, imuros abraçaram as cidades e depois que, mesmo

que já criticava os interlúdios , em que o coro em dias festivos, se aplacava impunemente o Gé-
interrompia a acção cantando sem que as suas palavras tives-
sem qualquer ligação com a peça. Estes interlúdios eram nor- pectos mais complicados e sugestivos, visto que a poesia dra-
mais na Comédia N o v a . Aristótélico também é o juízo moral mática passou pouco a pouco a ser presenceada peitas mais
sobre o coro. diversas classes sociais.

202-219 — Horácio refere-se à música, e ás normas d o seu - 202 — Orichalcum espécie de lata o de composição desconhe-
emprego, como elemento fundamental da poesia dramática. cida.
: Primeiramente austera, foi a música evoluindo e ganhando as-
1. .
OJ 85
placari Genius festis impune diebus 210 nio, durante o dia, em libação de vinho, começou' 210
accessit nume risque modisque licentia maior. então maior licença para os versos e para a música. " /1
Indoctus qui d enim saperet liberque laborum Na verdade, que gosto podia ter o ignorante, o .
rusticus .urbano confusus, turpis honesto? camponês liberto dos trabalhos? Este agora mis-' .
Sic priscae motumque et luxuriem addidit arü tura-se com o citadino, um, cheio de vulgaridade,
tibicen traxitque uagus per palpita uestem; 215 o outro, honrado cidadão. Assim, acrescentou o
* i , "."i
sic etiam fidibus uoces creuere seueris
flautista à antiga arte mais movimento e lascívia e, '.'•;/• .:
et tulit eloquium insolitum facundia praeceps,
andando, arrasta pela cena a longa veste. D o -2'..
utiliumque sagax rerum et diurna futuri
sortilegis non discrepuit sententia Delpliis. mesmo modo, se juntaram à severa lira novas ^V^tij1
cordas, criando-se um estilo extravagante que
Carmine qui trágico «uilem certauit ob hircum, 220
trouxe expressão em moldes nunca ouvidos; e, paras'
mox etiam agrestis Satyros nudauit et asper
doutamente coisas úteis aconselhar e predizer o

210 — Placari Genius, o Gênio, divindade protectora de


futuro como os deuses, se concebeu sentença não
cada indivíduo, só era aplacado com libações durante a noite. diferente das de Delfos, a dos oráculos.
Fazer as mesmas libações, durante o dia, era sacrilégio. A in- Aquele que, primeiro, por miserável bode se ba- 220
fluência do desenvolvimento social na decadência dos costumes teu com o carme trágico, em breve chegou a desnu- 1
e na concepção artística, era já. tema de discussões na escola
-,í -
aristotêlica. Vid. Brink, Prolegomena, p. 11-15.
Infelizmente o único drama satírico que da antigüidade até'-'-
216 — A lira de Terpandro (é a mais antiga) tinha sete nós chegou, é o Ciclope de Eurípides.
cordas, ao passo que, no séc. iv a.C., este número já fora 220 — A l u d e - s e á origem dos concursos dramáticos n a ' -5,
aumentado para dez. Atica, durante os quais, os concorrentes disputavam como •
218-219 — Refere-se Horácio às palavras d o coro, que pre- prêmio um bode ou seja um rpayoç- Vid. A . Pickard-Cambri-
dizia o futuro das personagens do drama, tal como se oráculo dge, Dithyramb, Tragcdy and Comedy, ed. xev. pçr T . B . L , f ' '
fora. O valor destas predicções era, bem entendido, realçado Webster, Oxford, 19&2, passim,
pela música.
221 — S a t y r o s nudauit: deve tratar-se de uma alusão aos
220-250 — Depois de falar dos princípios que regem a es-
coreutas que representavam solenemente vestidos na tragédia
truturação da tragédia e do drama satírico, entra Horácio na
e que logo a seguir, ao representarem no drama satírico, se
história destes gêneros, sobretudo do drama satírico, que com-
apresentavam com uma pele de cabra sobre os bancos. Ligado
participava, de certo modo, d o estilo elevado da tragédia e
à origem do drama satírico, encontra-se Pratinas de Fliunte.
do estilo humilde da comédia, Era um médium dicendt genus.
V i d . Pickard-Cambridge, ob. cit., p. 65 e segs.

86,
87
incolumi grau itate iocum -temptauit eo quod dar sátiros selvagens e, rudemente, mas sem atentar
íllecebris erat et grata nouibate moran-dus contra a solenidade do assunto, introduziu a sátira,
spectator functusque sacris et potus et exlex. de modo a que, com atractivos e pela grata novi-
Veruim ita risores, ita commeiidare dicacis 225 dade, prendesse o espectador, o qual, -depois de ter J
conueniet Sartyros, ita uertere seria -Ilido, presenciado os sacrifícios, se encontrava bem foe- I
ne quiciuimquo deus, quicuntque adhibebitur heros, bido e já sem freio. N a verdade, convinha assim, j
regali conspectus in auro raiper et ostro, fazer valer os chocarreiros, os sátiros faladores, e Í225
migret in obscuras humili senmone tabernas, . transformar coisa séria em folguedo, Não se -deixou-,
aut, dum uitat humurn, nubes et inania captet. 230 contudo, caso aparecesse qualquer deus ou qual-
Effutire Jeuis indigna tragoedia uersus, quer herói, há pouco vistos em ouro e púrpura,
ut festis matrona moueri iussa -diebus, dignos de reis, que estes passassem agora para som-
intererit Satyris paulum pu-dibunda proteruis. brios tugúrios e se extprimissem em íbaixa lingua-
Non ego dnornata et dominantia nomina solum gem. N ã o se permitiu também que, ao evitarem o
uerbaque, Pisones, Satyrorum scriptor amabo, 235 vulgar terreno, os mesmos entrassem nas nuvens e
nec sic enitar trágico -differre colori na fatuidade. Mesmo sendo satírica, a tragédia não 230
ut nihil intersit Dauusne loquatur et audax deve tagarelar em versos levianos e só com alguma
Pythias, emuncto lucrata Simone talentum, vergonha se mistura ela com os lascivos Sátiros, tal
como a matrona que, nos dias festivos, por dever
227 — Refere-se o poeta à linguagem de deuses e heróis, religioso, tem de dançar. -"**"
a qual deve manter certa dignidade, coerente com a persona-
Eu, ó Pisões, se escrevesse dramas satíricos,
gem que a fala. Trata, pois, da elocutio referente ao drama
satírico. não gostaria só de nomes e vocábulos sem figuras
233 — Horácio defende, de novo, o meio termo no que e no sentido próprio, nem me esforçaria por afas- 235
respeita ao estilo d o drama satírico, que se deve manter entre tar-me de tal sorte do estilo trágico que nenhuma
a tragédia e a comédia. Assim poder-se-á distinguir qualitati-
diferença se notasse entre os falares de Davo e da
vamente a linguagem d o Sileno, o mítico aio de Dioniso
( v . 239) e personagem freqüente d o drama satírico, da lingua- atrevida Pitias, que tanto aproveitou -dos talentos
gem dos escravos característicos da comédia, Da vos e Pftias
( v v . 237-238), a qual é bastante mais popular. Pitias é uma 238 — T a l como já fizera nos w , 46, 50, etc., e .emplifica
escrava que em geral aparece na comédia a roubar o seu amo Horácio o facto a que se refere: emprega o vulgarismo emun-
Símon ( v . 239). gere (assoar) para exprimir a idéia de «roubar».

125
t 88
an custos famulusque dei Silenus ahunni. que na bolsa de Símon logrou limpar, e o do trá-
Ex noto fietum carmen sequar, ut sibi quiuis 240 gico Siieno, servo e tutor do divino -discípulo. Com
s<peret ideni, sudet multum frustraque Iaboret elementos conhecidos criarei o poema satírico d e
ausus ideni; tantum series ãuneturaque pollet, forma a que todo o que o desejar, se julgue capaz 240
tantum de médio sumptis accedit honoris. de fazer o mesmo, muito embora muito sue e sofra
Siluis dedueti caueant me Índice Fauni em vão: tão grande é o poder da ordem e da con-
ne, uelut innati triuiis ac paene forenses, 245 textura, tão grande é o respeito que se junta ao que
aut nimium teneris iuuenentur uersibus unquam for tirado do corrente linguajar! Os Faunos, trazi-
aut immunda crepent ignominiosaque dieta; dos das florestas, devem guardar-se, julgo eu, 'do
pffenduntur enim quiibus est equus et pater et res, se exprimir em versos mui polidos, como fazem os 245
nec, si qui d fricti ciceris prabat et nucis emptor, que nasceram nos cruzamentos citadinos e passeiam
aequis accipiunt animis donantue corona. 250 pelo foro. Mas também não devem só falar com
Syllaba ionga breui subiecta uocabur iambus, palavras sujas e obscenas: isso ofende o boin-gosto
pes citus; undé etiam trimetris adcrescere iussit do cavaleiro, do nobre, do abastado, que, em geral,
nomen iambeis, cum senos redderet ictus, não aceitam com espírito concorde nem por coroas
primus ad extremum simiiis sibi; non ita pridem, distinguem tudo o que aprova o comprador d e
nozes c de grão frito. 250
240-250 — Depois de se ter falado da linguagem dos deu- Sílaba longa que se segue a uma fcreve, forma o
ses (227) e d o Sileno (239), continua Horácio a tratar do que se chama um Jambo, pé veloz; daí, o ter este
estilo, afirmando (v, 244 e segs.) que a linguagem do coro
mandado acrescentai" a seus metros jâmbicoso nome
dos Faunos (romparticipantes no drama satírico) não deve
assemelhar-se língua da plcbccula, do povoléu, nem tão- de trímetro, embora batesse seis vezes o compasso,e
-pouco à da gente da cidade. A primeira, com efeito, não fosse sempre igual do primeiro ao último, Não ficou
agrada à alta sociedade romana (quibus est equus, etc.), a
segunda não ngrada ao p o v o (ciceris et nucis emptorJ que formavam a obra de arte. Começa por tratar do pé jambo,
que devido aos ictos sucessivos — — — ) era conside-
245 — triuiis — significa <nas encruzilhadas, nos cruza- rado um pé rápido. Neste passo o Jambo é personificado (su-
mentos», i.e. do "entro de Roma, que, por sinédoque, é Roma
jeito de jmssÍí). Horácio depois dá-nos a entender que, cons-
pròpriamente dita.
tituído por seis pés, há um trímetro jâmbico (chamado

251-274 — Fala o poeta do verso a usar nos diversos senário jâmbico em R o m a ) . Em princípio deveria chamar-se,
genera, pois eia ele a cúpula que unia os elementos de estilo segundo Horácio, hexâmetro. Naturalmente que esta afirmação

125
t 90
tardior -ut paulo grauiorque ueniret ad auris, 255
spondeos stabilis in iura paterna recepit muito tempo nesse estado, pois querendo apresen-
cammodus et patiens, non ut de sede secunda tar-se mais lento e um pouco- mais solene a quem 255
cederei aut quarta sociaüter, Hic et in Acci escutava, foi, paciente e adaptável, perfilhar o
nobilibus trimetris adparet rarus, et Eirni pesado espondeu, sem que, porém, sociável em
in scaenam rnissos cum magno pondere uersus 260 demasia, abdicasse d o segundo e quarto lugares.
aut operae ceie ris nimium curaque carentis ', Este Jambo, contudo, raro aparece nos nobres trf-
aut ignoratae premi t artis crimine turpi. metros de Acio e acusa os versos de Énio, lançados
Noa quiuis uidet imimodulata poemata iudex, com grande peso para cena, de serem obra rápida, 260
et data Rornanis «enia est indigna poetis, à qual falta cuidado, de serem a torpe falta de
Idcircone uager scribamque licenter? an ominis 265 quem desconhece a arte. Não é qualquer crítico \
uisuros peccata putem mea, tutus et intra que vê serem os poemas desarmónícos; eis a razão
spem ueniae cautus? uitaui denique culpam, por -que a estes poetas romanos foi concedida in!- j
digna aprovação, Mas só .por isso devo eu andar 1

não tem fundamento científico, pois que Horácio identifica um


sem norte e escrever sem regra? Ou, por julgar que 265!
metro com um só pé quando ele, na terminologia antiga, iGík®. em meus erros vão atentar, devo, por cau-
representava dois pés. Assim, um trimetro tinha seis pés e um tela, manter-me atrás da esperança de uma segura!
tetrâmetro, oito.
aprovação? Evitei, finalmente, possível erro, mas

255 — H o r á c i o refere-se à introdução no trimetro jâmbico


que o poeta não era consciente da evolução que se operara,
puro (usado por Arquíloco) d o espondeu ( —), pé Longo e e das suas respectivas conseqüências, na passagem d o trimetro
de certa solenidade, usado como pé de substituição. jâmbico grego para senário latino.
Mais uma vez também Horácio junta um exemplo ao facto
257-258 — N o trimetro jâmbico, o segundo e quarto pés relatado (cf. v v . 46, 50, 238, etc.) fazendo o v . 260 t o d o em
eram constituídos por jamboe puros. espondeus, exceptuando-se, naturalmente, o quinto pé.
Horácio, levanta, de novo, com a sua critica, o problema
258-262 — O poeta acusa A c i o e Énio de terem substituído literário dos antigos e modernos e, embora não admita sem
os metros jâmbicos por metros espondaicos, o que fazia versos reservas todos os princípios apregoados1 pelas escolas dos
muito pesados e sem beleza. L e j a y e Plessis, na sua edição, poetas novos (Lutácio Cátulo, Gatulo, etc.), a verdade é que
ad. loc., afirmam que Horácio faz uma crítica injusta, pois também não suporta a solenidade grandiloqüente dos poetas
as suas afirmações não correspondem à verdade. A verdade é arcaicos, a quem imputa, muitas vezes injustamente, falta de
técnica (p. ex. a Plauto, no v . 270).

92
93
non laudem me rui. Vos exemplaria Graeca louvores não mereci. Quanto a vós, compulsai de
noeturna uersate manu, uersate diurna. dia e compulsai de noite os exemplares gregos. Mas
A t uestri proaui Piau ti nos et números et 270 os vossos avós louvaram os versos de Flauto e o sen 270
kudauere sales, nimium patienter utrumque, espírito, admirando-os com muita indulgência, para
ne dicam stulte, mirati, si modo ego et uos não dizer com muita ignorância, se é que hoje e u e ^
scimus inurbanum lépido seponere dicto vós sabemos distinguir a (frase bela da grosseira e I 1\
Jegitimumque sonum digitis callemus et aure. com dedos e ouvido sabemos conhecer, por expe-
Ignotum tragicae genus inuenisse Camenae 275 riência, o som bem afinado. J •
dicitur et plaustris uexisse poemata Tbespis Diz-se que Téspis descobriu o gênero desconhe- , ,.'1'
quae caneient agerentque peruneti faecibus ora. cido da Camena trágica e transportou, em carros, as 275
Post hunc personae pallaeque repertor honestae suas peças que os actores cantavam e representavam"
Aeschylus et modicis instrauit pulpita tignis de caras besuntadas com o mosto da uva. Depois
et docuit magnumque loqui nitique coturno. 280 veio Ésquilo, o inventor da máscara e da solene
veste da tragédia, que instalou o palco sobre postes -
268 —• Horácio, com nova insistência, chama a atenção pouco elevados, ensinando a falar com grande elo-
para os modelos gregos, que ele considera como os únicos qüência e a sobressair sobre o coturno. A estes su- 28Õ
dignos de serem imitados, por serem provenientes de uma
técnica poética perfeita, que contrasta com a negligência ro-
mana, Cf. Brink, Prolegomena, p. 261. 279 — Ésquilo será o grande inovador, an introduzir a
máscara e a veste séria, que distingue os seus sctoies daqueles
275-294 — Faz Horácio o esboço histórico da arte dra- que primeiramente untavam as faces com mosto. Introduz,
mática. também, o palco. Horácio referira-se igualmente a Téspis e a
Ésquilo na epístola a Augusto, II, 1, iór-T'63, acrescentando ',
275-277 — Seguindo os métodos literários helenístico®, re- aos seus nomes o de Sófocles. N ã o fala, porém de Eurípides^
fere-se o poeta ao inventor ( e ijpeT7i'ç) de cada gênero li terá- o qual lhe devia desagradar, pois, nas suas tragédias, claudi- ;'.
.rio, respectivamente Téspis, d o demo ático de Icária, quanto cava exactamente nos princípios que o próprio Horácio for-.-ji
à tragédia. Isto não exclui, contudo, evolução anterior a mulava na A. P.. V i d . a este respeito, F . Rebelo Gonçalves, i;
Téspis. Mas foi este que lhe deu forma literária. «Horácio e Eurípides», Euphrosyne, I I I (19&T), pp. 49-64, em '
que se faz exaustivamente o estudo das discrepâncias entre a
277 — - O facto de untarem os actores, do coro, as faces
teoria de Horácio e os princípios seguidos p.Jlo modernista
com o mosto da uva, faz pressupor que estes festivais esti-
Eurípides, que foi exactamente quem mais influenciou a tra-
vessem ligados, na sua origem, com as festas da vindima.
Vid. Pickard-Cambridge, ob. cit., p . 74. gédia romana, da qual Horácio não gostava.

t 94 125
|MSucoessif uetus his comoedia, non sine multa cedeu a comédia antiga e foi recebida não sem v i v o

^BjÉupde; sed in uitium libertas excidit et uim aplauso; mas a liberdade degenerou em vício e em

llpig-najTi lege regi; lex cst accepta chorusque abuso que teve de ser reprimido pela lei. Depois-

ffiíUrpiter obticuit suiblato iure nocendi. de aceite a lei, calou-se o coro, para sua vergonha,

^ f e ^ N i l intemptatuan nostri liquere poetae, 285 porque se lhe tirara o. direito de injuriar.

PfHec minimum meruere decus uestigia Graeca Os nossos poetas nada deixaram que não 285
l l â u s i deserere et cetóbrare domestica facta, experimentassem, nem foi pequeno o louvor que
pfuel qui praetextas uel qui docuere togatas. mereceram os que, ousando abandonar o grego tri-
-'Nec uirtute foret clarisue potentius armis lho, celebraram os pátrios feitos, ora criando as
quarn lingua Latium, si non offenderet unum 290 fábulas pretextas ora as togadas. Nem o Lácio '} ç/
queinque poetaram íimae labor et mora. Vos, o Seria mais ilustre pelasjarmas e valor jdo que pel^ !
Pompilius sanguis, carmen reprehendite quod non sua língua, se não custasse tanto aos seus poetas 290/ V
gastarem tempo no demorado trabalho da lima. J

v 281-284 — A comédia era mais antiga (vid. Pickard- Mas vós, ó estirpe de Pompflio, censurai todo o I*
. -Cambridge, ob. cit., p. e segs.) do que nos diz Horácio. poema que não for aperfeiçoado com muito tempo O
T a l feito leva a crer que este considere sòmenbe a comédia
que foi integrada, por v o l t a de 490 a.C., nas festas promo-
Togata, comédia de assunto latino, como as de Titínio, Afrâ-
vidas pelo estado ateniense. Fala-nos da Comédia antiga
nio, etc. e que estavam em grande moda nos princípios do
(uetus), cultivada por Aristófanes, Cratino, Eupolis, etc., e
séc. 1 a.C. Vid. fragms. das pp. 254-259, de A. Ernout,
da Comédia nova, representada por Menandro, Filémon, etc.,
Recueil de textes latins archajques, Paris, 1947.
na qual deixara o coro de existir, pois fora suprimido porque
recorrera ao ataque pessoal e defendera idéias que nem sempre 290 — Horácio faz hábil alusão ao lugar comum (topos)
agradavam aos políticos. N ã o se refere à Comédia média de da poesia latina, no qual se fazia o lamento da pobreza da
Aléxis e Antlfanes, língua do Lácio: ipatrii sermonis egestas», Lucr,, De rerum
285-294 — Traça agora o ipoeta a história do drama latino, natura, I , 138, 832; I I I , 260; Cíc., Tusc., I I , 35; Sén,, Ep.,
que infelizmente só ficará atrás d o drama grego, porque os 58, 1; Quint., Inst. Or., X , r, 10; X I I , 10, 27, etc.
poetas d o Lácio, que todos os gêneros cultivaram, não per-
292 — Pompilius sanguis: trata-se dos Pisões, que para
diam tanto tempo, como os Gregos, em limar e aperfeiçoar o
encontrarem maneira de se libertar da sua origem plebéia,
estilo. N a estrutura dramática criada pelos Gregos introduzir-
inventaram, como era então uso, um antepassado da gens
-se-á, no SLácio, assuntos romanos {domestica facta, v . 287).
Calpurnia (à qual pertenciam), filho, diziam eles, de Numa
288 —•Praetexta, drama histórico caracterlsticamente ro-
Pompílio e cujo nome era Calpus.
mano, como p. ex. o Romulus de N é v i o e as Sabinae de Énio.

INQ II - 7
96 97
«TÉ:
multa dies et multa litura coercuit atque
_£_muita emenda e que, depois de, retalhado dea
praesectum deciens non castígauit ad unguem.
vezes, não for castigado até_ao caibo.
Ingenium mísera quia fortunatius arte 295
Demócriito, porque crera ter o gênio mais valor
credit et excludit sanos Helicone poetas
do que a pobre arte, fechou as portas d o Hélicon 293|l
Democritus, bona pars non unguis ponene ourat,
aos poetas de juízo. A maior parte dos que per-
non barbam, secreta petit loca, balnea íiitat;
tencem à sua facção não se preocupa com o arran-
nanciscetur enim pretium nomenque poetae,
jar .das unhas, nem com o frisar da barba; escolhe
si tribus Anticyris caput insanabile nunquam 300
para viver os lugares 'desertos, evita os balneários.
tonsori Licino commiserit. O ego Iaeuus
Assim obterá a fama e nome de poeta quem nuncai
qui purgar bilem sub uerni temporis horam!
confiar a Lícino, o barbeiro, essa cabeça que nem 300
as três Antíciras já podem curar, E eu, desastrado,
295-476 — Entra-se agora na última parte do poema, perfei-
que me purgo da .bílis quando se aproxima a épocaj
tamente distinta das anteriores, e na qual Horácio trata da
formação do poeta, ou seja da ars que deve possuir todo o
que se dedicar à poesia. Ao mesmo tempo enceta, abertamente, neste ponto Horácio leva a ironia às suas últimas conseqüên-

o capítulo da crítica literária. Esta última parte corresponde, cias, deve ter mesmo um certo grau de loucura, pois esta

possivelmente, ao capítulo, que Neoptólemo de Pário dedicava aumenta o talento poético. Efectivãmente, a doutrina de
Demócrito via no poeta, em vez dessa loucura, uma espécie
ao TtoiviT^ç (poeta) e nela se notam certas influências aristo.
de furor sagrado, mas este é alterado caricaturalmente por
télicas, que, segundo Brink, Prolegomena, p. 138, etc., devem
Horácio que o transforma em verdadeira demência. Vid.
provir do De poetis de Aristóteles, obra que não chegou até nós.
Cícero, De diuinatione, 1, í8o (frag. 17 D i e l s ) : «negat sine
295-305 — Teoria concernente ao poeta, ao artifex do furore Democritus quemquam poetam magnum esse posse:
poema. Horácio mostra aos Romanos que não basta só o quod idem dicit P l a t o » (cf. De oratore, TH, 11(914).
ingenium (talento) paira se ser poeta, precisa-se também da 300 — Antycira era o nome de três cidades da Grécia (na
ars (técnica). Fócida, Tessália e Lócrida) em que se produzia o heléboro,
planta medicinal, que era considerada na antigüidade como
297 — Segundo a teoria tradicionalmente atribuída a De-
tendo propriedades que curavam a loucura. Horácio dá-nos a
mócrito, teria este pensado que só poderia ser poeta quem
entender que o heléboro se chamava também Anticyra, iden-
tivesse ünicamente qualidades naturais para o ser. Essas qua-
lidades não necessitavam de ser desenvolvidas e, por isso, toda tificando o nome da terra com o d o seu produto.

e qualquer formação cultural, em que entrasse algo de técnica, 301 —Quícino era um barbeiro romano então cm moda.
era considerada como produto de um artifkialismo que só 302 — A bílis era considerada como uma das causas da
estragaria a beleza da obra. O poeta, segundo Demócrito, e loucura e, por isso, era debelada igualmente com o heléboro-

98 99
Non aJíus faceret meliora poemata; ueruxn primaverill Se assim não procedera ninguém faria
nil tanti est. Ergo fungar uice cotis, acutum melhores poemas do que eu! Por tal preço, porém,
reddere quae ferram ualet exsors ipsa secandi; 305 não vale a pena. Servirei, 'portanto, como a pedra!
munus et officium, nil scribens ipse, doeeibo: de amolar que muito embora não corte por si só,
unde parentur opes, quid alat formetque poetam, serve para tornar o ferro mais agudo; ensinarei, 305
quid deceat, quid non, quo uirtus, quo ferat error. nada escrevendo eu próprio, o valor e a missão do
Scribendi recte sapere est et principium et fons. poeta: de onde vêm os recursos do talento, o que
Rem tibi Socraticae poterunt ostendere chartae, 310 inspira e forma o poeta, o que convém escrever e o
uerbaque prouisam rem non inuita sequentur. que não convém e aonde flevam a qualidade e d
Qui didicit, patriae quid debeat et quid amicis, erro.
quo sit amore parens, quo frater amandus et hospes, Ser sabe dor é o princípio e a fonte d o bem
quod sit conscrípti, quod iudicis officium, quae e s c r e v e r O s escritos socrâ ticos já te "deram idéias 310
e agora as palavras seguirão, sem esforço, o assunto
306-308 — Neste passo faz-se a transição para outros te- imaginado. Quem aprendeu o que se deve à pátria!
mas de que Horácio vai tratar. Esses temas são enunciados
e aos amigos, quanto afecto se deve conceder aos
pelo poeta: onde adquirir a substância da poesia; o que forma
pais, irmãos e hóspedes, quais os deveres do sena-
um poeta; o que é apropriado ou o que não 6 apropriado para
a poesia; perfeição e imperfeição do poeta. Quanto à frase dor e do juiz, quais as atribuições do general man-
nil scribens ipse ( v . 306) foi ela interpretada como dado cro-
nológico, para a datação da A. P. P o d e ser identificada com nil scribens ipse um sentido mais lato, com que Horácio pre-
três fases em que Horácio abandonara um pouco o seu ofício tenderia afirmar que ele não escrevia poesia dramática.
de poeta: 1) a fase anterior à elaboração das Odes; 2) o
309-33? — Entra agora na apresentação das partes enun-
interuallum liricum entre 23 a,C. e 18 a.C,; c ) o período
ciadas. O bom 'poeta tem de possuir uma capaz preparação
entre a publicação d o livro I V das Odes e o f i m da sua vida,
filosófica, tal como os poetas gregos, que nisso eram bem
iq-8 a.C. A primeira deve ser rejeitada, porque Horácio não
diferentes dos romanos. Possível influência de Aristóteles, que
Kl-, podia intitular-se mestre de poesia antes de ser reconhecido
defendia os conhecimentos filosóficos dos poetas, protegendo
: como grande poeta latino (Latinus fidicen). As duas outras
os poetas contra os ataques de Platão, de que estes eram
% f a s e s , têm as mesmas possibilidades de serem admitidas, tal
objecto. Cf. Brink, Prolegomena, p. 1-27, e segs.
diz Brink, Prolegomena, p. 242, mas parece-nos, como
ifcíj,' j á dissemos na introdução, p. 25, que a última tem mais 310 — Socraticae chartae, alguns identificam-nas com os
; verosimilhança (cf. J. Perret, Horace, p. 186 e segs.). Também escritos de Platão e outros com os dos seus discípulos, p. ex.
nos parece viável e bastante lógico que possa atribuir-se ao Xenofonte, e até mesmo com os de Panécio, o estóioo, etc.

t
101 125
partes in bellum imissi ducis, ille profecto 315 dado à guerra: esse, na verdade, sabe conferir a 3X5
reddere personae scit conuenientia cuique. cada personagem a descrição que melhor lhe cabe.
Respicere exemplar qitae maruimque iubebo A o douto imitador aconselharei que atente no mo-
doctum imitatorem et niiias hinc ducere uoces. delo da vida e dos costumes e 'dai retire vívidq
Interdum speciosa locis morataque recte discurso. Comédias há, por vezes, que, embora
fabnla nullius nenens, sine pondere et arte, 320 parcas de èlagância, medida e arte, por apresenta-
ualdius ohlectat populum meliusque moratur rem temas atraentes e caracteres bem delineados 320
quam uersus inopes rerum nugaeque eanorae. agradam mais ao público e o prendem muito mais
Grais ingenium, Grais dedit ore trotando do que versos sem realidade, ou harmoniosas baga-
Musa Ioqui, praeter laudem luuHkis auaris: telas poéticas.
Romani pueri longis rationibus assem 325 A Musa deu aos Gregos o .talento e a possibi-
discunt in partis centum diducere. «Dicat lidade de falar com jgrande elevação, a eles que
filius Albini: si de quincunce remota est eram ambiciosos, mas só de alto renome. Osi
uncia, quid superat?.., Poteras dixisse. — Triens.—Eul jovens romanos, por seu lado, aprendem a re- 325
Rem poteris seruare tuam, Redit uncia, quid fit?—- duzir, .com grandes .contas, um _asse_ em cem
Semis». An, haec ânimos aerugo et cura peculi 330 partes. — «Diga o filho de Albino: se de cinco
onças tirares .uma só, quantas ficam? Poderias ter
Deve, porém, tratar-se de uma simples referência k disciplina
da filosofia moral. já dito!» — « Q u a t r o » . — «Muito bem! Assim jál
poderás administrar a tua fortuna. E se acrescen-
316 — Conuenientia corresponde ao arístotélíco irpírcov
(aptum) ou seja a teoria de qne as características d a descrição tares uma às cinco, quantas ficam?» — «Seis on-
devem ser apropriadas ao que se descreve. V i d . Aristóteles, ças», Esperaremos nós, porventura, que estes
Poética, I X e X V . Novamente se refere Horácio aos sentimen-
espíritos, uma vez imbuídos da preocupação cor- 330j:ii
tos das personagens, Cf. A. P., v . 11119 e v . 156 e segs.
317 — Exemplar uitae — refere-se à teoria helenística ti- 1, . •
Menandro. Quanto à teoria da jUÍtLTjatç, na- Poética e no Dái^
rada de Aristóteles, segundo a qual a poesia seria imitação
poetis de Aristóteles, v i d . (Brink, Prolegomena, pp.
da vida, o que se notará na concepção dos gêneros literários • ^SÍS»'
da época helenística, p. e x . na Comédia N o v a . P o r isso, Cícero, 323-332 Horácio volta ao confronto de Romanos e G t t $ | L
De republica, TV, 11, chamará à comédia, speculum consuetu- goe, pois tinha tomado estes como modelo, visto que sóéíítPp®
dinis. Esta asserção clceroniiana é largamente comprovada pelo ram dar a devida importância ao ingenium e à ars (ore ?
que nos resta da Comédia nova, e sobretudo pelo Díscolo de rotundo loqui). N a educação, os Romanos só ss interessam/t.

102 W3
« p •.
ffip>um semel imbuerit, speramus carmina fingi rosiva do dinheiro, possam criar versos dignos de
gM^osse linenda cedro et leui seruanda cupresso? serem cobertos com óleo de cedro e conservados
i p | | . A u t prodesse uolunt aut delectare poetae na madeira do cipreste bem polido?
^ S a t simuí et iucunda et idônea dicere uitae. Os poetas ou querem ser úteis ou dar prazer
^ f e i í i c q u i d praecipies, esto breuis, ut cito dieta 335 cm, a o mesmo tempo. Jratar d e assunto belo e
||§Í£fcípiant animi dociles teneantque fideíes: adaptado à vida. Se algum preceito deres, sê breve, 335
p p D a s e superuacmim pleno de pectore manat. para que rap_Í d am ente^apreen dam e decorem as tu as
p F i c t a uoluptatis causa sint próxima ueris, lições os ânimos dóceis e fiéis de quem te ouve: tudo
p h e quodcumque uolet poscat sibi fabula credi, o . q u e í q t supérfluo ficará ausente da memória, car-
regada em demasia. As tuas ficções, se queres cau-
pelos aspectos práticos e materialistas da vida, preferindo a sar prazer, devem ficar próximas da realidade e
aritmética à poesia e filosofia.
não se pode apresentar tudo aquilo em que a fá-
332 — Em Koma, os livreiros, para preservarem da des- bula deseja que se creia, como quando se tira v i v a
truição os rolos de papiro, costumavam esfregá-los com óleo
de cedro e depois metê-los em caixas de cipreste: cf. Vitxiivio, este fala do poema didáctico. Também não é fundamental o
H , p. 13; Porfirião, ad loc.; Teofrasto, Hist. plantarum, V, objectivo de causar prazer. A escola perlpatética defende, sim,
4, 2; Plínio, N. H„ X V I , 76, 39, Com esta imagem pretende a combinação das duas tendências, como vemos no passo citado
o poeta referir-se à imortalidade de que os bons poemas são de Neoptólemo (Brink, Prolegomena, p. i'20, n. 1): «para
dignos. cumprir a sua função, o poeta perfeito deve entreter o espírito
do ouvinte e assim também ser útil e ensinara.
333-346 — Horácio apresenta os escopos que o poeta pre-
335 — Tal como já apontara, quando criticava a tendên-
tende atingir: o utilitário (a que Neoptólemo de Pário dá o
cia dos poetas cíclicos para as grandes digressões e fizera o
nome de yp7jff[[jt,oXoyeTv) ou seja prodesse ( v . 333}, o sim-
elogio da brevidade de Homero ( v . 140 e segs,), volta Horácio
plesmente artístico e lúdico, delectare (que corresponde, muta-
de novo a tocar neste ponto, considerando como essencial a
tis mutandis, ao que Neoptólemo chama Jíuyaywyta), ou
breuitas in rebus. Deve referir-se, neste verso, ao poema didác-
então procura o poeta obter o duplo efeito que reihia ambos
tico (Quicquid prcscipies), no qual o autor procura instruir.
os fins (iucunda et idônea, v . 334). Cf. Brink, Prolegomena,
338 — Depois de falar do poema que procura ser útil e
pp. 128-129, e cs frags. citados apud Brink. Neoptólemo,
ensinar, fala q poeta daquele em que ímicamente o poeta pro-
n.° 10 (De poem., V, col. X I I I ) , Estes aspectos tiveram sobre-
cura deleitar os ouvintes, inventando novos temas. Aqui tam-
maneira importância na teoria literária da antigüidade, A utili-
bém, não são permitidos exageros, pois sempre a verosimi-
dade não é, contudo, característica fundamental da poesia,
lhança deve ser considerada, tal como diz Aristóteles, Poética,
como pode ver-se em Aristóteles, Poética, I , T447 b, quando
X V , 1454 a.

104 105
neu pransae Lamiae uiuum puerum extrahat aluo. 34o I d o ventre de Lâmia a^ cri anç a h á pouco por esta • 3?i
Centuriae seniorum agitant expertía fnugis, {devorada._As centúrias dos mais velhos repudiam''
cefsi praetereunt austera poemata Ramnes. /todo o .poema que não f o r proveitoso, mas os q u g - %
Omne tiiíit punctum qui miscuit utile duld, f pertencem à tribo -de Rarnnes,não gostam, desde^ •
Jectorem detectando pariberque monendo; nhosos, dos poemas austeros. Jtepebe sempite.jpa;~
hic meret aera liber Sosiis, híc et maré transit 345 votos, o que soube misturar o útil ao agradável/
fet Iongum noto scriptori prorogat aeuum. pois^deleita e ao mesmo tempo ensina o leitor:
Sunt delicia tamen quibus ignouisse uelimus; este o livro que dá dinheiro aos Sósios, que passai •
nam neque chorda sonum reddit quem uult manus os mares e oferece ao célebre escritor imortal.
[et mens, renome.
poscentique granem persaepe remittit aoutum, Há, porém, defeitos para os quais exigimos in-
nec somper feriei, quodcumque minabitur, arous. 350 dulgência: pois nem a corda produz o som que a r
Verum ubi plura nitent in carmine, non ego paucis mão e o espírito desejam, saindo, muitas vezes,
offendar maculis, quas aiut incúria fudit, som agudo a quem procura o 'grave, nem, tão-
-pouco, o arco encontra sempre, com a flecha, o
340 1 -Lâmia era uma figura da novelística grega, cuja
alvo que se mirou. Na verdade, quando inúmeras 350
crueldade fazia terror às cfianças, pois, segundo se dizia, devo-
qualidades brilham ntrin poemas não vou ofender-
rava os recém-nascidos. V i d . E . Rohde, Der griechische Ro-
-me com alguns defeitos, deixados escapar por •.•,•
man, Dannstadt, <1960, p. 2ro , o . e Diodoro Sículo, Biblio-
teca, XX, 411:.
347-476 — Entra-se na última parte da teoria oonoernerite
M 2 — O s Ramnes (também Rhamnes) correspondem à
ao poeta e à crítica literária: procura-se a maneira de evitar
t n b o dos Ramnenses, uma das t r & mais antigas tribos que
o erro e de assim atingir a perfeição poética.
Rómulo fundou em R o m a e estão aqui, por antonomásia, em
vez de equites (cavaleiros). 347-360 — A perfeição absoluta não existe e por isso, sem
que admitamos erros essenciais, temos de admitir que alguns
343 — Horácio segue a solução intermediária já preconi-
pequenos defeitos podem existir, N o entanto, o erro que, nos
zada pelos peripa té ticos e por Neoptólemo, pretendendo que a
grandes poetas, é excepção, torna-se hábito e vicio nos maus
boa poesia deve juntar o ú t i j ao agradável (dulce ^ é o prazer
artístico). poetas.

3 4 7 — • H o r á c i o emprega, humorlsticamente, um tom Jurí-


345 — Sosii era o nome de uma família de livreiros célebres
em R o m a (cf. Epíst., I , 20, 2 ) . dico neste passo,-em que se trata d o perdão ou da condenação
de certos delitos poéticos.

106
107,
neu pransae Lamiae uiuum puerum extrahat aluo. 34o \ do ventre de Lânnia a_ criajiça há pouco por esta
Centuriae seniorum agitant expertia frugis, [devorada, JíS centúrias dosimais velhos repudiam'^ f:
cefsi praetereunt austera poemata Ramnes. (ipào o .poema que não for proveitoso, mas os q u e " ^ » 1
Omne tolit punctum qui miscuit utile dulci, pertencem à tribo de Ramnes,não.gostam, desde^ ^
Jectorem delectando pariterque monendo; nhosos, dos poemas austeros. Jtepebe sempm^oá;^
hic meret aera Iiber Sosiis, hic et maré transit 345 votos, o que soube misturar o útil ao agradável/ '
fet longum noto scriptori prorogat aeuum. pois^ deleita e ao mesmo tempo ensina o leitor:
Sunt delicta tamen quibus ignouisse uelimus; este o livro que dá dinheiro aos Sósios, que passa^ -r'^
nam neque chorda sonum reddit quem uult manus os mares e oferece ao célebre escritor imortal «45
J
[et mens, renome.
poscentique granem persaepe remittit aoutum,
Há, porém, defeitos para os quais exigimos in-
nec semper feriei, quodcumque minabitur, arous. 350
dulgência; pois nem a corda produz o som que a f
Verum abi plura nitent in carmine, non ego paneis
mão e o espírito desejam, saindo, muitas vezes,
offendar maculis, quas aut incúria fudit,
som agudo a quem procura o gtrave, nem, tão^
-pouco, o arco encontra sempre, com a flecha, o
340 1 L â m i a era uma figura da oovelístíca grega. Cuja
alvo que se mirou. Na verdade, quando inúmeras 350
crueldade fazia terror às cHanças, pois, segundo se dizia, devo-
rava os recém-nascidos. V i d . E . Rohde, Der griechische Ro- qualidades brilham num poema-, não vou ofender-
man. Darmstadt, 11960, p . ZIO, n. e Diodoro Sfculo, Biblio- -me com alguns defeitos, deixados escapar por
teca, X X , 411.
347-476 — Entra-se na última parte da teoria conoernedi»
M 2 — O s Ramnes (também Rhamnes) correspondem à
ao poeta e à crítica literária: procu«»-se a maneira de evitar
tribo dos Ramnenses, uma das três mais antigas tribos que
o erro e de assim atingir a perfeição poética.
Rómulo fundou em R o m a e estão aqui, por antonomásia, em
vez de equites (cavaleiros). 347-3^0 — A perfeição absoluta, não existe e por isso, sem
que admitamos erros essenciais, temos de admitir que alguns
343 — Horácio segue a solução intermediária já preconi-
pequenos defeitos podem existir, N o entanto, o erro que, nos
zada pelos peripa té ticos e por Neoptólemo, pretendendo que a
grandes poetas, é excepção, torna-se hábito e vício nos maus
boa poesia deve juntar o útil ao agradável (dulce — é o -prazer
artllstico), poetas.

347 — Horácio emprega, humorlsticamente, um tom Jurí-


345 — Sosii era o nome de uma família de livreiros célebres
dico neste passo,-em que se trata d o perdão ou da condenação
em R o m a (cf. Epíst., I , 20, 2 ) .
de certos delitos poéticos.

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107,
Í f ; a u t humana param cajuit natura. Quid ergo est? certa incúria ou porque a natureza humana os não
: V t scríptor si peccat idem librarius usque,
soube evitar. Que quero eu dizer? Assim como o
quamuis est monitus, uenia caret, et citharoedus 355
copista não merece desculpa, porque, embora avi-
- V ridetur, chorda qui semper oberrat eadem,
sado, sempre faz o mesmo' erro, e o tocador de
v| sic mihi, qui multum cessat, fit Choerilus ille,
citara é posto a ridículo se, ao dedilhar as cordas, 355
% ; quem his teme bonum cum risu miror; et idem
cai sempre no mesmo engano, igualmente o poeta
; ; indignor quandoque bônus dormitat Homerus;
que muito falha me lembra o célebre Quérilo, o
uerum operi longo fas est obrepere somnum. - 360
qual escarneço, ainda que duas ou três vezes ele
fe ; pictura poesis; erit quae, si propius stes/ 1
seja digno da minha admiração. E não posso deixar
K t e capiat magis, et quaedam, si longius abstes;
de indignar-me todas as vezes que dormita o bom
jjpSfcaec amat obscurum, uolet haec sub luce uideri,
Homero: contudo, é natural que, na descrição de
iuidicis argutum quae non formidat aoumen; tão grande assunto, alguma vez nos domine o sono. 3ó0

Como a pintura é a poesia: coisas há que de
- .

jji • 357 — Q u é r i l o de laso {Ciaria), poeta épico contemporâ- perto mais te agradam e outras, se a distância <!-

|| n e o e companheiro de Alexandre Magno, foi pago por este para estiveres. Esta quer ser vista na obscuridade e
'^ cantar as suas campanhas. Diz a tradição antiga, que Quérilo
aquela à viva luz, por não recear o olhar penetrante
y. era ura péssimo poeta, pois ainda que conseguisse ser por
vezes brilhante, a totalidade da sua obra era de m ^ u a l i d a d e
%
U literária. V i d . Hor., Epíst., M; r, 232 e segs. 24: relata as duas justificações, a de Cícero referente a Demós-
ív: • tenes e a de Horácio respeítante a Homero.
M ^ Í - ^ 358-360 — Mesmo Homero, o mais perfeito dos poetas
||||,;(çf. v . 140 e segs.) e que deve ser q modelo de todos, também 361-390 — Mesmo admitindo a natural imperfeição do
||||Be engaiia por vezes. Horácio faz-se eco das críticas da escola engenho humano, há que observar, no entanto, certos prin-
|alexandrina de Zoilo (a quera chamavam <0 chicote de cípios: o poeta tem de possuir elevado domínio d o seu talento,
l l p ^ e r ò » ) , que, na obra d o grande épico, descobria um sem pois a mediocridade não pode ser consentida: tem de ter ins-
r^ilimero de incoerências e de erros. Estas afirmações provi- piração e desenvolrvê-la com a ars.
sobretudo do desconhecimento científico da língua homé-
! que parecia, com efeito, f u g i r às regras da língua jónica. 361 — A imagem da pintura comparada à poesia {devido
à fiEfi.Tjtriç) é muito freqüente na antigüidade. Basta lembrar
I ^ a n i a g e m de que era o sono o causador desses deslizes, já
um símile congênere em Plutarco, De gloria Athen., 346 F,
p p ^ r é c e nalguns autores, que ligavam a mesma imagem a ou-
que nos diz «ser a pintura poesia calada e a poesia pintura
l^os.escritores: Cícero, apud Plut., Cícero, 24, justificava
que f a l a » .
l ^ i r a os erros de Deméetenes, e Quintilíano, Inst. Or., X, T,

109
ca- I
(' dos seus críticos; esta, só uma vez agradou, aquela, • MM
h a e c placuít semel, haec deciens repetita placebit. 365
O maior iuueaum, quamuis et uoce paterna j dez vezes vista, sémpre agradará. 365
IN
fingeris ad rectum et per te sapis, hoc tibi dictum Tu, que és o mais velho de teus irmãos, embora
tolle memor, certis médium et tolerabile rebus a mão paterna te tenha encaminhado para o bom-
recte concedi; consultus iuris et actor -gosto e 'por ti próprio tenhas aprendido, conserva
causaram mediocris abest uirtute diserti 370 bem na memória o que .te digo; nas coisas positivas
Messallae nec scit quantum Cascellius Aulus, se concebe tolerável mediania e qualquer juriscon-
sed tamen in prefcio est; mediocribus esse poetis sulto ou advogado mediano, se não chegou à habi-
non homines, non di, non concessere columnae. lidade do eloqüente Messala ou à ciência de Aula
Vt gratas inter imensas symphonia discors Cascélio, nem por isso deixa de ter o seu valor. Mas
et crassum unguentum et Sardo cum melle papauer 375 os poetas medianos, esses não os_admitem nem os
offendunt, poterat duci qui a cena sine istis, deuses nem.os homens, nem as colunas dos livreiros.
sic animis natum inuentumque poema iuuandis, Tal como em simpático banquete desagradam con-
si paulum summo decessit, uergit ad imum, certos dissonantes, perfumes mal cheirosos e a dor-
Ludere qui nescit, campestriibus obstinei armis, mideira temperada com o med da Sardienha, porque 375

366 — Com certo pathos dirige-se Horácio ao mais velho o banquete podia passar sem estes, do mesmo modo
dos dois Pisões, que de faoto se julga, ter querido dedicar-se o poema nascido e inventado para agradar aos espí-
à poesia dramática. O poeta afirma que, se noutras artes de ritos, assim que se afastou um pouco do termo dese-
carácter utilitário, não é imprescindível o seu domínio per-
jado, logo,tombará no extremo oposto. Quem não as
feito, na poesia só o melhor nível é admissível.
sabe terçar que se abstenha de jogar armas no cam- 1 r
371—Messala, Mar eus Valerius Messala Corvinus, é um
advogado célebre, contemporâneo de Horácio, e é citado o seu
exemplo ao lado d o de Aulus Cascellius, jurisconsulto m u i t o 373 — Anáfora, com que procura obter-se a ênfase decla- .
conhecido, que nasceu, julga-se, um pouco antes de 100 a.C. matória e irônica, misturando oe nomes dos deuses e .dos
Estas citações foram consideradas como dado® para a datação homens (como nas fórmulas de invocação solene), com os
d o poema. Messala pouco interessa, visto ser contemporâneo, escaparates dos livreiros. Estes últimos deviam interessar f o r -
••íti#r
mas Cascélio, já devia ter cerca de noventa anos n o ano temente aos interesseiros poetas de R o m a .
20 a.C. (se considerarmos provável esta data), Por isso, 375 — Mel com sementes de papoila torradas, era conside-
Brink, Prolegomena, p, 240, propõe que se considere o nome rado uma iguaria nos banquetes romanos ( P l f n . , H. N,, XIX
d o grande jurisconsulto como o símbolo, por excelência, do i ó S ) . O mel da Sardenha, contudo, era dog menos aconâelhá-'
homem de leis. veis, parque demasiado amargo.

t 110 125
ilft-) '
;*indoctusque pilae disciue trochiue quiescit, 380 po e, quem não aprendeu a lançar a bola, o disco, o 380
||f| no spissae risum tollant impune coronae; troco, .deve ficar quieto, para que os círculos api-
í||);tqui nescit, uersus tamen audet fingere. Quidni? nhados de espeçtadores se não riam impunemente; e
|||liber et ingenuus, praesertim census equestrem quem nap sabe, ousa, contudo, fazer versos? Por
^p|summam nummorum uitioque remotus a b omni. que não? Se é livre e de pais livres, sobretudo'
i T u nihil inuita «dices faciesue Minerua; 385 quando o censo lhe atribui a soma de moedas que
!•$!':• " í d tibi iudieium est, ea meus. Siquid tamen olim dele faz õim cavaleiro, além de estar isento de quaJ-
scripseris, in Maeci descendat iiudicis auris quer vergonha? Apesar disso, tu nada deves dizer
et patxis et nostras, nonumque prematur in annum ou empreender sem a iboa vontade de Minerva: este 385 ^
membranis intus positis; delere licebit tem de ser o teu princípio e a tua opinião. Se acaso, j ~T I
quod non edideris; nescit uox missa reuerti. 390 porém, alguma vez quiseres escrever uma obra, l -
Siluestris homines sacer interpresque deorum dá-a primeiro a ouvir a Mécio, o crítico, a teu pai, j £
caedibus et uictu foedo detemiit Orpheus, a nós, e que-em- rolos de pergaminho ela repouse ^
durante nove anos, pois o que não for a flutue é
ainda susceptível de correcção, mas palavra que for \
380 — trochus: círculo de metal, que as crianças faziam
lançada já não pode voltar. 390
girar, por meio de uma vara de ferro.
Foi Orfeu, o sagrado intérprete dos deuses,
385 — Expressão proverbial. V i d . Cícero, D e o f f . . I , tio:
«inuita, ut aiunt, Minerua, idest aduersante et repugnante quem afastou os homens selvagens do assassínio
natura». Os desprotegidos de Minerva, a deusa da sabedoria
e das artes, não podiam ser artistas. 388 — Já É-lvio Cina, um dos poetas novos, só publicara
o seu poema Zmyrna depois de nove anos de o ter escrito.
387 — Spurius Maecius Tarpa devia ter cerca de 30 anos
Cf. Catulo, Carrn., 95.
em 55 a.C. data a que Cícero, Ep. Eam., VTI, 1, 1, se refere
quando fala dele como crítico literário e dos maiores. Em 3 9 2 — Orfeu, poeta mítico, que, segundo antiga tradição,
14 a.C. (data presumível da A. P.) já ele tinha c. de 70 anos. contribuiu pela música e ipelo canto para diminuir a selvajaria
Referir-se-ia Horácio a Tarpa, em vida deste, ou pretenderá e a rudeza dos primitivos homens, tirando-os da barbárie.
o poeta, tão-sòmente, dar-nos o nome de Tarpa, como o do Esses homens são identificados, por alegoria, com as feras.
crítico por excelência, tal como talvez fizera a respeito de Quanto ao homem primitivo, tinha já a antigüidade uma ima-
Cascélio ( v i d . v . 371)? Nada se pode afirmar com segurança, gem definida, que o fazia antropófago cadibus et uictu foedo,
e por isso mesmo, estas referências não são dados seguros que admitindo também que se alimentasse de glandes como vemos
permitam uma datação do poema horaciano. em Hesíodo, Trab. e Dias, 23I2 e Heródoto, I, 06 e segs.

112 SNQ U - 8 113


didíüs o b hoc lenife tigris rabldosqífélêbnésí frr^up -.roq e d o nefando pasto; por isso se dizia que ele aman- ' jilf
dictus ét Amphion, Thobanae conditdr uíbiá, saxa tigres e ferozes leões. D e igual modo, se fala1 v-ií
# ' Vj
saxa motière èono testudinis iest prectílílahdâ % -'»> s o f ^ j í
de Anfíon, fundador da tebana cidade, que, por - ^
duceréqtio tuellet. Ftiií hüke '^pieritiá^tí^daítíin nrrmp
branda camtilena e pelo som da Jira, dera às pedras 39
publica priuátis secernere, sacra prtffàúiá;
movimento e as levava para onde .bem queria. Fun- :'í
concubitu prohibere uago, dare iüfâ ínarítíê,1-- ^.óc-ví-
dava-se a antiga sabedoria em distinguir o público
oppida molirí, léges incidere lignb, • ao
do privado, o sagrado do profano, em pôr freio a "
Sic honor et nomcn diuinis uatibus atque. . ' 400
uniões adúlteras, em dar direitos aos maridos, em
càrminibus uenit, Post hos insígnia Homerüs ' i'-
construir cidades e gravar em madeiro as suas leis.
Tyrtaeusque mares ânimos in Martia bella •
Assim adveio honroso nome aos divinos vates e aos 400
uersibus êxacuit, dictae per càrmina sortes; [ : -;•>".
seus poemas. Depois destes, o ilustre Homero e
et uitae monstrata uia est, et gratiá régum
Tirteu com versos incitaram os espíritos viris para
Pieriis temptata modis ludusque repertus 405
as guerras de Marte; em verso foram proferidos os
et Iongorum operum finis: ne forte pudori
oráculos e mostrado q /bom c a m i n h o d a vida; e m ,
sit tíbi Musa lyrae sollers et cantor Apollo.
versos, pelas Piérides inspirados, sejcaptou o favor
dos reis e, no fim de longos trabalhos, foram desb. 4t>5
O ritmo o as palavras tinham, portanto, valor mágico que
convencia os ânimos à doçura e comedimento. çgi!terfeis.^^jrepresentações teatrais: agora, que,
394 — Com Anfíon dá-nos Horácio mais um exemplo de portanto, não te causem verçonha _auMusa -háí>il_
poeta mítico da geração anterior a Homero, Este pertencia à no dedilhar da lira e Apoio cítaredo.
tradição tebana, uma das mais antigas da Grécia, como diz
Varrão, De re rust., H I , 1. ticos) e à epopeia, vem Tirteu, poeta elegíaco do séc. V H a.C.
que representa a primeira fase da elegia. Cultivou-a, em Ee-
396-399 — O poeta mostra que, nos tempos primitivos,
parta, e deu-lhe carácter exortativo e guerreiro.
poesia e filosofia eram uma e só coisa. Também Cícero,
Tusc., V, 2, 5, nos diz o mesmo, referindo-se, porém, & 403 — Horácio enumera depois da epopeia e da elegia a
filosofia; «Tu urbis peperistl, tu dissipatos hominos in socie- poesia sacra! dos oráculos ( V . 403), a poesia elegíaca de carác-
tatem uitae conuocasti, tu eos inter se primo domiciliia, deinde ter gnómico, como a de Teógnis, no séc. v i a.C. ( v . 404),
conlugils, tu litterarum et uocum communione iunxisti, tu e, seguidamente ( v . 404), refere-se à poesia mélica coral (de
inuentrix legum, tu magistra morum et disciplinas fuisti...» Hndaro, Baquílides e Simónídes), cujos cultores, nos eptnícios,
402 — A seguir a Homero, séc. I X - V I I I , a.C. (que Horá- procuravam obter o favor dos reis. Finalmente ( v v . 405-406)
cio coloca, contra a opinião de alguns, depois dos poetas mi- aparece a poesia dramática que é a cúpula de toda esta

t 114 125
Natura fieret laudabile oarmen an arte, Há quem disciuta se o bom poema vem da arte /
:!'•- quaesitum est; ego nec studium sine diuite uena, se da natureza^: cá por mim^ jie^huima. arte v e j o I £
. nec rude quid prosit uideo ingenium; alterius sic 410 sem rica intuição e tão-pouco serve o engenho.semi \
altera poscit opem res et coniurat amice. ser trabalhado: cada uma destas qualidades--se
Qui studet optatam cursu contingere metam, completa com as outras e amigavelmente devem' 410
multa tuJit fecitque puer, sudauit et alsit, todas cooperar. O atleta que forceja por atingir na
abstinuit uenere et nino; qui Pythia cantat corrida a meta desejada, muito fez e suportou desde
tibícen, didicit prius extimuitque magistrum. 415 menino, suou, sofreu e abs teve-se do vinho e de
Nunc satis est dixisse: « E g o mira poemata pango; Vénus; o flautista, que entoa carmes nos Jogos
i>V. occupet extremum scabies; mihi turpe relinqui est Píticos, teve de aprender primeiro e de obedecer a
um mestre. Mas hoje em dia só basta dizer: — «Es- 415
evolução, e à qual mais de perto se refere a A. P. Cf, w . 73- crevo versos extraordinários; que a sarna atormente
S&it -85, onde há a descrição dos mesmos gêneros poéticos, e até
o que chegar em último; considero vergonha o ficar
tV;; da poesia jâmbica que falta neste último passo. Acrescenta,
: contudo, aos gêneros já descritos algumas subdivisões, como é,
caso da poesia elegíaca, a poesia especial de Tirteu, conferat an doctrina.», X I I , 5, 2; Cícero, Pro Archia, 7, 55.
408-411 —Discute-se o tradicional problema debatido pela N ã o há, portanto, razão de ser para a alternativa ars ou
retórica ensinada nas escolas, sohre a .primazia da arte ou do ingenium.

talento. Qual dos dois é mais necessário? —ipregunta Horácio, 412-452 — O poeta é um artífice, um técnico da poesia e
Conclui que para se ser bom poeta é necessário possuir equi- nunca um amador, tí de notar que Horácio acentua muito o
übradamente partes equivalentes de talento e de arte. As qua- papel da técnica na criação poébica, mais ainda do que Aris-
lidades naturais têm de ser desenvolvidas. Esta questão já o tóteles, quie possivelmente já o pressupunha. Vid. ÍBrink,

, poeta a tinha posto quando se referira aos escultores que tra- Prolegomena, p. 255. Estes os motivos que levam o poeta

\ . balbavam perto da escola Emília ( v . 32 e segs.) e quando a comparar quem faz poesia com os que têm qualquer ocupação

tevxríticara as teorias da escola de Demócrito ( v . 205 e segs.). de acentuado cunho técnico: ginasta, músico. Ê preciso um
tempo de aprendizagem.
rc&iCW Contra Demócrito e Platão que consideravam a poesia
' m m m 414 — Pythia trata-se dos jogos Píticos, celebrados em
| çomo resultado da inspiração, Horácio coloca-se na posição DeLfos, em honra de A p o i o vencedor da serpente Piton.
^intermédia, seguindo a escola peripatética, que via na boa 416 — Para se fazer poesia é necessário aprender. Cf. v.
tJPfv,''
poesia o resultado da combinação d a natura (0u<ri() e ars 88 e segs.

• Neoptólemo de Pário parece defender idéias pareci- 417 — Occupet extremum scabies, expressão tirada de.um

Mj-í-âas em col, X I , etc. V i d . Brink, Prolegomena, p . 55. Cf. jogo de crianças, em que o ganhador dizia ao que perdia,

'' Quíntüiano, Inst. Or., H , 19: «naturane plns ad eloquentiam ficando em último (extremum), que a sarna o podia dominar.

i 16 117
• í i '
et, quod non didici, sane nescire fatexú* para trás e confessar a aninha ignorância do que •; •t'íT'$
V t praeco, ad merces turbam qui cogit emendas, não aprendi». --
adsentatores iubet ad lucram ire poeta 420 Como o pregoeiro reúne à sua volta a turiba que
diues agris, diues posítis in fenore nummis. a mercadoria quer comprar, assim o poeta rico emj
Si uero est, unctum qui recte ponere possit terras, rico em 'dinheiro que, em empréstimos, lhe
et spondere leui pro paupere et eripere atris dá somas choradas, reúne, à sua volta, admirado- 420
litibus implicitum, mirabor si sciet inter res que só pensam no lucro. Quando, de facto, se
noscere mendacem uemmque beatus amioum, 425 trata de alguém que pode servir lautamente um
Tu seu donaris seu quid donare uoles cui, jantar, ou responsabilizar-se por pobres já sem cré-
nolito ad uersus tibi factos ducere plenum dito e tirar de funestas questões judiciais quem ne-
laetitiae; clamabit enim: «Pulchre, l>ene, recte», las estiver implicado, esse, ou muito me admirarei,
pallescet super his, etiam stillabit amicis seria feliz se soubesse distinguir entoe o verdadeiro
ex oculis rorem, saliet, tundet pede terram. 430 e o falso amigo. Se a alguém tiveres dado alguma 425
Vt qui conducti plorant in funere dicunt coisa ou tiveres intenção de lha dares, não o con-
et faciunt prope plura dolentibus exanimo, sic vides a ouvir teus versos, porque ele, por si só, está
derisor uero plus lauidatore mouetur. cheio de alegria e só clamará: «Que lindo! Que
Reges dicuntur muitis .urigere onlillis bem! Que certo!» Ficará pálido ao ouvi-los e mesmo
de seus olhos amigos alguma lagrimita brotará ao
419 — Assim como o pregoeiro tem de fazer propaganda mesmo tempo que baterá a terra com o pé, Como, 430
d o que vende, assim também o dinheiro do poeta rico, atrae, nos enterros, os que 'para carpir são* pagos,
tal como a propaganda, grande multidão de aduladores, que,
quase sobrelevam em ditos e acções aos que tra-
sempre louvando, estragam o gosto d o poeta, Este tipo de
adulador, era conhecido pelos escritores e filósofos da antigüi- zem o luito no peito, igualmente o adulador, que
dade. Cf. Teofrasto, Caracteres, II (Acerca da adulação). Intimamente troça, se comove mais do que o
A comédia nova apresentava igualmente o adulador em cena, arrçigo que, com sinceridade, louva. Dizem que \:
v i d . T . . B X . Webster, Studies in Menander, Manchester, 1960,
os reis, para se assegurarem de que alguém é
p . 67 e segs.
digno >da sua amizade, o convidam a beber inú- •.
434 — Segundo certa tradição relatada por Diodoro Sículo,
faziam dizer a verdade aqueles-a quem desejavam entregar
X X , 63, 1 (Agatócles de Siracusa), Plínio, H. N., X I V , 22,
um cargo de confiança,
145 e Suetónio, Tibério, 42, havia reis que, por meio d o vinho,

.•fí"!?
119
118
i jjf -.

mi^"1'
j|£/'et torquere mero, quem perspexisse laborent 435 meras taças e como que o atormentam com o v i - ' 435
í|;i. an> sit amicitia dignus; si carmina condes, nho. Tu, se fizeres versos, não te deixes enganar
v muroquaim te faJlent animi suib niulpe daitentes. pelos espíritos que se escondem sob a pele da ra-
Quintilio siquid recitares: «Corrige, sodes, posa. Se^algo a Quintilio lesses, ele te dizia: «Gcxr-~\
hoc» aiebat «et hoc»; melius te posse negares, rige, por favor, isto e isto». E se tu dissesses que 1
bis terque expertum frustra; delere rubebat 440 não podias fazer melhor e que já tentaras, em vão, !
et maJe tornatos inoudi reddere uersus. duas e três vezes, ele.te aconselhava a suprimir os 1
Si defendera delictum quam uertere malles, versos,maus e a (meter de novo na bigorna os que 440
nullum ultra uerbum aut operam insumebat inanem, tinham saído mal tormeaidos. Se preferisses, no en-
quin sine riuaii teque et tua solus amar es. tanto, defender o erro a corrigi-lo, então, sem mais j
Vir ibonns et prudens uersus reprehendet inertis, 445 palavras, não empreendia ele a inútil tentativa da ,
culpabit duros, incoinptis adlinet atrum te impedir que, desprezando rivais, só de ti e . d e
transuerso ca]amo signum, ambítiosa recidet teus versos gostasses. Um homem honesto e ju-
1
ornamenta, parum claris lucem dare coget, dicioso criticará os versos sem beleza, não d es-
arguet ambigue dictum, mutanda notabit, culpando os que são duros, riscando com ium
fiet Arístarchus, nec dicet: «Cur ego amicum 450 traço negro .da sua pena os mal alinhavados, cor-
offendam in nugis?» Hae nugae seria ducent tará os onnaitos exagerados, obrigando a dar clareza
in mala derisum se me] exceptumque sinistre. aos que de luz carecem, repreenderá os ambíguos
e, em suma, notará tudo o que tiver de ser alte-
rado. Que seja um Aristarco e nunca (diga: « P o r
438 — Quintilius Varus, poeta e crítico, amigo de Virgílio
e <3e Horácio e conhecido como exemplo de crítico íntegro. que hei-ide, em ninharias, aborrecer um amigo?» 450
Morre em 2,4 a.C., portanto, antes da A. P. ter sido escrita É que estas ninharias hão-de conduzir a erros sé-
(vid. p. 25).
rios todo o que for enganado por sorrisos e for bem
445 — Vir bônus, noção estóica do artista, homem íntegro, aceite sem razão.
tal como Catão definira o orador: «ruir bônus, dicendi peritust.
450 — Aristarckus, filólogo alexandrino, crítico de Homero 453-476 — Faz-se o retrato d o tnalus poeta, que é carica-
(.r8i^i4'ó) a . C . ) , e apresentado aqui, por antonomásia, como turizado como o poeta louco, uesanus poeta. Este é o sfmbodo
modelo do exegeta. Cf. Cícero, Ad fatn., I X , 20, «esses alter do gênio não ensinado, para o qual a ars em nada contribuiu.
Aristarchus». Novamente Horácio dá a entender, com ironia, que a poesia

t 121 125
V t mala quem scabies aut morbus legius urget Assim como se foge de.aumLsoitrejde-saina. de
aut fanaticus error et iracunda Diana, icberíçi^jde fuiror-inísticoue-jdaira^de^Diana,assimi -J
uesanum tetigisse tirnent fugiuntque (poetam, também, todo o que sabe, tem medo de tocar n o :' M
455
qiui sapiunt; agitant pueri incautique sequuntux. poeta louco e tíele foge^ as crianças' perseguem-no , 455
Hic, dum stublimis uersus ructatur et errat, e os incautos vãp,_atrás-deíe^ Se este, enquanto'
si ueluti merulis intentus decid.it auceps arrota versos sublimes e vagueia, for cair num ; ^
in puteum foueamue, licet «succurrite» longum poço ou numa cova, como o passarinheiro e m
clamet «io ciues», non sit qui tollere curet. busca de melros, bem pode gritar longamente. -}í:fpf;
460
Si curet quis opem Êerre et demittere funem, i Ô socorro», «Aqui d'el rei!», que não encontrará - ^
«qui seis an prudens huc se deiecerit atque quem se ocupe em levantá-lo. Se alguém, todavia, 460 •"
seruari nolit?» dicarn, Siculique poetae procurar socorrê-lo, deitando-lhe uma corda, eu ••' •<
lhe direi: «Sabes tu, porventura, se ele não quis
não é eó uma questão de talento, de dotes naturais, mas sim
deitar-se para aí, pois não lhe interessa ter cuidada
o resultado da combinação destes com a técnica, com o tra-
balho da lima, com a sabedoria, com a prudência. Assim pro- consigo próprio?» e, então, contarei a morte d ó
curará aniquilar a doutrina demócrito-platónica do «furor 1
poético», da poesia originada pela inspiração divina, facto que 458 — Refere-se Horácio a uma fábula d o gênero das que ,;
também já o levara a troçar d o poeta preconizado pela teoria se contavam acerca de Tales de Mileto (cf. Platão, Teetetò;$.
de Demócrito. nos w . 296 e segs., 408 e segs. 174; Diógenes Laércio, I , 34) e que correspondiam à f á b í ü »
Este modo de apresentar, em total paralelismo, as figuras esópica (65 Chambry) do astrólogo, que, ao observar as estte^.
do artista perfeito, que atrás se descreve, e d o artista de baixo Ias, cai no poço. Aüém disso, o não saber evitar os poços « S Í M i
quilate, era um locus communis dos tratados de retórica. Vid, considerado na antigüidade como um sinal de demência (cf.'^»;"
p. ex. Cicero, De oratore. I I I , 55, que apresenta, lado a lado, Horácio, Sdt., I I , 3, 56-60, Epist., I I , 2, 135). -
o orador perfeito e o orador louco, ' ií^F
453 — morbus regius é a icterfcia, segundo Celso, De medi- 463 — Siculi ... poetae interitum„ Referência à morte de•<
cina, I I I , 24. O seu nome justifica-se pelo facto de que, para Empédocles de Agrigento do séc. v a.C., poeta e filósofo, autor
ser curada a icterícia, era preciso muito dinheiro. de um poema físico e das Purificações, figura que a tradição
diz ser mística pois se caracterizava pelo seu enfatuamento reli-
454 — fanaticus error, êxtase em que entravam os sacer-
gioso. Possuído pela Loucura divina, julgava-se uma divindade
dotes de Bellona, seguindo os ritos orientais d o culto do deus
e, para provar que assim era, lançou-se no Etna, que depois
capadócio Ma (cf. Sdt., I I , 3, 223). Iracunda Diana, referência
devolveu uma das suas sandálias. Esta é a tradição cômica
à cólera de Diana, que perseguia todo aquele de quem não
postasse, ou seja, os lunatici. de que Horácio se faz eco. Mas a verdade é que nada impedia
que Empédocles tivesse morrido ao querer ver o vulcão, assim

t 122 125
narrabo interifcuim. Deus immortaüs haberi poeta siciliano. Querendo Empédocles ser tido como
dum oupit Empedocles, ardentem frigidus Aetnain 465 deus imortal, já frio, se lançou ao ardente Etna, 465
insiluit. Sit ius liceatque peirire poetís; Pois que aos poetas se reconheça o direito de mor- >
; ; inuitum qui seruat, idem facit occidenti. rer: dar a vida a guem não quer vaverT^T*fazer o L
íjá ^ ^ semel Í10c f e c i t nec> si retractus erit, iam mesmo que matá-lo. Não foi a primeira vez que ele j
flf • ^ o m o et ponet famosae mortis amorem. * o tentou^ nem, se o tirares do poço, se tornará, tão-
||;;Nec satis apparet cur uersus factitet, utrium 47b -pouco, em homem capaz de esquecer a atracção dtí
j-.minxerit in pátrios cineres, an triste bidental morte tão falada. Também não sei, por que faz
M|piouerit incestus; certe furit, ac uelut uisus, versos: se por ter -urinado nas paternas cinzas, se 470
y|p(biectos caueae ualuit si írangere clatros, por ter mexido, iniquamente, nt> funesto lugar onde
S í p d o c t u m docturpque fugat recitator acerbus; caiu um raio; o certo é que está doido varrido e,
l o q u e m uero arripuit, tenet occiditque legendo, 475 como o urso que teve força para partir as grades
§ : non missura cutem nisi plena cruoris hirudo. da jaula que tinha em frente, este recitador impla-
•ííK •
cável põe em fuga os cultos e os ignorantes; mas
p ; como Plínio-o-Velho morrerá ao querer estudar mais de perto quem ele apanhou, a esse agarra-o e, a ler, o 475
.. ., a erupção d o Vesúvio que destruiu Pompeios.
mata, como a sanguessuga que não larga a pele,
465 — f r i g i d u s p o r q u e , segundo nos diz o escoJiasta de sem que primeiro fique cheia de sangue.
í Horácio, o próprio Empédocles dizia que o sangue gelado em
volta d o coração era sinal de estupidez (A 77 Diels). Vid.
Virgílio, Geórgicas, H , 475 e segs. Deve havier, .portanto, -um 470 — Horácio refere-se a atitudes eacrilegas nos lugares

de palavras motivado peia dissimula tio, em que frigidus sagrados, tal como o bidental, lugar batido pelo raio e por
isso sagrado. Vid, Pfetrónio, 71; Pérsio, 1, 1(13 (pueri, sacer
^está.por stupidus,
est locus, extra/meite), Esses sacrilégios provocavam o castigo
do seu autor que, em geral, ficava louco.

S fi.' 467
— Horácio aponta, em estilo jurídico, como faria qual-
^'líér causídico, as causas por que se não devia salvar o poeta:
é ilegal; 2.° é inútil;
— hexâmetro 3.° é inoportuno.
espondaico, único na A.P,
tJÜv'

124 t
125
ÍNDICE ONOMÁSTICO

A Ateneu, 30.
Atreu, 83.
Acio, 93. Augusto, 17, zo, 26, n., 2f,
Alamo, Jorge Gomes, 38, 28.
Albino, 103.
Alceu, 19. B
Andrade, Rita Clara F, de, Barbosa, Jerónimo Soares, 41.
40, 42. Brink, 25, 35.
Anfíon, 115. Bruto, 13.
Antíciras, 99.
Antífates, 77, C
Apoio, 17, 117. Cadmo, 83,
Apúlia, 13. Calímaco, 31.
Aquiles, 73. Calvo, 19,
AquilÕes, 63, Camena, 95.
Aquino, Tomás José de, 42. Cândido Lusitano (Francisco
Argos, 73. José Freire), 33, 39, 40.
Aristarco, r 2 i . Caríbdis, 77,
Aristóteles, 27, 28, 3r., 32, Carmen Saeculare, 17.
(Poética, Retórica, De poe- Cascélio, Aulo, 111.
tis) 35 (De poetis), 36. Catão, 6r.
Arquíloco, rg, rg, 67; Catulo, 19.
ars, rg, 20, 33, Cecílio, 61.
artifex, 28, 33, 34. Cetegos, 6r.
Assíria, 73. Ciclope, 77.
Atenas, 13, 15. Cila, 77.

127
Cólquida, 73. Fonseca, P e d r o José da, 41. Lejay, P. { & Plessis), 25. Perret, J., 25, 26, 27.
Cardovil, Bartolomeu, 40, Fortuna, 85, Lícino, 99. Piérides (Musas), 115.
Correia, P . P e i x o t o , 37. Fraenkel, E . , 26. Lucíiio, i õ , 19. Pisões ( L ú c i o [ou G n e u ] Pi-
Correia, T o m é , 37. Frutuoso de S. João, 37. são e f i l h o s ) , 23, 24, 26,
Costa, Francisco da, 37. M 27, 28, 51, 89.
Coutinho, D. Gastão F . da G Pitias, 89,
Marquesa do Alorna, 44.
, Câmara, 45, Gênio, 85, 86, Plauto, 27, 61, 95.
Marte, 115.
Cremete, 69. Gregos, 103. poeta, 314,
Mecenas, 14, 19, 26.
Guerreiro, Miguel d o Couto, Pompílio, 97,
Mécio, 113.
D 39, 40. 4 2 - Porfirião, 23, 30, 31,
Medeia, 73, 83.
praeceptum, 35.
Dacier, 33. 39. H Meleagro, 79.
P r i a m o , 77.
D a v o , 89. Menendez P e l a y o , 37, 38.
Héiicon, 99. Procne, 83.
Delfos, 87. Messala, 111.
Homero, 65, 109, 115.
Diana, 17, 53, 123. Metastásio, 43.
Michaelis, A . , 24.
Q
Diomedes, 77. I
Minerva, 113. Quérilo, 109,
iambi, 15.
Musa, 67, 77, 103, 115. Quintiiiano, 17, 22.
E Immiscb, O., 28, 34, 35.
Quintilio, i 2 i .
I n o , 75.
E m í l i a , Escola, 57. N
Inocêncio, 37, 40.
Empédocles, 125. R
interuallum lyricum, -25, 26. N e o p t ó l e m o de Pário, 30, 31,
Enio, 61, 93. Ramnes, 107.
I o . 75- 32, 34. 35.
Epístolas, 17, 19. Réencn, J. H . van, 24.
Italum facetum, 0:5, N e p t u n o , 63.
Epodos, J5. Reno, 53.
Ixíon, 75. Norden, E . 28, 33,.
Escalígero, 33.
Escoliastas de Homero, 30. Rostagni, A . , 28, 34,
J O
Esquilo, 95.
Jambo, 91, 93, S
Estaço, Aquiles, 36. Odes, 116, 20.
Jensen, Chr., 31, 34.
Estrabão, 30. Orbílio, 13, 15, Sá, J. J. d a Costa e, 37, 43.
Jogos Píticos, 117.
E t n a , 125. Orestes, 75, Safo, 19.
Orfeu, 113. Santos, A n t ô n i o Isidoro dos,
L
V 40.
Lácio, 97.
!P Sardes, 111,
Faunos, 91. L â m i a , >107.
Sátiras (Saturae), 1:6, 16.
Filodemo, 31, 34. Leitão, A n t ô n i o J. de l i m a , Peleu, 69, 71.
Sátiros, 8g.
: Floro, 19, 20, 26, Pereira, P . Bento, 37.
43. scriba quaestorius, 13.

t 28 125
Seabra, Antônio Lute de, 44. TéspÍ3, g5.
Sermones, ir6. Tiestes, 6g.
Sileno, g r . Tirteu, 115. '
Silva, Manuel da, 37. Trebácio, r g .
Símon, g r . Tróia, 77. 79-
Sóeios, 107,
. Steidle, W . , 29. V

Vário, 14, 61.


T 7,1) ).<)ViK<\ I' \y"j *.j\>i'. ')V;\i ''.'li',;'; 4? wêMtívm K }'
Veiga, Pedro da, 37.
tw)-.p<,,?Av •.. t N D I C E G E R A L • UWU73M
Tebas, 73. Vónus, 117,
Telefo, 69, 71. Venúsia, r 3 .
1iíuvW^íf
Teofrasto, 32. Virgílio, 14, i t , 61. .< jij t. • ".iV
PREFACIO .

INTRODUÇÃO

BIBLIOGRAFIA

TEXTO LATINO, tradução e comentário

1
ÍNDICE ONOMÁSTICO 127

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