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Volusiano

PUBLIO LENTULO CORNELIO SURA (63 AEC) era,


parece, padrasto, e pai de criação, de Marco
Antônio, era o segundo marido de Júlia, a mãe de
Antônio. Em geral a gens romana sucedia por linha
colateral na falta de linha directa, portanto,
podemos supor parentesco entre Sura X M. António.
O (sobre) nome ''Julia'' (nome familiar e não
prenome individual) aponta nesse rumo, pois os
Juliani e os Lentuli eram ''parentes'' via Corneli a
partir de Cornélia (Graco), ancestral do segundo
imperador, um Claudius (Julius). Júlia significa uma
mulher parente de um Júlio, filha, neta... Algum dos
Lentuli depois de Sura, ou alguns dos Antoni, usou o
seu nome: Publius Cornelius Lentulus [ou, Lentulus
Cornelius]. Contudo os romanos tinham o costume
do ''nome de guerra'', César, Otávio, Cipião, Cícero,
Germânico, nem sempre sendo evidente o seu
''nome de batismo'' Caio, Públio, Marco, Caio Júlio
César Germânico...
O NOME latino apresenta estrutura peculiar:
prenome, nome, cognome. O proenominen latino,
parecido com os ''nomes'' de hoje declina, em
português, em -o: Públio, Flamínio, Plínio (Pvblivs,
Flaminivs, Plinivs). O nominen latino, parecido com
''sobrenomes'', em latim declinava em -us: Lentulus,
Severus. Do nosso ponto de vista, são todos
''sobrenomes'': o radical nominen denota o NUMES,
o espírito dos ancestrais. [nota: numerosos nomes
latinos passaram ao portug., p.ex., ''SILVA''].

2. O NOME romano se baseia no culto dos


ancestrais, ou seja, se baseia nos ''espíritos'', os
nomes romanos fazem sentido no contexto do culto
dos antepassados, que era fortemente baseado em
acontecimentos ''mediúnicos'' de toda ordem,
aparições, materializações. Um ancestral, pre-nome:
Publio; outro, cog-nome: Lentulus, outro, de
fundamento, nome: Cornelio. Tanto que o -io
significa na verdade ''filho de'': filho de Publo, filho
de Cornelo, [da parentela] Lentulus. Todos esses um
dia foram pessoas reais, que fundaram a
ancestralidade da personagem. Supostamente,
espíritos lares que o protegem. Agora, como ele, o
senador-personagem da Carta, era chamado
mesmo? Ignoramos. Sabemos apenas que o nome
principal era esse do meio, Cornelio; mas ao mesmo
tempo era usado por todos os seus descendentes
masculinos e femininos; no dia a dia, parece, os
romanos eram conhecidos por apelidos, o coxo, o
baixinho, o barbadinho...

A PALAVRA que entre os antigos designava o culto


dos mortos parece bem elucidativa: parentare. ''A
prece e a oferenda somente se dirigiam aos pais de
cada um'' (Coulanges, pag. 37). Por isso, o
''prenome'' (escolhido num repertório ancestral) não
era o nosso ''prenome'', um ''nome-de-batismo'' e
sim, um sobrenome ancestral, como os outros
elementos do nome romano.

EM Roma era costume todo patricio usar 3 dos


nominis [= antepassados]. ''Chamava-se por exemplo
Públio Cornélio Cipião'': prenome+nome+agnome.

1- Publio era o PROENOMEN, um nomine ''colocado


antes [pro] do de família''.

2- Cipiao era o AGNOMEN, um nomine ''acrescido''.

3- O verdadeiro nome, NOMEN, ''era Cornelio'' (pag.


111). Ou seja, o ''nome'' romano era um panteon de
deuses, um altar em forma gráfica.

3. PARECE apropriado que os membros de uma


mesma gens usassem o mesmo nome e isto
justamente se deu. O uso dos patronímicos data
desta antiguidade e relaciona-se visivelmente com o
velho culto.

CADA gens transmitia, de idade a idade, o nome do


antepassado e perpetuava-o ''com o mesmo cuidado
com que perpetuava o seu culto'' (pag. 111). A união
de nascimento e de culto indica-se na comunhão de
nome. ''O que os romanos chamaram propriamente
nomen, foi o nome do antepassado'' (pag. 111). Era
costume comum do patriciado usar os 3, p.ex.,
Publio Cornelio Scipionis - ''o seu verdadeiro nome,
nomen, era Cornelio, nome esse, ao mesmo tempo,
pertencendo a toda a gens''.
4. NOME significa ''entidade protetora''. Vinha dos
antepassados. Destes, o nobre romano usava o
prenome, nome de Gente e cognome de família de
acordo com ramo e sub-ramo gentílico, todos
sobrenomes, p.ex., nomine: Flávio; cognomine:
Vespasiano -seja Vespasiano Flávio, da gens flaviana,
imperador de 68-79 EC.

O AUTOR da Carta de P.Lentulus (ver) nunca pôde


ser identificado; são bastante fortes as objecções no
sentido de não ter existido jamais um P.Lentulus em
Israel. Na verdade, objecções intransponíveis. Mas o
Ciclo de Pilatos menciona uma personagem que
deve chamar a nossa atenção, ''Volusiano, familiar
de Tibério'', que recebe seu nome de Volúsio, i.e., o
cônsul (=''presidente da república'') Lúcio Volúsio
Saturnino (3 EC) casado com Cornelia Scipionum
Gentis, filha de Lúcio Cornélio Lêntulo, cônsul em 3
AEC [a cada ano, havia 2 cônsules titulares].

5. NO ''Morte de Pilatos'' publicado por Tischendorf


a partir de um manuscrito do tempo de Ambrósio
(séc. V), Volusiano (suo familiari nomine Volusiano)
afasta Pilatos, que o imperador condena à morte cf.
Otero, Los Evangelios Apocrifos pag. 496 ss.
Tischendorf cria que o texto ''procedia de uma fonte
mais antiga''. Circulou bastante, na Idade Média. Um
Volusiano aparece no reinado de Constantino, com
uma lenda parecida: mensageiro de Const. curado
por S.Silvestre, mas esta lenda deve (?) depender e
provir do Ciclo de Pilatos; o imperador Volusiano
reinou 251-3 EC [Tischendorf, 1876, Lipsia, 2 ed.,
Evangelia Apocrypha].
6. O NOME Públio Lêntulo era usado no ramo
lentuliano principal; mas os Lentuli assumiram uma
enormidade de funções públicas em Roma, em
especial, 3: foram eles, ou militares, ou sacerdotes,
ou juízes; um [Públio? Lúcio?] Volusiano Torquato
[Cornélio] Lêntulo estaria num parentesco de
segundo ou terceiro grau: um primo meio-afastado,
um sub-ramo colateral do ramo maior (por sua vez
os Lentuli eram um ramo dos Corneli, estes, um
ramo dos Fabiani). Por ordem crescente, ele era
Torquato, Volusiano, e Lêntulo. [por sua vez,
Volúsio= ''filho de Voluso''].

''ENCONTRANDO-SE Tibério César, imperador dos romanos,


acometido de grave enfermidade, e havendo-se inteirado de que
em Jerusalém havia um médico chamado Jesus, que curava os
males com sua palavra, apenas, desconhecedor de que Pilatos e
os judeus o haviam matado, deu esta ordem a um Volusiano seu
achegado''... [Cum autem Tiberius Caesar romanorum imperator
gravi morbo teneretur, et intelligens quia Ierosolymis esset
quidam medicus, nomine Iesus, qui omnes infirmitates solo verbo
curat, nesciens quod Iudaei et Pilatos eum occidissent, praecepit
cuidam suo familiari nomine Volusianus].

7. UM autor romano da Carta deve cumprir algumas


condições teóricas: senador, nascido por volta do
ano 1, usando de um ou todos esses nomes; Públio,
Lúcio, Fabrício, provavelmente Publius Lentulus;
pertencente à parentela Cornelia, ramo Lentuli;
ligado de algum modo a Sura, cf. acima, visto que
usa o seu nome (Sura não deixou descendentes
masculinos, algum parente precisava continuar o
culto dos seus ancestrais). Sob o nome ''Volusiano'',
o Ciclo de Pilatos pode e deve estar preservando a
tradição desta personagem.

QUEM teria sido este Volusiano? A História romana


nos mostra ter sido um homem altamente colocado.
Seu pai (ou avô ou ascendente masculino), Lúcio
Volúsio Satúrnio (Lucius Volusius Saturnius) foi
cônsul (Consul Suffectus 12 AEC) e teve moeda em
sua homenagem [ao lado]; procônsul em 7 AEC, na
África. Deve ter morrido ca. 21; relacionava-se por
parentesco aos imperadores Tibério e Calígula; era
''tio'' (no nosso sistema de parentesco) de Lollia
Paulina (casada com o príncipe Gaius), personagem
da vida de Agrippina (ano 49). Um ''avô materno''
(no nosso sistema de parentesco) bastante
conhecido deste Volusiano foi Lucius Cornelius
Lentulus, cognome Crus ou Cruscello (morre em 48
AEC), todo envolvido na política do seu tempo,
membro do partido anti-Cesariano, cônsul em 49,
favorecido por Pompeu (por tal motivo, pode ter
recebido propriedades em Pompeia). Fontes de sua
vida, Caesar, Bell. Civ. i. 4, iii. 104; Plutarco, Pompeu,
80.

ENTRE os Lentuli, muitos se destacam na História


romana, entre eles: Sura, Spinter, Crus.

8. PUBLIUS CORNELIUS LENTULUS SURA foi amigo de


Catilina, conspirador e inimigo de Sulla e Cícero,
condenado à morte no ano 63 AEC (Veja Dio Cassius
xxxvii. 30, xlvi. 20; Plutarco, Cicero, 17; Sallust,
Catilina; Cicero, em Catilinam, iii., iv.; Sulla Pro, 25).

PUBLIUS CORNELIUS LENTULUS, chamado SPINTHER,


um ''bom moço'' do tempo, de temperamento
totalmente oposto ao parente Sura, esteve no
partido de Pompeu. Em 63 AEC ao lado de Cícero,
edil de Roma (aedile, ''prefeito'') combateu Catilina;
celebrava festas e jogos públicos de grande
esplendor, que o distinguiam. Pretor em 60
(praetor); governou a Hispania Citerior (59);
consulado em 57. ''Regente'' de Cilicia e Chipre (56-
53); a política virou, foi condenado à morte (49) por
seu apoio ao derrotado Pompeu (Cicero, Alt. xi. 13. I;
Aurelius, De vir.. Ixxviii., 9; Caesar, Bell. Civ. i. 15-23,
iii. 102; Plutarco, Pomp. 49; Valerius Maximus ix. 14,
4; cartas de Cicero, e.g. Fam. i. 1-9).

LUCIUS CORNELIUS LENTULUS, apelidado CRUS ou


CRUSCELLO, estava do mesmo lado que Spinther, no
partido anticesariano. Esteve na primeira plana por
diversas vezes sobretudo, 61 e 49 AEC. Tanto o
Spinter quanto o Cruscelo é capaz terem sido
agraciados com propriedades em Pompeia. Em 3 AEC
um Lúcio Cornélio Lêntulo, relacionado com esse
Crus, teve o consulado; era filho de Lúcio flâmine de
Marte (flamen Martialis); foi procônsul da África (4-5
EC); morreu neste ano; teve uma filha única,
Cornélia, ou, ''Cornelia Scipionis Gentis'', i.e.,
''Cornélia, da parentela dos Cipiões'', que se casou
com Lúcio Volúsio Saturnino (cônsul sufeta em 3 EC,
e já bastante idoso); dessa união originaram-se os
Volúsios Torquatos. No fim do Principado, uma sua
descendente foi Cornélia Licínia Volúsia Torquata,
aparentada com Augusto via os Escriboni.

9. OS DADOS são poucos, fragmentados, mas


podemos inferir nome e status desse ''Volusiano'':
devia chamar-se Públio, mais usado como ''nome de
batismo'' e muito comum na sua parentela além de
transmitido pela tradição da Carta; devia ou podia
ter o nome Lucius, igualmente transmitido pela
tradição da Carta, igualmente comum (menos) na
parentela, e nome de seu ''avô materno''.

O CICLO fecha-se, pois era indispensável que o


romano da nobreza perpetuasse o nome e o culto
dos seus ancestrais masculinos; sendo Cornelia filha
mulher única, seus filhos necessariamente deveriam
assumir o lugar de ''irmãos'' de sua mãe, cultuando
''por ela'' (mulheres não podiam cultuar os
ancestrais). Volusi-ANO denota que ele ou um
ascendente masculino tinha sido adoptado como
filho por outra parentela a que faltavam
descendentes, a fim de perpetuar o culto familiar
desta parentela; em geral os Corneli e Lentuli
adoptavam.

10. PUBLIO e Lúcio; Lêntulo e Cornélio. Contudo,


chamado Volusiano no ciclo de Pilatos, porque? ...No
caso, interessava ao texto ressaltar seu parentesco
com Tibério, muito mais evidente pelo lado Volúsio
da parentela. Entre Públio e Lúcio, mais provável que
fosse chamado apenas de Públio (Lúcio era mais
''sobrenome'' do que ''nome''); antes de ser
Volusiano, era Lêntulo e Cornélio; coexiste
perfeitamente, faz parte do nome, fica sub-
entendido. Este Volusiano pode e deve ter sido um
Públio Lêntulo Cornélio Volusiano: PVBLIVS
LENTVLVS CORNELIVS VOLVSIANVS.

CLARO que podemos e devemos pensar: tudo isto é


muito impreciso e vago. Outros volusianos devem
ter existido. Contudo, o que desejo ressaltar aqui é a
possibilidade de que, afinal, a Carta de P.Lentulus
não seja tão inautêntica quanto pareceria. Num dos
textos do Ciclo de Pilatos, por exemplo, no Veredicto
de P.Pilatos, surge um Públio ou Público regente da
Judeia [ver]. Editou, Paulo Dias.

FONTES- Foustel de COULANGES, A Cidade Antiga,


Ed. Martins Fontes, 1975. Outras: os textos clássicos
daquele tempo, SUETONIO, TACITO, TITO LIVIO,
todos em latim. Mais TISCHENDORF, Evangelia
Apocrypha, além de OTERO, Los Evangelios apócrifos

Fim

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