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A Identidade Feminina Brasileira, No Conto “Gregória Na

Janela”

Autora: Luciana Inês de Oliveira Biazus Arana (UNEMAT)*

Resumo: Neste trabalho científico, será analisada a identidade feminina brasileira através do
conto Gregória na Janela, com a identificação do gênero literário, práticas discursivas, de
escritas e de reflexões sobre o pensamento de mulheres, temos como objetivo refletir como a
personagem feminina é descrita procurando focalizar o valor estético, o conteúdo ideológico,
o gênero literário, a filiação estética as representações e construções de sujeitos marcados pela
subjetividade. A intenção é contribuir para a construção de um aporte teórico-crítico capaz de
levantar discussões em torno da produção literária brasileira e como as mulheres são descritas
na sociedade brasileira.

Palavras-Chave: Literatura; Mulheres; Sociedade.

1. INTRODUÇÃO
A pesquisa científica aqui empreendida teve como objetivo, observar o construir e
desconstruir do nome ou sistema de identidade feminina. Este é um caminho trilhado pelas
mulheres escritoras no Brasil durante o movimento modernista e contemporâneo.

Sendo assim a presença da mulher encontra-se num momento crítico da história, dentro do
contexto vivenciado pela mulher no Brasil, promovido por preconceito e desigualdades
sociais, pela consideração das diferenças de sexo e por múltiplas implicações das questões de
gênero, problematizadas no corpo, mesmo da representação ou construção simbólica da arte
literária.

A literatura brasileira feita por mulheres expõe parte das situações experimentadas pelas
mulheres nesse percurso de construção e desconstrução da imagem de si, examinando-as nas
condições de personagens, narradoras e autoras.

*
Luciana Inês de Oliveira Biazus Arana, Licenciada em Letras pela Universidade Estadual de Mato Grosso
(UNEMAT) Especialista em Ensino de Língua Portuguesa e Literatura pelo Instituto Cuiabano de Educação
(ICE). Atualmente professora efetiva na Escola Estadual de Ensino Médio Albert Einstein, Guarantã do
Norte/MT, Rua Sibipiruna nº 1370, Bairro Cidade Nova. CEP: 78520-000. E-mail: biazusluc@yahoo.com.br.
Setembro de 2013.
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No entanto, a condição de subordinação da mulher brasileira numa sociedade patriarcal de
passado colonial, desbravado por europeus, deixou as suas marcas, talvez a mais evidente
delas seja “o silencio e ausência”, notados no cenário público da vida cultural literária,
segundo Maria Beatriz Nizza (1987), no artigo Características da História da Mulher no
Brasil, a autora afirma “não temos acesso ao discurso feminino senão tardiamente no século
XIX e ate então temos de nos contentar em conhecer desejos, vontades, queixas ou decisões
das mulheres através da linguagem formal manejadas pelos homens”.

A escritora matogrossense contemporânea, Tereza Albues, em seu conto Gregória na Janela,


retrata como a figura da mulher estava subordinada dentro da família patriarcal. Passaremos
para a análise do conto, mostrando como a literatura escrita por mulheres, denuncia e
demonstra o contexto sociocultural das mulheres brasileiras.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 Lábios Carmins Aprisionados


O conto Gregória na Janela, tem como enredo à história da vida de Gregória, seu
comportamento, atitude, sentimento, renúncia e sacrifícios que realizou durante a sua
trajetória, abdicando vontades e desejos, devido às exigências de “mãe, conselheira e
administradora da casa” que lhe foram impostas desde seus quinze anos, por seu pai, chefe de
uma família tradicional. O enredo é linear, isto é, do começo para o fim, não há alteração da
ordem em que os fatos ocorrem.O texto é verossímil “pois a cada fato da história tem uma
motivação (causa), nunca é gratuito e sua ocorrência, desencadeia inevitavelmente novos fatos
(conseqüências)”. (GANCHO, 1993)

Segundo Antonio Cândido (1998), os três elementos centrais das narrativas (o enredo e a
personagem, que representam a sua matéria, as “ideias”, que representam o seu significado)
esses elementos só existem intimamente ligados, inseparáveis nas narrativas bem realizadas.
A personagem vive o enredo e as ideias, e os torna vivos.

Quanto à organização dos fatos da narrativa identificamos as parte do enredo, sendo a


introdução ou apresentação à caracterização da personagem Gregória, “cabelos crespos e
abundantes, rosto redondo e moreno, olhos mornos e negros, langorosos. Lábios sensuais,

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entreabertos, ávidos de beijos” (p. 45), neste trecho observa-se como a personagem é descrita
pelo narrador.

Apesar das tristezas que Gregória escondia dentro de si e seus deveres de administradora do
lar, ela sempre é apresentada pelo narrador como uma mulher que se preocupava com sua
aparência. Uma das mais importantes teóricas sobre a feminilidade no séc XX, Simone de
Beauvoir afirma:

[...]cuidar de sua beleza, arranjar-se, é uma espécie de trabalho que lhe permite
apropriar-se de sua pessoa como se apropria do lar pelo seu trabalho caseiro; seu eu
parece-lhe, então, encolhido e recriado por si mesma. Os costumes incitam-na a
alienar-se assim em sua imagem. (BEAUVOIR, 2002)

Esse aspecto da personagem fica bem claro no seguinte trecho:

[...] não deixa de cumprir o ritual diário. Das nove ás dez, bem vestida, blusas
estampadas ou lisas de seda ou algodão, decotadas, maquiagem exagerada, o eterno
batom, cabelos soltos ou presos por fivelas de madrepérolas, ela é vista na janela do
casarão colonial. (p. 46)

A solidão, frustração e retrocessos no comportamento da personagem mostram o conflito


interior pelo qual a mulher passa dentro de uma sociedade fechada e conservadora

[...] ninguém acompanhou nas noites solitárias quando em seu quarto chora todas as
desditas do mundo. Não sabe o que fazer consigo mesma. Entre o dever de se
dedicar aos outros e o dever de assumir o controle de si própria, decidiu-se pelo que
lhe parece mais fácil. Até por questão de sobrevivência. Ou escape? Ingenuidade?
Pressão? Ou ganhar tempo enquanto uma solução melhor não aparecia. (p.47)

Tais circunstâncias de vida comprovam o contexto colonizador europeu, que perpetuou


durante muitos séculos nos costumes e regras que as mulheres tinham que seguir e obedecer.

O momento culminante ou clímax da história e quando Gregória em sonho “de olhos fechados
[...]Denso de mistério, sua sombra se dissolveu no lusco-fusco” (p. 48), sai da moldura da
mulher que sempre viveu conforme a tradição e autoritarismo impostas por sua família e
entrega-se aos prazeres que a vida lhe negara durante todos aqueles anos de sofrimento,

O homem entrou, com delicadeza e maciez de pássaro, acomodou-se ao seu lado,


cobriu-a de beijos ardentes, sussurrando-lhe aos ouvidos palavras que só ela soube o
significado e ressonância. Deviam ser palavras ásperas e sedosas, espinhos
aveludados (órgão sexual masculino) que penetraram a sua carne madura e a fizeram
gemer de prazer doloroso. ( p. 48)

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A presença desse homem maravilhoso pode ser visto como príncipe encantando e libertador
de todos os sofrimentos vividos por Gregória; observa-se que a figura do homem “continua
sendo a verdade do universo, a autoridade suprema a maravilhosa aventura, o senhor, o olhar,
a presa, a salvação, o prazer; encara ainda a transcendência, é a resposta a todas as perguntas”.
(BEAUVOIR, 2002)

Neste conto o desfecho ou conclusão acaba de forma trágica pois a personagem principal
espera a volta do Arcanjo, que lhe tirou daquela vida sem esperanças e cheia de desilusões,
mas o anjo jamais retorna, a espera de Gregória por seu amado,torna-a seca e oca, fazendo
com que ela ausente-se de sua realidade, a personagem após sua experiência mesmo que
única, de felicidade e prazer não consegue mais se adaptar a moldura familiar e começa a
sofrer de esquizofrenia, sendo levada para o “Hospício Santo Inácio, dizendo que tinha sido
deflorada por um arcanjo de pênis dourado”. (p. 49)

Os parágrafos do conto são grandes e densos representando desta forma como era a vida de
Gregória, pois a personagem viveu e participou intensamente da construção da vida de todos
daquela casa menos da sua, que ficou apagada e esquecida devido a sua dedicação por todos.

Pode-se destacar como personagens deste conto Gregória, Manolo Arroyo (pai), Dona
Hermínia (mãe) os irmão e Dionísio Arcanjo. GANCHO (1993) diz que “o personagem é um
ser fictício que é responsável pelo desempenho do enredo”, em outras palavras, é quem faz a
ação. Por mais real que pareça, mesmo quando se constata que determinadas personagens são
baseadas em pessoas reais ou que já vivenciaram as histórias contadas nas narrativas, como na
história da personagem Gregória, pois somos sabedores que muitas mulheres já sofreram o
isolamento do meio doméstico.

Destaca-se como protagonista Gregória, pois desde o início do conto até o final a narrativa
acontece em função das atitudes desempenhadas pela protagonista, o narrador retrata a
opressão e comportamento de Gregória perante as situações que a vida lhe impusera por ser a
irmã mais velha e responsável por todos, “o centro da casa, o centro da pintura (...) só não é o
centro dela mesma”. (p. 47)

Toda a sociedade contemporânea tem como base o patriacarlismo, ele caracteriza-se pela
autoridade, imposta institucionalmente, do homem sobre a mulher e filhos no âmbito das
relações entre os membros da casa, podemos comprovamos esta relação de poder no texto
através do fragmento “o pai vinha em primeiro lugar na hierarquia familiar” (p. 46). Os
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relacionamentos interpessoais, e conseqüentemente, a personalidade feminina, também são
marcados pela dominação que têm origem na cultura e instituições do patriacarlismo.

Gregória pode ser classificada como uma personagem redonda, pois apresenta uma variedade
maior de características, físicas, sociais e morais, também podemos considerar as
transformações que ocorreram com a personagem, citamos a evidente transformação de
Gregória após a visita de Dionísio Arcanjo em seu quarto, suas ações nunca mais foram as
mesmas, saindo da moldura familiar autoritária que sempre viveu, não tendo sentido os
trabalhos e responsabilidades da casa.

Manolo Arroyo, pai de Gregória é o antagonista da narrativa, “pois é um personagem que se


opõe ao protagonista”, através de suas ações e arrogância que atrapalham a felicidade e
realização de sua filha.

Outro fato interessante e que quando o narrador dirige-se a personagem Gregória utilizando
somente seu primeiro nome, ele não lhe denomina seu sobrenome “Arroyo”, verificando isso,
podemos dizer que esse fato afirma a posição que a mulher ocupa dentro da sociedade
patriarcal, como já foi dito, submissa as ordens e autoritarismo do chefe da família, ou então
por não perpetuar o nome da família pois é mulher.

O nome está estreitamente ligada à função [...] pois isso implica uma equivalência
real entre o nome da personagem e suas funções teológicas ou sociais, ou ainda entre
seu nome e seu aspecto ou comportamento. (CHEVALIER & GHEERBRANT,
2002)

Analisando o tempo no conto Gregória na Janela, constata-se que os acontecimentos


transcorrem na ordem natural dos fatos, estando portanto ligado ao enredo linear, chamado de
tempo cronológico.

O espaço onde a história ocorre em uma casa na Rua do Lavradio, sendo o cenário mais
destacado pelo narrador a janela da frente da casa onde a figura de Gregória é vista todas as
manhãs.

Não há narrativas sem narrador, pois ele é o componente estruturador das histórias das obras
literárias, o narrador do conto está na terceira pessoa, portanto o narrador está fora dos fatos
narrados, sendo também onisciente, o narrador sabe de tudo sobre a história, também
observamos que o narrador é parcial, pois o mesmo identifica-se com determinado
personagem o conto, a protagonista Gregória, dando-lhe mais espaço e destaque na narrativa.

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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através da análise de Gregória na Janela da escritora Tereza Albues, observa-se que a


personagem feminina principal, não se casa e nem possui liberdade para tomar as suas
próprias decisões pois não enfrenta a autoridade do pai, devido pertencer a uma família
centrada no patriacarlismo, sendo um universo fechado e severo, a autora denuncia a pressão
das convenções de família, a submissão da mulher diante de tal peso e os vícios de uma
família aparentemente bem comportada.

Não há satisfação pessoal nessas relações convencionais existentes entre Gregória e os demais
membros da casa, simplesmente porque tais relações são superficiais, não possuindo
sentimento nas ações desenvolvidas, somente obrigações e responsabilidades que lhe foram
impostas desde tenra idade. BEAUVOIR (2002), descrever como é fácil compreender o papel
da mulher dentro da sociedade patriarcal, “é rotineira; o tempo não tem para ela uma
dimensão de novidade, não é um jorro criador; como é destinada à repetição só vê no futuro
uma duplicata do passado”.

Desta forma a figura da mulher dentro de uma sociedade conservadora é muito bem
apresentada e identificada no conto, mostrando aspectos tradicionais da família
matogrossense.

REFERENCIAS

ALBUES, Tereza. Gregória na Janela. In: Na Margem Esquerda do Rio.2002.

BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. v-2 A experiência vivida. 10º ed. Rio de Janeiro:
Editora Nova Fronteira, 2002.

BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. 38º ed. São Paulo: Cultrix, 1994.

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CANDIDO, Antonio. Iniciação à literatura brasileira. 2. ed. São Paulo: Humanitas: FFLCH -
USP, 1998.

CHEVALIER, Jean & GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos: (mitos, sonhos,


costumes, gestos, formas, figuras, cores, números). 17º ed. Rio de Janeiro: José Olympio,
2002.

GANCHO, Cândida Vilares. Elementos da Narrativa. In: Como analisar narrativas. São
Paulo: Ática, 1993.

MELO E SOUZA, Antonio Candido. A Personagem do Romance. In: A personagem de


ficção. 2 ed. São Paulo: Perspectiva, 1970.

NUNES, Benedito. O Tempo na Narrativa. 2 ed. São Paulo: Ática, 1995.

SANTOS, Juliano Ciebre dos. Diretrizes para Elaboração de Artigos Científicos. Guarantã
do Norte-MT. FCSGN, 2013.

SILVIA, Maria Beatriz. Características da Historia da Mulher no Brasil. Revista do Instituto


de Estudos Brasileiros, São Paulo, 1987.

TODOROV, Tzvetan. As categorias da Narrativa Literária. São Paulo: Ática, 2009.

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