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A ANÁLISE NEO RIEMANNIANA APLICADA À OBRA DE


ALBERTO NEPOMUCENO
Rita de Cássia Taddei
Universidade de São Paulo - taddei.rita@gmail.com

Resumo: Agregando teoria e análise, este estudo apresenta uma aplicação da ferramenta
proposta pelo teórico neo-riemanniano David Kopp, o Sistema de Transformações Cromáticas,
em um fragmento da ópera Artemis (1848), de Alberto Nepomuceno. Demonstra-se, assim, a
importância em se atrelar adequadamente teoria, análise e repertório.

Palavras-Chave: Transformações Cromáticas, Nepomuceno, Análise Musical

THE NEO RIEMANNIAN ANALYSIS APPLIED TO THE WORK OF ALBERTO


NEPOMUCENO

Abstract: Adding theory and analysis, this study presents an application of the tool proposed by
the neo-riemannian theorist David Kopp, the Chromatic Transformations System, in a fragment
of the opera Artemis (1848), by Alberto Nepomuceno. From this we can see the importance in
properly tying theory, analysis, and repertory.

Key Words: Chromatic Transformations, Nepomuceno, Musical Analysis

Introdução

Dentre as questões que levantaram estudos e discussões entre os teóricos ao


longo da história, está a expansão da tonalidade, presente no repertório do século XIX,
que se deve, entre outros fatores, ao excessivo uso do cromatismo, que implicou em
uma nova organização no que se refere ao emprego das mediantes cromáticas e dos
acordes alterados.
O teórico David Kopp afirma que o cromatismo do século XIX possui uma
identidade própria, distinta dos modelos anteriores, razão pela qual situa-se à parte de
um sistema ou grupo de sistemas envolvidos. No livro Chromatic Transformations in
Nineteenth-Century Music (KOPP, 2002), abarca as propostas de vários teóricos sobre
as questões do cromatismo e da tonalidade expandida, discorrendo amplamente sobre as
teorias de Hugo Riemann, a quem se atribui um elaborado estudo de tonalidade
cromática. Após demonstrar e comparar várias possibilidades de análise, chega aos
sistemas organizados por David Lewin, Brian Hyer e Richard Cohn, e neste ponto
propõe sua própria forma de abordagem, que será adotada neste trabalho, visto tratar-se
de uma linha neo riemanniana.
Levando em conta a metodologia adotada nos livros e artigos que tratam do
assunto, a qual associa as teorias a exemplos de análise de peças significativas do
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repertório do século XIX, considera-se que os conhecimentos adquiridos por meio da


análise de peças de compositores desse período constitui uma das fontes de estudo do
cromatismo na música: ao se investigar as ferramentas de análise mais apropriadas a
determinada peça deste repertório, organiza-se um processo lógico para a compreensão
da estrutura cromática da mesma.
Dessa forma, esse artigo objetiva agregar teoria e análise, em um fragmento da
ópera Artemis (1848), de Alberto Nepomuceno. O trecho escolhido (Introdução,
compassos 1-72), apresenta acordes alterados cromaticamente que não apontam relação
funcional, sendo, portanto, um texto musical adequado para a aplicação da teoria
analítica proposta.

A teoria apresentada por David Kopp – Aspectos Gerais

Há várias possibilidades de se organizar o espaço cromático harmônico,


somando um maior número de relações que no espaço diatônico: com a quinta e a
fundamental, a manutenção do mesmo modo resulta em uma relação diatônica, a
mudança de modo em uma relação cromática. Com a terça, a manutenção do mesmo
modo resulta em uma relação cromática, a mudança de modo implica em uma relação
diatônica.
A teoria de Hugo Riemann, explica essas movimentações por meio dos
conceitos de Marcha e Contra-Marcha, conforme se vê na tabela 1 (RIEMANN, 2005,
pp.101-103).

Marcha de terça Contra-marcha de terça Marcha de sexta Contra-marcha de sexta


Tabela 1 – Marchas da Harmonia, por Hugo Riemann

O Sistema de Transformações Cromáticas de David Kopp

A linha de investigação na teoria da transformação tonal parece ter mudado seu foco
para modelos baseados na voz principal e consequente redução de transformações. Tal
afirmação apoia-se no argumento de que algumas relações de acordes, além das relações
diatônicas, devem ser resultados de processos não harmônicos.
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Essa abordagem fornece uma visão considerável em aspectos de organização na


música do século XIX, no entanto, paralelamente a essa mudança há um desvio de
atenção da ideia de que o sistema tonal harmônico possui uma complexidade maior da
que é própria da prática ordinária (KOPP, 2002, p.165). Portanto, em alguns casos, a
noção de função cromática parece ser apropriada, o que aponta para o reconhecimento e
inclusão das relações cromáticas de notas comuns em um modelo musical abrangente de
relações harmônicas.
Kopp estabelece um sistema de transformações fundamentado na tonalidade de
notas comuns: Sistema de Transformações Cromáticas.
Quanto às características gerais das transformações, que podem ocorrer nas
fundamentais, terças ou quintas dos acordes, com ou sem mudança de modo,
empregam-se as notações (em itálico) descritas na tabela 3 (KOPP, 2002, pp. 166-174):

Características Gerais das Transformações Cromáticas


intervalo mesmo modo mudança de modo observações
Fundamental I P Aqui Kopp considera as mesmas
notações do Sistema de Lewin, onde
IDENT preserva o modo do acorde, e
REL implica na alteração da terça,
convertendo a tríade maior em menor
ou vice versa.
Terça M/m R/r M e m: correspondem,
respectivamente, aos intervalos de 3M
e 3m, no sentido descendente. Caso
ocorram no sentido ascendente,
acrescenta-se aos mesmos “-1”.
R e r: correspondem, respectivamente,
aos intervalos de 3M e 3m, nos
sentidos ascendente ou descendente.
Quinta D F D e F : correspondem ao intervalo
descendente de 5J (com a diferença de
que no primeiro o modo é mantido e
no segundo, não). Para indicar sentido
ascendente, acrescenta-se “-1”.
Tabela 3: Características Gerais das Transformações Cromáticas segundo Kopp

Tranformações Compostas:

Transformação Slide (KOPP, 2002, p.175): duas tríades de modos opostos


separadas por um semitom (tríade maior abaixo e a tríade menor acima). Chamada de
mudança dupla de terça por Riemann e reconhecida por Lewin como transformação
Slide, ou S.
A fórmula para ii-V é F, e para N-V é SF. S será também utilizado em outras
formas similares de análise.
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Se o primeiro acorde é maior, indica-se esta conexão por meio da fórmula


composta DM, como, por exemplo a sequência C-Db (KOPP, 2002, pp. 187, 198).

Progressões por movimento de graus conjuntos (KOPP, 2002, p. 176)

Progressões por graus conjuntos não apresentam conexão a menos que notas
extras, como sétimas, sejam introduzidas.
A Teoria da Transformação admite a ocorrência de um acorde mediador
aproximando as progressões por movimentação de segunda. A progressaõ IV-Vrecebe a
fórmula D-2, representando um transformação da dominante inversa do acorde inicial
para o acorde intermediário, seguido por outro, que vai do acorde intermediário ao
acorde final.

A sexta aumentada (KOPP, 2002, p. 180)

Na teoria da transformação, a movimentação de qualquer nota em uma


progressão de acorde deve ser especificada matematicamente e adota-se um tratamento
mais informal da teoria harmônica, colocando as dissonâncias acrescentadas como uma
transformação adicional adjunta às relações de tríade. Isto leva à conclusão, por
analogia, que LFM-I e Ger+6-I são exemplos de M-1.
A fórmula indicada para a resolução de uma sexta germânica em um acorde
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menor 4 é R. A resolução da sexta germânica direto para a dominante requer uma
fórmula composta, M-1D-1 para modo maior e RF-1 para modo menor.

Alberto Nepomuceno – Artemis (c. 1-72) – Análise

Na análise, procede-se à aplicação do sistema de transformações cromáticas,


organizado por Kopp, ao texto musical de Alberto Nepomuceno. Esse processo aponta
que esta ferramenta se ajusta às questões estruturais da peça abordada, bem como
promove uma compreensão de suas conexões harmônicas.
É oportuno esclarecer que, para esta análise, os acordes diminutos são
considerados acordes de 7ª ou 7ª e 9ª com a fundamental oculta, tal como são abordados
na teoria riemanniana e em alguns exemplos apresentados por Kopp (KOPP, 2002, p.
242).
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Realiza-se uma redução do texto analisado, com a indicação de conexões no


sistema de transformações cromáticas e um diagrama, conforme os exemplos
registrados no livro de David Kopp.
Esta investigação aponta que uma mesma estrutura harmônica é repetida em dois
centros tonais, Ebm (c. 1-11) e Fm (c. 14-23), que, no sistema adotado apresentam a
conexão D-2, definindo Fm como o centro do fragmento analisado.
Nota-se um prolongamento de tônica que vai dos compassos 14 ao 69, onde a
estrutura harmônica está organizada nas funções de subdominante, dominante e tônica.
O sistema de transformações cromáticas permite verificar que o intervalo entre a
subdominante e a dominante compõe-se de uma sequência de relações de terça, quais
sejam, Db-Bb-Gb. Nota-se que esta sucessão descendente em terças contém três
acordes importantes na estrutura tonal da peça: Db é a Napolitana da Dominante, Bb é
a subdominante com mudança de modo, e Gb é a Napolitana da tônica, além de
englobar, em si mesmo, as três alturas aqui citadas (Gb = solb-sib-réb). Da mesma
forma, o centro tonal, F, associado a Db e Bb estrutura a tríade de Bbm.
Considerando-se, então, um ponto de conexão entre essas duas estruturas
triádicas (Bbm e Gb) na nota Db, obtém a sequência: F-Bb-Db-Bb-Gb, que resume a
estrutura dessa passagem. O cromatismo presente entre as extremidades desta sequência
(F-Gb), que representa dois centros tonais distantes, é resolvido pela cadência V-I (C-
Fm) do final, graças à conexão Gb-C, denominada neste sistema de SF.
O ciclo de acordes que resume a organização harmônica do excerto, Fm-Bb-C-
Fm, representa as conexões F-1 (Fm-Bb) e F (C-Fm), esclarecendo uma estrutura
essencialmente tonal. Já a ligação entre a tônica e os acordes intermediários, Fm-Db e
Fm-Gb corresponde às transformações R e S, onde Db é a dominante de Gb, ou seja,
está aí implícita outra relação de 5ª, desta vez D.
Fechando o processo de análise, organiza-se a estrutura Fm-Bbm- Bb-C- Fm no
Tonnetz Expandido de Hugo Riemann, confirmando o aspecto racional e fundado deste
estudo.
A conclusão mostra que os acordes que estruturam a peça podem ser
organizados em uma sucessão de terças seguida de uma cadência V-I, o que valida o
emprego do sistema de transformações cromáticas na análise da peça, conforme se nota
na tabela 4.
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Análise: conexões do Sistema da Transformações Cromáticas Diagrama de Conexões

Análise: conexões do Sistema da Transformações Cromáticas

Tabela 4: Alberto Nepomuceno, Artemis – c. 1-72. Estágios do processo de análise.

Referências Bibliográficas
KOPP, David. Chromatic Transformations in Nineteenth-Century Music. New York:
Cambridge University Press, 2002.
RIEMANN, Hugo. Armonia e Modulación. Barcelona: Labor, 1930.
______ . Harmony Simplified: or, The Theory of the Tonal Fuctions of Chords.
Londres: Augener Ltd., 1893.
______ . Teoria General de La Musica. Barcelona: Idea Books, 2005.
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