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REFORMA DO ENSINO

(Discurso pronunciado na Câmara Federal, transcrito de Reforma do Ensino, Rio


de Janeiro, Jornal do Comércio, 1907, 41 páginas. Publicado também em Diário de
Pernambuco, 10; 11; 12 e 13 de outubro de 1907).

O Sr. Artur Orlando – Sr. Presidente, é sempre perigoso falar depois de um deputado
como o que acabou de ocupar a tribuna; mas o Sr. Castro Pinto falou ontem com tanta
bravura intelectual e moral, com tanto desassombro, com tanta eloqüência que, ao calor
de sua palavra, vibrou minha alma como vibra a terra aos raios do sol.
Sr. Presidente, ao calor de sua palavra, dei um aparte.
S. Exa. contestou o meu aparte; eu repliquei; S. Exa. treplicou: eu pedi então a palavra.
Foi o meu mal, ou antes, foi o meu castigo...
Um Sr. Deputado – Foi um bem.
O Sr. Artur Orlando - ... porque, Sr. Presidente, tive de passar uma noite em claro, a
copiar páginas e páginas de relatórios de ministros, para hoje poder responder
condignamente a S. Exa. E pela manhã, antes de vir para a Câmara, tive de ir a um
consultório médico. Narrei o acontecido. O médico censurou o meu procedimento e
disse-me ele: “Você não sabe que padece de artritismo com fundo neurastênico?” Eu
pensei que seria preferível a inversão dos termos: “Você não padece de neurastenia com
fundo artrítico?”
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Mas a musa da medicina é digna irmã da musa da felicidade.
A gente deve respeitá-la muito, mesmo porque, quando ela entra em casa, a gente, quer
queira, quer não, há de ser feliz.
Depois disse: “Que vai fazer?” “Vou responder a um meu colega”. “Faça, mas reduza a
escrito o que tem a dizer. Não é muito comum, não é usual, mas faça-o. Aliás, o senhor
tem necessidade de poupar muita força mental, sobretudo a memória, e o senhor,
reduzindo a escrito o que tem a proferir, mesmo pela preguiça de escrever,
necessariamente poupará muitas palavras”. “E se me derem apartes?” Ele ficou
embaraçado, mas depois disse: “Não responde absolutamente. (Riso) O aparte é contra-
indicado. Continue no seu regimen dietético, no regime lácteo vegetal”.
“E as carnes?” “As carnes brancas, a caça, respondeu: a alta caça”.
“E as frutas? “Bem cozidas”. Disse ele: “As frutas são boas para a alimentação mas
devem ser bem cozinhadas, é o processo empregado ultimamente pelo célebre professor
Metchnikoff”.
“Não está contente, perguntou-me ele, com o regime prescrito? Se não está satisfeito,
posso passar outro, modifico à sua vontade”.
“Não senhor, muito obrigado, estou satis-feitíssimo”.
Sr. Presidente, recordo-me de ter lido, sem me lembrar onde, porque, pelo horror que
tenho à tribuna, sinto que foge-me a memória, essa deusa magnânima
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que os gregos, com o seu admirável senso prático e incomparável gênio poético, fizeram
companheira inseparável de Júpiter, quer no Olimpo, quer no Parnaso, e de cujo
consórcio nasceram as primeiras musas, à mais velha das quais, Memória, que era assim
o seu nome, prestava homenagem o filho querido de Apolo, o popularíssimo Esculápio
(os médicos sempre tiveram muita popularidade) e se curvava reverente o próprio
tempo, que tudo destrói, Saturno que devora os próprios filhos, como dizia, recordo-me
de que li em alguma parte, que há na vida moral, uma lei terrível, muito embora proteste
a consciência – é a que pune as falas dos pais sobre os filhos até a terceira e quarta
geração, e esta lei existe mais terrível ainda no mundo político, onde muitas vezes é a
centésima geração que paga as faltas que não cometeu. Com efeito, todos se julgam com
competência para discutir esta questão e com direito para propor reformas que afirmam
ser a solução do problema.
Mas poucos, bem poucos são os que têm bastante coragem para confessar a sua
ignorância e bastante escrúpulo para vacilar diante da formação de um juízo definitivo.
Cada um quer impor o seu sistema, sem se lembrar que pelo simples gosto de fazer um
ensaio submetem-se milhares de consciências, milhares de inteligências a uma regra
uniforme, que muitas vezes não passa de uma criação fantasiosa de um espírito utopista,
porém, que pode prejudicar perniciosamente a centenas de gerações.
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Entretanto, senhores, a mocidade é o orgulho, a maior riqueza de um país! Seus
destinos, portanto, não podem ser abandonados àqueles que não trepidam fazer dela,
mocidade, um objeto de experiência em anima vili!
O que vem dito não se aplica a nenhum dos membros da Comissão e muito menos ao
emérito relator do projeto; conheço-os todos: o Sr. Teixeira Brandão, tão notável por
seus trabalhos sobre medicina, quer pública, quer privada; o Sr. Leão Veloso, de cuja
exuberância de saber e louçania de estilo, todos os dias dá testemunho à imprensa desta
Capital; o Sr. José Bonifácio herdeiro do talento e eloqüência dos Andradas; o Sr.
Campos Cartier, sempre tão refletido e ponderado; o Sr. Antero Botelho, tão modesto,
quanto ilustrado; o Sr. João Vieira, portador de vasta erudição; o Sr. Passos Miranda,
tão artista da palavra, quão meticuloso investigador, o Sr. Valois de Castro, que
desempenha o seu mandato com tanto proveito ara o país, quanto brilho para a Igreja, e
o Sr. Afonso Costa, autor da excelente memória que vem ilustrando o projeto.
Mas, Sr. Presidente, como dizia, qualquer que sema a importância dos outros problemas
sociais, para mim a grande questão é a do ensino público; para mim esta é a questão de
todos os tempos e lugares, a que surge cada vez mais complicada, a que vai do
nascimento à morte das sociedades.
A razão é simples: a sociedade caminha e nós procurando saber para onde ela vai; não
nos contentamos de olhar somente para o passado, queremos
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adivinhar o futuro. Senhores, o que vou dizer sobre matéria de nacionalização do ensino
não passa de reprodução – devo confessar – do que tenho, por mais de uma vez dito e
escrito sobre o assunto. Mas confesso, que sinto o maior prazer nesta reprodução,
porque vejo que não é de hoje, vem de longe a minha harmonia de vistas com tão
eminentes espíritos, em assunto de tamanha importância.
Coma teoria do causalismo psíquico, aceitando as idéias e os sentimentos como força
evolutiva do seio do determinismo universal, o problema pedagógico assumiu
importância capital, tornou-se o problema dos problemas. Como já tive ocasião de dizer,
sua solução definitiva seria a realização presente de todo o aperfeiçoamento futuro, se as
sociedades, em sua ascensão evolutiva, não fossem embaraçadas pela força da
hereditariedade. (Muito bem).
Não desconheço a importância da organização do trabalho, da organização do crédito,
da organização da previdência. Mas todos estes expedientes econômicos, para
produzirem todos os seus salutares efeitos, precisam assentar sobre a base mais larga e
mais sólida da educação.
Senhores, enquanto não se fizer uma educação que dê o sentimento da eficácia do
trabalho, que coloque a força mental do homem acima das convenções sociais, que faça
do cérebro do homem um centro de atividade, e ao mesmo tempo um foco de luz, por
mais deslumbrantes que sejam os resultados da civilização, por mais que melhore as
indústrias, não melhorará a
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sorte do trabalhador; pelo contrário, ela se agravará, tornando cada vez mais
desproporcional a troça de serviços, submetendo cada vez mais o trabalho ao capital.
Tratando dos efeitos perniciosos da plutocracia, esse estado da sociedade, em que a
riqueza é o nervo de todas as coisas, afirma Renan, que o remédio para o mal não está
em fazer com que o pobre possa se tornar rico, nem excitar nele esse desejo, mas fazer
com que a riqueza seja uma coisa insignificante e secundária, com que sem ela se possa
ser muito grande, muito nobre, muito feliz, com que sem ela se possa ser influente e
considerado no estado.
A propriedade, diz o conde de Leão Tolstoi, significa o que me foi dado, o que pertence
exclu-sivamente a mim aquilo sobre que eu possa fazer tudo que quero, o que ninguém
pode tirar-me o que permanece meu até o fim de minha existência. Ora, diz ele, esta
propriedade para o homem é ele mesmo, e somente ele.
Senhores, não somente as reformas econômicas, mas ainda as políticas, estão
subordinadas ao problema pedagógico.
O absolutismo no mundo moderno, afirma um profundo pensador, não se baseia sobre a
força dos que governam, mas sobre a ignorância dos governados.
Senhores, como organismos que se desenvolvem, as sociedades estão sujeitas a uma
variedade infinita de condições, mas todas elas podem reduzir-se a três principais: solo,
língua e tradições comuns.
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Nós temos continuidade de solo, unidade de língua; mas falta-nos comunhão de
tradições. Em geral ignoramos o que pensaram e sentiram os nossos antepassados, que
virtudes os animaram, que concepções se aninharam em seus cérebros, que idéias
presidiram os seus atos. Daí concluo a necessidade de nacionalizar a nossa educação, de
organizar a escola, de acordo com os nossos usos, costumes e tradições e de aproveitar
as forças vivas do país na formação do caráter brasileiro.
“Não convém encarar – diz Dreyfus Brisac – as instituições escolares como seres
abstratos e isolados, mas pelo contrário, colocá-las em seu quadro natural, no meio
social e político, em que são destinadas a viver e a desenvolver-se”.
“Costumam perguntar, escreve Guyot – se a educação tem um fim individual ou um fim
social. Ela tem esses dois fins ao mesmo tempo: é precisamente a investigação dos
meios para por de acordo a vida individual mais intensa, com a vida social mais
extensiva”.
Senhores, para mim é preciso elevar a questão, abandonar o velho e gasto lema da
centralização ou descentralização para considerar a educação, segundo entende Dreyfus
Brisac, isto é, “não como a criação de tais ou tais corporações livres ou oficiais, como a
função de tais institutos públicos ou privados, mas como esforço contínuo e
perseverante da própria nação, trabalhando com todas as suas forças e por todos os
meios a seu alcance para uma cultura enérgica intensiva,
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para o desenvolvimento normal e progressivo de todos os poderes intelectuais e
morais”. (Muito bem)
Entendo por educação nacional a que sai do próprio seio da nação, de harmonia com a
economia geral do organismo social sob a influência do solo, do clima, da raça, dos
costumes, das tradições, de todas as circunstâncias em cujo meio o Estado vive e se
desenvolve. (Muito bem)
Sabido o que seja educação nacional, façamos um pouco de história. é possível que a
experiência do passado derrame alguma luz sobre o presente e produza talvez alguns
frutos sazonados para o futuro.
A história da pedagogia no Brasil pode ser dividida em diversos períodos:
Primeiro período: Desde a descoberta do Brasil até a expulsão dos jesuítas.
Segundo período: Desde a expulsão dos jesuítas até a vinda da família real para o
Brasil.
Terceiro período: Desde a vinda da família real até a proclamação da Independência.
Quarto período: Desde a proclamação da Inde-pendência até a chamada para o
Ministério do Império do Dr. Luiz Pedreira do Couto Ferraz, que foi o primeiro ministro
organizador da instrução pública entre nós.
Outro período vai desde a retirada do Dr. Couto Ferraz, até a proclamação da República.
Finalmente, o período que vai da proclamação da República, até o projeto que se acha
em discussão.
Senhores, o período mais fecundo da pedagogia brasileira é o período do ensino
jesuítico.
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Para não gastar palavras basta lembrar que Anchieta, com a sua gramática tupi, abriu as
portas do Brasil Ocidental aos descobridores do Brasil Oriental.
Mas, além disso, é o período em que floresceram Basílio da Gama Rocha Pitta, o baiano
Gregório de Matos, e o pernambucano Bento Teixeira Pinto, autor da Prosopopéia, em
que ele vaticinou os altos destinos de Pernambuco e também autor dos Diálogos das
Grandezas do Brasil em que profetizou, de modo claro e preciso, a vinda da família real
para a nossa terra.
O segundo período é talvez o mais estéril, apesar da criação do subsídio literário e das
medidas violentas do Marquês de Pombal. Não satisfeito com a expulsão dos jesuítas, o
ministro de D. José I baniu os próprios compêndios, castigando com pena de prisão
quem continuasse a lecionar pela Arte de Manoel Álvares e ordenando que o ensino de
latim fosse dado tão-somente pelo Novo Método do Padre Antônio Pereira, que ainda
hoje é usado.
O subsídio literário consistia em cobrar um real sobre cada arratel de carne vendida nos
açougues e 10 réis sobre canada de aguardente fabricada no país.
Apesar de tudo, o ensino público caiu em tal degradação que, neste longo período que
vai desde a expulsão dos jesuítas até a vinda da família real para o Brasil, nada se
encontra digno de menção, exceto a criação da cadeira de retórica e poética, para ser
dada a Silva Alvarenga, a cujos ensinamentos se deve a formação de S. Carlos,
Mont’Alverne e outros oradores de igual coturno.
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Com a vinda da família real para o Brasil, como era natural, desenvolveu-se o
movimento intelectual brasileiro, e D. João VI, que era dado às letras, encarregou o
general Francisco Stockler de organizar um projeto de instrução pública. O general
Francisco Stockler apresentou o seu projeto a D. João VI, projeto cuja organização
consistia em dividir o ensino em quatro estádios. O primeiro compreendia todos aqueles
conhecimentos, sem os quais, dizia o general Stockler, não se compreende um cidadão.
O segundo estádio compreendia todos aqueles estudos que vinham dar ao cidadão uma
educação integral, uma educação que dizia respeito a todas as manifestações da alma
humana. Era a educação de um cidadão perfeito e acabado. O terceiro estádio exigia
todos os estudos que eram necessários e indispensáveis para que o cidadão pudesse
matricular-se em qualquer academia de direito, de medicina ou de engenharia.
Finalmente, o quarto estádio compreendia os estudos particulares que constituíam o
objeto das escolas de direito, medicina, engenharia e até de teologia. As primeiras
escolas chamavam-se pedagogias e os mestres pedagogos; as segundas institutos e os
mestres institutores; as terceiras liceus, como hoje os mestres professores, e as quartas
academias e os mestres lentes, como ainda hoje.
A proclamação da Independência do Brasil devia trazer como conseqüência o
melhoramento da instrução pública, mas assim não sucedeu, porque os nossos
estadistas, preocupados com as grandes agitações
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políticas, então, não puderam prestar atenção ao problema que, entretanto, mais diz
respeito ao progresso e ao desenvolvimento dos povos, como é da instrução pública.
Além disto, predominavam então as idéias dos teoristas franceses para os quais tudo que
diz respeito à instrução pública deve ser deixado, como eles diziam, à influência salutar
da liberdade, da emulação e da concorrência.
A Lei de 15 de outubro de 1827 mandou criar escolas de primeiras letras em todo o
Brasil, isto é, em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos. Seria adotado o
sistema mútuo de ensino e os professores seriam obrigados a ensinar a ler, escrever, as
quatro operações fundamentais da aritmética, frações, sistema decimal, proporções,
rudimentos de geometria e doutrina cristã. Essa reforma, acanhada no fundo e na forma,
foi um verdadeiro fiasco, que os ministros que se sucederam na pasta do Império não
fizeram senão agravar ainda mais, alegando em seus relatórios, como se lê, ora, a falta
de estabelecimentos, ora a in-competência dos professores, ora a insuficiência dos
vencimentos.
Menos desafortunado se pode dizer o ensino secundário.
Restabelecido desde 1821, dez anos depois, em 1831, passou o seminário de São
Joaquim por uma reforma, em virtude da qual foi criada uma cadeira de manejo e
exercício da guarda nacional.
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Somente em 1837, deixou o Seminário Imperial, como então era conhecido, de ser um
seminário dobrado de uma escola militar, para se transformar em um verdadeiro
instituto de ensino secundário sob a denominação de Colégio de Pedro II, reforma
importantíssima por ser o início de uma educação integral.
O curso constava do ensino das línguas latina, grega, francesa e inglesa, de retórica, dos
princípios elementares de geografia, história, filosofia, zoologia, botânica, mineralogia,
química, física, aritmética, geometria, álgebra e astronomia.
Mais tarde, em 1841, foi reformado o regu-lamento, não só por ter parecido ao Governo
insu-ficiente o prazo de seis anos para o ensino de todas as matérias, como porque nos
primeiros anos eram exigidos dos alunos, estudos para os quais não tinham a
inteligência bastante desenvolvida.
Nestas condições, foi o curso elevado para sete anos, em vez de seis, sendo o primeiro
ano aliviado do ensino de aritmética e geografia, que só aparecia no segundo; a
latinidade que ocupava três anos, passou a ser lecionada em cinco, a história natural foi
transferida do terceiro ano para o quinto; a física e a química do quarto e quinto ano
para o quinto e sexto, a filosofia do quinto e sexto para o sexto e sétimo.
Criadas pela Lei de 11 de agosto de 1827, as Academias de Direito de São Paulo e do
Recife, mais tarde o Seminário de Olinda foi convertido no Colégio das Artes, de
acordo com os estatutos anexos àquela
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Lei, e em cujo capítulo relativo às matrículas se lia o seguinte:
‘Sendo necessário que os estudantes, que houverem de matricular-se nas aulas jurídicas
tenham a conveniente idade e os estudos prévios que preparam o entendimento para
prosperar nos maiores, nenhum poderá matricular-se sem apresentar certidão de idade,
pela qual conste que tem 16 anos para cima, porque só desta época em diante poderão
ter os necessários preparatórios e o espírito medrado e disposto para bem conceber as
matérias da ciência a que se dedicam e discorrer sobre ela com mais madura reflexão.
Juntarão também certidão de exame e aprovação das línguas latina e francesa, de
retórica, filosofia racional e moral, aritmética e geometria.
O conhecimento perfeito das línguas latina e francesa, sobre dever entrar no plano de
uma boa instrução literário para conhecimento dos livros clássicos de toda a literatura é
peculiarmente necessário para os estudantes juristas. Na primeira está escrito o Digesto,
o Código, as Novelas, os Institutos e os bons livros de direito romano, o qual, posto que
só há de ser elementarmente ensinado neste curso jurídico, deve de força ser estudado,
bem como as instituições de Pascoal de Melo Freire e algumas outras obras jurídicas de
autores de grande nota que andam escritas na mesma língua.
E na segunda se acham também escritos os melhores livros do direito natural, público, e
das gentes, marítimo e comercial, que convém consultar, maior-
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mente entrando estas doutrinas no plano de estudos do curso jurídico, e sendo escritos
em francês muitos dos livros que devem por ora servir de compêndios.
O estudo da retórica é também indispensável aos que se dedicam à jurisprudência,
porque o advogado deve saber a eloqüência do foro; e a arte de bem falar e escrever,
muito necessária é aos que houverem de ser deputados nas assembléias ou empregados
na diplo-macia, e uma vez que a retórica se ensina como convém, mais por modelos do
que por áridos preceitos, será mui proveitosa aos fins propostos, não sendo também
indiferente, antes necessária e útil aos magistrados que têm muitas ocasiões de falar e
escrever.
A filosofia racional apura o entendimento e ensina as regras de discorrer e tirar
conclusões certas de princípios; o que é assaz necessário a todo homem literato e
particularmente ao jurisconsulto não só porque tem necessidade de saber discorrer com
precisão todas as matérias; mas porque sendo certo que nem todos os casos podem
especialmente prevenir-se e acautelar-se nas leis, de força há de estender-se para casos
idênticos a idêntica razão de direito. Parte dela é além disto a arte crítica, que ensina
avaliar os quilates das provas e conhecer onde se encontra a evidência moral ou a
certeza de dúvida do testemunho por documentos e afirmações verbais; e a moral ou
ética é como a base, ou antes o primeiro degrau para o estudo do direito natural, que é a
primeira e a mais fundamental ciência que deve ocupar o ânimo de jurisconsulto, como
o primordial assento da jurisprudência.
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“Não é menos necessário nem menos útil o ensino de aritmética e geometria; esta pelo
muito que concorre para se discorrer com método, clareza, precisão e exatidão, e aquela
porque convém que a saiba todo o homem, a fim de conhecer o melhor método de
contar, e tirar desse conhecimento os multiplicados subsídios que ele pode prestar nos
usos da vida; além disso, aproveitam muito particularmente ao magistrado, advogado ou
diplomata que no exercício de seus respectivos empregos acharão repetidas ocasiões de
aplicar com proveito os princípios que tiveram destes dois importantíssimos ramos de
ciências matemáticas”.
Admira que deste modo ainda discorresse o visconde de Cachoeira, autor dos estatutos,
quando já em 1792, Condorcet tinha apresentado à Assembléia Legislativa Francesa os
seus importantes projetos, e Diderot em 1885, havia publicado sua notável exposição,
que escrevera a pedido de Catarina II, a “Semíramis do Norte”, tratando da organização
de uma universidade na Rússia.
“É nas mesmas escolas, dizia Diderot, que se estudam ainda hoje, sob o nome de belas
letras, duas línguas mortas, que não são úteis senão a um pequeno número de cidadãos;
é aí que se as estudam durante seis a sete aos sem aprendê-las; que sob o nome de
retórica se ensina a arte de falar antes da de pensar, a arte de bem dizer antes de ter
idéias; que sob o nome da lógica se enche a lista das sutilezas de Aristóteles, e de sua
muito sublime e muito sutil teoria do silogismo; que se desenvolve em cem páginas
obscuras o que se poderia
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expor claramente em quatro; que sob o nome de metafísica se trata do tempo, do espaço,
do ser, da possibilidade, da essência e outras teses frívolas... e nem uma palavra de
história natural nem uma palavra de boa química, muito pouca coisa de física, quase
nada de experiências, ainda menos de anatomia, nada de geografia”.
O primeiro ministro reformador da instrução pública que tivemos, foi o Dr. Luís
Pedreira do Couto Ferraz, pela extensão das medidas que pôs em prática, abrangendo a
esfera inteira do ensino primário, secundário e superior.
Muito concorreu para o novo estado de coisas o Dr. Justiniano José da Rocha, que,
sendo encarregado pelo Governo de visitar e examinar os estabelecimentos de instrução
pública, apresentou um luminoso relatório, em que põe a dedo na ferida de nossa
educação.
“Os pais dos alunos, escrevia o Dr. Justiniano da Rocha, iludidos por deplorável erro,
não pedem aos diretores de colégio que ensinem a seus filhos, mas simplesmente que os
habilitem no menor prazo possível e com o menor incômodo deles pais e de seus filhos,
para os exames preparatórios das nossas aulas superiores. Sob esta condição, os estudos
acanhavam-se e perdiam-se. Os alunos mal começavam a habilitar-se, afluíam para o
colégio de Pedro II, onde ganhavam, a cabo de um ou dois anos, diplomas de bacharel,
que os dispensava do receado exame de preparatórios, ou aproveitando a benignidade de
empenhos, que nas escolas superiores desta Capital tanto facilitavam os
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exames de preparatórios, faziam-se aqui aprovar e iam concluir em São Paulo com o
estudo de história e retórica e filosofia, como o entendiam os examinadores daquela
cidade, as suas habilitações para o ingresso no curso jurídico, único fim que almejavam
alcançar”.
Em 1854 pôde o Dr. Luís Pedreira do Couto Ferraz expedir o seu regulamento, que, se
não é uma obra perfeita e acabada, contém salutares preceitos sobre a instrução primária
e secundária e sobre a inspeção e fiscalização escolar.
Quanto ao magistério, o Dr. Luís Pedreira do Couto Ferraz organizou escolas normais,
pelas razões que expôs em seu relatório:
“Basta, pois, que por agora vos observe que, sem pessoal habilitadíssimo e dedicado
para manter e dirigir uma instituição de tal ordem, e tendo diante dos olhos o exemplo
das escolas normais estabelecidas em algumas províncias, que nenhum fruto deram por
causa daquela falta, pareceria por sem dúvida imprudente arriscar grandes somas e
perder inutilmente o tempo preciso para no fim de alguns anos suprimir-se a escola que
se criasse. Teve por isso o Governo por melhor experimentar uma nova instituição e
achou mais acertado ir educando os futuros mestres nas próprias escolas públicas,
aproveitando-se neste intuito alguns meninos inteligentes. Serão estes colocados como
adjuntos dos professores mais hábeis com módicas retribuições, até que vão
gradualmente progredindo no ensino, a ponto de poderem reger as mesmas escolas,
quando vagarem, ou as que de novo se instituírem. Para
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evitar que este sistema, que em parte já foi adotado na Áustria e na Holanda, e que até
certo ponto o foi também em França, pudesse embaraçar o progresso do ensino,
tornando-o algum tanto estacionário. Foi a sua adoção, entre nós acompanhada dos
convenientes corretivos, tais como a instituição das conferências dos professores em
épocas designadas, os exames repetidos todos os anos e outros, além de ficar
subordinado ao zelo e a vigilância de uma constante e severa inspeção. Paralelamente
aos adjuntos das escolas primárias, criou-se para a instrução secundária no Colégio de
Pedro II uma classe de repetidores.
Esta classe tem de prestar duas vantagens: não só preenche uma lacuna, que a muito se
notava na organização do ensino naquele colégio, auxiliando o estudo dos alunos
internos, e prestando-lhes os serviços que a sua própria designação indica como também
ainda pode vir a preparar excelentes professores afeitos ao estudo e a disciplina, e sem
os hábitos do magistério”.
De acordo com a reforma, foi regulamentado o plano de estudos do Colégio de Pedro II,
sendo dividido o curso em dois ciclos:
Primeiro ciclo – 1º ano: Leitura e recitação de português; exercícios ortográficos;
gramática nacional, aritmética; gramática latina; francês, compreendendo simplesmente
leitura, gramática e versão fácil. – 2º ano: Latim, versão fácil e construção de períodos
curtos, com o fim especial de aplicar e recordar as regras gramaticais; francês, versão,
temas e conversas; inglês, leitura, gramática, versão fácil; continuação de
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aritmética e álgebra, até equações do 2º grau; ciências naturais, compreendendo a
primeira cadeira zoologia e botânica e a segunda, física. – 3º ano: Latim, versão
gradualmente mais difícil e temas; francês, aperfei-çoamento da língua; geometria;
ciências naturais, compreendendo a primeira cadeira, mineralogia e geo-logia e a
segunda química; explicação dos termos técnicos necessários para o estudo da
geografia; geografia e história moderna. – 4º ano: Latim, versão e temas; inglês,
aperfeiçoamento do estudo da língua e conversa, trigonometria retilínea; ciências
naturais compreendendo a primeira cadeira repetição de mine-ralogia e geologia e a
segunda repetição de física e química, continuação da geografia e da história moderna;
corografia brasileira e história natural.
Segundo ciclo – 5º ano: Latim, versão para a língua nacional de clássicos mais difíceis e
temas; alemão, leitura, gramática, versão fácil; grego, leitura, gramática, versão fácil;
filosofia racional e moral; geografia e história antiga. – 6º ano: Latim, continuados das
matérias do ano anterior; filosofia, sistemas comparados; alemão, versão mais difícil,
temas fáceis; grego, versão mais difícil, temas fáceis; retórica, regras de eloqüência e de
composição; geografia e história da Idade Média. – 7º ano: Alemão, aperfeiçoamento;
grego, aperfeiçoamento; eloqüência prática, composição de discursos e narrações em
português, e quadro da literatura nacional; história da filosofia, latim, composição de
discursos e narrações; italiano.
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Também foram reguladas as aulas dos cursos anexos às faculdades de direito, bem
como as condições para a matrícula nas diversas academias, quer de direito, quer de
medicina.
Para as faculdades de direito se exigiam as seguintes matérias: português, francês,
inglês, latim, retórica, aritmética, geometria, geografia, história e filosofia.
Para as faculdades de medicina as mesmas ma-térias, sendo substituída retórica pela
álgebra.
Com a retirada, em princípios de 1857, do Dr. Luís Pedreira do Couto Ferraz da pasta
do Império, declinou de tal sorte o ensino público, que em 1865 pôde o Dr. Joaquim
Caetano da Silva, o ilustre autor do Oiapoque e Amazonas, escrever o seguinte em favor
do ensino particular:
“Aparato grande. Despesa grande, resultado pequenino. Eis aí o que apresenta no
município da Corte o magistério público, e ao lado dele, o ensino particular, dando à
capital do Brasil, sem ônus algum do Tesouro, proveito muito maior. Por que será?
Sustentam muitos que é por falta de execução do art. 64 do Decreto 1.331-A, de 17 de
fevereiro de 1854, o qual comina penas aos pais, tutores e curadores, que tiverem em
sua com-panhia, meninos menores de sete anos sem impedimento físico ou moral, e lhes
não proporcionarem instrução. Assim opinou o Senado, em 7 de julho de 1864, uma
autoridade gravíssima. Mas é inegável que em todas as partes do mundo, máxime no
Brasil, tem a questão do ensino obrigatório árduas escabrosidades. Pretendem
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outros que a perpetuidade do professor público redunda em ruína do magistério. Dizem
que, galgados os cinco anos para vitalício, já não empenha esforço, quando o professor
particular ufana-se em incessante desvelo. Lástima seria que assim fosse alguma vez;
mas no geral o professor público acende-se em novos brios com a segurança do futuro, e
de fato temo-los exímios.
Não há de esquadrinhar razões, que a todos ferem os olhos. O magistério particular
estende-se por onde quer. O magistério público mal se volve em espaço estreito – em
poucas casas e essas acanhadas. Visitem-se os estabelecimentos públicos de instrução, e
na máxima parte achar-se-ão entupidos com um punhado de crianças. Concedamos que,
compelidas pela obrigação legal, acudissem a eles toda as que não fazem, onde
caberiam? Para aumentar-lhes o número, para lhes dar amplidão, é indispensável
dinheiro. E falta o dinheiro. A conseqüência é palpável. Já que o Governo não pode, não
ate as mãos aos que podem, ou antes, aos que poderiam.
O magistério particular anda entre nós es-cravizado por lei; e mesmo assim prospera
mais que o magistério público. Tanta é a sua força. Dê-se-lhe carta de alforria e muito
mais se desenvolverá. Este vai sendo o voto do Brasil. No extremo setentrional do país
fez a Assembléia Provincial do Amazonas uma Lei, em 9 de outubro último,
infelizmente não sancionada, mandando que em toda a província fosse livre o ensino,
tanto primário como secundário. Na Assembléia Provincial do Rio de Janeiro
apresentou-se em 9 de novembro um
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notável parecer no mesmo sentido, e anteriormente, em 21 de maio, ecoara a mesma
aspiração no seio da Assembléia Legislativa. Seria bem próprio da sua elevada categoria
ostentar o município da Corte o primeiro exemplo desta fecunda liberdade”.
Felizmente, neste mesmo ano foi chamado para a pasta do Império o Dr. José Liberato
Barroso, que havia dado prova de sua competência em matéria de instrução com a
publicação de seu livro A Instrução Pública no Brasil.
O Dr. José Liberato Barroso, porém, durou pouco no governo, não tendo tido tempo,
senão para dar novos estatutos às Faculdades de Direito e de Medicina. Nas Faculdades
de Direito dividiu o curso em duas secções: uma de ciências jurídicas e outra de ciências
sociais.
Em 1869, o Sr. conselheiro Paulino José Soares de Souza, em seu relatório do
Ministério do Império, chamou a atenção para a falta de estabilidade em matéria de
instrução pública e para a influência perniciosa da política em tão importante assunto;
mas, por sua vez convencido da necessidade de reformar a instrução apresentou à
Câmara dos Deputados um projeto de lei, manifestando-se partidário da obriga-
toriedade do ensino primário e da liberdade do ensino superior e propondo diversas
medidas, entre outras a criação de uma universidade com quatro faculdades, uma de
direito, outra de medicina, outra das mate-máticas e ciências naturais, outra de teologia;
a su-pressão dos cursos anexos às Faculdades de Direito do Recife e São Paulo, a
criação de externatos naquelas
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cidades e na da Bahia modelados sob o tipo do colégio de Pedro II, transferência do
Internato de Pedro II para uma cidade do interior do Rio de Janeiro ou de Minas, criação
de uma escola normal, e reorganização do ensino primário e secundário do Município
Neutro.
Combatido no Senado pelos Senadores Zacarias e Pompeu, o projeto não foi aprovado
naquela casa do parlamento em conseqüência da retirada do gabinete, em 1870.
Como seus antecessores na pasta do Império, salvo raras exceções, não se dispensou de
reformar o Colégio Pedro II, que não havia muito tempo tinha sido reformado pelo
sucessor de Couto Ferraz.
Com efeito Couto Ferras dividira o curso do Colégio de Pedro II em dois ciclos com o
fito de diminuir a simultaneidade de múltiplas matérias, e ao mesmo tempo de tornar o
ensino de tal sorte maleável, que ele pudesse aproveitar com igual vantagem tanto aos
que aspiravam seguir as carreiras literárias como aos que desejavam se preparar para as
carreiras comerciais e industriais.
Seu sucessor, atendendo a que no quarto ano do primeiro ciclo se acumulavam muitas
matérias e estas acima das forças intelectuais dos alunos, acabou com a divisão do curso
em dois ciclos e seus respectivos exames de maturidade; mas permitiu que aqueles que
houvessem cursado os quatro primeiros anos, mediante mais um ano, empregado no
estudo da trigonometria retilínea, da física e química da mineralogia, e na
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repetição da botânica e da corografia e história do Brasil, obtivessem um diploma
especial.
Ao Sr. conselheiro Paulino Soares de Souza sucedeu como titular da pasta do Império o
Sr. conselheiro João Alfredo Corrêa de Oliveira, que deu extraordinário impulso à
instrução pública, tanto pelas reformas que propôs, como pelas medidas que adotou,
destacando-se em um e outro caso, quer pela largueza e firmeza de vistas, quer pelo
profundo conhecimento, que manifestou, de todas as questões anteriormente ventiladas.
As reformas, dizia o Sr. conselheiro João Alfredo em seu relatório de 1871, versarão
sobre os seguintes pontos:
“1º) Realização da idéia do ensino obrigatório.
Esta idéia, cuja necessidade e justiça não carecem de demonstração, e que está
praticamente admitida nos países mais adiantados em matéria de instrução popular,
acha-se já estabelecida no art. 64 do regulamento que acompanha o Decreto nº 1.331-A,
de 17 de fevereiro de 1854. Nunca se tratou, porém, de dar execução a este preceito
legal, por ser impraticável nas circunstâncias existentes. Certamente, enquanto não se
fundarem tantas escolas públicas, gratuitas quantas forem necessárias, para que se torne
possível e fácil a sua freqüência aos menos de todas as localidades o emprego de meios
coercitivos para que os pais e pessoas que tiverem menores sob sua direção lhes dêem o
ensino elementar, seria uma clamorosa violência, principalmente em relação às classes
cujos deficientes recursos não
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comportam os dispêndios que exige aquele ensino dado particularmente.
Ao mesmo tempo, pois, que no projeto se tratar de tornar real aquela obrigação,
estabelecendo-se as condições de seu cumprimento e regulando-se a apli-cação da
penalidade imposta, se satisfará a necessidade da elevação do número das escolas do 1º
grau na proporção devida, e, para generalizar o mais possível a instrução, serão criadas
aulas noturnas destinadas não só aos menores de idade superior fixada para a freqüência
das diurnas, mas também aos adultos que, por suas ocupações, só das horas da noite
podem dispor para tal fim.
2º) Execução da disposição do art. 1º da Lei nº 630, de 17 de setembr de 1851, e do art.
47 do já citado regulamento de 17 de fevereiro de 1854 a criação de escolas de instrução
primária do 2º grau.
Destinadas estas escolas ao ensino de matérias complementares da instrução primária ou
o conhe-cimento é a imediata utilidade, tanto na prática da vida individual, como nas
relações sociais, não pode ser por mais tempo adiada a sua fundação.
3º) Melhoramento do professorado.
É geralmente conhecido que o vício radical do ensino primário entre nós está na
insuficiência das habilitações teóricas e práticas da maior parte dos professores.
Possuindo apenas conhecimentos imperfeitos sobre as matérias que deve assinar, não
podem tais professores exercer bem e cumpridamente suas funções.
416
Ninguém ignora quanto imprópria para este fim que a instrução do professor não se
limite aos conhecimentos que restritamente se referem ao assunto, a cujo ensino se
propõe, além disto, que, sem o conhecimento da pedagogia ou do método do ensino,
este não pode ser completamente profícuo, embora abundem habilitações teóricas em
que o dá. Eis porque, em geral, são pouco satisfatórios os resultados que apresentam as
nossas escolas, apesar da boa vontade dos esforços com que muitos professores
procuram desempenhar seus deveres.
Cumpre, pois, proporcionar os meios indis-pensáveis para formarem-se professores
completamente habilitados. No projeto se satisfará esta grande neces-sidade com a
organização das escolas do 2º grau, e de duas escolas normais, sendo uma destas para
cada sexo.
Abrangendo o ensino, nessas escolas do 2º grau, assuntos científicos e literários e a
pedagogia, nelas irão os adjuntos das de 1º grau, sem, todavia, deixarem de praticar
nestas o ensino, alargar a esfera de seus co-nhecimentos e completar suas habilitações,
obtendo o título de professor do 1º grau, depois de aprovados em todo o curso daquelas
escolas superiores; e só dentre os que estiverem habilitados com este título, poderão ser
nomeados professores efetivos. A instituição dos adjun-tos não tem trazido todas as
vantagens que se tiveram em vista e devem esperar-se, porque, circunscritos
constantemente ao estreito círculo das noções adquiridas na prática das escolas
elementares, faltam-lhes os meios para aperfeiçoarem e elevarem seus conhecimentos; e
quando professores, não passam de simples conti-
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nuadores daqueles de quem foram discípulos e cujos sucessores são.
Nas escolas normais constituídas para dar ainda mais larga e desenvolvida instrução, se
habilitarão os que aspirem o magistério do 2º grau.
Nestas escolas, será conferido o título de professor do 2º grau, com o qual se habilitarão
para o provimento efetivo nas respectivas escolas, os alunos que tendo já o de professor
de 1º grau, freqüentarem o curso completo dos estudos das mesmas escolas e neles
forem aprovados ou que, sem possuírem este último título, houverem provado por
exame antes da matrícula, terem todos os conhecimentos teóricos e práticos necessários
para obtê-lo.
Creio que por este modo, aqui apenas indicado, se alcançará o grande desideratum de
verem-se colocados no ensino primário de ambos os graus, professores capazes de
preencherem cabalmente, sua importante missão.
4º) Melhoramento de sistema de direção, inspeção e fiscalização do ensino.
Achavam-se incumbidas estas importantes fun-ções, pelo modo estabelecido no referido
regulamento de 17 de fevereiro de 1854, a um inspetor geral, a um conselho diretor e a
delegados de distrito.
Na organização dos serviços há, porém, defeitos que, como a experiência tem mostrado
e é de fácil intuição, tornam incompleta e pouco eficaz a sua execução.
No projeto se tratará de corrigir estes defeitos:
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Definindo-se mais precisamente as funções daquelas autoridades e regulando-se o seu
exercício de modo que assegure o rigoroso cumprimento de todas as obrigações
estabelecidas.
Dando-se ao inspetor geral vantagens que tornem possível ser esse cargo aceito por
pessoa que, tendo as altas habilitações precisas, dedique-se exclusivamente ao
desempenho de suas funções.
Constituindo-se o conselho diretor, de forma que fique habilitado para discutir e tratar
proficientemente de todos os negócios concernentes à instrução pública, de sua
competência, estabelecendo-se perfeita regula-ridade em seus trabalhos.
Substituindo-se os delegados de distrito os quais apesar da boa vontade e patriotismo
com que se prestam a exercer as funções do seu cargo, não podem nele empregar senão
o tempo que lhes resta de suas ocupações habituais, pois que servem gratuitamente por
inspetores de distrito, pecuniariamente remunerados, para que cumpra todas as funções
que lhes são incumbidas com a assiduidade que a natureza destas requer.
Quanto ao ensino particular, o projeto conterá melhoramentos importantes.
Primeiramente, com a instituição das escolas de segundo grau e das escolas normais, se
proporcionaram os meios que hoje faltam para habilitarem-se profes-sores particulares.
Estabelecer-se-á ao mesmo tempo a liberdade do ensino, pondo-se a esta uma única
restrição; a obrigação
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de darem provas de sua moralidade os que a ele se dedicarem.
É tempo de realizar-se esta idéia. A intervenção oficial na parte relativa às habilitações
intelectuais dos professores particulares, além de ser uma tutela desnecessária, porque o
interesse dos pais é a melhor e a mais eficaz garantia da boa educação de seus filhos,
traz inconvenientes práticos e impede o desenvolvimento da instrução.
Em verdade os exames de capacidade profis-sional, a que são obrigados os que
pretendem exercer aquele magistério, nem sempre dão a melhor prova de suas
habilitações reais. Apenas se podem apreciar, nesses exames, os conhecimentos dos
candidatos em todas as matérias sobre que versam, mas como ninguém ignora, não
basta possuir esses conhecimentos para ensinar bem; há outra condição essencial – a de
saber ensinar, qualidade que só se pode adquirir pela ciência do método e pela prática.
Por isso, muitas vezes estará efetivamente mais habilitado para ensinar certas matérias
um indivíduo que, tendo essa qualidade, não possa satisfazer todas as exigências de tais
exames, do que outro que simplesmente para estes se acha preparado; entretanto, àquele
se negará o título de capacidade profissional de que se julgará digno somente o último.
A denegação deste título, nas circunstâncias a que aludo, traz inconvenientes óbvios,
sobretudo em relação às localidades de pouca população e riqueza, onde, não sendo
fácil encontrar professores legalmente habilitados, ficam os pais privados de darem
instrução a
420
seus filhos fora das escolas públicas, direito que sem injustiça lhes não pode ser tirado.
No projeto se atenderá também à conveniência de melhorar a condição dos professores
e dos adjuntos, pois que, só o magistério não oferece vantagens que atraiam pessoas de
verdadeiro merecimento e de vocação especial, nunca se conseguirá elevá-lo à altura a
que deve chegar”.
Isto quanto à instrução primária; quanto ao ensino secundário e superior, estava o Sr.
conselheiro João Alfredo de acordo com o seu antecessor na fundação, nas Províncias
de estabelecimentos congêneres ao Colé-gio de Pedro II e na criação, nesta Capital, de
uma universidade.
Sobre a instrução primária, secundária e profis-sional, formulou o Sr. conselheiro João
Alfredo um projeto, no qual, em relação às Províncias, de acordo com o ato adicional,
cingia-se a auxiliar o incremento da instrução primária e secundária, e em relação ao
Município Neutro estabelecia:
“A liberdade de ensino particular restringindo a intervenção do Governo às condições
de moralidade e higiene.
A obrigação de instrução elementar para rodos os indivíduos de 7 a 14 anos e, também,
nos lugares do mu-nicípio em que houvesse aulas de adultos, para os de 14 a 18 que não
a tivessem recebido.
A fundação de escolas diurnas e noturnas para adultos.
421
A criação de duas escolas normais, uma para cada sexo, nas quais se preparariam
professores para o ensino primário, compreendendo o seu programa as disciplinas que
se professarem nas escolas primárias e o estudo de pedagogia com escolas práticas.
A faculdade de criar o Governo escolas mistas, instituir escolas de trabalho para o sexo
feminino e auxiliar os estabelecimentos particulares de instrução gratuita, primária e
profissional, que se mostrarem dignos deste favor.
A livre admissão a exames no Imperial Colégio de Pedro II, assim como nos que
semelhantemente se fundassem nas províncias, de todos os indivíduos que o
requeressem, e a expedição dos respectivos diplomas àqueles que fossem aprovados nas
matérias do curso do bacharelado.
A divisão do município em distritos literários, quando fossem necessários para uma
assídua fiscalização, sendo remunerados os inspetores de distritos.
A reorganização do conselho diretor e da Secretaria da Instrução Primária e Secundária
do Município”.
Quanto às Províncias, estabelecia as seguintes disposições, sendo feitas as despesas
necessárias pelos cofres gerais e por caixas especiais, instituídas para sustentação das
escolas em cada uma das mu-nicipalidades:
“A criação nos municípios de escolas profis-sionais, em que se ensinassem as ciências e
suas
422
aplicações, que mais conviessem às artes e indústrias dominantes ou que devam ser
criadas e desenvolvidas.
A concessão aos estabelecimentos de instruções secundária, mantidos pelas províncias e
que seguissem o plano de estudos do Colégio de Pedro II, das mesmas vantagens de que
goza este, concorrendo o Governo com um subsídio para os daquelas províncias cujos
meios não bastassem para toda a despesa precisa.
A extinção dos cursos preparatórios, anexos às faculdades de direito.
A fundação de bibliotecas populares ou a prestação de auxílios para este fim”.
Como o de seu antecessor, o excelente projeto do Sr. conselheiro João Alfredo não
chegou a ser convertido em lei, mas o eminente estadista não passou pelo Governo sem
que deixasse pegadas de luz: entre outros atos citaremos o Decreto de 2 de outubro de
1873, concedendo aos exames efetuados nas Províncias os mesmos efeitos que aos
feitos nesta Capital e nas Províncias onde existiam faculdades.
Infelizmente algumas Províncias abusaram de tal forma, que nelas o Governo teve
necessidade de suspender a concessão.
Lembro-me de ter lido uma carta escrita por um venerado amigo a um outro, que era
presidente do Rio Grande do Norte, mais ou menos nos seguintes termos:
“Aí vai Fulano fazer exames. Peço benevolência e não justiça, porque bem sabes, nas
Províncias, quem faz exame é como quem compra um par de botas e pede mais ou
menos frouxas, conforme os calos de que
423
padece. Não sei onde, se na cabeça ou nos pés; mas a verdade é que meu recomendado
sofre de calos e não pode usar botas justas”.
Ao Sr. conselheiro João Alfredo, sucedeu na pasta do Império o Sr. conselheiro José
Bento da Cunha Figueiredo que, não obstante tudo confiar à Divina Providência, não
resistiu à tentação de reformar o Colégio de Pedro II, tal é a sorte deste Instituto de
contar as suas reformas pelos Ministros que se sucedem no ministério, a cujo cargo ele
se acha, e ao Sr. conselheiro Leôncio de Carvalho antecedeu o Sr. conselheiro Costa
Pinto, que declarou para sempre em vigor os exames uma vez feitos.
A idéia capital da reforma do Sr. conselheiro Leôncio de Carvalho é a de ampla
liberdade de ensino, no sentido não só de ser permitido a todo particular lecionar como
entender e quiser, mas ainda de ser suprimida a freqüência obrigatória dos alunos e, por-
tanto, as lições, as sabatinas, as notas, fazendo depender toda prova de habilitação
exclusivamente do exame.
Em defesa de sua idéia, transcrevia o Sr. conselheiro Leôncio de Carvalho as palavras
da Memória Histórica apresentada pela Faculdade de Direito do Recife em 1870:
“Com o sistema, entre nós seguido, de serem os estudantes chamados às lições e
sabatinas, notando-se nas cadernetas o mérito de umas e outras, o ato é para muitos
estudantes, senão para a generalidade deles, uma mera formalidade: o juízo do lente está
feito pelas notas e, ordinariamente, quando desmentido pela prova
424
produzida no ato, não prevalece esta sobre aquela, senão quando favorece o estudante.
Nada de lições, nada de sabatinas, e, conse-guintemente, de notas: a única prova de
habilitação seja o exame público, em que o juízo do lente sobre o mérito do estudante se
forme sem prevenção favorável ou contrária, e em que, portanto, a argumentação seja
igual e não varie conforme e reconhecida inteligência do estudante”.
Deste modo, o professor deixa de ser um produtor de ciência para tornar-se um mero
expositor de idéias alheias, e o discípulo deixa de ser um colaborador do mestre para
fazer-se um simples repetidor do magister dixit.
É o maior erro que se pode cometer em pedagogia pretender avaliar da habilitação e
aproveitamento de um estudante, pelas eventualidades e contingências do exame.
O estudante, antes de tudo, deve aprender o que é a ciência, como se faz o trabalho
científico, o que significam as palavras produção científica, e não somente se preparar
para responder às perguntas que lhe serão feitas no fim do ano.
Ensinar a um moço, dizem João Terrel e Luís Durant, as diversas soluções que tem de
dar às diversas dificuldades que encontrar na sua carreira, não é dar-lhe a alta educação
intelectual a que tem direito; é preciso não lhe ensinar essas soluções, mas os métodos
que lhe permitiram achá-las; é preciso fazer dele, não um in-divíduo admiravelmente
ensinado que, graças às
425
recordações de sua educação e aos hábitos que tiver contraído em sua juvenilidade, se
conduzirá como faria um homem inteligente, mas um homem que pensa, que sabe, que
conhece e que se conduz segundo as luzes de sua própria razão.
De acordo com suas idéias, publicou o Dr. Leôncio de Carvalho o Decreto de 19 de
abril de 1879, reformando o ensino primário e secundário no Município Neutro e
superior em todo o Brasil, e deu nova organização ao Colégio Pedro II, tornando
facultativa a freqüência do externato, restabelecendo a cadeira de italiano, etc.
Ao Dr. Leôncio de Carvalho, sucedeu na pasta do Império o Dr. Francisco Maria Sodré
Pereira, e a este, l Sr. Homem de Melo. O primeiro criou a Escola Normal do Município
Neutro, de acordo com o Decreto de 19 de abril de 1879, e o segundo limitou-se a
reformá-la.
Seguiu-se na pasta do Império o Dr. Rodolfo Epifânio de Souza Dantas que, entretanto
para o governo com tanto ardor pelas questões de ensino público quando o Dr. Leôncio
de Carvalho apresentou às Câmaras um extenso projeto de reforma, que deu lugar ao
notável parecer do conselheiro Ruy Barbosa, extraordinário monumento de saber e
erudição.
Daí por diante, até a proclamação da República, destacam-se apenas o regimento interno
para as escolas públicas do primeiro grau do Município Neutro, elaborado pelo Dr.
Antônio Herculano de Souza Bandeira e o parecer do barão de Tautfoeus em
contraposição às idéias da congregação do Colégio de
426
Pedro II, a qual se manifestara no sentido ser mantido o sistema dos exames finais, com
exclusão do exame de madureza, que era sustentado pelo conselheiro Ferreira Viana,
então Ministro do Império.
“O plano de estudos, dizia o barão de Tautfoeus, sobre o qual a congregação foi agora
convidada a dar o seu parecer, distingue-se das muitas reformas anteriores que este
colégio sofreu, depois que se começou a alterar o plano de sua instituição primitiva, pela
adoção de um princípio que era expressamente enunciado como uma das bases da
organização dos estudos, e cujo abandono foi, segundo a minha opinião, a principal
causa da decadência científica deste colégio, a saber: a simultaneidade dos exames
finais, feitos todos no fim do sétimo ano e constituindo em seu conjunto o exame do seu
bacharelado, pelo qual o candidato aprovado em todas as matérias obtinha o seu grau
literário.
Este plano ficou em vigor por quase 20 anos depois da fundação do colégio: são muito
numerosos os antigos estudantes daquele tempo, que se acham agora em posição
eminentes e que podem comparar os resultados obtidos então com os que vemos hoje,
depois de adotado o funesto sistema do fracionamento dos estudos, introduzido não em
virtude de algum novo princípio pedagógico mas arrancado gradualmente à fraqueza de
diversos ministros por mesquinhas con-siderações de concorrência material com os
colégios particulares, quando o motivo expresso da fundação deste colégio foi
precisamente estabelecer um foco de estudos literários que, por ser independente da
maior ou
427
menos afluência de alunos, pudesse conservar-se em uma altura literária e científica,
superior ao nível geral da instrução secundária, dada até então, salvo algumas aulas
públicas destacadas, unicamente em colégios particulares.
Este triste sistema de fracionamento não tardou a produzir suas inevitáveis
conseqüências. O professor não piorou repentinamente, e por certo ninguém, que possa
comparar as duas épocas, dirá que ele seja agora, a qualquer respeito, inferior ao dos
primeiros vinte anos do colégio; o contrário é evidente. Tão pouco há razão para pensar
que a raça brasileira tenha degenerado e que a mocidade atual seja menos talentosa ou
tenha menos curiosidade intelectual e menor desejo de saber.
A inquestionável inferioridade dos resultados obtidos agora não pode, pois, ter outra
causa senão o vício radical do atual plano de estudos, que, desprezando a lei do
desenvolvimento das faculdades intelectuais na transição da meninice à virilidade, quer
em umas matérias colher frutos sem esperar a época da maturidade e em outras semear,
quando já está na estação da colheita.
O professorado do colégio, consultado diversas vezes pelo Governo sobre reformas dos
estudos, opinou sempre nesse sentido e recomendou, como primeiro passo para todo
melhoramento, a volta a este princípio da unidade dos estudos humanitários, realizada
pela continuação das matérias até o fim do curso e pela prestação de todos os exames
finais no 7º ano. Creio, pois, que para ficar coerente consigo mesma, para não
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se por em desacordo com as leis da psicologia, com a experiência feita no próprio
colégio e com o exemplo das nações mais adiantadas em instrução, a congregação deve
aprovar o plano de reforma, formulado pelo Governo nessa sua principal idéia”.
Proclamada a República e criado o Ministério da Instrução Pública, o primeiro ato do
Dr. Benjamin Constant, nomeado Ministro, foi a fundação do Pedagogim, destinado a
servir de centro propulsor da instrução pública. Nesse instituto haveria um museu
pedagógico, conferências didáticas, laboratórios e gabinetes de ciências físicas e
naturais, exposições escolares, uma escola primária modelo e publicação de uma revista.
Depois, publicou o eminente Ministro sua reforma tão vasta quão detalhada, porém, por
mais reverência que nos mereça a magistral obra, ela se nos afigura lacunosa, por ter
banido do ensino o lado humano, desde a psicologia até a lógica, substituindo pelos
chamados conhecimentos especiais, aqueles estudos que mais têm contribuído para a
crença no progresso humano.
O discípulo, diz excelentemente A. Fouillée, é entregue a uma sucessão de mestres,
cada um dos quais ensina isoladamente sua especialidade, resta saber se uma série de
especialidades forma uma verdadeira unidade; se as forças intelectuais da mocidade,
que são também forças sociais, não são em partes desperdiçadas por falta de
concentração e direção.
429
Sob o pretexto de acostumar-se a mocidade brasileira a observar, experimentar e
induzir, sacrificou-se o que nas ciências há de verdadeiramente educador, a sua história,
a sua filosofia, a sua poesia, à parte puramente objetiva, “a enumeração e inventário dos
fatos e das leis”; e, deste modo, cortou-se barbaramente o vôo da alma nacional para as
mais altas regiões do pensamento, e sua marcha para os mais nobres destinos da
humanidade.
Senhores, as nossas reformas sobre a instrução pública, com raríssimas exceções, fazem
lembrar a anedota daquele inglês que, em uma de suas viagens, encontrando uma casa
de extraordinária acústica, comprou-a por avultada soma, numerou as diversas peças e
fê-las transportar para a Inglaterra.
Ali chegando, reconstruiu a casa, dispondo as peças na mesma ordem em que se
achavam por ocasião da compra; mas qual foi o seu espanto, quando, ao dar o primeiro
concerto, reconheceu que a casa tinha perdido toda a sonoridade.
Da mesma sorte as nossas reformas sobre a instrução pública não possuem sonoridade,
porque não passam de criações exóticas, em contravenção com o nosso meio social,
com os nossos usos, costumes, tradições, tendências e aspirações.
São reformas que não repercutem na alma nacional; não ecoam no coração do povo.
O projeto exige, além do conhecimento de língua moderna, o estudo prático de duas
línguas: seria
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preferível que a exigência fosse pelo menos de quatro línguas estrangeiras: francês,
inglês, alemão e italiano.
Não é muito, desde que se atenda a que na Rússia para a matrícula nos ginásios de
mulheres se exige de uma menina de oito anos o conhecimento de três línguas de gênios
tão diversos, como o russo, o alemão e o francês.
É certo que os russos das mais elevadas camadas sociais têm o talento do poliglotismo;
mas Wallace vê nesta aptidão especial um resultado mesmo da educação.
Senhores vou referir um fato curioso, interessante, que mostra quanto aproveita a um
povo o conhecimento de línguas estrangeiras.
Em 1873 o Ministro da Instrução Pública em Yedo fundou uma escola de russo para
iniciar os jovens japoneses nos progressos do Ocidente, principalmente a Rússia.
O resultado foi essa obra maravilhosa, única nos últimos tempos, a transformação de
quarenta milhões de homens em uma civilização nova e a subseqüente vitória do Japão
sobre a Rússia.
Foi encarregado dessa obra gigantesca Leão Mateknikoff, autor do belo livro A
Civilização e os Grandes Rios Historicos. A edição dessa obra se acha esgotada, mas
existe um exemplar nas mãos do Sr. Presidente, o Sr. Carlos Peixoto, e o líder da
Câmara que com S. Exa. forma um par homérico, poderá informar se o que refiro vem
ou não narrado detalhadamente na introdução e escrita por Eliseu Reclus.
431
Um mais exato conhecimento de nossa geografia, tomada a palavra geografia em sua
mais larga acepção, no sentido não somente de descrição pitoresca da superfície da
terra, das montanhas que se elevam tantos metros acima do mar ou dos rios, tantas
léguas de curso, mas ainda de influência climatérica (metereologia), de influência
geométrica e aritmética (território e população), de influência física e química do solo e
subsolo (geologia e mineralogia), influência das plantas e animais (botânica e zoologia)
nos fará compreender melhor nossa história, entrever melhor nosso futuro, e dirigir
melhor nossa política interna e externa, nossa economia nacional e nossa higiene social.
Far-nos-á compreender melhor nossa história, eliminando a rivalidade que se quer
estabelecer entre os rios Tietê e São Francisco.
Se o Tietê, corrente transversal, até hoje tem exercido uma função eminentemente
econômica, o São Francisco, corrente ao mesmo tempo transversal e longitudinal, por
correr em forma de crescente ou semicírculo, de sul a norte, tem exercido a dupla
função de economia e defesa nacional.
Ora, o Amazonas correndo transversalmente do ocidente para o oriente e com a
disposição longitudinal de seus afluentes, está destinado a ser o eixo de toda a nossa
política, quer nacional, quer internacional.
Não há muito tempo dizíamos que se de cima de nosso planalto, todo coberto de ouro e
pedras preciosas, lançássemos o olhar para o extremo norte do Brasil, para o Amazonas,
essa monstruosidade geográfica, que faz
432
pequeno tudo que é grande no Brasil, uma fantástica e mirabolante visão nos empolgaria
o espírito, veríamos diante de nós uma pátria de cuja grandiosidade futura se pode
avaliar pelas oscilações desmedidas desse desmarcado pêndulo – o rio mar, com que a
natureza dotou o Brasil para servir de supremo regulador de seu destino.
Afirmam os competentes que o Brasil foi ligado ao continente americano por uma
grande revolução geológica; no século atual prevemos um acontecimento ainda maior,
que é a ligação de todos os Estados brasileiros por linhas fluviais e vias férreas e a
juntura dessas linhas e dessas vias em um ponto determinado do território nacional, o
Recife, por exemplo, aos múltiplos caminhos marítimos do mundo inteiro.
Só nos falta um estadista que queira ligar seu nome à história da civilização, ligando
todo o Brasil à rede universal de comunicação e transportes.
Mas é principalmente do ponto de vista geológico que o conhecimento da geografia se
impõe, quer em relação à economia, quer em relação à higiene social.
Quando o Sr. Ministro da Agricultura, tão jovem quão competente, desmentindo assim
o aforismo de Bacon – Veritas filia temporis, nomeou a comissão encarregada de
organizar a carta geológica brasileira, serviço de cuja direção se acha encarregado o
professor Orville Derbu, que tanto se tem imposto à admiração e reconhecimento de
nossos compatriotas, pelos serviços prestados ao Brasil publicamos as seguintes linhas:
433
“Múltiplas são as influências do solo e subsolo sobre o desenvolvimento social; mas
suas se destacam pela sua magna importância: uma econômica, relativa à exploração
das minas, outra higiênica, referente à habitação e principalmente à alimentação das
coleti-vidades humanas em água potável.
Já se foi o tempo em que se considerava uma fonte sã, porque era clara, fria e agradável
ao paladar. Hoje nem mesmo as análises bacteriológicas e químicas por si só bastam
para se avaliar de uma fonte, porque o exame não faz conhecer seu estado senão no
momento em que foi ele feito; mas não impede que a fonte venha a ficar contaminada,
dando-se, por exemplo, um caso de febre tifóide em um dos pontos de infiltração. Neste
caso se fazem necessários os recursos da geologia para determinar o ponto de infecção.
Em todas as questões de higiene, que dizem respeito à circulação das águas, e são as
mais importantes, porque a água é elemento indispensável à vida, principalmente à
existência humana, tanto para a alimentação, como para outras necessidades dos
indivíduos (abluções, banhos, lavagens), a utilidade da geologia é manifesta pelas
relações estreitas que existem entre a natureza dos terrenos e a qualidade das águas
subterrâneas.
É assim que camadas de rocha ígnea, na profundeza compactas e impenetráveis, mas na
sua superfície permitindo que resultante de sua trans-formação, constituem excelente
filtro, ao passo que as
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camadas de argila formam verdadeiras paredes que acarretam a estagnação das águas.
Nos terrenos calcários muito insuficientemente se opera a ação filtrante, e em regra as
fontes neles existentes devem ser consideradas suspeitas.
Os terrenos xistosos oferecem drenagem à circulação das águas, quando os xistos
existem, não em forma horizontal, mas levantados por movimentos tetônicos do solo,
uma das concepções mais engenhosas e ao mesmo tempo mais complicadas dos
geólogos modernos.
Pelo que vem dito se podem avaliar as grandes vantagens, que para a higiene social
resultam do conhecimento do solo e da organização das cartas geológicas, sobretudo
para o que diz respeito à captação das águas potáveis e à luta contra a poluição deste
imprescindível elemento de vida.
Mas, além de importância capital das inves-tigações geológicas na solução do grande
problema das águas potáveis, elas se prendem intimamente ao de-senvolvimento das
indústrias extrativas, pelas relações existentes entre a natureza dos terrenos e os diversos
minérios, pedras preciosas e metais.
Oouro, nota um prático, aparece ordinariamente em veios de pirita, em ditos de quartzo,
em camadas de quartzito ferruginoso (itabirito) e em cascalhos e areias superficiais,
sendo os primeiros os melhores e mais ricos, como os do Morro Velho, Cuiabá, Santa
Bárbara e outros; seguindo-se os de quartzo e os de itabirito, como
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de Congo Soco e Maquiné, etc. e em último lugar os de cascalhos e areias.
Investigações recentes parecem confirmar as vistas dos professores Gorceix e Derby
sobre a gênese do diamante.
“Naturalmente, escreve o último, todas as rochas mais novas do que a formação original
e formadas dos seus destroços podem conter o diamante; a formação original é
provavelmente da idade cambriana”.
A litomargia é a substância que acompanha mais frequentemente os topázios, e no
Brasil deve ser considerada o melhor guia para a pesquisa deles.
Porém, mesmo sob o ponto de vista histórico, não deixam de ser interessantíssimas
certas conclusões da geologia. Para nós tal é o caso, a que se refere Gerber: “Tendo
Elias de Beaumont com evidência demonstrado que a idade das diversas partes do nosso
globo, isto é, a época do levantamento das mesmas acima do nível do mar, deve ser
anterior à mais antiga formação limítrofe, cujas camadas se conservam horizontais,
assim como posterior à idade das formações que por efeito do próprio levantamento, se
acham inclinadas, é claro que em vista do referido fato, de se acharem as formações de
transição (paleozóicas) horizontalmente estratificadas; sem serem cobertas por
formações secundárias ou terciárias, fenômeno de que não consta haver completo em
outra parte do mundo, é claro repito, que esta parte do continente sul-americano já se
achava elevada acima do nível dos mares em uma época anterior ao tempo que em
começavam os depósitos submarinos; ou, em outros
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termos, o Brasil central já existia como um continente extenso, quando o resto do
mundo ainda estava submergido no oceano universal, ou apenas surgiam pertos dele
com ilhas insignificantes. É pois, o Brasil, e em particular o Estado de Minas Gerais, a
quem toca a honra de ser o mais antigo continente do nosso planeta.
Bem se vê que a geologia, além do alto valor histórico, paleográfico, com o fim de notar
as diferentes idades do solo e reconstruir a figura da terra nas fases sucessivas de sua
longa evolução, interessa sobretudo ao higienista, como a ciência que se destina a fazer
conhecida a natureza dos terrenos, que existem nas diversas profundezas do nosso
globo, e as relações que eles mantém com a zona circunvizinha, por onde cir-culam as
águas subterrâneas.
Referindo-se à lógica, não trata o projeto de dialética da teoria sublime e sutil do
silogismo, de que fala Diderot, mas da ciência das idéias, do que os alemães chamam
idenkund.
Neste sentido a lógica é tão necessária à in-vestigação da verdade, com a hermenêutica
à aplicação do direito.
Com efeito, como investigar sobre qualquer ramo do saber humano sem se saber o que é
observação e experimentação, indução e dedução, análise e síntese, sem se conhecerem
os processos especiais da mate-mática, da física, da biologia?
A base do saber, real positivo, é a teoria do conhecimento, quando estuda o mecanismo
do pensa-mento e indaga o critério da certeza.
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Descartes, escreve Arthur Schopenhauer, passa com direito como pai da filosofia
moderna: antes de tudo, e de um modo geral, porque levou a filosofia s sustentar-se
sobre seus próprios pés, ensinando os homens a fazerem uso de sua própria cabeça em
lugar da qual funcionaram até ele de um lado a Bíblia e de outro Aristóteles; porém,
mas particularmente, e em um sentido mais restrito, por que foi o primeiro que apanhou
o problema em redor do qual gira desde então toda a filosofia: o problema do ideal e do
real, isto é, a questão de saber o que há de objetivo e subjetivo em nosso conhecimento,
ou, por outras palavras, o que é preciso atribuir a nós ou às coisas diferentes de nós. Eis
o problema; e desde que ele foi posto, há 200 anos, o esforço principal dos filósofos tem
sido distinguir o ideal, isto é, o que pertence a nosso conhecimento como tal, do real,
isto é, o que existe independentemente de nosso conhecimento, e estabelecer assim de
um modo estável a sua mútua relação.
Acreditavam os positivistas que bastava uma classificação das ciências constituídas para
se ter a chave de todo o saber humano. Mas definir o objeto das ciências, traçar os
limites de suas investigações, subordinar suas questões a um princípio de coor-denação,
a um processo lógico, não é tudo quando se tem em vista, além dos conhecimentos
adquiridos, o progresso do saber humano, a descoberta de novas verdades, a exploração
de mundos desconhecidos. É preciso, além do conhecido, dar conta do que resta
conhecer e do modo porque há de ser conhecido.
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Somente assim se terá essa Suma Ciência, que sonhou Leibniz, em substituição a Suma
Teológica de S. Tomás.
A teoria do conhecimento, conforme nota La-chelier, dá lugar a dois estudos distintos:
um psico-lógico que tem por objeto a engrenagem de nosso mecanismo representativo,
e outro lógico, que tem por fim indagar as relações dos fenômenos com o pensamento.
Dentre os discípulos de Kant, uns atribuem uma combinação artificial ao mecanismo do
pensamento com o exagerado aparelho das instituições e dos conceitos a prior; outros
entendem que é preciso restringir o domínio do a priori a explicar o conhecimento por
uma combinação menos artificial que a das formas ou categorias do pensamento.
Assim Fichte e Hegel entendem que a filosofia deve vir de um ponto mais elevado que
o da simples forma do pensamento e das adversidades de intuições, isto é, deve vir das
funções das atividades internas, que são a essência mesma do pensamento.
Que será, porém, esta atividade interna do pensamento? Será um modo especial de crer
alguma coisa dos objetos, alguma coisa de imediatamente certo e necessário, que não se
acorda com os dados da experiência, conforme entende Spir, ou não será senão uma
função, que só se desperta ao contato da experiência, porém que traz em si mesma uma
certeza imediata e absoluta?
“Não chegaríamos nunca a conceber o princípio de identidade, diz Lachelier, se a
intuição de nossas
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representações não nos oferecesse objetos constantes, nem o princípio de razão, se não
achássemos na experiência objetos iguais entre si, ou pelo menos sensivelmente iguais.
Esta condição empírica de formação das leis lógicas não tira coisa alguma a seu caráter
de a prioridade”.
Mas o pensamento não se satisfaz em não se contradizerem os dados da experiência,
quer descobrir entre eles uma ligação, uma coordenação. Tal é a função primordial do
pensamento, e o principal de razão. A igual a B, B igual a C, logo A igual a C, não é
senão a expressão mais simples desta função.
É uma necessidade do espírito exigir que os fenô-menos se encadeem, sejam conexos
entre si.
Mas esta conexão existe realmente, isto é, aquela necessidade do espírito corresponde a
uma realidade entre os dados da experiência?
Para Wundt esta realidade existe efetivamente, há conexão entre os dados da
experiência, e então o mecanismo do espírito é antes um aparelho que ilumina a
realidade existente do que um modelo, sobre o qual é calcada uma ordem de coisas, que,
se pode dizer, não existia antes dele, conforme pensavam os filósofos gregos.
Tratando o projeto de sociologia, cumpre notar que a associação é um princípio ainda
mais genérico que a gravitação.
Até hoje a tendência dos cientistas tem sido subordinar todos os fenômenos do Universo
à lei da gravitação, em virtude da qual o Universo inteiro é
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mantido não só na mais estreita solidariedade, porém ainda na mais íntima
continuidade.
Um mesmo princípio, diz Mismer, liga o mais pequeno corpo ao maior através do
espaço inter-planetário; o organismo mais humilde ao mais complexo através das
camadas geológicas, a humanidade a sua moradia terrestre, o homem a seu semelhante.
Segundo Mismer, este princípio é o da gravitação que expulsará a teologia e a
metafísica dos domínios da sociedade, como já o fez nos domínios da física, da química
e da biologia.
Eu mesmo em uma dissertação apresentada à Faculdade de Direito do Recife sobre a
determinação do momento histórico das leis, escrevi:
“É preciso convir que o insuspeito Cláudio Bernard estabelecendo que os seres vivos
são pequenos mundos, em cujo meio os fenômenos se encadeiam como em nossa terra e
em todas as terras, que flutuam no espaço, derribou as barreiras que separavam o mundo
orgânico do mineral, e predispôs assim os espíritos para esta concepção mecânica do
universo, pela qual todos os segredos da natureza parecem prestes a desvendar-se em
face da luz derramada pela descoberta de Newton.
Kelvin, porém, o maior físico dos últimos tempos, fundado em cálculos matemáticos,
chegou a conclusão de que o éter não está sujeito à lei da gravitação.
Hoje, depois das investigações de William Crookes sobre o estado pré-atômico da
matéria, da descoberta dos raios catódicos, dos raios-X, da dos chamados corpos
radioativos, da demonstração tão
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brilhantemente feita por Gustave Le Bon, de que a radioatividade não pertence a certos
corpos somente mas constitui uma propriedade geral da matéria, não se pode mais dizer
que o princípio regulador de toda solidariedade e continuidade universal, princípio no
qual se resolvem todas as leis do mundo orgânico e inorgânico, seja a gravitação, e sim
a sociabilidade, principal manifestação da energia primordial do universo, e, portanto
comum a todos os átomos, moléculas, células, órgãos animais, Estados.
Esta energia suprema que, apesar de impon-derável, intangível, invisível, enche todos os
pontos do espaço e todos os momentos do tempo, servem de laço aos diversos mudos e
penetra todos os corpos, é o éter, no qual Newton, com o seu olhar genial, viu a causa
da gravitação.
“Eu procuro no éter a causa da gravitação, escrevia Newton a R, Bayle em 28 de
fevereiro de 1678”.
Pela existência dessa substância, ao mesmo tempo, uma e múltipla e heterogênea,
contínua e descontínua, contínua descontínua, é que se explica sufientemente a
formação não somente do mundo cósmico, mas ainda do mundo moral.
Montesquieu em uma definição que parece resumir todo o passado científico do espírito
humano, disse que: leis são as relações necessárias que derivam da natureza das coisas.
Mas, se nós não podemos conhecer a natureza das coisas, senão podemos conhecer as
relações das
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coisas, não será mais exato dizer que a natureza das coisas deriva das relações delas
entres si?
E, deste modo, a sociologia não será a ciência fundamental do saber humano, e todas as
ciências, mesmo as mais positivas, não serão ciências sociais?
Com feito, de que trata a matemática? Trata dos corpos, sob o ponto de vista das
quantidades umas de relações às outras. De que trata a física? Trata dos corpos sob o
ponto de vista das moléculas umas em relações às outros. De que trata a química: Dos
corpos sob o ponto de vista dos átomos em relação duns aos outros. De que trata a
biologia? Dos corpos sob o ponto de vista das células em relação umas às outras.
A própria ontologia ou ciência da natureza das coisas seria uma ciência eminentemente
social, porque a natureza das coisas deriva das relações destas entre si.
Com efeito, de tal sorte a natureza das coisas depende das relações destas entre si, que
toda alteração nessas relações altera a natureza das coisas. É assim que os corpos
passam de sólidos a líquidos e gasosos, conforme a alteração das relações das moléculas
entre si.
A única ciência que, à primeira vista, parede escapar ao princípio da socialidade, é a
psicologia, por causa do esforço contínuo do Eu para a unidade; mas, acredito, senhores,
ter demonstrado em uma memória apresentada ao Congresso Latino-Americano que a
psicologia, mais do que as outras ciências, se baseia sobre relações sociais.
A consciência, diz Boutroux, não é um desen-volvimento, um aperfeiçoamento das
funções fisioló-
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gicas, é um elemento novo, uma criação. O homem, que é dotado de consciência, é mais
que um ser vivo, e mais que um organismo individual: a forma na qual a consciência é
superposta à vida é uma síntese absoluta, uma adição de elementos radicalmente
heterogêneos”.
Se a unidade orgânica por si só não basta para explicar a consciência, qual será a
explicação que pode ser dada do fenômeno?
Acima do indivíduo está a sociedade, e então por que não procurar no meio social a
gênese e o desen-volvimento da consciência individual?
O cérebro, órgão de luxo em relação ao funcionamento vital, propriamente dito, seria
então um órgão de primeira necessidade em relação ao fun-cionamento psíquico.
Deste modo seria o meio social que concorreria para a formação do cérebro por meio do
desenvo-lvimento excepcional dos últimos centros da medula espinhal.
A socialidade seria a fonte donde brota a consciência.
Tal é o modo de ver de Durkheim, quando escre-ve: “o grande serviço que os filósofos
espiritualistas prestaram à ciência, foi combater todas as doutrinas que reduzem a vida
psíquica a não ser senão uma eflo-rescência da vida física”. E sem cair no
espiritualismo, acrescenta que “todos os fatos, de que não se pode achar a explicação na
constituição dos tecidos, torna-se propriedades do meio social”.
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De modo brilhante Draghicesco faz ressaltar que a sociedade é a explicação causal da
consciência.
“Os psicólogos, observa o perspicaz investigador, não fazem diferença entre adaptação
ao meio físico e adaptação ao meio social.
A consciência para eles é indiferentemente o produto de uma ou de outra.
Ora, a origem da consciência, senão seu desen-volvimento, não pode ser mais atribuída
a influências causadas pelo meio físico.
Com efeito, estabelecemos que o meio cósmico é, por assim dizer constante, invariável.
Por outro lado, estabelecemos também que a constituição orgânica do homem é
precisamente o resultado da adaptação a esse meio. A adaptação, uma vez feita e
consolidada em hábitos para sempre invariáveis, não poderia mais ser questão de novas
adaptações, este meio não mudando mais. Uma vez por todas está feita a estabilidade,
em a natureza e no homem adaptado. Se, porém, ainda se constatam adaptações,
mudanças, estas não podem vir senão no meio social: sim, estabelecemos que é ele que,
por sua invariabilidade e pela luta pela vida, impõe a adaptação.
De hoje por diante não seria mais possível pro-curar explicação para consciência senão
nas adaptações às condições sociais. A consciência não pode ser o produto senão do
meio social, exclusivamente.
Senhores, do exposto se vê que estas três ciências – psicologia, lógica e sociologia – se
prendem, se ligam, se combinam, formam um todo harmônico e constituem
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a parte mais interessante de toda a pedagogia, pois que diz respeito àqueles estudos que
mais têm influído para a crença no progresso da humanidade.
Portanto, dou o meu voto para a aprovação do projeto, e dou-o confiando no honrado
Sr. Presidente da República, no qual vejo a encarnação do tipo do verdadeiro estadista
americano tão belamente descrito por Horácio Mann.
O Sr. José Bonifácio – Apoiado, muito bem.
O Sr. Artur Orlando – Diz Horácio Mann:
“O primeiro dever dos nossos magistrados e dos chefes da nossa República é subordinar
tudo a este interesse supremo. Em nossos países e em nossos dias ninguém é merecedor
do título de homem de estado, se a educação prática do povo não tem o primeiro lugar
no seu programa. Pode um homem ser eloqüente, conhecer a fundo a história, a
diplomacia, a jurisprudência, o que lhe basta aliás para pretender a elevada condição de
homem de estado, mas, se suas palavras, seus projetos, seus esforços não forem por toda
a parte constantemente consagrados à educação do povo, ele não é, não pode ser homem
de estado americano”.
Tenho dito. (Muito bem; muito bem. O Orador é vivamente cumprimentado e abraçado
por todos os seus colegas presentes

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