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A NARRATIVA DE CHAPEUZINHO VERMELHO EM BRUNO BETTELHEIM

Maria Acássia de Sousa Brito1*


**
Paulo PetronílioCorreia

RESUMO: Este trabalho tem por principal objetivo, abrir um leque de reflexões
acerca da importância dos Contos de Fadas bem como um estudo mais específico do
conto Chapeuzinho Vermelho e sua moral deixada durante séculos por Charles
Perrault, Irmãos Grimm e outros autores fantásticos que permitiram-nos uma viagem
perfeita ao mundo da imaginação e também a oportunidade do encontro pessoal na
ética e na moral, constituintes do indivíduo autêntico e capaz do discernimento do
que lhe será influente como formação de personalidade boa ou má. E esta missão é
de suma importância, pois promove o encontro com outros indivíduos em formação e
assim lhes ajudarão à moral de Chapeuzinho Vermelho, optar pelo caminho correto e
nunca incerto. Para percorrer tal travessia literária, o trabalho em questão versará
sobre o olhar de Bruno Bettelheim (2008) em sua “Psicanálise dos Contos de
Fadas”.

PALAVRAS-CHAVE: Contos de fadas, imaginário, Chapeuzinho Vermelho,


aprendizado, essência.

INTRODUÇÃO

Propõe-se nesse artigo fazer uma abordagem sobre o olhar de Bruno Bettelheim quanto
aos Contos de fadas, especificamente Chapeuzinho Vermelho que pode-se dizer ter sido o seu
grande prazer de pesquisa e encontro de si mesmo no curso deste clássico. Bruno Bettelheim foi
um grande discípulo de Freud e isto é bem perceptível em sua obra “A Psicanálise dos Contos de
Fadas” através do seu olhar direcionado à menina enquanto vítima dos seus próprios desejos e
descobertas.
Tornou-se Doutor em psicologia pela Universidade de Viena e fez grande sucesso como
pesquisador de crianças com problemas mentais e mais especificamente aquelas autistas. Após o

*
Acadêmica do 8º período do Curso de Pedagogia da Faculdade Alfredo Nasser
**
Doutor em Educação pela UFRGS e professor de Filosofia pela UNIFAN.
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seu retorno dos campos de concentração, continuou a escrever algumas obras e logo fora
nomeado professor assistente na Universidade de Chicago.
Este autor foi um dos escritores mais apaixonados pelo estudo dos Contos de Fadas
como importante influencia na vida do indivíduo, mas é uma pena que parece não ter sabido lidar
com suas frustrações interiores assim como argumenta em seus estudos sobre os contos para as
crianças na construção de suas personalidades, pois, provavelmente deprimido pela perda de sua
esposa falecida, suicidou-se em 1973.
Entre todas as suas obras, “A Psicanálise dos Contos de Fadas” será eterna, pois é
possível num processo de leitura desta, reconhecer a paixão que Bettelheim quis transmitir para
os leitores e especificamente as lições que ensinaram a vê-las não como meras histórias, mas
como um encontro do nosso verdadeiro “eu” superando os medos, as frustrações e ansiedades das
coisas novas que somente os Contos de Fadas ajudam a aceitar e a enfrentar demonstrando que
deve-se ser muito maior do que o mal que se faz presente neles e no cotidiano.
O processo de maturação psicológica do indivíduo passa por diversas fases, mas uma é a
base para este processo: a compreensão de que o significado da vida é ou deveria ser pertence a
cada fase vivida, e isto se dá numa conquista da sabedoria construída. E, por isso,
Bettelheim(2008) afirma que na educação de uma criança, a maior missão do indivíduo adulto é
ajudá-la a encontrar o seu sentido de caminhar, seus objetivos norteadores para a vida, pois se
esta oferece desafios, é preciso ultrapassar os limites, tornando-os a causa e o sentido motivador
para vencer a si mesmo. A verdade é que os contos de fadas nos ajudam a compreender melhor a
ação humana e o indivíduo em seu interior e, conseqüentemente, as estratégias de se lidar com
estas. Eles são cheios de significados e à medida que vão acontecendo, induzem às pressões do
id, buscando os caminhos que o satisfaçam, mas de acordo as permissibilidades de ego e
superego.
O Conto de Fadas apresentam diversas atrações para o mal, mas também apresentam
intimidações que induzem à compreensão de que o mal não vale a pena e, portanto, merece
punições tornando o conto ainda mais interessante na figura do herói pelo fato de este sofrer
tentações e atrações pelo mal, mas magicamente ser forte o suficiente para negar às sua próprias
vontades e optar pelo que mais lhe realizará: ser bom!
Para que a criança saiba o que lhe é significante, para que ela possa lidar com suas
dificuldades psicológicas e desperte para os valores morais, ela precisa conhecer-se bem,
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conhecer o lado obscuro do seu interior. Os contos de fadas, sem dúvida alguma, são aqui a chave
que abre a porta para o universo interior, pois eles permitem à criança a fantasia, a imaginação,
das quais aos poucos irá elaborando estratégias de sobrevivência e felicidade, pois um importante
e decisivo fator neste processo é o inconsciente que trará à tona os desejos ou mesmo frustrações
internalizadas que cada vez mais reprimidas, impedirão o amadurecimento e a autonomia. É
importante assim dizer, que Freud1 compreendeu na criação da Psicanálise que o indivíduo, por
esta, é levado ao enfrentamento de suas problemáticas sem se deixar dominar por elas ou mesmo
fugir à elas, extraindo assim o sucesso para a sua existência.
Importante é lembrar, segundo Bettelheim (2008), que as figuras dos Contos de Fadas
não possuem personalidades duplas, assim como a pessoa humana e, portanto, isto significa ter
que fazer uma escolha entre ser bom ou mal, e seguindo a sugestão dos contos, o dever do
indivíduo é o de ser sempre e independentemente às circunstâncias, muito bom.
Para penetrar nos labirintos da Narrativa de Chapeuzinho Vermelho, pretende-se abordar
“A Literatura Infantil”, bem como suas mágicas e marcos na relação entre Chapeuzinho
Vermelho e a Psicanálise, arrastando o leitor para a magia no mundo da criança, até ordenar o
caos.

LITERATURA INFANTIL: Marcos, magias e mágicas

Tratar de Literatura Infantil é, antes de tudo, reconhecer que pôr-se à pesquisá-la é


embriagar-se do prazer de ler e tomar como sentido de si a oportunidade de conhecer e viver
sempre novas personalidades, seja ao contá-las ou lê-las, imaginando um universo sempre novo
e diferente, mas com a capacidade máxima de nunca refugiar-se, e sim de assumir-se como
amante do encanto que ela traz e da força sobre-humana de ser bom(a) que ela ensina.2
Partindo da linha de pesquisa de Zilberman (2003), podemos compreender o que é de
fato a Literatura Infantil e seu contexto histórico, e ainda a sua importância quanto às práticas

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Segundo Sigmund Freud, o Complexo de Édipo verifica-se quando a criança atinge o período sexual fálico na
segunda infância e dá-se então conta da diferença de sexos, tendendo a fixar a sua atenção libidinosa nas pessoas do
sexo oposto no ambiente familiar. O conceito foi descrito por Freud e recebeu a designação de complexo por Carl
Jung, que desenvolveu semelhantemente o conceito de complexo de Electra.
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educativas nas escolas e no cotidiano dos pequenos indivíduos em construção, caracterizando


assim a figuras infantis de séculos passados às personalidades atuais.
A autora nos esclarece que os primeiros livros para crianças foram feitos no século
XVII e durante o século XVIII. Até então, não havia escritos para a infância, pois elas não eram
consideradas como "personagens infantis" dignas e necessitadas da vivência de tal fase. Esta
concepção voltada aos interesses infantis só passou a existir à partir da Idade Moderna unificada
a uma nova ideia de família, o que podemos chamar de modelo familiar burguês.
Até aqui, a infância não tinha uma compreensão de espaço separado, como um tempo
diferente e especial, aberto às diversas aprendizagens e fantasias. Os mesmos direitos e deveres
traçavam-se entre crianças e adultos e nenhum laço de afeto era gerado entre estes.
O que de suma importância a autora destaca é que a valorização da infância gerou bons
vínculos familiares, mas também o controle do desenvolvimento intelectual da criança como
também a manipulação de suas emoções e é, então, papel da Literatura Infantil inventada e da
escola reformulada, o papel de cumprir esta missão.
Com base neste contexto, podemos analisar a imagem de Chapeuzinho, como a menina
indefesa destes períodos remotos, totalmente entregue às malícias do lobo, e nos prendemos à ela
fazendo alguns questionamentos quanto à exposição da sua inocência às malícias mundanas.
Esta percepção e análise pode se dá na comparação de várias versões de Chapeuzinho
Vermelho, mas de modo mais reflexivo e exigente, ao psicológico do indivíduo nos escritos de
Charles Perrault e Irmãos Grimm, mas de fato, com o primeiro autor, isto se faz ainda mais
desafiador quando este parece deixar pelo conto, uma forte admoestação que amedronta e causa
ansiedades, e isto põe em risco a “inocência” pelo simples fato de se ter que fazer a escolha de
andar pelo caminho sem se desviar para o que aparentemente é bom, e desviando-se há
conseqüência: a “morte do eu”. Isto é visível quando nos deparamos com a citação seguinte:

Chapeuzinho Vermelho aborda alguns problemas cruciais que a menina em idade escolar
tem de solucionar quando as ligações edípicas persistem no inconsciente, o que pode
levá-la a expor-se perigosamente a possíveis seduções. (BETTELHEIM, 2008, p. 06.)

A versão de Perrault é clara quando diz que o lobo não se disfarçou de avó, mas apenas
induzi-a a deitar-se com ele e após um diálogo de apreciação inocente de sua aparência, ele a
devora. Isto porque o seu disfarce de bonzinho é tão atraente que a confunde meio aos seus
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desejos aflorados da puberdade que se quer medem as conseqüências vindouras, pensa apenas no
prazer que poderá viver.
Toda a história de Chapeuzinho caminha em prol da ameaça de ser devorada e, portanto,
aborda alguns problemas próprios dos conflitos pré-púbere e conflitos internos que são aflorados
após colocar-se pelo caminho, pois sob a proteção dos pais tudo é explicado, é fácil de suportar e
enfrentar, mas exposta aos perigos da floresta a menina está também sensível e entregue ao
canibalismo sedutor do lobo que não faz nada a não ser o que lhe é natural, alimentar-se para
sobreviver.
A menina sai de seu lar e enfrenta a floresta espontaneamente e passa a observar a
beleza do mundo sem nenhuma crítica, ou seja, tudo é beleza, e aí se encontra o perigo, pois tudo
o que ela vê é bonito, é motivo de prazer e o resultado encontra-se num grande perigo à malícia
lobáltica. Diferentemente de João e Maria que são abandonados pela mãe na floresta escura e
amedrontadora, diz Bettelheim, fazendo uma comparação entre os contos:

A história de “João e Maria” dá corpo às ansiedades e tarefas de aprendizagem da


criança pequena que precisa vencer e sublimar seus desejos incorporativos primários e,
por conseguinte, destrutivos. A criança deve aprender que, se não se libertar destes, os
pais ou a sociedade a forçarão a fazê-lo contra sua vontade, assim como a mãe para de
amamentar o filho logo que se sente chegado o momento. (BETTELHEIM, 2008, p.
196).

A verdade é que a criança vive um conflito ambivalente entre a realidade e o


prazer provocado pelo id que a deixa inconsciente de suas obrigações, mas após usufruir da
beleza do caminho é despertada pelo ego e superego à assumir suas obrigações e convidada a
dominar seus problemas edípicos.
O lobo só atrai Chapeuzinho porque assim como qualquer um de nós, sensíveis e frágeis
às belezas mundanas há algo nele que nos prende, que para nós tem um poder de sedução.
Assim, é preciso despertar para a crítica, fugir à ingenuidade, pois permanecer nela é perigoso.
O malicioso lobo não representa aqui apenas a sedução, mas muito mais as nossas
tendências animalescas, deixando de lado as nossas virtudes de pureza, assim como a menina que
inocentemente colabora para a morte de sua avó, que na verdade não lhe negava nada, em
momento algum, possibilitando a ela a chance de traí-la em prol do prazer com o lobo, mesmo
não compreendendo a gravidade deste comportamento. Em razão disso Bettelheim (2008) diz que
tanto os animais perigosos como os prestativos representam nossa natureza animal, nossos
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impulsos instintivos que são naturais ao ser humano, assim como também é inconsciente e natural
a transferência dos desejos da mãe - avó à criança dando-lhe uma capa vermelha, simbologia fatal
de emoções violentas e sexuais.
Quando tratamos de sexualidade imatura, estamos falando de regressão, sendo que ela
desta forma nos ameaça ao despertar tudo o que dentro de nós está reprimido e de repente pode
aflorar de forma tão agressiva, a não podermos mais controlar ou mesmo superar. É por isso que
a menina indica o caminho da casa da vovó para o lobo como uma forma de dizer que não está
pronta para os aspectos sexuais, ao mesmo tempo, em que deixa claro que a avó, segundo a
versão dos Irmãos Grimm, é um empecilho para que se entregue ao lobo, que na representação
dos seus anseios edípicos, é caracterizada pela figura paterna.

A MAGIA NO MUNDO DA CRIANÇA

A princípio, os contos de fadas orientam as crianças para a descoberta de sua identidade


e proporcionam a chance da formação de seu caráter como também o discernimento do que é
bom ou ruim, bem ou mal. Ora, para bem afirmar isto, Bettelheim (2008) ainda complementa:

Não é o fato da virtude vencer no final que promove a moralidade, mas de o herói ser
mais atraente para a criança, que se identifica com ele em todas as suas lutas. [...] Para
dominar seus problemas psicológicos do crescimento – superar decepções narcisistas,
dilemas edípicos, rivalidades fraternas, ser capaz de abandonar dependências infantis:
obter um sentimento de individualidade e de autovalorização, e um sentido de obrigação
moral – a criança necessita entender o que está se passando dentro de seu eu
inconsciente. (BETTELHEIM, 2008, p. 16).

Uma lamentação deste século que pode exigir de nós uma reflexão, é que as crianças
estão muito envolvidas com as tecnologias do mundo moderno e, conseqüentemente, usufruem
das façanhas televisivas, dos desenhos violentos e o universo da mídia que as distanciam da
reflexão, pois tudo já é automático, prático, técnico e determinantemente tão avançado que o lobo
mal moderno é difícil de ser identificado, espelhando-se nas atrações mais caóticas e reprimentes
do mundo moderno. Isto porque os contos de fadas já não ocupam um lugar especial nas famílias,
no momento anterior ao soninho noturno e as escolas esqueceram a prática da contação de
histórias como um momento mágico e único para a construção das personalidades inocentes da
atualidade.
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Os contos possuem a magia especial de nos orientar a lidar com as adversidades e


conflitos da vida e assim à descoberta de uma vida compensadora. Os encontros com a
descoberta da personalidade e os meios de lidar com estes conflitos se dão, a partir de Freud, com
o complexo de Édipo, pelo qual compreendemos as dimensões dos problemas e complexidades
em relação aos nossos pais.
No Conto de Fadas, todos os mistérios internos tornam-se claros, revelados pelos
personagens apresentados nos contos assim como as suas ações. Portanto, Bettelheim (2008) diz
que os contos são terapêuticos, pois permitem ao indivíduo encontrar seus próprios caminhos, a
solução de todos os seus problemas, comparando as circunstâncias do conto com sua realidade,
reside aí o seu crescimento, dando-se como uma saga, jamais inferiorizando alguém, e sempre
motivando à esperança e à felicidade, e muito além, o potencial para vencer o gigante cotidiano
que se apresenta como ameaçador, os adultos que pouco valorizam a fantasia e se perdem na
busca de si, ao contrário das crianças que se transferem para dentro do conto e lá compreendem o
verdadeiro significado de ser bom.
Por incrível que pareça pelos contos as crianças vivem a fantasia e as transferem às
suas existências e prática humana. Neles, elas encontram o consolo ainda mais adequado que o
ponto de vista adulto. Mas o que diz Bettelheim (2008), é que a história só nos trará interesse se
tiver algo a ver com nossas emoções vividas, principalmente porque a criança possui
pensamentos animistas e ela pode então viver e argumentar com os personagens o que acredita
ser real. Com o intuito de enriquecer ainda mais a Literatura Infantil como também
desmistificá-la, alguns autores brasileiros como Monteiro 3Lobato, Ruth Rocha, Sylvia Orthof e
Ana Maria Machado, reaproveitam as antigas histórias de forma a dar-lhes um tom humorístico
lançando um olhar crítico que os permite reaproveitá-los de forma metafórica. Já em Piaget,
sabemos que a criança é animista até a sua puberdade e para não ser criticada e rejeitada, adequa
sua forma de ver e ouvir as vontades adultas e acaba assim negando ao seu mundo de fantasia
real e puramente verdadeiro. Em Bettelheim (2008), encontra-se em complemento à Piaget, a
seguinte afirmação:

Para a criança não há uma linha clara separando os objetos das coisas vivas; e o que quer
que tenha vida tem vida muito parecida com a nossa. Para a criança que tenta entender o
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mundo parece razoável esperar respostas daqueles objetos que despertam sua
curiosidade [...] No pensamento animista, não só os animais pensam e sentem como nós,
mas mesmo as pedras estão vivas. (BETTELHEIM, 2008, p. 60).

A criança não consegue diferenciar seres vivos de objetos e faz-se muitos


questionamentos em constantes buscas de respostas, e elas se dão à medida que as histórias vão
acontecendo e nela as crianças vão se encontrando num sentimento de segurança, até porque até
os oito anos de idade ela só desenvolve conceitos do que pôde experimentar na imagem do
mundo representada pelos seus pais e o que se passa na família. O que diz o autor acerca disso, é
que se o indivíduo sente-se plenamente seguro no mundo, não precisará recorrer à projeções
infantis como solução para suas angústias.

ORDENANDO O CAOS EM CHAPEUZINHO VERMELHO

Em sua obra, “A Psicanálise do Conto de Fadas”, Bettelheim (2008) diz que as fases
mais complicadas e caóticas do processo edípico na vida da criança se dão dos três aos sete anos,
e se assim ela experimenta o mundo, com esta ideia ela vai amadurecer a não ser que aprenda a
lidar com seus complexos, já que confunde os sentimentos que vive como o amor e o ódio, e
torna-se ela mesma um caos por confundir-se entre o que é luz e escuridão, e pelo fato de ser
humano não pode ser contraditória. Ou opta pelo bem ou pelo mal, ou ama ou odeia. E, neste
aspecto, portam-se bem os contos, pois deixam claro que não se pode seguir dois caminhos, mas
apenas um e definitivo.
Para estes aspectos confusos e codificados do comportamento humano como suas
opções pela emoção ou pelo coração e que explicam nossos comportamentos impulsivos ou
maduros, Freud criou as simbologias de id, ego e superego classificando os aspectos da
personalidade. O id, segundo as explicações de Freud, representa o nosso lado animalesco que
nos contos ocupam o lugar de bons ou maus, mas de qualquer forma, qual seja a opção,
caracterizam nossa realidade interior e nossos impulsos instintivos como os perigos a eles
conseqüentes. Nossa energia natural caracterizada pelo id aparece equilibrada quando é pesada e
controlada em ego e superego equilibrando a personalidade total.
No Conto “Chapeuzinho Vermelho”, de Charles Perrault (2007), percorremos com a
menina todo o caminho à casa da vovó, e com ela podemos reviver a história e compreender
como reagem os nossos instintos à cada situação.
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Trata-se da história de uma menina que a pedido de sua mãe, vai até a casa de sua avó
que fica ao final de um caminho na floresta, para lhe levar alguns docinhos. A mãe lhe
recomenda que tome muito cuidado, não converse e nem mesmo dê atenção a estranhos.
Ainda muito inocente e na descoberta pubertal cheia de imaginação, a menina sai pelo
caminho a observar tudo à sua volta e distrai-se no percurso. Isto é motivo e prato cheio para o tal
lobo mau astuto consciente da inocência da menina indefesa e isto lhe será a estratégia para a sua
fria ação.
Cheio de malícia, o lobo coloca-se no caminho e provoca-a à um diálogo tão inusitado e
indubitável que a deixa confiante a ponto de ensinar ao maldoso, o caminho mais breve e certo
até a vovozinha. Sem pensar muito e deliciando em sua fértil imaginação como será devorar a
menina, apressa-se em chegar à casa da avó de Chapeuzinho fingindo ser ela e conseguindo,
então enganar a pobre e inocente velhinha engolindo-a logo em seguida.
Ao chegar a seu real destino, Chapeuzinho encontra a sua possível vovozinha deitada na
cama e é convidada pelo lobo disfarçado a deita-se com ele. A este convite, ela inicia um diálogo
questionando-o de como está tão estranho: nariz grande, corpo peludo, braços enormes e boca tão
grande... Para esta última resposta, em algumas versões como de Grimm, ela é devorada.
Para sua sorte e de sua pobre vovozinha, passava por aquele local, um caçador que
conhecendo as astúcias do lobo encontra-o cometendo a sua doce maldade – devorar. Este, corta-
o a barriga e retira as duas vítimas que como um sinal de parto, renascem.
Chapeuzinho assume, então, a partir deste momento, a missão de lhe dar um devido fim,
significando a sua maturação para uma nova vida de forma a compreender e por em prática a
lição dada por sua mãe.
Cada autor, com sua versão, mas o importante de todas elas é que este conto deixa claro
que no universo que cerca o ser humano, há malícias e truques que manipulam o indivíduo pela
beleza, mas que, muitas vezes, abraçam a conseqüência de não voltarem a viver para um novo
recomeço e assim poder amadurecer diante dos fatos como pessoas capazes de lidar com suas
próprias frustrações como meio de desenvolvimento pessoal.

A INTERPRETAÇÃO DE BETTELHEIM
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Bettelheim (2008) em, “A Psicanálise dos Contos de Fadas”, nos dá uma dimensão clara
e objetiva de quem seja Chapeuzinho Vermelho e as duras experiências a que teve que se
submeter para alcançar a maturidade.
Este afirma que a figura da menina apresentada neste Conto é a de uma menina
“inocente” e encantadora e, por isso, prende a atenção do lobo que não a devora imediatamente
por causa dos caçadores que andam pela floresta e manifesta isto no encontro com ela na cama de
sua avó quando esta lhe questiona por quê uma boca tão grande, e ele friamente afirma: “para te
comer melhor”, atirando-se sobre ela e devorando-a.
Este autor, analisando a versão de Perrault, diz que durante o discorrer da história, não
há ninguém para adverti-la dos perigos do caminho e mesmo a avó, inocente, termina destruída.
Bettelheim é obvio ao afirmar que Perrault não instiga a imaginação do ouvinte, mas apenas já
pré-determina tudo o que vai acontecer e esclarece que para a criança, um conto quanto mais
explícito, menos encanto ele tem. Em crítica ao conto contado e explicado, Silva (2008), enfatiza
Bettelheim dizendo:

Talvez o que há de mais característico no padrão construtivo dos contos de fadas são as
fórmulas de abertura e de fechamento – “Era uma vez, num reino distante” e “eles
viveram felizes para sempre”. (SILVA, 2008, p. 71)

Para ela, o que os contos trazem é a realidade de crianças que por iniciativa própria
ou obrigadas, saem de suas casas em busca de aventuras que trarão pelo caminho muitas
provações e situações de conflitos, e isso para quem lê, é a oportunidade única de contribuir para
um final feliz. Bettelheim (2008) ilustra ainda mais ao afirmar que, somente a criança pode dar
significado aos contos de acordo com as suas emoções momentâneas e compreender o seu
próprio amadurecimento ao crescer e dar novos sentidos a elas. Para ele, a criança só pode
descobrir o sentido das histórias quando ela mesma é capaz de descobrir e compreender os
significados ocultos. Comparando Chapeuzinho e conto de João e Maria, o autor diz que a
floresta contemplada pela menina e a casa paterna dos irmãos representam o mesmo contexto,
mas apenas vivenciado de outra forma e de acordo com a situação psicológica. João e Maria estão
sujeitos à fixação oral ou o que ele traduz por canibalismo, enquanto que para a menina, tudo na
floresta é prazer e a forma que usa para castigar o lobo não está além do que é normal no ser
humano.
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Chapeuzinho Vermelho vive num lar de fartura que ela, como já ultrapassou a ansiedade
oral, compartilha com a avó alegremente, levando-lhe comida[...] enquanto João e Maria
tiveram que ser empurrados para o mundo, Chapeuzinho deixa o Lar voluntariamente.
(BETTELHEIM, 2008, p.206).

Os temas das histórias de fadas, sejam elas dos Irmãos Grimm, de Charles Perrault ou de
outros autores, costumam ser as passagens e enfrentamentos da criança rumo à emancipação e a
uma vida adulta o que pode ser denominado como “identidade”. Silva (2008) acentua bem as
percepções referentes à identidade - "eu" e identidade – "outro" , pois segundo ela, a identidade
só é percebida em contraste com o diferente. Esta afirma, ainda, que no que se refere à
identidade, o que aflige as crianças nas narrativas é o nome trabalhado sob diversos aspectos, pois
este, às vezes, é dotado de poderes mágicos e o que por ela é determinante como auto-imagem
que será construída pela auto-percepção como também de outrem que dirá respeito ao
crescimento físico, mental e, especificamente, o abandono do mundo infantil para os desafios do
mundo adulto. Mas é com intuito de causar questionamentos que Silva (2008) diz:

A insatisfação interna que move as pessoas a buscarem o outro, aquele que vai conceder-
lhe o equilíbrio emocional de que necessitam e de restaurar o sentimento de unidade
simbiótica perdida com o nascimento, afasta-se do modelo de afirmação da identidade,
em que o indivíduo cria sua auto-imagem a partir de sua aparência, seu nome e sua
identidade familiar. (SILVA, 2008, p. 61)

Uma importante afirmação dada pela autora, refere-se ao medo, que segundo ela,
apresenta-se de forma mais aguda nas crianças, pois suas mentes são plenamente ricas em
fantasias. Vencer os medos que os assolam com inocência, é oportunizarem-se o amadurecimento
que lhes possibilitarão a auto-descoberta e encontro consigo mesmas na descoberta de suas
identidades. Ilustrando esta superação, exemplifica os primeiros homens do universo tendo que
descobrir o fogo diante das suas necessidades de sobrevivência; ainda, as histórias A Bela e a
Fera, cuja figura da Fera recebe a caracterização que o identifica de acordo com o medo que é
sentido durante sua narrativa; e é claro, não se pode esquecer do Lobo mal, vilão que lembra um
medo aterrorizante e altamente periculoso, mas importante é nunca esquecer que várias versões
simplificam o desafio de encontrá-lo. Estas ensinam que enfrentar o Lobo é, antes de tudo,
superação dos próprios medos como forma de desafiá-lo e não se deixar dominar por suas
malícias.
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O PRINCÍPIO DO PRAZER VERSUS O PRINCÍPIO DA REALIDADE

Característico das fábulas, os animais parecem ter vida própria, comunica-se com o ser
humano, transmitindo uma instrução moral com sentimentos reais e não deixam espaço para a
imaginação da criança, enquanto que nos contos de fadas as decisões transcorrem meio aos
desejos do observador-leitor com a necessidade de uma resposta autêntica em querer ou não
tomar decisões em apenas ouvi-lo ou colocá-los unificados às nossas práticas cotidianas,
desenvolvendo a experiência do desenvolvimento pessoal.
Os personagens destes contos convidam a criança para uma viagem de ideias e
identificações e por elas enche-se de esperança e potencializa-se de inteligência e maturidade,
manipulando a maldade e sobressaindo-se vitoriosa e madura mesmo que diante de um inimigo
mais forte e tentador como o lobo.
Em “Os três porquinhos”, o irmão mais velho consegue diferenciar o que é comer e o
que é devorar, separando princípio do prazer e realidade e no conto de fadas isto se faz claro
quando o personagem é rejeitado, ignorado e pacientemente meio às suas buscas, torna-se
vitorioso no final. Esta história nos leva à compreensão de que os três irmãos constituem apenas
uma em fases de desenvolvimento diferentes, o que nos quer significar que mesmo passando por
diversas fases, ameaças, desafios e frustrações aprenderemos a construir nossa proteção segura de
modo que seremos capazes de realizar nossas próprias conclusões com tranqüilidade e
maturidade.
O tempo atual em que vivemos demonstra diversas formas de violência e motivações para
as angústias e barreiras entre as pessoas, pelo fato de se relacionarem apenas com desconfianças e
incertezas e quase sempre nossas relações estão alicerçadas em vínculos de confiabilidade que
nos são causa de decepção, algumas vezes, em observações do nosso ponto fraco para que este
seja o nosso motivo de queda ou até a razão para o nosso próprio julgamento. A questão é que o
mundo é sedutor, possui magias diversificadas que nos envenenam e embriagam e mesmo que
tenhamos uma personalidade baseada na razão e não só na emoção nos perdemos na busca do
nosso eu que se perde nas incertezas entre o que somos e o que os outros querem que sejamos.
Em diversos momentos da vida, nos perdemos na indecisão de reconhecer quem somos: a
vítima ou o lobo, pois é certo que na própria defesa importa expormos o nosso lado animalesco
conseqüente do id, para não nos tornarmos alvo das malícias mundanas tão belas que
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constantemente iludem o ego e o superego como sendo maravilhoso a entrega total aos prazeres
do caminho cotidiano. Para a Bettelheim :

O dilema entre o princípio da realidade e o princípio do prazer é afirmado explicitamente


quando o lobo diz a Chapeuzinho: - Veja como são lindas as flores ao seu redor [...]
Chapeuzinho lida com a ambivalência infantil entre viver pelo princípio do prazer ou
pela realidade e é sustentada pelo fato dela só parar de colher flores quando já juntara
tantas que não podia mais carregá-las. (BETTELHEIM, 2008, p.207).

O princípio do prazer dito por Bettelheim (2008), unido à análise da figura do lobo,
exige um olhar mais crítico, pois, é do encontro com ele que se analisará a imagem positiva da
menina. O primeiro momento de sedução do lobo ocorre no encontro com Chapeuzinho quando a
sugere seguir por caminhos diferentes na disputa de quem pode chegar primeiro à casa da vovó.
Este é um sujeito manipulador, astuto e, portanto, não devora à princípio a menina, mas
prefere seduzi-la, apreciá-la, conquistá-la. Pelo fato de ter que manter sua imagem positiva, a
menina segue as ordens da mãe de levar o bolo, rosquinhas e um pote de geléia a sua vovozinha,
mas não consegue desviar-se da atração fatal e astuciosa do lobo. Ao que se pode ver, durante
toda a narrativa a menina esta sujeita à manipulação, às armadilhas e belezas aparentes sugeridas
pelo lobo, enquanto que a menina, de olhos vendados à magia maldosa, termina na barriga deste
por ser todo o tempo enganada e levada pela sua falta de crítica a perder-se nos seus próprios
conceitos e recomendações dados pela mãe.
O que é possível perceber nesta narrativa é que a figura do lobo representa na realidade
contradições, já que este animal é tipicamente feroz e naturalmente mau por seu instinto,
enquanto que narrado por Perrault, nada mais é do que indefeso, mocinho e cheio de bondade.
No diálogo com sua mãe, Chapeuzinho mostra-se consciente dos perigos do caminho,
demonstra-se digna de confiança já que irá até a casa de sua avó e sabe que no percurso do
caminho não pode dar ouvidos a ninguém, nem mesmo ao lobo que é muito mau. Isto significa
que ela sabe o desafio que a espera e já deveria, portanto, estar pronta para negar-lhe atenção,
pois quando sua mãe a pede para levar as encomendas para sua avó, acredita que sua filha seja
capaz de discernir o certo do errado.
Enquanto o lobo se apressava para chegar primeiro à casa da vovozinha, Chapeuzinho
preocupava-se em apreciar a beleza das flores e das borboletas, esquecendo-se do compromisso
feito com sua mãe. O que Bettelheim (2008) nos quer fazer entender é que a malícia do lobo
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tramita durante o conto apenas com um objetivo: fazer a menina desviar-se do caminho virtuoso,
dos princípios que aprendera e que talvez por desejos recalcados, entrega-se às suas curiosidades
e ambivalências que a fazem saber o que deve fazer, mas prefere desviar-se pelo fato de sentir
prazer em satisfazer seus desejos escondidos. O autor nos diz que a menina, no encontro com o
lobo, ainda não está madura para lidar com sua sedução, mas ainda não compreende os seus
instintos animalescos definidos pelo id em busca apenas de satisfação, quebrando o trato de
confiabilidade com a mãe.
“A Psicanálise dos Contos de Fadas” apresenta em Bettelheim a perspectiva da figura
masculina durante todo o curso da história narrada, e isto quer dizer que Chapeuzinho vive os
seus complexos edípicos afloradamente, demonstrando os seus desejos pela figura paterna, o
desejo de seduzi-lo e de por ele ser seduzida, e diante disso nasce o sentimento de culpabilidade
em relação à sua mãe. Isto explica porque o lobo não a devora logo que a encontra, mas deseja
primeiro levá-la para a cama. Ela, por sua vez, ao tempo que se encontra com este na cama sente
repulsa, mas ao mesmo tempo desejo, ou até mesmo fascinação, o que a impede de se afastar
passando por um momento de estagnação, e é o próprio caçador na figura paterna quem a extrai
da barriga do lobo, o que para ele, significa um novo nascimento de Chapeuzinho para a
maturidade. Este está o tempo todo presente na história, mas de forma oculta, e é por ele que
Chapeuzinho espera para que a resgate do desejo que sente por ele de seduzi-lo e fazê-lo amá-la
mais do que aos outros.
Bettelheim (2008) diz, então, que o pai é apresentado de duas formas: de lobo, como
complexo edípico reprimido e como caçador que a salva. Mas é a própria menina quem planeja o
fim do lobo com a ideia de enchê-lo com pedras e isto dá a ela a chance de se auto-descobrir e
fazer-se forte o suficiente para perigos futuros, pois com o auxílio do caçador-pai, ela renasce
como uma pessoa diferente.
Cabe a Chapeuzinho planejar espontaneamente o que fazer com o lobo e executá-lo.
Para que ela esteja a salvo no futuro, deve ser capaz de acabar com o sedutor, livrar-
se dele. Se o pai-caçador o fizesse por ela, Chapeuzinho nunca sentiria que realmente
vencera sua fraqueza, porque não teria se libertado dela. (BETTELHEIM, 2008, p.
214).

Pode-se então compreender que Chapeuzinho “morreu” de fato, mas renasceu como
aquela pessoa astuta a compreender as malícias à sua volta e pronta a compreender o momento
oportuno para cada fase da vida sem atropelá-la, mas apenas tornando-se sábia.
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AS VERSÕES DE PERRAULT E IRMÃOS GRIMM: O APRENDIZADO

A história de Chapeuzinho Vermelho possui muitas versões e cada uma delas com
uma forma específica de encanto. Mas é com Charles Perrault que nasce a primeira versão
escrita do Conto com o tema: “Capinha Vermelha” ou “La Petit Chaperon Rouge” e por
sinal, com um fim trágico e inclusive ilustrado com um poema após o devoramento da avó e
da menina pelo lobo, com um intuito moral de que meninas bonitinhas não devem conversar
com estranhos, pois se o fazem, podem se dar muito mal, ou como ele mesmo disse, serem
“devoradas”.
Todos os contos de Perrault eram carregados de moral, mas mesmo assim, observa-se
falhas quando esta não mostra advertência à menina sobre os perigos do caminho e quanto a
sua avó que fora devorada sem nenhuma direito à defesa, apenas uma vítima do maldoso lobo.
Contudo, Perrault não deixou espaço para a imaginação do leitor e expressou o conto apenas
de forma violenta e fria. O que fica como mensagem para nós do que ele escreveu, é que
Chapeuzinho realmente quis ser devorada.
Jacob Grimm, criou à sua versão no início do século XIX chamando-a de
“Chapeuzinho Vermelho”. E é importante lembrar que estas versões variam de acordo ao
contexto histórico de sua épocas como também uma moral adequada a determinado perfil
psicológico individual ou grupal. As versões dos contos dos irmãos Grimm eram baseadas na
tradição oral da sociedade alemã e a versão de Chapeuzinho contatada pelos irmãos é mais
delicada e leve e não usa de violência, deixando a ideia de que a vida deve ser vivida em
harmonia consigo e com os outros. Importante é esclarecer que as versões de ambos os
autores, Perrault e Grimm, estão alicerçadas às culturas a eles ligadas como a moral que se
desejava estabelecer por eles.
Ora, falar em aprendizado em Chapeuzinho Vermelho implica perguntar o que
significa aprender numa linha psicológica a desvendar as dúvidas que se acham no percurso do
caminho que fazemos com a inocente Chapeuzinho que ao tempo que vê-se encantada, iludida
e atraída pela beleza do mundo à sua volta, reconhece a necessidade de responder aos
desígnios de sua maturação, obedecendo às ordens de sua mãe e a consciência de continuar a
caminhar sem distrações, pois tem uma missão a cumprir: levar os docinhos para a sua avó
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doente, significando a chegada triunfal de sua maturidade e o desvendar do signo maior dentre
os mistérios que precisa compreender: o sabor doce e amargo de seus próprios desejos.
Em Deleuze (2003), na obra “Proust e os signos”, encontramos exatamente a
explicação codificada desta problemática, pois o que a obra nos faz refletir vai além de
simples explicações cotidianas, sendo que as experiências do aprendizado de Chapeuzinho no
caminhar pela floresta e no encontro fatal com o Lobo finalizado por seu devoramento, nada
mais é do que um processo cheio de signos dos quais nos apropriamos, para tratar de nossas
frustrações e percepções a cerca de nós mesmos com base nas experiências vividas pela do
doce menina que prefere entregar-se às fantasias que obrigar-se à maturação aparentemente
desnecessária.
O que deve ficar claro neste processo, é que no encantamento do caminho, também
sofremos decepções, e é exatamente a frustração que nos educa e nos oferece algo novo que
foi aprendido, mesmo que de forma surpreendente e dolorosa, mesmo que para isso
simbolicamente tenhamos que passar pelo signo do “parto Cesária” para que tenhamos a
chance de compreender o real sentido do objeto esperado.
Deleuze (2003) afirma que as figuras dos heróis se apresentam também em busca de
compensações que superem suas frustrações em relação ao seu objeto de desejo ao tempo que
meio a um aprendizado interpreta e remedia esta pela interpretação subjetiva.

O sentido do signo é mais profundo do que o sujeito o interpreta, mas se liga nesse
sujeito se encarna pela metade em sua série de associações subjetivas. [...] É a
essência que constitui a verdadeira unidade do signo como irredutível ao objeto que o
emite, é ela que constitui o sentido como irredutível ao sujeito que o aprende.
(DELEUZE, 2003, p.25 )

A isso Proust denomina de essência, pois é algo do próprio sujeito como sendo uma
qualidade do âmago que possibilita ao indivíduo sair de si mesmo para compreender o outro
em seu universo particular e em sua determinada visão de mundo o que é de fato a diferença e
a sua verdade própria e absoluta. Tão profunda é a visão deste autor acerca da essência
individual que afirma ser ela a prova possível da imortalidade da alma e, por isso, continua sua
reflexão ao deixar claro que esta não é apenas individual, mas individualizante não diversifica
e muito menos se diversifica, não se repete é jamais idêntica a si mesma.
Desta essência, então, constitui-se o Conto de Fadas e nele podemos dizer que
o processo de aprendizagem, pois aprender é, antes de tudo, poder dar a si a chance de
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conhecer o que é obscuro, o que ainda é um segredo para si, ou mesmo o que carrega um signo
ainda não decifrado. Seria, numa concretude de experiências, um despertar dos sonhos com
aptidões de enfrentamento da realidade e domínio da vida. O que de fato pode nos elevar a tal
compreensão do que seja o aprendizado foca-se na reflexão de Bettelheim ao refletir que a
menina encontra o lobo em uma bifurcação, ou seja, num lugar onde precisa tomar uma
decisão: a de que caminho tomar.
Seguindo as opções dadas pelo Lobo, a menina escolhe o caminho dos alfinetes, pois
correspondia escolher o que lhe era mais fácil atendendo o princípio do prazer, quando de fato
deveria escolher o que lhe era real.
Contextualizando assim o aprendizado da menina neste conto, os irmãos Grimm
apresentam uma nova variação de "Chapeuzinho" que afirma ter ocorrido de outro Lobo tentá-
la enganar, mas a mesma, atenta aos perigos do caminho e temendo um novo devoramento,
corre e avisa sua avó, e juntas tratam de se proteger contra o astuto.

O IMAGINÁRIO INFANTIL

Gilberto Durand (2002) em sua obra: “As Estruturas Antropológicas do Imaginário”,


resgata alguns conceitos dados no curso do tempo e do espaço na visão de vários autores em
relação à imaginação vista como “fomentadora de erros e falsidades” e até mesmo como
“pecado contra o espírito”.
Este autor apresenta algumas diferenças que devem ser levadas em consideração
como na diferenciação de memória, imaginação, pensamentos, recordações e outros meios que
usem a mente humana como retorno ao que se viveu ou àquilo que ele se propõe a viver como
uma viagem interior e unicamente sua.
Em Sartre esta ideia é clara, diz Durand (2002), quando trata da não coisificação do
imaginário presente como método fenomenológico que não permitirá aparecer neste mais do
que intenções purificadas do inconsciente, pois o inconsciente é transcendente. Por assim
dizer, a imaginação abrange algumas ideias conceituais e mesmo em senso comum, daqueles
que a vêem em modo degradante como: “sombra de um objeto”, “objeto fantasma”, “vida
fictícia”, ou “somente o que lhe resta”. Maior perigo é visto quando usa-se a afirmação de que
pode ser até uma possessão quase demoníaca.
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Durand (2002), é claro, ao criticar as incertezas de Sartre acerca da imaginação quando


este parece não deixar clara a sua ideia do que lhe signifique realmente este termo, mas ao fazer
sua defesa, o autor esclarece:

Para poder “viver diretamente as imagens" é ainda necessário que a imaginação seja
suficientemente humilde para se dignar encher as imagens. Porque se se recusa essa
primordial humildade, esse originário abandono ao fenômeno das imagens, nunca se
produzirá – por falta de elementos indutor – essa “ressonância” que é o próprio
princípio de todo o trabalho. (DURAND, 2002 p. 25).

Durand (2002), ainda afirma, baseando-se nos estudos de Sartre, que o papel da
imagem ou as figuras imaginárias infantis, sofre um grande desvalor e chega a classificá-los
como possessão demoníaca. O que não existe passa por ato de mágica infantil que torna tudo
consistente e imposto ao pensamento. Em complemento a Bachelard, alcança a ideia de
imaginação como eixos fundamentais dos trajetos e gestos do animal humano rumo ao meio
natural que lhe é próprio e dando significado ao símbolo como sendo o “lugar”, o lugar das
pulsões individuais e sociais.
A imaginação ao que é dito, é carregada de imagens, estas carregadas de signos ou
significados unificam significado e significante meio a uma dinâmica organizadora de sentidos
que doravante representam a liberdade.
Em Piaget, a imagem desempenha um papel de significante diferenciado do objeto
percebido, mas menos que o signo dado ou signo motivado. E então Bachelard diz que a
imaginação exerce o papel de organizador que induz a homogeneidade que resultam em
representação. A imaginação, portanto, não forma imagens, mas reserva-se num potencial
dinâmico que deforma as percepções, originando uma dialética reformadora de sensações.
Enriquecendo os aspectos do imaginário, Cortez (2006), na obra “Leitor formado,
leitor em formação”, afirma que a imaginação é base que reflete as criações humanas que se
manifestam em diversos momentos e culturas como sendo uma construção até mesmo
histórica. A mesma ainda enriquece esta afirmação baseando-se em Vygotsky que diz: “Tudo
o que nos rodeia e que foi criado pela mão do homem, todo o mundo da cultura ou a diferença
do mundo da natureza, são produtos da imaginação eda criação humana, com base na
imaginação”. (CORTEZ, 2006, p. 195).
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É possível fazer uma análise, a partir desta visão de Vygotsky, ilustrando ainda
melhor o que diz Bettelheim a cerca deste assunto, pois é certo que a criança é capaz de criar
seus próprios amigos imaginários, criar suas próprias brincadeiras e porque não dizer, suas
próprias defesas reagindo positivamente a algo que lhe atraia ou lhe cause repulsa. Na visão
deste autor, a fantasia é o preenchimento de lacunas incompreensíveis às crianças em
aparentes segredos que serão desvendados com a maturidade, mas que fazem parte da angústia
do mundo infantil como um processo de descoberta que deve fortificá-la pela descoberta na
fantasia do que lhe pode ser uma superação de si mesmo(a). O segredo a desvendar-se pela
contribuição dos Contos de Fadas baseia-se em analisar que assim como a mente infantil,
estes começam por aparentes realidades problemáticas e desafiadoras que induzem à busca de
soluções. Mas a racionalidade que lhe orienta ainda é sensível ao inconsciente, a imaginação,
conseqüência de seus medos e conflitos não compreendidos, causa de suas ansiedades e
dúvidas.
O que é importante citar diante desta perspectiva, é que a criança consciente da trama
e da fantasia dos Contos de Fadas consegue dar significado aos fatos reais como aprendizado
através do significado simbólico que ela lhes atribui. Pois de fato o papel do Conto de Fadas é
levar a criança numa viagem de encantos cheia de desafios a serem enfrentados, mas que, ao
mesmo tempo, tem como missão trazê-la à sua realidade nítida segura de que podemos, sim,
fantasiar, mas não podemos estar presos a ela durante todo o tempo, mas apenas armados de
recursos defensivos que nos façam viver seguros de que o medo existe e pode ser do tamanho
que lhe quisermos fazer, mas que, acima de tudo, somos capazes de vencê-lo pelo o que
aprendemos a exemplo de muitos heróis que por um momento foram tomados por nossa
personalidade momentânea em busca da sua própria figura de identificação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo objetivou um encontro prazeroso entre o leitor amante do Conto


“Chapeuzinho Vermelho” e seu aprendizado analisado pela psicanálise de Bruno Bettelheim
acerca de sua inocência no encontro fatal com o Lobo. A análise em questão nos leva a refletir
sobre a figura da menina como a revelação da nossa personalidade, às vezes, indefesa, aberta
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ao prazer, ao que nos faz momentaneamente felizes, e é claro, a identificação também com o
Lobo, que nada mais é do que a insignificância de nosso “eu” animalesco, pronto a devorar a
inocência e a razão em busca do que levianamente queremos somente para nós aqui e agora.
Em Bettelheim (2008), encontramos a resposta juntamente com Chapeuzinho:

Não devemos ouvir os nossos instintos animalescos, nos entregar ao que aos nossos
olhos é perfeito, pois com ela chegamos à compreensão de que o prazer nos exalta,
nos leva ao alcance da extremidade de Eros, mas com ele, estamos frágeis e por ele
nos entregamos ao nosso próprio veneno e possivelmente a entrega desmedida e
imprudente pode não possibilitar um novo renascimento.

Amarilha (1997), fazendo uma análise dos Contos de Fadas a partir de Jung2,3 afirma
que a visão deste autor complementa o que Bettelheim explicita acerca do ser humano ter várias
faces, no entanto, não poder receptar a todas elas, quando diz que:

A vantagem do método de Jung para a análise dos contos de fadas é que, ao invés de
conceber cada personagem como figura representativa de diferentes seres humanos,
considera cada personagem um aspecto da mesma personalidade, porque cada
personalidade é múltipla. (AMARILHA, 199, p. 70)

Isto significa que as figuras dos Contos de Fadas são unas e, ao mesmo tempo,
diversificadas, capazes de adequarem-se à cada experiência e a cada indivíduo exatamente como
condiz a sua emoção momentânea. E já que somos plenamente humanos e múltiplos em
personalidades, nada melhor do que os contos de fadas para nos ajudarem na escolha de quem
queremos ser e como queremos ser, de modo a nos auto-realizarmos, e por exemplo de
Chapeuzinho Vermelho, sermos capazes de apreciar as belezas da vida, mas sempre atentarmos
ao que é o melhor e mais correto e não simplesmente o mais agradável, elevando nossas
consciências a partir de Bruno Bettelheim, para o encontro contínuo com a inocente menina,
buscando todos os dias reviver com prazer absoluto o que temos e o que somos sem precisar
percorrer caminhos obscuros para o encontro conosco, pois a escuridão que se faz em nós só
precisa de uma resposta que nos leva ao caminho certo: a razão.

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Carl Gustav Jung (26 de julho de 1875 - 6 de junho de 1961) foi um psiquiatra suíço e fundador da psicologia
analítica, também conhecida como psicologia junguiana.
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ABSTRACT: This work has the main goal, opening a range of considerations about the
importance of Fairy Tales in the classroom as well as a more specific study of the Little Red
Riding Hood tale and its moral left during centuries by Charles Perrault, Brothers Grimm and
other great authors who allowed us a perfect trip to the world of imagination and also the
opportunity of a personal encounter with ethics and morals of the individual constituents and
capable of genuine insight of how influential it will be personality formation of good or bad. And
this mission is extremely important because it promotes the encounter with others in education
and it will help the morale of Little Red Riding Hood choose the right path and never uncertain.
To traverse such crossings literary work in question will examine the eyes of Bruno Bettelheim
(2008) in his psychoanalysis of Fairy Tales.

Key-words: Fairy tales, imaginary, Little Red Riding Hood, learning, essence.

REFERÊNCIAS

AMARILHA, Marly. O ensino da literatura infantil da 1ª série à 5ª série do 1º grau nas


escolas da rede estadual do Rio de Grande do Norte. Natal: CNPq/UFRN/ Departamento de
Educação, 1997.

BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos Contos de Fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2008.

CORTEZ, Clarice Zamonaro. Arte e imaginação: o ensino da Arte na literatura infantil


brasileira. In Leitor formado, leitor em formação: a leitura literária em questão. São Paulo:
Cultura Acadêmica, Assis, SP: ANEP, 2006.

DELEUZE, Gilles. Proust e os signos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.

DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário: introdução à


arquetipologia geral. 3ed. São Paulo: Martins fontes, 2002.

ID, EGO e SUPEREGO - Disponível em: http://pt.shvoong.com/social-


sciences/psychology/1906303-id-ego-super-ego/#ixzz1N7vOBGVn. Acesso em 22.05.2011
às20hs.
22

PERRAULT, Charles. Chapeuzinho Vermelho (La Petit Chaperon Rouge). 1ed. Rio de
Janeiro: Companhia das Letrinhas, 2007.

SILVA, Vera Maria Tietzmann. Literatura infantil brasileira: um guia para professores e
promotores de leitura. Goiânia: Cânone Editorial, 2008.

ZILBERMAN, Regina. A Literatura Infantil na Escola. 11 ed. São Paulo: Global, 2003.

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