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Gil Barros
University of São Paulo
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All content following this page was uploaded by Gil Barros on 01 April 2016.
Atas
Actes
ISBN: 978-85-8089-082-2
Introdução
“A Racionalidade Técnica depende de uma concordância sobre objetivos. Quando
os objetivos estão fixos e claros, então a decisão para agir pode se apresentar
como um problema instrumental. Mas quando os objetivos são confusos e con-
flitantes, ainda não há nenhum ‘problema’ para se resolver.” (SCHÖN 1983, p. 47)
47
frequentemente associadas a equipamentos ditos “inteligentes”, como celula-
res ou termostatos. Este enfoque incorpora à discussão as questões humanas e
sociais, como a economia, meio-ambiente, política, habitação, ativismo e capa-
cidade de inovação (KOMNINOS, PALLOT, SCHAFFERS 2013; ZYGIARIS 2013).
No entanto uma parcela significativa dos estudos na área, particular-
mente dentro da área de tecnologias de informação e comunicação (TICs)
trata o assunto como se fosse um problema exclusivo de infraestrutura técnica
(PERERA et al. 2014; VLACHEAS et al. 2013), onde a cidade ‘inteligente’ está
essencialmente vinculada a questão de “sensores, dispositivos embarcados,
grandes conjuntos de dados e informação e resposta em tempo real” (KOMNI-
NOS, PALLOT, SCHAFFERS 2013). Esta visão é reforçada tanto pelo uso exage-
rado do termo ‘inteligente’ na atualidade quanto por iniciativas da mídia (Esta-
dão Projetos Especiais 2015), que colocam as cidades contemporâneas como
entidades desorganizadas e as soluções tecnológicas como a grande solução
para os problemas urbanos contemporâneos.
Este segundo enfoque trata os problemas da cidade como questões já defi-
nidas, e não como problemas abertos à interpretação e com abordagens e valo-
res complementares e normalmente conflitantes. Parecem mais soluções em
busca de um problema do que uma análise de fato sobre como estas tecnologias
podem estar integradas à novas soluções para os problemas das cidades con-
temporâneas. É uma visão bastante preocupante, pois pode direcionar grandes
investimentos do setor público na direção da aquisição e implantação de infraes-
truturas caras e complexas, mas que não atendem as nossas reais necessidades.
Uma das formas de se demonstrar a fragilidade deste enfoque da tecnola-
tria é explorar a natureza do processo de projeto. Para isto, neste artigo vamos
partir de dois paradigmas complementares que analisam as atividades de pro-
jeto, analisar as particularidades destes dois enfoques e depois estabelecer uma
relação deles com o processo de projeto como um todo.
O artigo tem um foco particular em arquitetura e urbanismo, mas a abor-
dagem utilizada, que é a mesma presente em diversos estudos que o baseiam,
tem um escopo mais aberto e se aplica para diversas disciplinas que trabalham
com a atividade de projeto de maneira geral, como programação visual, pro-
jeto de produto, design de serviços e outras. Portanto uma distinção frequente-
mente utilizada em português, que separa design de outras atividades de pro-
jeto, não é seguida neste artigo. Por isto usamos o termo projetista ao invés de
arquiteto e a tradução que adotamos das palavras design e designer são projeto
e projetista, respectivamente.
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Paradigma racional
O paradigma racional tem origem nas teorias positivistas e teve muita influên-
cia na “primeira geração” de métodos de projeto que surgiram logo no início do
Design Methods Movement, no começo dos anos 60, que busca encaixar o pro-
jeto dentro do quadro lógico-positivista das ciências, predominante na época.
Neste paradigma prevalece uma visão de projeto como um processo racio-
nal, ou ao menos racionalizável, e busca-se uma observação “objetiva” sobre o
objeto de estudo e resultados que sejam generalizáveis.
Ele está inserido no contexto de sua época, e é bem exemplificado no livro
Sciences of the Artificial, do economista Herbert Simon (1996) e originalmente
publicado em 1969, que propõe que o projeto pode ser visto de um modo mais
rigoroso, sistematizado e universal. Este paradigma foi uma importante base
comum para o forte desenvolvimento das metodologias projetuais dos anos 70
e 80 e ainda as influencia fortemente nos dias de hoje.
Este paradigma tem relação direta com os modelos lineares, que separam
o processo em etapas distintas, normalmente em análise, síntese e avaliação
(BUCHANAN 1992). A etapa de análise busca uma definição do problema, que
é particionado em subproblemas e então são levantados os requisitos particu-
lares para cada um deles. Já na síntese elabora-se a solução para o problema,
através da combinação e comparação dos requisitos em busca do melhor equi-
líbrio possível, que deveria ser a melhor solução de todas.
A figura 1 mostra um esquema deste modelo, onde um problema grande pode
ser subdividido em vários menores e estes podem ser resolvidos sucessivamente.
Paradigma reflexivo
Já o paradigma reflexivo tem suas origens na abordagem construtivista e surge
como uma proposta alternativa ao paradigma racional, buscando uma “epis-
temologia da prática implícita nos processos artísticos, intuitivos que alguns
profissionais trazem para situações de incerteza, instabilidade, singularidade e
conflito de valores”. (SCHÖN 1983, p. 50)
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Em seu livro, The Reflective Practitioner, o filósofo Donald Schön (1983) parte
de uma crítica à visão preponderante racionalista que existe no ensino. Ele pro-
põe que esta visão limita muito o ensino quando se colocam questões práticas,
pois ele essencialmente lida com conhecimentos genéricos, sem muita atenção
ao problema crucial de como aplicá-los em situações reais, que fica relegado a
um nível de questões do “conhecimento da prática” dos profissionais experien-
tes e que portanto não poderia ser descrito ou generalizável de forma adequada.
No entanto em alguns casos, como nas situações de projeto da arquitetura,
urbanismo e design, esta aplicação é justamente um ponto crucial da atividade,
e portanto Schön considera que o paradigma racional é simplesmente insufi-
ciente (SCHÖN 1983, p. 49).
Portanto ele propõe o paradigma reflexivo, particularmente ligado ao pro-
jeto, onde o profissional está tendo uma “conversa reflexiva com a situação” e
onde os problemas são ativamente estabelecidos ou “enquadrados” (do inglês
framed) pelos projetistas, que fazem “jogadas” (do inglês ‘moves’) e avaliam o
processo, para desenvolver uma solução.
Neste paradigma análise e síntese são inseparáveis, e a atividade de definir
o problema é tão propositiva quanto a de se encontrar uma solução, portanto
a separação entre análise e síntese não faz mais sentido. O projetista alterna
entre enquadrar, mover e avaliar, sem ordem predefinida, conforme ilustrado
na figura 2.
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Modelo de produtos
Um modelo muito frequentemente utilizado na área de Arquitetura, Engenharia
e Construção (AEC) é descrito na NBR 13531/1995 e é composto pelas seguintes
etapas de projeto: levantamento, programa de necessidades, estudo de viabili-
dade, estudo preliminar, anteprojeto, projeto legal, projeto básico e projeto para
execução (Associação Brasileira de Normas Técnicas 1995).
A partir deste modelo o Conselho de Arquitetura e Urbanismo desenvolveu
um modelo descrito em sua Tabelas de Honorários de Serviços de Arquitetura
e Urbanismo do Brasil (Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil 2014).
Este modelo inclui o projeto legal dentro da etapa de anteprojeto e apenas reco-
menda (por motivos legais) excluir o projeto básico, incorporando este dentro
do projeto executivo.
Desta forma o processo de projeto ficaria estruturado da seguinte forma:
Levantamento de dados (LD), Programa de necessidades (PN), Estudo de viabili-
dade (EV), Estudo preliminar (EP), Anteprojeto (AP), Projeto básico (PB), Projeto
para execução (PE).
O modelo também adiciona os serviços de Coordenação e compatibilização
de projeto (CO), Coordenação de equipe multidisciplinar (CE), Assessoria para
aprovação de projeto (AS), Assistência à execução da obra (AE) e “As built” (AB).
Dispondo estas etapas no tempo, seguindo a estrutura de um diagrama de
Gantt para um projeto hipotético, ficaríamos com um gráfico semelhante ao
visto na figura 3.
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O objetivo do modelo portanto é facilitar a gestão do projeto e a comuni-
cação entre intervenientes, e não representar como um projeto se desenvolve.
A partir dele ficam mais claras as interdependências entre etapas os produtos
esperados, assim como a coordenação entre profissionais e destes com clientes
e outros atores envolvidos.
Considerando a complexidade e o número de atores envolvidos em obras
de arquitetura e urbanismo ficou evidente a necessidade de modelos como este
e não é surpresa que eles existam em diversos países. Eles são mais que desejá-
veis, são necessários. Mas é fundamental ressaltar que o objetivo aqui é facilitar
a gestão e não descrever como é o processo de projeto de fato.
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todos mais baseados em um ideal de como o projeto deveria ser do que de fato
em como ele é (LAWSON 2005, p. 40).
Provavelmente o maior e mais elegante esforço neste sentido foi o Syste-
matic Method for Designers proposto por Bruce Archer e composto por nove
fases e 229 passos. Ele buscava mostrar as diversas bifurcações e retroalimen-
tações do processo, para poder servir como uma lista de verificação para o pro-
jetista (DUBBERLY 2004, p. 98).
No Brasil um dos vetores de divulgação desta vertente foi o livro do desig-
ner Bruno Munari que praticamente iguala o processo de projeto a uma receita
de arroz verde, apontando a visão de projeto como uma sequência de etapas
altamente predeterminadas a serem seguidas, de forma linear e unidirecional
(MUNARI 2008, p. 54). O processo proposto é ilustrado na figura 4.
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projetar edifícios que eu nem sequer leio mais a literatura específica… Eu diria
esqueça, esqueça tudo”1. (ALEXANDER 1971 apud CROSS 2007, p. 42)
Esta reverberação dos métodos projetuais da “primeira geração” que são
essencialmente racionais, e até mesmo a negação deles por arquitetos “meto-
dólogos” como Christopher Alexander passam até hoje a ideia de que estes
métodos operam apenas no paradigma racional, são prescritivos, limitantes e
procuram por um caminho único e ideal (ROZESTRATEN 2009). Vale observar o
livro de Munari é de 1981, mas foi reeditado no Brasil em 1998 e novamente em
2008, 27 anos depois de escrito. É importante que seja lido com este cuidado.
Este efeito chicote é outro exemplo da falta de simetria entre os paradig-
mas, pois indica que mesmo dentro do campo da arquitetura, o que é bem mais
preocupante, o paradigma reflexivo é mal compreendido, ou simplesmente
desconhecido. O processo de projeto é visto, ao menos por parte dos projetis-
tas, como exclusivamente racional.
Problemas selvagens
Mas esta insatisfação com as limitações do paradigma racional também esti-
mulou outros estudiosos a procurar compreender melhor em que situações o
paradigma não era adequado. Horst Rittel, professor de planejamento urbano,
propôs que a dificuldade é que em projeto se lida essencialmente com pro-
blemas “selvagens”2 (do inglês “wicked” problems), que podem ser descritos
como “(…) uma classe de problemas sociais que são mal formulados, onde a
informação é confusa, onde há muitos clientes e tomadores de decisão com
os valores conflitantes, e onde as ramificações no sistema como um todo são
absolutamente confusas” (CHURCHMAN 1967).
É interessante perceber o contraste entre as propostas abstratas e idealiza-
dos dos anos 60, e esta descrição, muito mais próxima do cotidiano real enfren-
tado pelos projetistas. Isto demonstra um outro no enfoque, que busca uma
aproximação entre o estudo das metodologias projetuais e da prática de fato.
Ao procurar descrever estes problemas em um artigo aplicado ao planeja-
mento urbano, Rittel e Webber (1973) elencam 10 características que os defini-
riam. Entre elas são interessantes para este artigo as seguintes:
1. Problemas selvagens não têm formulação definitiva, mas cada formulação
de um problema selvagem corresponde à formulação de uma solução.
2. Problemas selvagens não têm regras para determinar seu fim.
3. Soluções para problemas selvagens não pode ser verdadeiras ou falsas,
apenas boas ou ruins.
4. Na resolução de problemas selvagens não existe uma lista exaustiva de
operações admissíveis.
6. Cada problema selvagem é um sintoma de outro problema, em nível “mais alto”.
9. Cada problema selvagem é único.
1
Alexander, C 1971. The state of the art in design methods DMG Newsletter Vol 5 No 3 pp 3-7.
2
A tradução de wicked para o português seria traiçoeiro, vil, mal intencionado. No entanto Rittel
propõe que o oposto de ‘wicked’ problems são os ‘tame’ problems, ou seja, problemas mansos ou
domesticados. Adoto então o termo “selvagem”, proposto por Caio Vassão, pois concordo que seja
mais interessante para descrever este tipo de problema.
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A combinação destas características permite algumas deduções interessan-
tes. Combinando as características 1 e 6 vemos que estes problemas não tem
um ponto de partida bem definido, pois eles tem múltiplas formulações e que
são problemas de uma escala contidos dentro de problemas de uma escala
maior. Ou seja, em ambos os casos não está preestabelecido por onde o proje-
tista deve começar.
Já no caso das características 2 e 3 vemos que também não está bem defi-
nido um parâmetro para encerrar o projeto. Ou seja, o projetista também não
sabe quando deve parar de projetar.
E no caso da característica 4 vemos que o processo para enfrentá-lo tam-
bém não é definido, e junto com 9 podemos supor que cada vez será um pro-
cesso diferente.
Para enfrentar estes problemas, que Buchanan (1992) chama de indetermi-
náveis, Dorst (2010) propõe que não basta apenas a abdução, mas que é neces-
sário um “segundo tipo” de abdução, onde é necessário criar o objeto que se
deseja (o que), e ao mesmo tempo elaborar a forma de trabalho para se chegar
a este objetivo (como). “Este passo criativo exige que o projetista elabore pro-
postas para o ‘o que’ e ‘como’, e as teste conjuntamente.”
Portanto podemos dizer que problemas comuns de projeto não tem início
nem fim bem definidos, que exigem um processo único e sempre desconhe-
cido, e que este processo precisa ser criado ao mesmo tempo que se desen-
volve o objeto que está sendo projetado. Colocado desta forma, explicitamente,
o desafio pode parecer hercúleo, até mesmo insuperável.
Práticas reflexivas
No entanto isto não é muito diferente do que projetistas fazem há muitos anos
e um dos grandes méritos dos estudos em pesquisa projetual a partir de mea-
dos dos anos 80 foi evidenciar esta forma de trabalho e, respeitando sua diver-
sidade, procurar padrões e procedimentos comuns. Em contraste com o esforço
que teve início nos anos 60 de se “cientificizar” o projeto, este novo enfoque
procurou entender o que seriam os modos particulares de trabalho utilizados
em projeto (CROSS 2007).
Desta iniciativa temos muitos estudos que procuraram entender como de
fato projetistas trabalham (CROSS, CROSS 1996; CROSS 2001, 2002, 2003, 2004;
DORST 1997; DORST, CROSS 2001; GOLDSCHMIDT 1991, 2004; LAWSON 2004a,
2005; VERSTIJNEN et al. 1998), em contraste com a postura típica dos anos 60,
baseada em abstrações de como eles deveriam trabalhar. O objetivo agora seria
entender os “modos projetuais” (do inglês designerly ways) ou o “pensamento
projetual” (do inglês design thinking), que se tornaram expressões bastante
comuns na área de estudos de pesquisa em metodologias de projeto.
A partir destas pesquisas temos diversos procedimentos e enfoques que
são encontrados recorrentemente em projeto. Mesmo sem compor um quadro
completo eles podem ser vistos como “boas práticas” e apresentam o tipo de
procedimento que parece ser necessários para um profissional desempenhar
suas atividades.
Conversa reflexiva
Segundo as observações de Schön (1983), a conversa reflexiva é um modo de
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trabalho que não dissocia o processo em análise e síntese. Ao invés disto propõe
que o processo se dá num processo interativo, como em uma “conversa com a
situação” (SCHÖN 1983, p. 79). Nesta “conversa” ocorrem diversas atividades,
mas sem uma predefinição da sequência entre elas, apenas com uma alternân-
cia entre atividades de enquadramento, onde o projetista procura enxergar o
problema por um ângulo favorável, e de jogadas, onde uma proposta de altera-
ção ao problema é feita, quase como uma aposta ou lance, tomando como base
o enquadramento anterior. Lawson descreve o processo da seguinte forma:
“Esta atividade envolve olhar seletivamente para a situação de projeto de um
modo particular por um período ou fase. Este foco seletivo permite que o proje-
tista lide com a enorme complexidade e as inevitáveis contradições no projeto,
dando estrutura e direção para pensar, ao mesmo tempo que suspende tempo-
rariamente alguns problemas” (LAWSON 2005, p. 292).
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Análise através da síntese
Ao comparar arquitetos (estudantes) com cientistas percebeu-se que estes dois
públicos tratavam os problemas de maneiras distintas. Os cientistas primeiro
tentavam entender as variáveis do problema, para depois desenvolver uma
solução. Já os arquitetos faziam propostas não necessariamente para solucioná-
lo, mas utilizavam estas propostas como degraus para avançar aos poucos em
direção a uma solução. Esta estratégica pode ser chamada de “análise através
da síntese” e parece ser uma característica específica do estilo cognitivo dos
projetistas (LAWSON 2005, p. 44).
Geradores primários
Considerando que o projeto ocorre em um ciclo de enquadramentos e jogadas
que se retroalimentam reciprocamente, temos o problema de escolher por onde
começar, ou seja, quais parâmetros utilizar para o primeiro ciclo?
Para resolver esta questão os projetistas elencam alguns parâmetros “uni-
versais” que consideram como bons pontos de partida, e o utilizam como “gera-
dores primários” para iniciar o processo de conversa reflexiva com o problema
(CROSS 2002).
Estes princípios podem ser regras gerais de um corolário, com “a forma
segue a função” ou podem ser extraídos do próprio problema em questão como
um terreno que se mostra muito desafiador ou uma situação que aponta par um
sistema estrutural em particular. De qualquer forma, o projetista usa estes prin-
cípios como ponto de partida para dar início ao processo de conversa reflexiva.
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tem muita dificuldade em apontar requisitos importantes no início do processo
e apenas após o projetista apresentar alguma solução é que os requisitos e cri-
térios vão ficando mais claros (CROSS 1990).
Estes desenvolvimento gradativo do problema é um grande desafio para o
desenvolvimento do projeto, pois evidencia a fragilidade de procurar especificar
com precisão o problema no início do processo. O mais adequado é entender o
levantamento de dados e o documento de diretrizes (briefing) como um processo
contínuo, e não uma etapa ou documento fechado, limitado ao início do projeto.
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no contexto que estamos tratando, é, mais frequentemente, uma busca por esta
imagem.” (GOLDSCHMIDT 1991)
Isto significa que a habilidade do projetista está além da representação, além
da habilidade de se dominar uma ferramenta ou método de representação. É ne-
cessária uma habilidade em outro nível, de poder manipular não apenas os ins-
trumentos de representação, mas as próprias representações como instrumentos.
Portanto sem a habilidade para gerar e manipular estas representações, ou
seja, de “conversar” com a situação, o projetista fica muito debilitado. Talvez
fique até impedido de estabelecer uma conversa de fato reflexiva, e o projeto
como um todo ficaria naturalmente bastante aquém de seu potencial.
Repertório de manobras
A medida que o projetista desenvolve novos projetos, ele é capaz de perce-
ber que algumas das estratégias que usou ou soluções que gerou são particu-
larmente interessantes, e eventualmente aplicáveis em outros projetos. Com a
experiência é comum que os projetistas montem um repertório de manobras,
onde estas soluções são utilizadas recorrentemente (LAWSON 2004a).
É interessante notar que estas manobras podem passar a ser usadas como
geradores primários, o que faz o projetista ter como ponto de partida em um novo
projeto soluções que considera boas em projetos passados. Este tipo de procedi-
mento pode levar um projetista a desenvolver um “estilo” próprio, caracterizado
por soluções que utiliza recorrentemente, ou ter uma “prática” particular, com-
posta pelas estratégias que considera mais interessantes e adota frequentemente.
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Figura 6: Alternância entre as atividades segundo Lawson e Dorst (2009)
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O que vemos, portanto, é que neste caso a assimetria entre os paradigmas,
uma assimetria de valores, evidencia o paradigma reflexivo, colocando-o como
o elemento que diferencia o projeto de outras atividades que trabalham exclu-
sivamente dentro do paradigma racional.
E uma vez que os estudos que evidenciaram estas práticas foram baseados
na observação e análise do trabalho (ou simulações) de projetistas é natural que
eles pareçam muito próximos do que de fato vemos sendo usado na prática dos
profissionais. No entanto é importante notar que esta já era a expectativa dos
arquitetos envolvidos com a área no final dos anos 60, conforme nos diz Broa-
dbent (1969), ao criticar o enfoque excessivamente racionalista dos anos 60 e já
apontar uma direção mais interessante para as pesquisas:
“É provável que os novos métodos de projeto vão ser muito parecidos com o que
os projetistas imaginam que fazem, mas haverá uma diferença. Eles vão aproveitar
todas as técnicas disponíveis de pesquisa operacional, análise de sistemas, com-
putação e a nova matemática. Mas eles não serão dominados por estas técnicas.”
61
Figura 7: Exemplo da alternância entre os paradigmas racional e reflexivo ao longo
do projeto.
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Conclusão
Após apresentarmos os dois paradigmas e procurarmos demostrar a assimetria
que existe entre sua importância e sua valorização, retomamos a caso das cida-
des ‘inteligentes’. Nos casos onde o problema aparece como já bem definido
temos naturalmente um caso de desbalanço em favor do paradigma racional e
uma provável depreciação da atividade de projeto.
Retomando a questão da definição dos problemas, os problemas urbanos
continuam sendo “selvagens”, mesmo nas cidades inteligentes, e devem ser tra-
tados como tal. Partindo de um problema já posto, em contraposição aos pro-
blemas a serem ativamente interpretados, acabamos por negar a complexidade
natural e inerente deste tipo de situação e por descartar levianamente as opor-
tunidades de maior chance de impacto. Estamos apenas “enjaulando” proviso-
riamente o problema, mas em sua natureza ele continua “selvagem”, ele não se
tornou manso ou domesticado, e isto é perigoso.
Os problemas urbanos que envolvem tecnologias de informação e comunica-
ção devem ser tratados de maneira similar a outros problemas urbanos que são
também muito complexos e envolvem o uso intensivo de tecnologias. Chamar
este tipo particular de situação de “inteligente” não parece trazer nenhum avanço.
São problemas urbanos, e devem utilizar os modos de trabalho mais ade-
quados, onde problema e a solução são questionados e aprimorados simulta-
neamente. Esta é a grande contribuição que o um projeto inteligente pode trazer
para uma cidade de fato inteligente.
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