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Alexandre Comin
Francisco de Oliveira
Flávio Mesquita Saraiva
Hélio Francisco Correa Lino
RESUMO
O artigo sintetiza alguns dos principais resultados de pesquisa da área de Estado e Economia
do Cebrap. Mostra como a década de 1980 representou um grande avanço da concentração e
centralização de capitais na economia paulista, sob diversos recortes analíticos. Os resultados
também sugerem que houve mudanças nas posições do poder econômico na indústria
sediada em São Paulo, com avanço do capital estrangeiro na partilha dos lucros. Busca-se
ainda, de forma exploratória, sugerir a adoção de um enfoque mesoeconômico para o estudo
da crise brasileira, no qual a categoria grupo econômico é central para a análise, pois constitui-
se no ator mais importante do processo real.
Palavras-chave: economia industrial; oligopólio; concentração econômica; grupos econômi-
cos; São Paulo.
SUMMARY
This article provides a synthesis of the main results of research undertaken by Cebrap's State
and Economy Studies. It demonstrates how the 1980s involved a strong advance in the
concentration and centralization of capital within the economy of São Paulo, from several
analytical perspectives. The results also suggest that there were changes in the relative
positions of economic power within São Paulo's industrial sector, with foreign capital taking
a greater share of profits. The article also tentatively suggests adopting a mesoeconomic focus
in order to understand the Brazilian crisis, where economic groups become a central category
of analysis, as they represent the most important actors in the in the process.
Keywords: industrial economy; oligopoly; economic concentration; economic groups; São
Paulo (1) Cebrap. Estruturas de poder
econômico na indústria de São
Paulo (Relatório Final de Pes-
quisa). São Paulo: Cebrap,
1992. A equipe de pesquisa é
coordenada por Francisco de
Oliveira; os pesquisadores res-
Apresentação ponsáveis pela organização e
análise dos dados, em diversos
momentos do tempo, foram
Alexandre Comin, Flávio M. Sa-
raiva, Hélio Francisco Corrêa
Lino e Carlos Alberto Bello e
Este artigo apresenta alguns dos principais resultados e conclusões a Silva; colaboraram decisiva-
mente os estagiários Rogério C.
que se chegou na linha de pesquisa sobre o poder econômico que o de Souza, José Celso Cardoso
Cebrap realiza desde 1987. Em particular, este texto procura tornar públi- Jr., Osvaldo Godoi, Marcos Q.
Barreto e Lilian M. Lambert. Os
cas algumas das idéias e descobertas empíricas que aparecem de forma autores agradecem também aos
vários pesquisadores do Ce-
minuciosa em um relatório de pesquisa elaborado pela equipe1. Além de brap que participaram das dis-
cussões deste texto: Adalberto
bastante sintético, o artigo tenta também aliviar o leitor, sempre que M. Cardoso, Alvaro A. Comin,
Elson L S. Pires e Eugenio
possível, dos transtornos comuns à maioria dos relatórios, em geral Diniz. Como de praxe, os auto-
res assumem toda a responsa-
maçantes pelo jargão característico e pela profusão de tabelas e dados. bilidade pelo resultado final.
O curso presente dos estudos dessa equipe do Cebrap pode ser resumido
no esforço de fornecer à análise econômica um conjunto de instrumentos teóri-
cos e empíricos que, de um modo geral, passam ao largo dos estudos que habi-
tualmente se fazem. É comum dividir-se a economia em dois âmbitos: um agre-
gado, que trata de fenômenos globais, tais como crescimento, inflação e dese-
quilíbrios no balanço de pagamentos; outro, microscópico, que enfoca os agentes
individuais, famílias e empresas. A lacuna entre os dois níveis constitui aquilo
que poderíamos chamar de mesoeconomia: um espaço conceitual no qual os
agentes econômicos — em particular as empresas, públicas e privadas, bem
como os grupos econômicos que as controlam — aparecem propriamente como
sujeitos do processo econômico, posto que não estão nem subsumidos ao mo-
vimento macro — mensurado sempre a partir de agregados e médias globais —
nem tampouco diluídos na abordagem individualista, maximizadora, simplifi-
cadora, da análise microeconômica.
A tarefa posta aqui portanto é a de estabelecer uma topologia
empresarial, mapear os altos e baixos de uma configuração complexa de
entidades que comumente aparecem de modo plano, isomórfico, sob a
denominação de "setor privado". Trata-se de estabelecer clivagens, entre
grandes e pequenos, nacionais e estrangeiros, dinâmicos e tradicionais,
entre outras.
Em alguma medida, uma parte da microeconomia, sob a denominação
de Organização Industrial (OI), e outras disciplinas correlatas vêm há
décadas buscando captar e explicar estas distinções dentro do setor empresa-
rial. Boa parte do trabalho que aqui se vai expor tem aí suas origens: em
particular, as análises de concentração setorial da produção não são mais do
que velhas análises baseadas em novas informações, abaixo explicitadas.
Mas a pretensão deste trabalho vai além: ao contrário dos estudos convencio-
nais de OI, não tomamos a empresa como objeto de análise por excelência.
Aqui, ela aparece subordinada a condicionantes mais amplos: de um lado, as
clivagens acima referidas encaixam cada caso individual em tipologias várias
que — é a hipótese — ajudam a explicar o comportamento diferenciado das
diversas unidades de capital; de outro, a novidade das bases de informações
de que dispomos nos permite operar uma análise financeira da organização
empresarial, centrada no conceito de grupos econômicos. Este ponto é de
crucial importância e a ele voltaremos na última seção.
A próxima seção trata de apresentar rapidamente o material empírico
com que estamos trabalhando. A segunda seção apresenta o panorama geral
da evolução econômica de São Paulo no período. Em seguida, examinare-
mos diretamente alguns indicadores de concentração econômica. A seção
seguinte tratará de alguns aspectos da participação estrangeira na economia
sediada em São Paulo e da conformação setorial da indústria em termos de
seus principais agentes. A seção 5 procura fazer uma avaliação preliminar
do espaço ocupado pelos maiores grupos econômicos no estado de São
Paulo e das mudanças ocorridas ao longo da década de 80. Por fim, uma
pequena reflexão de natureza conceitual que é sugerida pelas revelações e
conclusões das partes anteriores, bem como uma síntese destas.
1. As bases de dados
3. A concentração em processo
Gráfico 1
Dez maiores empresas como proporção total da amostra (%)
Gráfico 2
Cem maiores empresas como proporção total da amostra (%)
Gráfico 3
Quinhentas maiores empresas como proporção total da amostra (%)
JULHO DE 1994
número de empregados.
159
CRISE E CONCENTRAÇÃO: QUEM É QUEM NA INDÚSTRIA DE SÃO PAULO
Tabela 1
Participação dos principais grupos na produção de
bens de consumo selecionados, Brasil, 1993, (%).
Vejamos mais de perto quem são esses sócios bilionários do poder. Se,
de um lado, eles são solidários financeira e politicamente no intento de
preservar sua posição privilegiada no organograma econômico da nação, de
outro, estão divididos internamente, dada a heterogeneidade de sua
composição setorial, tecnológica e de origem de capital. Em particular, os
dados da pesquisa permitem perceber uma importante clivagem: o compor-
tamento e o desempenho dos grandes capitais foi diverso entre empresas
públicas e privadas, nacionais e estrangeiras.
O primeiro destaque cabe aos donos da casa. Os indicadores financei-
ros analisados (RFP 125/127) mostram o amplo domínio das empresas de
origem de capital paulista em todos os indicadores para os três anos
considerados. Em 1989 estas empresas eram responsáveis por 44,7% do
patrimônio líquido total da amostra, 49,6% do total de faturamento, 52,4%
do total de lucro líquido e 61,6% do total de empregados.
As empresas de origem estatal mantiveram uma participação aproxi-
madamente constante em número de empresas e patrimônio líquido (com
relação ao total da amostra), embora este último tenha crescido, em termos
reais e absolutos, aproximadamente 20% no período de análise. Apresenta-
amostra, nota-se também uma diminuição em todos os indicadores. No caso (17) Há que se observar, no
entanto, que este padrão extre-
das empresas alemãs (na época, pertencentes à República Federal da mamente especializado de
atuação não existia em 1980.
Alemanha), nota-se uma razoável estabilidade da participação em todos os Ele foi sendo gestado ao longo
da década mediante a redução
indicadores, em torno de 20% do total do capital internacional, embora elas da participação propriamente
sejam apenas cerca de 15% do número de empresas deste tipo. industrial do setor público. Em
1980, as estatais, refletindo a
Em resumo, pode-se afirmar que, durante a década de 1980, ocorreu na estratégia de desenvolvimento
do II Plano Nacional de Desen-
economia sediada em São Paulo uma ascensão da participação do capital volvimento, obtinham quase
40% de suas receitas nos gêne-
japonês e um declínio da participação do capital norte-americano, manten- ros de química e metalúrgica,
em proporções iguais entre os
do-se o capital alemão num honroso segundo posto. Em outras palavras, a dois. Em 1985, o patamar em
cada um dos 2 ramos cai para
economia paulista e, por extensão, a brasileira, dados seus elevados níveis de menos de 15%, e para menos de
integração produtiva com as principais potências capitalistas16, refletem, a 10% em 1989. Há que acres-
centar que, a partir do governo
Collor (1990), este padrão de
seu modo, as mudanças na correlação de forças que ocorrem no âmbito especialização se acentua, com
mundial. a privatização de segmentos
quase inteiros do setor público,
Adicionalmente, um cruzamento das informações setoriais (24 gêneros do na siderurgia, petroquímica e
fertilizantes, entre outros. Dado
IBGE) com as de origem de capital permitiria descrever padrões de especiali- que a pesquisa se encerra em
1989, este assunto está além dos
zação produtiva que podem ser claramente visualizados para os diversos tipos limites deste trabalho. No
entanto, pode-se acrescentar, de
de capital (RFP 132/137). A falta de espaço impede a reprodução integral desta passagem, que o processo de
privatização, do modo como
rica análise. Mencionaremos alguns traços essenciais. está sendo executado, está en-
sejando a formação de podero-
É possível perceber uma razoável permanência do padrão de distribui- sos oligopólios privados nas
ção do capital segundo sua origem entre os gêneros industriais. áreas críticas de insumos inter-
mediários. Um estudo mais de-
No caso das empresas estatais, como era de se esperar, sua atuação se talhado sobre isto é necessário
para que a sociedade brasileira
dá basicamente nos serviços públicos, onde seu predomínio é quase possa, no mínimo, repensar o
modelo de desestatização, ago-
absoluto17. ra que ele ameaça avançar para
segmentos ainda mais sensí-
Para o capital estrangeiro, temos um padrão de especialização veis da economia, como tele-
comunicações e energia. Para
bastante definido, como também seria de se esperar, e que se mantém uma sinopse do Programa Na-
cional de Desestatização, ver
praticamente inalterado em todo o período. Nos três anos, as empresas Indicadores IESP, nº 26, março
estrangeiras de São Paulo concentraram suas atividades, numa proporção de 1994, pp. 8-10.
alterações entre capitalismos nacionais que ocorrem neste âmbito, a saber, (19) Na literatura brasileira, o
pioneirismo na discussão teóri-
a ascensão do capital japonês. ca e empírica sobre os grupos
econômicos privados atuantes
no Brasil cabe a Queiroz, Mau-
rício Vinhas. "Os grupos multi-
bilionários". Revista de Ciên-
cias Sociais. Rio de Janeiro,
5. Os 50 maiores grupos econômicos 2(1), pp. 47-78, 1965. A contri-
buição teórica mais recente e
abrangente sobre o tema está
em Gonçalves, Reinaldo. "Gru-
pos econômicos: uma análise
Até agora, o objeto de análise foram as empresas — unidades jurídicas conceitual e teórica". Revista
Brasileira de Economia. Rio de
autônomas, publicamente reconhecidas enquanto tal. Mas é preciso superar Janeiro: Fundação Getúlio Var-
gas, 45(4), pp. 489-656,1991. A
esta base teórica tradicional: há muito que ela se subordina a outra, mais respeito das relações entre sis-
tema financeiro e setor indus-
ampla, que determina o rumo e o potencial de acumulação de cada trial, o destaque cabe aos traba-
lhos de Braga, José Carlos de
componente. Trata-se dos grupos econômicos, a expressão mais desenvol- Souza & Mazzucchelli, Frederi-
co. "Notas introdutórias ao ca-
vida de um conjunto complexo de movimentos de concentração e centrali- pitalismo monopolista". Revis-
zação da propriedade capitalista que têm início no final do século passado18. ta de Economia Política. São
Paulo: Ed. Brasiliense, 1(2), pp.
Podemos defini-los como uma unidade de propriedade e controle que se 57-65, 1981 e Zoninsein, Jonas.
Atitudes nacionais e financia-
estende por um conjunto de empresas. Pode assumir a forma de holdings— mento da indústria: A expe-
riência brasileira. Texto para
caso muito comum no Brasil19 — ou não. Constitui-se de vários tipos de Discussão, 63. Rio de Janeiro:
IE/UFRJ, 1984. Para uma análi-
ligação de propriedade — a começar daquelas que surgem a partir do se qualitativa de alguns dos
principais grupos privados na-
mercado acionário — e financeiras que se cristalizam em relações de cionais, no período mais re-
cente, ver Suzigan, Wilson
comando e de apropriação econômica entre pessoas físicas — as grandes (org.). Estratégia e desenvolvi-
mento de C&T nas empresas
famílias proprietárias — e jurídicas. Em uma frase, o grupo é a estrutura privadas nacionais. Relatório
empresarial que combina a centralização do poder e da apropriação de Pesquisa. Campinas: IE/Uni-
camp, 1989 e Ruiz, Ricardo
econômica com a descentralização na gestão e na ocupação de espaços Machado. Reestruturação dos
grupos industriais brasileiros.
econômicos (regionais, nacionais, setoriais etc.). Campinas, 1994, mimeo.
1980 para 69% em 1989 (RFP 138/143). Para as demais variáveis os cálculos
revelariam proporções um pouco menores, mas ainda assim bastante
elevadas21, evidenciando a existência de uma distribuição bastante concen- (21) No caso do lucro líquido, o
percentual passa de 49% para
trada do poder econômico na indústria de São Paulo. 65,7% ao longo do período. Em
suma, os grandes grupos de-
Tomemos inicialmente, com o objetivo de estabelecer um contraste, a têm entre 60% e 70% do patri-
mônio líquido e entre metade e
empresa individual (isto é, a agregação de todas as empresas que não dois terços dos lucros de toda a
pertencem a grupos) como foco de análise. É possível perceber nitidamente amostra.
em 1989, é o Fuji Bank Ltd., braço brasileiro de um dos maiores conglome- (26) Respectivamente, Saint
Gobain, Pirelli, Nestlé, Alcan e
rados japoneses. Solvay. Aparece também o gru-
po Unilever, que resulta de uma
Entre os 15 grupos nacionais privados, todos eles do estado de São associação entre o capital inglês
e o holandês.
Paulo, figuram alguns dos maiores e mais conhecidos grupos privados do
(27) Trata-se do grupo Bunge y
país, como Votorantim, Matarazzo, Antárctica, Villares, Vidigal e Alpargatas. Born (mais conhecido pelo
nome de Santista), de naciona-
Outros, menos conhecidos, podem ser citados: Termomecânica, Suzano lidade argentina, há muito tem-
po instalado no Brasil e atuan-
Feffer, Severino Pereira da Silva. Há outros com forte participação na do nos setores de alimentos e
agroindústria (com diversificação para os setores de bens de capital conexos têxtil.
ou não), como Cutrale, Dedini, Biagi e Ometto. Completam a lista uma (28) A saber, Dow Química,
Cargill, Caterpillar, Champion
grande construtora, a Camargo Correa, e um grande conglomerado financei- Intl., Ford e General Motors.
Esta última, maior "empresa"
ro, o Grupo Itaú. do mundo, saiu da amostra em
1989. Motivo: deixou de ser
Estes grupos, atuando nos mais diversos setores da economia — com uma empresa de capital aberto e
parou de divulgar seus dados
destaque para os conglomerados altamente diversificados Votorantim, o contábeis.
n