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Do grand tour ao turismo de massa contemporaneo AWA BEA > Em dezembro de 1786, apenas quatro meses apés ter sdo sua viagem de dois anos pela Itélia, o pensador e escritor alemio J. W. Goethe defendia, em seu didrio, que qumaviagerh Contemplative a terias estranas acatreta fume damentais mudangas aos viajantes capazes de refletir sobre que vee: Por certo, eu acedtava que fosse aprender de verdade ‘aqui; mas ndo pensel que fosse ter de volta & escola Priméria, que precisaria desaprender, ou verdadeica- mente reaprender tanto. Disso jS me enconto agora ‘convencid, tendo-me entregado por completo a esse aprendizado (J. Conceda-me 0 eu que, quando do ‘mau retome, também as consaquéncias morals resul- tantes desta minha vida num mundo mais ampio se {fagam sent, pois, juntamente com a percepgso para ‘a aro, tambiBm o meu senso moral ver passando por ‘grande renovegio Jo Paso: Compania das Laas, ‘Gbethe, Vinge ATi 1786 A999). p78. TURISMO rATRIMONO CULTURAL A desctigio do “renascimento de dentro para fora” que ocorreu a Goethe evidencia 9 objetiva maior dos grand tnurg a aprendizagem com basemna vives -sia.¢naexperimentacio de situagbes.¢ objetos reais,com forte ap «ee OS praitd 2640, ja firmemente esteuturados no século XVII, auge em meados do século XVI, caracterizando-se como deslocamentos de Jonga duracio (tr8s anos, em média) e ndo sazonais, jé que,atenidiam princis# ePaliiente jovens rapazes pertencentes a elite britsitiea? que, em sua maioria, no exerciam atividades remuneradas.? © grand tour & considerade por muitos estudiosos como uma invensio in- lesa. A Inglaterra era o pais mais tico e poderoso do periodo, com uma elite endinheirada, mas isolada geograficamente, pelo posicionamento insulas, do resto da Buropa e das fontes da hist6ria e cultura ocidentais, como pensava grande parte dos cidadios cultos. B, para se tornarem membros da sociedade educada, eles acreditavam que era necessério ver, in loco, tanto as ruinas da Roma clissica como as igrejas, 0s palicios e as colesées de arte das grandes capitais continentais.* Nessa época, os grand tours seguiam um itinerério mais ou menos padroni- 2ado: o principal guia turistico - The Grand Tour, de Thomas Nugent, primei- ramente publicado em 1749 ~ indicava visitas & Franga, 8 Itilia, 8 Alemanha € 20s Paises Baixos, embora os viajantes se concentrassem em longas estadas za Franga (especialmente em Paris) e na Itélia (com visitas a Génova, N4po- les, Florenga, Roma e Veneza ¢ répidas paradas em cidades menores), Este era ee Os joven eram hos de aristocrats, de pequenosfidalgos ea pate do final do steulo XVI inca do ‘HecloXIK de proisionsis da cae media, ‘Apesar do pel do grand tourist oitocentista nto do pore italiano e dae ‘viendo um dos mores cisicos da lteratra de viager, Viagem edi 1786-1768, ‘Mary Worley Montagu (qu acompenhu 6 mardo em sua missto como embsiador era ‘opls~atuslmentea cidade de Itambul, a Turqia- de 1716 1718, quem sbandonou, vn anos epois. para abragar a vida devsjante na Europa cont rane Withey, Grand Tours and Cook's Tours a Hitery of Leisure Travel, 1750-1915 (Nora York Wiliams Morrow and Company, 1987), p 6, © Bid, per, D0 GRAND TOUR AO TURISMO DE MASSA CONTEMFORANED que vigorava a crenga comum da inexisténcia de itagdo no restante do mundo, onde somente reinava 0 “coragio” da v ponto de ser objeto de apaixonados comentérios literdrios, como 0 do grand tours, Samuel Johnson, “um Homem que nao esteve na Itlia esta sempre ciente de sua inferioridade por nao ter visto 0 que se espera que um homem. vveja”* Nestes locais, os grand tourists notavam ‘como eran pobrémenté co? ¢nhecidos'o comportamento e os tostiities de nagbes estrangeiras é buscavamn? vivenciar interisa tro¢a cultural com a populacao autéctone ¢ outros vigjantes? $89, procuravam conhecer os d ipalmente, os seus grandes monumentos, obras de arquitetura, escultura o roteiro mais popular locais merecedores de al e prodigioso barbarismo, Era a Itilia, entretar ou pintura, excepcionais e singulares por seu tamanho e beleza ou pelo estra- “Thamento produzido em seus observadores. Assim, as obras da Antiguidade cldssica permaneciam como um dos principais focos de atragdo dos grand tou- rists (ator que ajuda a ex; popular, mesmo entre os mais eruditos (ver Anexo 1,“ istas”: as sete maravilhas e os patriménios da Humanidade). , <0 grabid Tour twanstormiou as Vidgens ent empreendimentos filosoficos ~f Ciéntificos, que permitiam 20 viajante fazeF comparages ¢ formularya par- tir delas, valores mais universais que aqueles engendrados em contato ape- nas com os costumes de seu local de origem Esta forma de aprendizado era complementagio indispensavel & educagdo formal dos futuros dirigentes civis electuais europeus. Urry* destaca que existia uma exp: 5 Quando o rote europea se tornos fair € 0,05 grand ours voltaram use sen Indias Orientas, Extremo Oriente, Bio e cidades portuirias do norte da tayam 0 Tapdo a Cidade do Cabo (Africa do Sal) ¢ Rio es 5 decasses menos sbastadas pasaramacumn~ ‘runsvo eratanonto cutrurat va de toda a sociedade de que as viagens empreendidas exercessem esse par pel primordial na edueagio co formando os perfis necessi' ae perceptiva das 85 altas, realmente para o alcance das mudancas requeridas. Para 0,08 jovens eram acompanhados por preceptores ou tutores encarzegados 5 por meio da sedimentagdo dos conhecimentos eldssicos, da so- ficasio do cardter e da preparagZo para a guerra, Nas palavras de Nuge fetanente eniquecer 0 espir aiserieno sprimiF os preconet ‘um palaves formar um gen in completo” ¢ No fil do sculo XVIII vee includa também a“educagao carnal’ o que ia, com seu povo disponibilidade das mulheres, que exerciam enorme atragao sobre os Esta visto fundamentava a reagao negativa de muitos dos criticos da riam ser coibidos apenas pela presenga dos tutores. Como forma de os a nesta érdua tarefa, os guias turlsticos traziam, desde o século XVI, textos de dos” e"as experimentagbes coma alma com 0 corpo” tenham ressurgido neste momento como importante motiva- Ho, 0 objetivo educativo, mais tradicic |, manteve-se como o pri de atragZo para os viajantes e, pasteriormen pal fator le diferenciacio das viagens 8 de massa, que sucederiam o grand rour jé no segundo quart século XIX. 83 em O Core da Une, ‘Lynne Wither, Gra Tours and Cok ons, ap 8 % pelo saber, comrgit ry 4a editéacao polir as maneiras, em 7 eras q Para Barretto" e diversos outros autores, 0 turismo moderno originou-se dentro de um contexto social amplo, com as mudangas ocorridas nos modos de produgio (que, para a autora, deter €0 desenvolvi- mento tecnolégico (que determinatia a forma como se viaja).A passagem do século XVIII para 0 XIX € marcada na Europa por grandes transformagies econbmicas,socias e politicas, corporificadas na Revolugdo Industrial ena Re- volugio Francesa, responsiveis por alteracdes significativas no panorama geral do continente europeu. Por outro lado, grande fluxo' de deslocamentos e exi=-9 tizalas do pUbIES 6s grand tows estimularam a methoria da Oferta’ (seja de livros para consultas e orientacBes,seja de profissionais especializados) que coiitvibuiran “para a disscmaiiaco de rots, cOdigos ¢ signds das viagengy ‘desde entiot® £ neste contexto que aparecem grandes inovacdes na estrutura ¢ “nos bjetivos das v .ovagées realizadss por empreendedores cujasreai- transformaram seus nomes em sindnimos de seus produtes ¢ introdu-

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