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~ Ano XIII-N"13-Abrll de 2004 Flllado à CUT/FENAJUFE

"Jael e Sisara": quadro de A rtemisia Gentileschi, pintora romana (1593-1652), que, inspirada em Caravaggio, desenvolveu técnica própria, de
cores violentas, que ressaltam jogos de luz e sombra. Esta obra retrata a execução do general Sísara, comandante do exército de Canaã, pela
israelita Jael, segundo o livro dos Juizes (4, 11-22 e 5,24-31)

Neste artigo, o semiólogo italiano faz natural que enquanto a pintura consistia elas não ensinavam Filosofia. Também
reflexões sobre a escassez de mulheres no em afrescos de igrejas, subir no andaime não encontramos nos manuais de filosofia
âmbito dafilosofia e se surpreende, depois de saias não era algo decente nem era mulheres que tivessem ensinado Dialética
de ler um livro recém-publicado na França, ofício para mulher dirigir uma oficina ou Teologia. Eloísa, brilhantíssima '
com a existência de grandes pensadoras com 30 aprendizes, mas as mulheres e infeliz aluna de Abelardo, teve que
no mundo clássico, quase todas ignoradas pintoras apareceram quando se tomou conformar-se em ser abadessa.
pelas grandes enciclopédias. possível fazer pintura sobre um cavalete. Não se deve discutir superficialmente
É algo assim como dizer que os o problema das abadessas, e a esse assunto

A
ntiga afirmação filosófica judeus foram grandes em muitas artes, muitas páginas foram dedicadas por uma
segundo a qual o homem é capaz mas não na pintura até que apareceu mulher filósofa de nosso tempo, Maria
e pensar o infinito enquanto a Chagal!. É verdade que a cultura judia era Teresa Fumagalli. Uma abadessa era
mulher dá sentido ao infinito pode ser eminentemente auditiva, não visual, enão uma autoridade espiritual, organizativa
lida de muitas maneiras. Por exemplo, permitia a representação da divindade por e política, além de exercer funções
já que o homem não sabe fazer filhos, meio de imagens, mas há uma produção intelectuais importantes na sociedade
se consola com os paradoxos de Zenão. visual de inegável interesse em muitos medieval. Um bom manual de filosofia
Com base em afirmações desse tipo, manuscritos judeus. O problema é que tem que incluir entre os protagonistas da
difundiu-se a idéia de que a História era difícil, nos séculos em que as artes História do Pensamento grandes místicas,
(pelo menos até o século XX) nos figurativas encontravam-se nas mãos da como Catarina de Siena, para não falar de
apresentou grandes poetisas e narradoras Igreja, que um judeu se sentisse animado a Hildegarda de Bingen, com cujas visões
superlativas, assim como cientistas de pintar virgens e crucificações. Seria como metafísicas e perspectivas sobre o infmito
várias disciplinas, mas não mulheres estranhar o fato de nenhum judeu ter se continuamos trabalhando até hoje.
filósofas nem mulheres matemáticas. tomado papa. A objeção de que a mística não é
Em distorsões desse tipo cristalizou- As crônicas da Universidade de filosofia não é sustentável porque as
se durante muito tempo a convicção de Bolonha citam professoras como Bettisia histórias da filosofia reservam espaço
que as mulheres não tinham aptidão para Gozzadini e Novella d'Andrea, esta tão para grandes místicos como Suso, Tauler
a pintura, a não ser as habituais Rosalba bela que era obrigada a dar aula por trás de ou Eckhart. E dizer que grande parte da
Carriera ou Artemísia Gentileschi. Era um véu para não perturbar os alunos, mas mística feminina estava centrada mais
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no corpo do. nas' idéias abstratas femmes philosophes". Ao procurar filosofia fosse bastante amplo.
seria como dizer que devem desaparecer saber quem era o autor, Gilles Ménage, Se calcularmos que na sociedade
dos man is de filosofia, quem sabe, descobrimos que ele vivia no século grega a mulher estava confinada às
Merleau-Ponrv, XVII, era latinista, preceptor de paredes domésticas, que os filósofos
Há tempo _ as feministas elegeram Madame de Sévigné e de Madame de preferiam divertir-se mais com mancebos
como h IDa Hipácia, que, na Alexandria Lafayette, e que seu livro, publicado do que com moças, e que, para desfrutar
do éculo era mestra de Filosofia em 1690, tinha o título de "Mulierum de notoriedade pública, a mulher tinha
Planrônica e de Matemáticas. Hipácia philosopbarum historia". Hipácia não que ser cortesã, entende-se o esforço que
se converteu em um símbolo, mas, era a única: embora esteja dedicado, tiveram que fazer aquelas pensadoras para
desgraçadamente, de suas obras somente principalmente, à idade clássica, o livro poder se afirmar. Por outro lado, Aspásia
obrou a lenda, pois todos se perderam de Ménage nos apresenta uma série é lembrada como cortesã, embora de
junto com ela, esquartejada literalmente de figuras apaixonantes: Diótima, a qualidade, esquecendo-se de que ela
por uma turba de cristãos ensandecidos, socrática; Areté, a cirenaica; Nicarete, a era especialista em retórica e filosofia e
rebelados, segundo alguns historiadores, megárica; Hipárquia, a cínica; Teodora, que, como nos conta Plutarco, Sócrates a
por Cirilo de Alexandria, que se tomou a peripatética; Leôncia, a epicúrea; freqüentava com interesse.
santo, embora não por essa razão, Mas Temistocléia, a pitagórica. Folheando Eu folheei pelo menos três en-
Hipácia seria a única? textos antigos e as obras dos padres da ciclopédias filosóficas atuais-, e desses
Recentemente, saiu na França Igreja, Ménage encontrou menções a nomes, com exceção do de Hipácia,
um livrinho intitulado "Histoire des 65 filósofas, embora o seu conceito de não encontrei nem traço. Não é que não
existiram mulheres que filosofavam. É
que os filósofos preferiram esquecê-Ias,
talvez depois de terem se apropriado de
suas idéias.
A ·tragédia de Hipácia
o início da "Idade das Trevas" foi marcado
pela destruição da Biblioteca de Alexandria,
provavelmente no final do século IV, depois dela
ter sido o principal centro do conhecimento do
mundo durante sete séculos. Seu acervo
incluía milhares de rolos de papiros com
as obras de Platão, Aristóteles, Zenão,
Euclides, Homero, Demóstenes,
Xenofonte, Píndaro, Tucídides,
Isócrates, \
Safo, além~ Não é que
dos 70 manuscritos contendo a tradução do
Pentateuco, o Velho Testamento hebraico para
o grego feita pelos 72 sábios judeus contratados
não existiram
para realizar o trabalho em Alexandria.
A última cientista a trabalhar na Biblioteca foi
Hipácia, filha de um grande matemático, Teão, e que também se tornou
mulheres
eminente matemática, além de astrônoma, física, filósofa e professora.
Na matemática, Hipácia fez estudos sobre a aritmética de Diofanto e as
cônicas de Apolônio, de cuja obra publicou uma edição crítica, desenvolvendo
que filosofavam.
os conceitos de hipérboles, parábolas e elipses. Na astronomia, realizou
estudos sobre a utilização do astrolábio e fez comentários sobre o Almagesto, É que os filósofos
o livro essencial de Cláudio Ptolomeu, que além de descrever o seu sistema
geocêntrico, traz um catálogo de estrelas. Na filosofia, Hipácia era a líder da
escola neoplatônica em Alexandria.
preferiram
O azar de Hipácia é que ela era atéia (pagã) e livre pensadora, numa
época em que o cristianismo misógino e inimigo do conhecimento científico já
havia se firmado como a principal religião do Ocidente. Amiga do governador
esquecê-Ias
romano de Alexandria, Orestes, Hipácia provocou violentos ciúmes no
patriarca da Igreja, Cirilo, que mandou espalhar rumores injuriosos contra
a sua pessoa.
Um dia, no ano 415, quando voltava do trabalho para casa, foi cercada
por urna multidão de fiéis insuflada por Cirilo. Foi despida, apedrejada e teve
seu corpo arrastado pelas ruas da cidades, depois de esquartejado com
cacos de cerâmica e conchas.

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