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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

UNIVERSIDADE ESTADUAL
INSTITUTO DE DE CAMPINAS
ARTES
INSTITUTO DE ARTES
LUCAS ZANGIROLAMI BONETTI
SERGIO GAIA BAHIA

A TRILHA MUSICAL COMO GÊNESE DO PROCESSO


CRIATIVO NA OBRA
PROCESSOS DE MOACIR SANTOS
COMPOSICIONAIS
DE MOACIR SANTOS:
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-
SUBSÍDIOS PARA UMA
Graduação em CRIAÇÃO AUTORAL
Música do Instituto de Artes da Universidade
Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestre em
Música, na Área de Concentração: Fundamentos Teóricos.

Orientador: CLAUDINEY RODRIGUES CARRASCO

Este exemplar corresponde à versão final da


Dissertação defendida pelo aluno Lucas Zangirolami
Bonetti, e orientado pelo Prof. Dr. Claudiney
Rodrigues Carrasco.

CAMPINAS
2014

CAMPINAS
2016iii
SERGIO GAIA BAHIA

PROCESSOS COMPOSICIONAIS
DE
MOACIR SANTOS:
SERGIO'GAIA'BAHIA'
'
SUBSÍDIOS PARA
' UMA CRIAÇÃO AUTORAL
PROCESSOS'COMPOSICIONAIS'DE''
MOACIR'SANTOS:''
Tese de Doutorado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Música,
SUBSÍDIOS'PARA'UMA'CRIAÇÃO'
do Instituto de Artes da Universidade
Estadual de Campinas, para obtenção título
de Doutor em Música. Área de
AUTORAL'
concentração: Processos Criativos.
Orientador: Prof. Dr. José Eduardo Ribeiro
de Paiva.
' '''''''''''
'
'
'
' ESTE EXEMPLAR !CORRESPONDE À VERSÃO Tese'de'Doutorado'em'
FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO
Este!exemplar!é!a!redação!final!da! Música,'Instituto'de'
SERGIO GAIA BAHIA, E ORIENTADA PELO
Tese!defendida!pelo!Sr.!Sergio!Gaia!
PROF.
Artes'da'UNICAMP,'
DR. JOSÉ EDUARDO RIBEIRO DE PAIVA
Bahia!e!aprovada!pela!Comissão!
Julgadora!em!22/02/2016!! para'a'obtenção'do'
! grau'de'Doutor'em'
Prof.!Dr.!José!Eduardo!Ribeiro!de! Composição.'Área'de'
Paiva!
! concentração:'
! Processos'Criativos.'
Orientador! Orientador:'Prof.'Dr.'
José'Eduardo'Ribeiro'
de'Paiva.'
CAMPINAS
'
' 2016
'
'
CAMPINAS''
2016'
21

CAPÍTULO 1 – Coisa no.2

1.1. Contextualização da peça

As duas primeiras composições analisadas aqui fazem parte do disco que


iniciou a carreira fonográfica de Moacir Santos, o LP Coisas (1965). É importante
notar que a primeira delas, Coisa no.2, já foi objeto de análise em mais três pesquisas
diferentes (Improta, 2007; Ernest Dias, 2010; Vicente, 2012). Alguns motivos para o
interesse sobre essa peça podem ser sugeridos. Ela é um retrato da capacidade de
Moacir de manter unidade a partir da constante variação de poucos elementos. Ela é
cíclica e direcional ao mesmo tempo. Em relação ao LP Coisas, Ernest Dias a
considera como “uma possível prévia desse contexto sonoro (...)”, 28 levando em
conta a data da composição da peça em 1956. Por fim, ela é um exemplo de eficácia
quanto à variação de colorido e textura orquestrais (foco da análise de Improta). Aqui
se buscará acrescentar e expandir o que se disse até o momento sobre Coisa no.2,
sempre recorrendo às análises citadas acima quando preciso. Como já dito
anteriormente, interessa bastante a este trabalho abordar os procedimentos de Moacir
Santos enquanto aspectos de exatidão e economia de meios.
Mas antes da análise propriamente dita, é necessário contextualizar o disco
que contém a peça, tendo em vista a concepção musical que ele inaugura e da qual
Coisa no.2 faz parte. Ernest Dias (2010), em sua já citada tese de doutorado, investiga
alguns antecedentes que buscam explicar o surgimento dessa concepção. Tais
antecedentes podem ser assim resumidos:

• Pixinguinha: o mestre do choro teria antecedido aspectos do Coisas


no que diz respeito à combinação de “domínio formal de composição”,
“elementos da polirritmia africana” e “instrumentação jazzística das
big bands (...)”, além de adotar os instrumentos “típicos’ das
manifestações musicais das camadas populares, seguindo (...) a
ideologia nacionalizante de sua época.” 29 Há de se acrescentar, ainda,


28
ERNEST DIAS, Andrea. Mais 'coisas' sobre Moacir Santos, ou os caminhos de um músico
brasileiro. 2010. Tese. Universidade Federal da Bahia, Salvador. p.170.
29
Ibidem, p.90-1.
22

que a formação de Moacir Santos enquanto compositor de choros (até
o início dos estudos teóricos em 1949) reforça essa espécie de
“parentesco”.
• Abigail Moura e Orquestra Afro-Brasileira: o trombonista, baterista
e compositor Abigail Cecílio de Moura (1904-1970) criou no Rio de
Janeiro sua “orquestra negra”, atuante entre 1942-1970, a partir de suas
próprias pesquisas sobre ancestralidade negra na música brasileira,
suas audições de compositores eruditos e suas leituras de africanistas
como Arthur Ramos, Edison Carneiro e Roger Bastide. Havia nas
apresentações da Orquestra cerimônias de Candomblé, além de
programas dedicados a personagens negros do passado e datas cívicas
da historiografia da escravidão. O grupo despertou na época interesse
de intelectuais como Câmara Cascudo, Alceu Maynard, entre outros; e
de músicos eruditos como “Eleazar de Carvalho, Paulo Silva, Camargo
Guarnieri, Julio Rossini Tavares, José Siqueira, e também de Moacir
Santos, cuja presença nos ensaios do grupo para fins de pesquisa foi
testemunhada por Carlos Negreiros (...)”, 30 membro da orquestra. Por
buscar a combinação da tradição (melodias e ritmos de caráter negro)
com a contemporaneidade (ligada à instrumentação jazzística), a
Orquestra Afro-Brasileira teria apresentado “embrionariamente a
concepção de ‘modernidade’ que Moacir Santos viria adotar no LP
Coisas.” 31
• Trilhas sonoras: as trilhas compostas por Moacir, especificamente
para filmes brasileiros (1964-66) já trazem algumas experiências que
seriam desenvolvidas no disco Coisas. Ernest Dias (2010) teve acesso
a um caderno de anotações do artista em sua biblioteca de Pasadena
que ela intitulou de caderno “Pré-Coisas”. Segundo a autora:

[no caderno] estão reunidas notas de cunho musicológico – cantigas de


cegos, incelenças, temas de congada, de banda de pífano, de guriabá e
jaraguá – e temas originais de Moacir, que vieram a integrar o LP Coisas e
as trilhas sonoras assinadas por Santos na época. 32


30
Ibidem, p.93.
31
Ibidem, p.94.
32
Ibidem, p.105.
23

O primeiro filme a utilizar tais ideias foi Ganga Zumba de Cacá
Diegues (1964), que trazia em sua trilha:

(...) além do tema de abertura “Nanã”, os que posteriormente ficaram


conhecidos como “Coisa nº 4”, “Coisa nº 9” e “Mãe Iracema”, em
instrumentações que variam do tratamento a capella às combinações
timbrísticas de piccolo, flauta, clarinete, clarone, fagote, saxofone, trombone
e percussão, em que predomina a utilização dos atabaques e tímpanos.
Ganga Zumba funcionou como uma espécie de laboratório para o LP
Coisas (...). 33 [grifo meu]

É importante citar aqui, ainda segundo a autora, que Coisa no.2 também
aparece anotada no caderno “Pré-Coisas”. Composta nove anos antes do lançamento
do disco Coisas, ela seria gravada em outros dois discos brasileiros antes de receber o
registro solo de Moacir: Baden Powell – Swings with Jimmy Pratt (Elenco, 1963); e
Sérgio Mendes & Bossa Rio – Você ainda não ouviu nada! (LP Philips, 1964 / CD
Dubas / Universal, 2002). Bonetti (2014) ainda aponta a presença da peça na trilha
sonora do filme O Beijo (Flávio Tambellini, 1964).

O último aspecto tratado como “antecedente” da concepção musical do Coisas


interessa a este capítulo especialmente e diz respeito ao período de estudos teóricos de
Moacir Santos, por ele mesmo considerado um divisor de águas em sua carreira.
Ainda segundo Dias:

A divisão em fases foi estabelecida pelo próprio compositor: a fase inicial,


em que compunha sobretudo choros de forma intuitiva, na década de 40, e a
segunda fase, cujo marco ele estabelece no encontro com Guerra-Peixe nos
anos 50, em que começa a despertar para uma outra dimensão da
composição. 34

Sobre esse despertar musical, cabe aqui uma atenção à parte. Como já dito na
Introdução, Moacir Santos cumpriu uma trajetória pessoal e musical bastante peculiar:
da infância e adolescência no Sertão de Pernambuco, à migração para capitais
brasileiras (Recife – João Pessoa – Rio de Janeiro), ao estudo erudito com professores


33
Ibidem, p.107. Além dessa citação de Dias, vale recomendar a discussão levada a cabo por Bonetti
(2014), que analisa detalhadamente cada trilha cinematográfica de Moacir Santos, incluindo as
maneiras como os temas citados por Dias são empregados e tratados na trilha de Ganga Zumba. Ver:
BONETTI, Lucas Zangirolami. A trilha musical como gênese do processo criativo na obra de Moacir
Santos. 2014. Dissertação. Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
34
ERNST DIAS, Andrea. Mais 'coisas' sobre Moacir Santos, ou os caminhos de um músico brasileiro.
2010. Tese. Universidade Federal da Bahia, Salvador. p.99.
24

renomados e, por fim, às atividades profissionais em Pasadena, Califórnia.
Musicalmente falando, a compreensão de sua produção criativa passa bastante, num
primeiro momento, por essa sequência de estágios inerente à sua formação. Moacir
foi um músico que cresceu aprendendo principalmente com a prática e com processos
relativos à tradição oral (contexto das bandas do interior do Sertão). Transformou-se
em seguida num músico “popular” no sentido de inserir-se na indústria cultural,
sobretudo radiofônica, das grandes cidades. Chegou a então Capital Federal como
músico de prática jazzística e de gêneros populares brasileiros. Adquiriu, a partir
disso, considerável conhecimento teórico com o início de seus estudos eruditos.
Impossível que uma trajetória múltipla como essa não se expressasse musicalmente,
sobretudo, em relação ao que já discutimos da sua dupla temporalidade: uma
temporalidade cíclica e mítica, junto a outra racional e planejada.
O hábito de batizar composições com referências a infância e adolescência e o
gosto de Moacir pelas leituras de temas místicos (vide p.9) são os indícios mais
explícitos do primeiro caso. Musicalmente falando, com relação a Coisa no.2, ele se
expressa no uso de pedais e ostinatos, ritmo cíclico da bateria, ritornelos, além de
uma linguagem harmônica cuja constante ambiguidade nega uma direcionalidade
tonal. 35 Ao lado desse aspecto cíclico e ligado às origens de Moacir, temos uma
palpável racionalidade em diversos procedimentos: variação melódica e motívica;
exatidão no tratamento dos voicings; adensamento harmônico gradual; procedimentos
simétricos na melodia, harmonia e forma; combinações instrumentais e variações
texturais eficazes; planejamento formal; entre outros aspectos. Sobre essa questão do
planejamento, Ernest Dias (2010) traz mais uma observação sobre o caderno “Pré-
Coisas”:

O caderno traz à tona germens de ideias musicais que foram retomadas e


reprocessadas pelo compositor na construção dos repertórios de seus futuros
discos. Isso implica dizer que Moacir Santos aferrava-se fielmente a suas
ideias, investigando as possibilidades de instrumentação e manipulando
técnicas de composição que lhe permitiram transpô-las do nível da
concepção ao nível da apresentação, ao longo do tempo. Um exemplo é
“Mãe Iracema”, presente na trilha de Ganga Zumba e que MS cogitou
integrar ao conjunto das Coisas. “Mãe Iracema” só ganhou o contorno que
conhecemos atualmente no LP Maestro (Blue Note, 1972), considerando,

35
Vicente (2012), apoiando-se sobretudo em Tiné (2008), discute longamente a estratégia de Moacir –
típico da música nordestina – de sobrepor melodias modais sobre cadência harmônica tonal. Entretanto,
especificamente em Coisa no.2, o autor considera que Moacir expande essa prática para “algo como
‘harmonias modulatórias’ em melodias modais.” (Vicente, 2012, p.156). Recorreremos a esses
conceitos mais detalhadamente na análise da peça.
25

nas anotações feitas pelo menos dez anos antes, a aplicação de técnicas de
modulação, modificação melódica e aumentação. 36

Esse desenvolvimento racional de um músico, cuja formação era sobretudo


prática até meados de seus vinte e três anos passa necessariamente pelo contato com
alguns mestres e teorias importantes. Uma declaração do próprio Moacir ilustra bem o
início desse processo:

(...) eu tinha verdadeira aversão ao estudo. Quando ouvia a palavra


diminuto, Virgem Maria! Isso era para mim uma palavra muito... muito
científica... Eu pensava... diminuto... Ai, meu Deus!!! Aumentado... Tudo
isso me soava muito tecnológico... Mas a ânsia de aprender era grande. Mas
essa aversão que eu tinha desde a Paraíba até chegar na Rádio Nacional, já
um compositor de choros, foi superada pelo afã de estudar. Então eu fui à
casa do maestro [Guerra-Peixe]. Ele morava na Lapa, e nessa época ele
estava estudando com o Prof. Koellreuter aquelas coisas dodecafônicas, e
me mostrou aquilo tudo. Logo no primeiro dia de aula eu perguntei a ele:
‘Eu vou entender dessas coisas, Guerra?’. E ele me respondeu: ‘Vai’. Logo
eu percebi que o Dragão não era Dragão, e que diminuto e aumentado eram
até coisas gostosas (risos gerais), e então me animei. Tomei tanto gosto em
estudar, que quando o Guerra foi convidado para ir ao Recife, perguntei a
ele com quem deveria continuar, e fui para o Koellreuter. 37

Guerra-Peixe foi ao Recife no final de 1949. Entre as fontes biográficas


existentes sobre Moacir Santos, não há indicação precisa sobre em qual mês daquele
ano ele teria se tornado aluno do compositor. Porém, tendo o mesmo migrado para a
capital pernambucana em dezembro, podemos concluir que esse período de estudos
foi relativamente curto, de menos de um ano. 38 Depois da viagem de Guerra-Peixe,
portanto, e por indicação desse último, Moacir Santos partiria para continuar seus
estudos com Hans-Joachim Koellreuter. 39 É importante notar que o próprio Guerra-
Peixe – bem como outros professores de Moacir, a exemplo de Cláudio Santoro –

36
ERNEST DIAS, Andrea. Mais 'coisas' sobre Moacir Santos, ou os caminhos de um músico
brasileiro. 2010. Tese. Universidade Federal da Bahia, Salvador. p.108-09.
37
Ibidem, p.69.
38
Na verdade, Guerra-Peixe, durante o ano de 1949, foi ao Recife duas vezes: a primeira no dia 13 de
agosto, por apenas um mês, para participar das comemorações do primeiro aniversário da Rádio Jornal
do Commercio de Pernambuco (tirando licença da Rádio Nacional, onde trabalhava); e a segunda em
dezembro, dessa vez, para fixar residência por três anos com o intuito de realizar pesquisas musicais
em torno do folclore pernambucano. É de se crer que os estudos de Moacir com Guerra-Peixe teriam se
encerrado a partir da segunda e mais demorada viagem do professor. Fonte: Site oficial do compositor
Guerra-Peixe. Desenvolvido pelo Ministério da Cultura. Apresenta diversas informações, catálogos e
textos sobre o artista. Disponível em: http://www.guerrapeixe.com/index2.html. Acesso em: 22 maio
2013.
39
Moacir seria um aluno tão aplicado em relação aos ensinamentos de Koellreuter, que se tornaria seu
assistente, lecionando em seu lugar sempre que ele precisava ausentar-se. Ver declarações a esse
respeito em entrevista de Moacir a Gabriel Improta, em: IMPROTA, Gabriel. Coisas: Moacir Santos e
a composição para seção rítmica na década de 1960. 2007. Dissertação. Centro de Letras e Artes.
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
26

também foram alunos de Koellreuter. Guerra-Peixe e Santoro haviam sido os dois
nomes mais representativos do Grupo Música Viva, núcleo de artistas e compositores
que, a partir de 1939, se unira em torno de Koellreuter, seu líder e fundador. O
Música Viva se tornaria, no Brasil, o principal grupo voltado para a renovação
musical a partir da pesquisa sobre novas técnicas composicionais – sobretudo, a partir
do dodecafonismo apresentado por Koellreuter e que seria utilizado de maneiras
diferentes por cada compositor do grupo. Guerra-Peixe e Santoro teriam, dessa forma,
suas respectivas fases de conversão ao dodecafonismo (Guerra-Peixe a partir de 1944,
Santoro a partir de 1940, cada um a seu modo) e suas posteriores fases de abandono
dessa técnica em direção a um novo nacionalismo, movidos pelo desejo de tornar sua
música mais inteligível e próxima do povo (Guerra-Peixe a partir de 1949, Santoro a
partir de 1948). 40 O próprio Koellreuter conheceria, por sua vez, esse processo, na
medida em que passaria, por volta de 1952, a “mostrar-se favorável à simplificação da
linguagem musical e sua orientação para o que ele chamou de ‘neo-realismo
brasileiro”. 41
A importância em traçar aqui, rapidamente, esses percursos dá-se pelo fato de
identificar em qual fase de suas respectivas carreiras esses compositores passaram a
orientar o discípulo Moacir Santos. A partir de 1949, conforme visto, Guerra-Peixe já
se tornara defensor do nacionalismo, mesmo ano em que começa a dar aulas a
Moacir. Porém, nas palavras do próprio Moacir, nessa época ele [Guerra-Peixe]
estava estudando com o Prof. Koellreuter aquelas coisas dodecafônicas, e me
mostrou aquilo tudo. Independente de alguma possível imprecisão temporal na
declaração de Moacir Santos, o fato é que o já nacionalista Guerra-Peixe dizia-se
“grato ao dodecafonismo, que lhe deu experiência e desenvolveu-lhe a capacidade de
reflexão a nível estético e lhe possibilitou, assim, a independência e liberdade de
escolha de seu próprio caminho”. 42 Já Cláudio Santoro passaria a uma postura
ideológica totalmente avessa ao dodecafonismo, à música concreta e, em suas
palavras, a quaisquer “dogmas pseudo-modernistas”, à “pseudo-música” e ao
“barbarismo”. 43 Koellreuter, por sua vez, enquanto professor de Moacir, ainda se
encontrava em fase de plena fé nos procedimentos musicais contemporâneos e


40
NEVES, José Maria. Música contemporânea brasileira. 1 ed. São Paulo: Ricordi Brasileira, 1981.
p.101.
41
Ibidem, p.131.
42
Ibidem, p.133.
43
Ibidem, p.132.
27

experimentais, só passando a advogar por um processo de simplificação estética dois
anos depois. No entanto, a despeito das diferentes trajetórias, há um aspecto que está
ligado de certa forma a todos os artistas envolvidos – o fato de que:

A técnica dodecafônica jamais representou, no Brasil, uma resposta real às


necessidades expressivas dos jovens compositores, tendo funcionado muito
mais como disciplina técnica com vista a uma melhor organização mental,
uma vez que, formados de modo inadequado e ineficaz dentro dos sistemas
tradicionais, eles encontravam-se perdidos no meio das mil possibilidades
novas que lhes eram apresentadas, contradizendo as ideias consagradas da
fatalidade do nascimento das obras musicais, frutos da inspiração. 44

É esse aspecto relativo à melhor organização mental ou à capacidade de


reflexão a nível estético que se deseja frisar enquanto postura comum aos artistas
citados como professores de Moacir Santos. Provavelmente, Moacir teve contato
tanto com as ideologias nacionalistas de Guerra-Peixe e Santoro (tendo em vista a
fase em que se encontravam) como com o rigor da técnica dodecafônica e a
abordagem contemporânea de Koellreuter. Mas vindo de todos os lados, certamente
ele deparou-se com a exigência de obter domínio técnico sobre vários processos
composicionais e, sobretudo, de obter consciência ao empregá-los e reflexão estética
sobre cada um deles.
Analisar a fundo a relação de cada professor de Moacir Santos (que, ademais,
teve vários outros) com a sua formação, evidentemente, não cabe nos objetivos deste
trabalho. 45 O que se mostra relevante, entretanto, é pontuar que, em meio às lições
adquiridas, parece ter havido liberdade para que o artista delimitasse seu caminho
estético pessoal – muito mais próximo do nacionalismo, ao seu próprio modo, do que
dos experimentos do grupo Música Viva. Este grupo, a despeito de sua proposta
experimental, já colocava claramente em seu Manifesto 1946 que era preciso “apoiar
a criação e a divulgação da boa música popular, combatendo a produção de obras
46
prejudiciais à educação artístico-social do povo”, daí revelando sua porção
engajada. O mesmo manifesto falava ainda nas “forças disruptivas’ que separam os


44
Ibidem, p.93.
45
Entre outros professores, um dos que merecem citação foi o compositor austríaco Ernst Krenek
(1900-1991), cujo 3º Curso Internacional de Férias da ProArte de Teresópolis, em 1952, foi
frequentado por Moacir, também com abordagem sobre dodecafonismo. Newton Pádua, Assis
Republicano, Joaquina Campos, José Siqueira, Radamés Gnattali e Paulo Silva também foram
professores do artista.
46
NEVES, José Maria. Música contemporânea brasileira. 1 ed. São Paulo: Ricordi Brasileira, 1981.
p.95.
28

47
homens (...) e que representam o atraso e a reação”, referindo-se às cisões
existentes entre as diferentes correntes ideológico-musicais que deveriam conviver,
cada uma com sua importância, ao invés de enfrentar-se. O próprio Guerra-Peixe, que
fora membro do Música Viva em um período importante de sua trajetória, sempre
tivera forte relação com o universo popular, a ele ligado por suas atividades
profissionais como instrumentista e arranjador. Tais considerações reiteram o aspecto
de liberdade referente à formação de Moacir Santos: nenhum dos seus principais
mentores mostrava-se contrário, resistente ou refratário à música popular de forma
geral. Não há registros, ao menos nas atuais pesquisas acadêmicas sobre Moacir, de
nenhuma declaração sua sobre ex-professores que tenham tentado influenciá-lo
contrariamente ao seu direcionamento nem “convertê-lo” a outra abordagem de
maneira excludente.
Vale aqui uma última palavra sobre o mestre que Moacir considerou, entre
todos os outros, “como um farol me inspirando com sua tenacidade nos estudos e sua
energia incansável para criar coisas”. 48 Trata-se de Guerra-Peixe, cuja influência
durante o período de criação de Coisa no.2 é bastante provável. Entre seus dois
períodos de atividades na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, Moacir Santos trabalhou
como maestro diretor musical da TV Record de São Paulo (1954-56). E foi nesse
breve período paulista de dois anos que ele retomou suas aulas com Guerra-Peixe:
nasceria, em 1956, Coisa no.2. 49 Algumas estratégias do professor Guerra-Peixe
podem ter sido influentes na concepção da peça:

• Segundo Ernest Dias (2010), o uso do ostinato em Coisa no.2 pode estar
ligado “aos ensinamentos de Guerra-Peixe, que aplicava o ostinato como
exercício de composição”. 50 Já Vicente (2012) inclui o uso de ostinatos por
Moacir no contexto da influência do jazz modal dos anos 1950 e 1960. Ele
discute, a partir de Freitas (2008), a existência de um “ethos modal afro-

47
Ibidem, p.127.
48
Declaração de Moacir citada em: ERNEST DIAS, Andrea. Mais 'coisas' sobre Moacir Santos, ou os
caminhos de um músico brasileiro. 2010. Tese. Universidade Federal da Bahia, Salvador. p.71.
49
Em seu estudo sobre os ritmos e modos de Moacir Santos, Vicente (2012) considera que “Em uma
espécie de genealogia entre professor-aluno, César Guerra-Peixe influencia a prática modal de Moacir
Santos em Coisas (1965), que por sua vez foi professor de Baden Powell na fase de composição dos
modais Afro-sambas (1966)”. Ver: VICENTE, Alexandre Luís. Moacir Santos, seus ritmos e modos:
“coisas” do Ouro Negro. 2012. Dissertação. Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis.
p.132.
50
ERNEST DIAS, Andrea. Mais 'coisas' sobre Moacir Santos, ou os caminhos de um músico
brasileiro. 2010. Tese. Universidade Federal da Bahia, Salvador. p.189.
29

americano, que marca a produção da década de 1960 a partir da figura de
Miles Davis, do ‘álbum essencial’ Kind of blue (1959)”. Alguns dos elementos
tidos por Freitas como pertencentes a esse contexto modal seriam, segundo
Vicente, “frequentemente empregados no processo composicional de Moacir
Santos, como economia, ostinatos, condução paralela das vozes, acordes em
quartas, estaticidade dos vamps, que sintetizam práticas comuns a esta
década.” 51
• Outros aspectos das aulas de Guerra-Peixe dizem respeito a sistemas e teorias
ligados à composição. Nesse sentido, Ernest Dias (2010) cita Oliveira (2007),
que “observa a prioridade dada por Guerra-Peixe ao ‘caráter modal ou atonal
dos exercícios’ (pressupondo que os alunos tivessem familiaridade com o
sistema tonal, devendo, por isso mesmo, evitá-lo, se quisessem alcançar novos
52
horizontes)”. Esta pode ter sido uma premissa importante para o
desenvolvimento na música de Moacir de sua típica “mediação entre
tonalismo, modalismo e atonalismo (...)”, 53 o que, nesta pesquisa, relaciona-se
diretamente com a Pós-Tonalidade Triádica discutida no subcapítulo anterior.
• Outras premissas podem ser consideradas a partir do manual de Guerra-Peixe
Melos e Harmonia Acústica: princípios de composição musical:

(...) equilíbrio entre saltos e graus conjuntos, compensação de saltos e de


arpejos, relação de segundas (linha escalar camuflada), tensão e
afrouxamento melódico (direcionamento ascendente e descendente da
melodia), pontos culminantes parciais, ponto culminante total – inferior e
superior (clímax) –, utilização de células com suas variantes, dentre outros
itens abordados. 54 [grifo meu]

O grifo acima diz respeito, como veremos, especialmente aos temas da Introdução
e da seção A de Coisa no.2, mas todos os elementos da citação podem ser igualmente
encontrados na peça. Dias completa a citação dizendo que o manual de Guerra-Peixe

51
VICENTE, Alexandre Luís. Moacir Santos, seus ritmos e modos: “coisas” do Ouro Negro. 2012.
Dissertação. Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis. p.148.
Vale ainda observar que Vicente realiza uma ampla discussão sobre Moacir enquanto
trajetória semelhante à dos músicos do jazz americano, citando Magee (2007), para quem “O Afro-
americanismo se manifesta nos esforços em fundir ou justapor o rural e o urbano, o sentimento da
distância do lar e o cosmopolita, o simples e o sofisticado. O principal canal musical do Afro-
americanismo – e seu mais rico e flexível meio é o blues.” Ibidem, p.139.
52
ERNEST DIAS, Andrea. Mais 'coisas' sobre Moacir Santos, ou os caminhos de um músico
brasileiro. 2010. Tese. Universidade Federal da Bahia, Salvador. p.101.
53
Ibidem, p.167.
54
OLIVEIRA apud ERNEST DIAS, Andrea. Mais 'coisas' sobre Moacir Santos, ou os caminhos de
um músico brasileiro. 2010. Tese. Universidade Federal da Bahia, Salvador. p.101.
30

“prevê outros elementos a serem exercitados para dar forma à melodia, como as
variações monorrítmicas em graduações crescentes de densidade e atividade, partindo
da forma barroca do doble”, que no manual, seria tratada como uma “série de
variações elementares sobre um tema curto e característico, cada uma com sua
configuração rítmica própria, interessando que o tema seja reconhecido em todas.” 55
Ficará claro na análise do material melódico de Coisa no.2 a utilização por Moacir
Santos desses princípios, transmitidos didaticamente pelo seu principal professor.

• Um último aspecto importante diz respeito ao conceito de Harmonia acústica,


presente no manual de Guerra-Peixe e extraído de Hindemith, sobre o qual
Ernest Dias (2010) pontua:

(...) os acordes são hierarquizados qualitativa e quantitativamente pelo


maior ou menor grau de atrito sonoro que as dissonâncias e consonâncias
provocam, a depender do acúmulo de sons em sua estrutura – da tríade ao
acorde de 12 sons – e de seu posicionamento em relação ao som mais grave.
Quanto mais dissonâncias agudas embutidas no acorde, mais tenso ele será
considerado. 56

Já Guerra-Peixe, em seu manual, define o conceito da seguinte forma:

Sob o designativo de “Harmonia acústica” compreende-se, neste livro, a


aplicação harmônica – a duas e mais vozes – da tensão proporcional dos
intervalos: isto é, do emprego racionalizado das consonâncias e
dissonâncias. Os princípios aqui expostos são válidos para qualquer estilo de
música, antigo ou contemporâneo (...). Porém, previne-se ao estudante que
não basta estar senhor dos valores físicos dos sons, pois é preciso que ele
também empregue a sua sensibilidade se quiser eliminar a aridez dos
estudos. E verificará, na prática, que quando a sensibilidade concorre para
humanizar as fórmulas acadêmicas, é porque fisicamente tudo está correto.
(...) 57

Veremos como ocorre em Coisa no.2 o progressivo adensamento de diversos


procedimentos, o controle das dissonâncias e os momentos de clímax, bem como
outros aspectos que se mostram de acordo com as premissas expostas acima.

Como então, finalmente, o músico “instintivo” Moacir Santos passou a


compor a partir de seu período de consciência e despertar musicais relativos aos

55
Ibidem.
56
Ibidem, p.103.
57
GUERRA-PEIXE apud ERNEST DIAS, Andrea. Mais 'coisas' sobre Moacir Santos, ou os caminhos
de um músico brasileiro. 2010. Tese. Universidade Federal da Bahia, Salvador. p.103.
31

estudos teóricos? Antes de mais nada, é importante observar que o que Moacir chama
de estudo – aquilo que antes lhe causava aversão e depois passou a estimulá-lo –
refere-se, obviamente, ao estudo teórico-formal. Mas seria descabido afirmar que seu
conhecimento anteriormente acumulado desde a infância através da prática não
representaria um estudo – incluindo a inevitável porção teórica que todo treino prático
traz consigo. 58 Quando o jovem Moacir prestou teste para instrumentista da Rádio
Nacional, em 1948, foi assim que o maestro Chiquinho referiu-se a ele ao relatar o
teste para o diretor da rádio: “O teste foi para nós, Sr. Diretor. / Como assim? /
Colocamos umas músicas para o rapaz e ele tocou tudo. Entretanto, ele colocou umas
músicas para nós e nós não as tocamos.” 59 O maestro Chiquinho referia-se aos choros
que o jovem Moacir já compunha na época de maneira “instintiva” e os apresentou
para os músicos de sua big band. Há de se acrescentar, ainda, que ao menos parte
desses choros provavelmente não foi apresentada “de memória” por Moacir naquela
ocasião, tendo em vista a existência de manuscritos da época registrando essas peças
em partitura. 60
O estudo e conhecimento de Moacir Santos, portanto, obviamente não foram
inaugurados pelo contato com as reflexões teóricas no Rio de Janeiro. Mas foram, não
obstante, consideravelmente transformados por elas. É isso que o longo processo de
produção para o LP Coisas começa a demonstrar e que, aqui, será aprofundado na
análise de duas de suas peças mais representativas: Coisa no.2 e Coisa no.3. Vamos a
primeira delas.


58
Na verdade, é natural que exista certo método em práticas musicais aparentemente “instintivas”;
assim como nada impede que haja intuição no trabalho de músicos com formação teórica sólida. Tal
dicotomia “instinto/estudo formal”, portanto, deve ser aqui bastante relativizada.
59
Declaração citada em: ERNEST DIAS, Andrea. Mais 'coisas' sobre Moacir Santos, ou os caminhos
de um músico brasileiro. 2010. Tese. Universidade Federal da Bahia, Salvador. p.66.
60
Ernest Dias também teve acesso a esses manuscritos e apresenta em sua tese ao menos um fac-simile
do choro Ricaom, datado de 1944. Vide referência da nota anterior, p.65.
32

1.2. Analisando Coisa no.2

1.2.1. Considerações iniciais e Forma

Entre os vários aspectos referentes a Coisa no.2, um deles merece destaque


como traço introdutório, já que parece sublinhar não apenas essa peça específica, mas
a própria abordagem compositiva de Moacir Santos como um todo. Esse aspecto diz
respeito ao ideal de “unidade, variedade e proporção em música” enquanto princípios
que “asseguram coerência à forma musical.” 61 Ernest Dias (2010), a partir do acesso
que teve aos cadernos de anotações e aforismos de Moacir, apresenta o pensamento
do compositor a esse respeito: “Música é a poesia dos sons, arte em que a unidade, a
62
proporção e a variedade são os principais fatores.” Segundo a autora, esse
pensamento teria se baseado, entre outras fontes, no manual de Percy Goestchius
(1992), cujo exemplar disponível na biblioteca de Moacir traz o seguinte trecho:

Uma composição musical, então, em que a ordem prevalece; em que todos


os fatores são escolhidos e tratados em estreito acordo com as relações
lógicas entre uns e outros e deles com o todo; em outras palavras, em uma
música com forma (i.e. boa forma), não há desordem no pensamento ou na
técnica. Uma organização criteriosa dos vários componentes da composição
(suas figuras, frases, motivos e outros fatores desta natureza) irá mostrar
tanto acordo quanto contraste, tanto confirmação quanto oposição; pois
medimos as coisas por comparação tanto com o que lhes é semelhante
quanto com o que delas é diferente. Nossa natureza requer a evidência da
uniformidade, pois isto ressalta as impressões, tornando-as mais fáceis de
compreender e de apreciar; mas nossa natureza também clama por um certo
grau de variedade, que se contraponha à monotonia que resultará de uma
uniformidade demasiadamente persistente. Quando os elemento da unidade
e variedade estão criteriosamente relacionados, uniformemente
equilibrados, a forma está boa. Por outro lado, uma composição está sem
forma, ou falha na forma, quando as partes componentes estão
descuidadamente misturadas, sem consideração às proporções e relações. 63

Os trechos acima que estão sublinhados o foram pelo próprio Moacir, bem
como as palavras em negrito que, no original, foram por ele grifadas em cores. É
importante lembrar que a primeira edição do livro de Goestchius data de 1904 e

61
Ibidem, p.167.
62
Ibidem.
63
Trecho retirado de: GOETSCHIUS, Percy. Lessons in music form: a manual of analysis of all the
structural factors and designs employement in musical composition. Pennsylvania: Oliver Ditson
Company/ Theodor Presser Company, 1904. Reimpressão 1992.
Tradução do trecho por Andrea Ernest Dias em: ERNEST DIAS, Andrea. Mais 'coisas' sobre Moacir
Santos, ou os caminhos de um músico brasileiro. 2010. Tese. Universidade Federal da Bahia, Salvador.
p.167-68.
33

elabora suas ideias a partir dos repertórios clássico e romântico europeus (os
exemplos musicais utilizados são principalmente de Beethoven, Mozart,
Mendelssohn, Schumann e Schubert; com menos citações a Brahms, Chopin e Grieg).
Suas ideias batem, sobretudo, com as declarações de um Moacir Santos que se diz
apreciador principalmente de românticos como Brahms e Chopin 64 e cujo largo
estudo das formas eruditas inclui (além do livro de Goestchius) títulos como: The
shaping forces in music (Ernst Toch); Sonata forms e The classical style (Charles
Rosen); The homofonic forms of musical composition (outra obra de Goestschius);
entre outros. Em Moacir, se percebe não apenas a obediência aos princípios de
unidade e proporção como também se pode identificar a variedade (ou variação)
como elemento fundamental e gerador de suas formas. Já no que tange à proporção,
ela inclui uma categoria específica que, na obra de Moacir Santos, ocupa um lugar
importante: a simetria. Salles (2009), em suas considerações sobre simetria na obra de
Heitor Villa-Lobos, traz colocações que poderiam igualmente ser empregadas aqui:

A ocorrência das simetrias villalobianas sugere na maior parte das vezes que
elas são derivadas do próprio material, sem que assumam um papel
nitidamente estrutural na composição. (...) Para Villa-Lobos a simetria não é
necessariamente uma “planta arquetípica”, mas um ponto de partida ou
mesmo um ocasional patamar de estabilidade que o compositor
eventualmente adota como um elemento estrutural a ser transformado. (...)
enquanto para Webern a simetria é o objetivo da peça, para Villa-Lobos ela
é apenas um ponto de partida, um material a ser desconstruído. (...) se
aplica principalmente a momentos pontuais da composição, ou ainda mais
especificamente à geração de estruturas estáveis que são sistematicamente
desestabilizadas (...). 65

Ver-se-á que as simetrias no sentido empregado acima – derivadas do próprio


material e em momentos pontuais – se aplicam bem a Moacir. Suas obras trazem
procedimentos simétricos em diferentes níveis, desde o mais superficial até níveis
mais profundos. Nesses últimos, como veremos, eles ocorrem especificamente em
momentos chave das peças ou de suas seções, apenas como ocasional patamar de
estabilidade abandonado logo em seguida. Começando pelo nível mais superficial – o
da Forma – é possível recorrer novamente às palavras de Salles:

Modelos de construção formal em música, como as chamadas “formas


clássicas”, são assim representações de estruturas simétricas essencialmente

64
Ibidem, p.167.
65
SALLES, Paulo de Tarso. Villa-Lobos: processos composicionais. 1 ed. Campinas: Editora da
Unicamp, 2009. p.45-46.
34

translacionais. Ao falarmos em forma ternária do tipo A-B-A’, por
exemplo, reconhecemos um padrão que é translacional quanto à repetição da
seção A (...). 66

Coisa no.2 pode ser considerada uma forma binária precedida de Introdução.
No entanto, as seções da peça são repetidas com diversas variações nos planos
harmônico, melódico e textural, incluindo os solos. De modo que, a partir da
constante translação de cada seção com variações se estabelece a forma abaixo:

Seções Nº de comp. Características e instrumentação


Introdução Piano executa a melodia da Intro; acompanhamento
(armadura de clave 16 + 4 harmônico da guitarra; poucas intervenções do xilofone
indica Bb maior) (comentários melódicos) e da bateria, que só entra de fato nos
4 compassos finais junto com o baixo (levada ternária de
jazz).
Tema melódico principal da peça surge nessa seção,
Seção A 8 executado em uníssono por trombone, trompa e sax tenor,
acompanhados pela seção rítmica (bateria, baixo e guitarra).
Melodia tocada pelos mesmos instrumentos da seção A;
Seção B 8 acompanhamento da seção rítmica (bateria, baixo, piano e
guitarra, com intervenções do vibrafone).
Tema melódico principal passa para o vibrafone transposto
Repete seção A 8 uma 8ª acima e dobrado em uníssono pelo piano na nota da
ponta ou em notas intermediárias dos acordes.
Melodia (sax alto + flauta 8ª acima) com variações em
Seção B’ 16 relação à seção B; surgem contracantos nos demais sopros;
acompanhamento da seção rítmica (exceto vibrafone).
Repete seção A 8 Instrumentação se adensa: tema melódico principal é
dobrado 8ª acima por sax alto e trompete.
Repete seção B 8 Adensamento semelhante da instrumentação na execução da
melodia.
Solo de Flauta 8 Provavelmente um solo escrito, variando o tema melódico
principal da música em quartinas.
Solo de Vibrafone 8 Igualmente escrito, realiza outras variações rítmicas do tema.
Melodia (trompa, sax alto e trompete em uníssono + flauta 8ª
Seção B’’ 8 acima) com novas variações em relação à seção B; trombone
baixo, trombone tenor, sax barítono e sax tenor fazem a
harmonização junto com o piano; intervenções do vibrafone.
Tema melódico principal transposto uma 8ª abaixo (em
Repete seção A 8 relação à primeira seção A) para sax barítono, trombone
baixo e contrabaixo (uníssono); piano dobra o tema uma 8ª
acima na mão esquerda e mais uma 8ª na mão direita.
Solo de bateria 6+2 6 compassos só com a bateria + 2 compassos onde voltam os
sopros, preparando a modulação harmônica.


66
Ibidem, p.44.
Grosso modo, a translação, em sua origem científica “constitui operação simples de simetria e
corresponde à repetição periódica de um motivo que se desloca em uma direção” (Rohde, 1997, p. 10).
Em música, tal operação está relacionada à transposição de alturas.
35

A música modula para Db maior e o tema melódico
Repete seção A 8 principal se adensa, harmonizado por todos os sopros numa
(modulação) textura de voicing; trombone e trompa executam contracantos
nos dois compassos finais.
A música modula bruscamente de volta para Bb maior. O
Repete seção A 8 tema melódico principal é tocado em três oitavas diferentes:
(volta à tonalidade sax tenor (voz grave), sax alto + trompete (uníssono – voz
original) intermediária) e flauta (voz aguda). Acompanhamento apenas
do baixo e bateria, sem nenhum instrumento harmônico
(súbito enxugamento sonoro).
Repete seção B’’ Melodia com sax alto e trompete (uníssono) + flauta 8ª
(com variações) 8 acima; harmonização com os demais sopros e a seção rítmica;
baixo e bateria só acompanham.
Sopros e piano sustentam o acorde final de Bbmaj7(9);
Coda 3 bateria e baixo fazem os dois últimos compassos de levada e
finalizam no tempo forte do terceiro e último compasso.

Figura 1-5: esquematização da Forma de Coisa no.2.

Diversos elementos individuais de Coisa no.2 competem para estruturar a


Forma esquematizada acima. O primeiro a ser abordado se encontra sugerido pelo
“tema melódico principal” destacado em negrito em várias das seções: trata-se da
variação motívica e melódica operada por Moacir Santos e que, aqui, aparece como o
primeiro procedimento gerador da Forma. A partir dele, estabelecemos um caminho
analítico pelos vários elementos da peça, de modo a seguir a lógica mais clara
possível.

1.2.2. Material melódico e variação

O “tema melódico principal” identificado nas várias repetições da seção A é o


que apresenta maior recorrência dutante a peça, entre repetições literais e variações, e
traz consigo o material que dá origem às demais seções. Com relação a esse processo,
entendemos ser pertinente, antes de tudo, recorrer à definição de Schoenberg (2008)
sobre o que signfica “tema”:

Uma ideia musical completa, ou tema, está geralmente articulada sob a forma de
período ou de sentença. Estas estruturas normalmente aparecem na música clássica
como partes de grandes formas (por exemplo, o A na forma ABA’) (...) centram-se ao
redor de uma tônica e possuem um final bem definido. Nos casos mais simples, estas
36

estruturas consistem em um número par de compassos, geralmente oito ou um
múltiplo de oito (...). 67

Schoenberg divide, portanto, os temas entre as categorias de período e de


sentença. A primeira delas é a que mais se aproxima das características dos temas de
Moacir, pois Schoenberg define os períodos como construções cíclicas, cujo “modelo
padrão (...) consiste em oito compassos divididos em um antecedente e um
consequente de quatro compassos cada um, separados por uma cesura no quarto
compasso”. 68 De maneira geral, o modelo de período mais simples incia-se-ia com
uma primeira frase nos dois primeiros compassos, a qual se conecta a formas-motivo
contrastantes nos compassos 3 e 4, “perfazendo assim a primeira metade do período:
69
o antecedente”; nos quatro compassos seguintes, este antecedente sofre uma
“repetição modificada” 70 que encerra a parte conclusiva do tema: o consequente. É
claro que essa definição de período não descreve, necessariamente ao pé da letra, o
que se passa com todos os temas de Moacir – tendo em vista que, justo por tratarem
de música, tais categorias apresentam, naturalmente, certo grau de imprecisão. Não
obstante, esta é a definição mais próxima das construções temáticas do artista, tal
como ocorre na Introdução. Aqui, antecedente e consequente possuem oito compassos
cada, em vez de quatro, e a cisura dá-se na frase ascendente do c.8:

Figura 1-6: tema da Introdução.

A seção B também chega a formar o que seria um “antecedente” de oito


compassos, mas não realiza nenhuma repetição variada do material, apenas uma


67
SCHOENBERG, Arnold. Fundamentos da composição musical. 3 ed. 1 reimpr. São Paulo: Editora
da Universidade de São Paulo, 1996. p.48.
68
Ibidem, p.51.
69
Ibidem.
70
Ibidem, p.55.
37

repetição literal por conta do ritornelo. Configura, assim, simples frase repetida, não
sendo sentença nem período:

Figura 1-7: tema da seção B.

O tema melódico principal, presente na seção A, surge de forma ambígua,


mas tal como a Introdução, também pode ser tido como período, dessa vez com
quatro compassos no antecedente e quatro no consequente. O tema também traz
consigo o motivo principal da peça, conforme abaixo:

Figura 1-8: tema melódico principal.

Observe que o tema é construído por quatro apresentações sucessivas do


motivo principal: após sua primeira entrada, ele se repete duas vezes transposto e
mais uma vez de forma retrógrada-invertida. O motivo principal será o material
originário de todos os demais temas de Coisa no.2, aparecendo transposto no início de
cada um deles: 71


71
Aqui estão reproduzidos na ordem em que surgem na peça os temas de todas as seções (exceto a
seção A já exposta). As seções que repetem a melodia de uma seção anterior de forma literal, mesmo
que em oitavas diferentes, ou modulada, não foram reproduzidas por uma questão de simplificação.
38

Figura 1-9: presença do motivo principal nos demais temas.


39

Não apenas o motivo principal, mas o próprio contorno da seção A pode ser
visto nas demais seções de Coisa no.2 – nos permitindo conferir de outro modo a
capacidade de variação de Moacir a partir de pouco material melódico. Visando
enxergar melhor essas relações, vamos seguir o método de Reti (1978) que, aplicado
ao contexto da música clássica, elimina os valores rítmicos e valoriza contorno e
conteúdo das melodias para fins de comparação. A colocação do autor de que os
compositores, em geral, procuram atingir “homogeneidade na essência interna” ao
72
mesmo tempo em que buscam “variação na aparência externa” aplica-se de
imediato ao material de Moacir Santos:


72
RETI, Rudolph. The thematic process in music. Westport, Connecticut: Greenwood Press,
Publishers, 1978. p.13. *
40

Figura 1-10: contornos extraídos das seções da peça.

Os contornos extraídos acima visam demonstrar como o material temático da


seção A encontra-se presente nas demais seções de Coisa no.2. Para facilitar essa
comparação, vamos dispor os contornos na página seguinte, transpondo os que forem
necessários para a mesma região do tema principal:
41

Figura 1-11: presença do contorno da seção A (tema melódico principal) nas demais seções.

Os trechos assinalados dentro da mesma figura geométrica realizam o mesmo


contorno melódico, algumas vezes, com relação intervalar idêntica ou muito
semelhante (exemplo: início da Intro e das seções A, B, Solo Flauta e B’’). O
contorno da seção A encontra-se presente claramente em todas as seções da peça,
incluindo o Solo de Vibrafone e o início da seção B’, que realizam uma condensação
do tema principal pela modificação e omissão de intervalos (veja as notas comuns
dessas seções em relação à seção A assinaladas pelos paralelogramos).
42

O tratamento do material melódico, partindo de um desenvolvimento claro do
motivo principal (e do tema principal como um todo) mostra-se, portanto, como o
primeiro procedimento organizador e gerador da Forma em Coisa no.2.
Como última observação relativa ao material melódico, note pelos temas da
Introdução e da seção A como as premissas do professor Guerra-Peixe sobre a
“relação de segundas (linha escalar camuflada)” (vide citação p.29) foram praticadas,
mesmo as relações abaixo não sendo inteiramente por segundas:

Figura 1-12: linha escalar nos temas da Introdução e seção A.

1.2.3. Abordagem harmônica

Este é o principal aspecto que levou esta pesquisa a situar Moacir Santos na
ampla seara da Pós-Tonalidade Triádica. A abordagem harmônica dúbia do
compositor tem levado outros pesquisadores a analisá-la de formas divergentes entre
si (Ernest Dias, 2010; Vicente, 2012), sempre recorrendo à cifragem da música
popular como instrumento principal. Não obstante as ótimas contribuições desses
trabalhos, o exame sobre as harmonias moacianas nos levou a tomar outro caminho.
Aqui, um dado histórico mostra-se importante: as cópias originais das partituras do
LP Coisas se perderam completamente no incêndio ocorrido na sede do extinto selo
Forma, responsável pelo lançamento do disco no Rio de Janeiro nos anos 1960. Para
que as partituras do disco pudessem ser lançadas em songbook, um dos músicos a
frente do projeto editorial, o saxofonista Zé Nogueira, transpôs todos os arranjos para
43

grade completa a partir das gravações originais. 73 Este fato traz alguma incerteza
sobre Moacir ter ou não se envolvido diretamente na transcrição e cifragem de suas
peças tal como se encontram no songbook. Mas, ainda que o tenha feito, há de se
considerar que um intervalo de décadas entre a gravação original e a edição das
partituras possa ter provocado imprecisões na maneira como as harmonias foram
cifradas. 74
Porém, independentemente dessa questão, o que a investigação sobre a
harmonia de Moacir revela é que o foco na condução de vozes é consideravelmente
mais importante que a lógica vertical da harmonia em bloco. Tymoczko (2011)
considera que “harmonia e contraponto constroem-se um ao outro” e acrescenta para
a música triádica: “claramente, uma condução de vozes eficiente é simplesmente
movimento melódico conjunto [nunca por mais de dois semitons] em todas as partes
75
de uma estrutura contrapontística.” Acrescento que, embora existam blocos
harmônicos em Moacir Santos (tríades, tétrades, pêntades etc), estes existem como
resultados de uma condução de vozes específica e “bem acabada”. Esta condução de
vozes revela muito mais sobre a linguagem harmônica do artista do que uma relação
entre acordes que dificilmente se mostra clara. Se não, vejamos.
Pode-se dividir a análise harmônica de Coisa no.2 entre as quatro primeiras
seções da peça, ou seja: Introdução – Seção A – Seção B – Primeira repetição da
seção A (ou Seção A’). Tal divisão é possível porque essas quatro primeiras seções
esgotam o material harmônico da música (conforme dito anteriormente, as seções A e
B se repetem várias vezes com diferentes variações, porém não mais apresentando
dados harmônicos novos). A Introdução é a seção que mais se aproxima de uma
“clareza” tonal – embora este termo tampouco seja apropriado. Por esta razão, é nela
onde o uso de cifras torna-se mais útil. Ainda assim, como já dito, as análises
existentes de dois outros autores sobre a Intro apresentam cifragens divergentes. 76
Nesta pesquisa, mais do que procurar uma cifragem “definitiva” para o trecho, o


73
É este material que tem servido de base para todos os pesquisadores que têm analisado peças do
disco Coisas em seus trabalhos acadêmicos: SANTOS, Moacir. Coisas: cancioneiro Moacir Santos.
Rio de Janeiro: Jobim Music, 2005.
74
O songbook Cancioneiro Moacir Santos com os arranjos do disco Coisas foi lançado em 2005, 40
anos, portanto, após o lançamento do LP.
75
TYMOCZKO, Dmitri. A geometry of music. 1 ed. New York: Oxford University Press, 2011. p.12-
13. *
76
Deve-se frisar que a harmonia desta seção não possui cifras no songbook original.
44

ponto importante é apontar a dubiedade harmônica e o progressivo “adensamento”
operado por Moacir através das seções da peça.

Introdução

A Introdução de Coisa no.2, à primeira vista, une melodia em modo


mixolídio, “harmonia modulatória” 77 e ciclo de quintas (ligeiramente alterado) no
baixo. A redução abaixo traz a melodia do piano, o acompanhamento da guitarra e os
arpejos de vibrafone e piano:


77
Sobre o conceito de “harmonia modulatória”, Vicente (2012) cita Tiné (2008) com relação a uma
prática compositiva onde os “acordes parecem não ter relação entre si através do campo harmônico”
(Tiné, 2008, p.171). Em Moacir Santos, essa prática se uniria, segundo Vicente, a uma estratégia
frequente “no emprego de uma seleção de notas na melodia que acabam por constituir a estrutura de
um modo, sem vinculação direta à tonalidade ou progressão harmônica subjacente da música.”
(Vicente, 2012, p.155). De outro ponto de vista, tal colocação relaciona-se com o próprio conceito de
Pós-Tonalidade Triádica.
45

Figura 1-13: redução da Introdução.

A melodia em modo Mixolídio aqui se estabelece em Fá (c.1-8; exceto quanto


ao mi natural no arpejo do piano no c.8, que sugere o modo Jônio) e em Sib (c.9-16).
Não surpreende que a harmonia desse trecho já tenha sido cifrada de outras maneiras,
tendo em vista a prática frequente de Moacir de produzir ambiguidade harmônica. A
cifragem estabelecida aqui considera que o primeiro acorde, Bb7(13), pela sua
estrutura de dominante, não oferece estabilidade para soar como um I grau, de modo
que é possível estabelecer dois polos: o primeiro, nos oito primeiros compassos, nos
conduz até o repouso no F6 como I grau, precedido pela cadência II - V; e o segundo
polo, nos oito últimos compassos, nos conduz até o repouso no Bb6 como I grau,
precedido pela mesma cadência. Reforçando a ambiguidade, no primeiro polo,
embora a harmonia induza à tonalidade de F Maior, as notas principais da melodia
descrevem a linha escalar descendente: Fá – Dó – Sib – Lá; ou seja, o arpejo do
acorde Bbmaj7(9) sem a terça, que só é citada no acorde F6. Igualmente, no segundo
polo, em Bb Maior, as notas principais da melodia (Sib – Fá – Mib – Ré) arpejam o
acorde de Ebmaj7(9) sem a terça, citada no acorde Bb6. As citações da melodia,
portanto, descrevem sempre os acordes de quarto grau subdominante referentes a cada
tonalidade.
À exceção dos dois primeiros compassos de cada polo, as notas do
acompanhamento que exercem a função do baixo descrevem ciclos de quintas: Lá –
Ré – Sol – Dó – Fá (c.3-7); e Ré – Sol – Dó – Fá – Sib (c.11-15).
Apenas para citar outra análise da harmonia da Intro, Ernest Dias (2010) a
coloca de maneira que reforça ainda mais seu caráter ambíguo: “Ambivalência de
modos: comp.1-2 (Bb e Bbm); comp. 3-4 (F e Fm, em segunda inversão); comp.5-6
46

(Eb e Ebm); comp.7 (F6); comp.8 (Fmaj7)”. 78 A mesma autora considera ainda outra
possibilidade de análise a partir da harmonia tradicional:

A utilização do acorde de sétima da dominante (Bb7) no compasso 1 dá


duplo significado funcional à nota si bemol. Pelo paradigma do esquema
barroco e clássico binário (A-B), o primeiro compasso deveria ser afirmado
como tônica e o movimento harmônico levar a um acorde de dominante ao
final do período. Em “Coisa nº 2”, no entanto, vê-se que ocorre uma
inversão de papéis, com o primeiro grau (si bemol) aparecendo como
dominante conduzindo ao quinto grau (fá) em função de tônica, no
compasso 7. 79

As várias possibilidades de análise ilustram o aspecto da ambiguidade


harmônica que Moacir empregava em suas peças. Entretanto, os dois principais
elementos organizadores aqui apontam para a simetria e o paralelismo – práticas
constantes em Moacir Santos. A simetria mais clara, nesta Introdução, diz respeito à
transposição do primeiro polo ao segundo polo, nota por nota, uma quarta justa acima
(excetuando-se apenas os arpejos do piano e vibrafone). Esse simples procedimento
completa toda a extensão da Intro. Outra transposição importante diz respeito ao
intervalo de quinta justa entre as notas da ponta dos acordes e as notas da melodia.
Excetuando as notas ornamentais (ex: Sol4 no primeiro tempo do c.2; Mib4 no
primeiro tempo do c.4), esse intervalo de quinta justa na ponta se mantém durante
toda a Intro. Tal paralelismo ocorre também na melodia, inteiramente dobrada 8ª
abaixo. Já nas vozes internas do acompanhamento, temos um movimento constante
por segundas maiores e menores. 80 Isolemos abaixo o movimento das vozes internas
apenas do primeiro polo, que se repete transposto no segundo:


78
ERNEST DIAS, Andrea. Mais 'coisas' sobre Moacir Santos, ou os caminhos de um músico
brasileiro. 2010. Tese. Universidade Federal da Bahia, Salvador. p.187.
79
Ibidem, p.187-88.
80
Esse movimento, inclusive, gera algumas armações na guitarra que são simétricas, ex: c.3 e 4 – 5 e 6;
o que pode sugerir certa ingerência do elemento visual na maneira como Moacir harmonizou o trecho.
47

Figura 1-14: movimento das vozes internas do acompanhamento na Intro.

Os elementos organizadores na Introdução de Coisa no.2, com função


estrutural, portanto, podem ser assim definidos: melodia modal escalar descendente +
movimento por segundas nas vozes internas + paralelismo de quinta justa na ponta e
de 8ª na melodia + transposição de quarta justa ascendente do primeiro polo para o
segundo + baixo executando ciclo de quintas (ligeiramente alterado). Tudo parece
indicar que, a despeito da harmonia em bloco e de sua ambiguidade, o trecho da Intro
é guiado, sobretudo, por uma preocupação de natureza contrapontística referente à
condução das vozes, algo que será bastante assinalado no prosseguimento das
análises.
Um último aspecto merece ser observado e diz respeito a procedimentos de
simetria. Na Introdução, Moacir escolheu enfatizar a “sensação” simétrica em dois
pontos específicos (e em nenhum outro): na metade da seção e na sua conclusão.
48

Figura 1-15: simetria quartal na Introdução.

O elemento simétrico circulado em primeiro plano é o arpejo do vibrafone,


todo em quartas, nos c.7-8 e 15-16, meio e fim da progressão. 81 Tais simetrias
realizadas em pontos-chave da seção (e desestabilizadas logo em seguida) são algo
frequente em Moacir Santos, como o decorrer das análises deverá confirmar.

Seção A

A sequência das seções de Coisa no.2 vai construindo um progressivo


adensamento de alguns procedimentos demonstrados na Introdução. A apresentação
da seção A opera mudanças muito sutis nesse sentido. Ela é antecedida por quatro
compassos da entrada da bateria (levada ternária de jazz) junto com um ostinato no
contrabaixo. O ostinato estabelece o centro em Sib, num modelo de quartas e quintas
que irá perdurar por toda a composição (exceto apenas na terceira repetição da seção
A, quando o baixo dobrará a melodia). Segue a entrada do baixo com a bateria:


81
Veremos mais adiante que a Teoria Pós-Tonal classifica esse tipo de simetria como uma simetria por
notas (Straus, 2013), ou seja: levando em conta o registro em que elas surgem na partitura, podemos ler
os intervalos (de um acorde ou arpejo, por exemplo) de baixo para cima da mesma forma que de cima
para baixo, algo que ocorre, obviamente, com um arpejo construído em quartas.
49

4ªJ (anacruse) 5ªJ 4ªJ

Figura 1-16: ostinato do baixo com levada da bateria.

Na sequência, ouvem-se os mesmos elementos estruturais da Introdução


conduzirem a seção A com ligeiras mudanças. A melodia continua estabelecendo o
modo de Bb Mixolídio. O movimento por segundas maiores e menores continua a
guiar as vozes do acompanhamento da guitarra (dessa vez, todas as vozes e não
apenas as internas). Os intervalos da ponta se dão no acompanhamento da guitarra
(não mais entre acompanhamento e melodia) e mantêm os intervalos de quinta, dessa
vez, se alternando com os de quarta, suas inversões (afora as exceções da quarta
aumentada no c.22 e da sexta menor no c.24). A estratégia ambígua se intensifica,
sobretudo, pela dubiedade entre Bb menor e Bb Maior, esse último se estabelecendo
apenas no fim da seção. 82 Dessa forma, lembrando novamente Vicente (2012), aqui
permanece a não vinculação da melodia (modo Mixolídio) com a progressão
harmônica subjacente da música. A redução abaixo apresenta esses detalhes:

21

25

Figura 1-17: redução da seção A.


82
Aqui seguimos as cifras tal como escritas no songbook.
50

Aqui já se inicia um momento da peça em que as cifras, “oficiais” ou não, já
não serão de grande serventia do ponto de vista da análise. Assim, a despeito da
cifragem do songbook exposta acima, o que temos nesta seção A é uma progressão
que pode ser dividida claramente em duas camadas: a linha melódica da ponta e as
tríades que se relacionam abaixo dela (o exemplo abaixo está transposto oitava
acima):

Figura 1-18: divisão de camadas na seção A.

A linha melódica da ponta, como veremos, terá o seu contorno repetido


também pela linha melódica superior no acompanhamento na seção B. Já com relação
às tríades, é fácil perceber que de nenhuma forma elas se relacionam tonalmente ou
mesmo dentro de um único campo harmônico modal. A maneira como se conectam
pode ser melhor expressada pelas Transformações triádicas da Teoria
Neoriemmaniana, uma das referências teóricas centrais trabalhadas nesta pesquisa. As
transformações assinaladas entre as tríades acima são transformações compostas, ou
seja, reúnem mais de uma categoria de transformação a conectar cada tríade: L+N ou
N+L. Detalhando melhor esse processo, vejamos abaixo a figura 1-19 com a linha
melódica da ponta excluída para facilitar a visualização: 83

Figura 1-19: desmembrando as transformações triádicas da seção A.

Os acordes fora do parêntese são as tríades maiores conectadas por Moacir:


Db+, C+, Cb+, Bb+, Cb+, Bb+. A figura expõe as transformações compostas que


83
As tríades estão cifradas tal como na Teoria Neoriemmaniana, sendo sinal de mais (+) para tríades
maiores e de menos (–) para tríades menores.
51

conectam cada tríade: L (Leading-tone), onde a fundamental da tríade move-se por
meio tom, resultando no mapeamento de uma tríade maior em sua mediante menor
(note que essa relação ocorre na direção contrária entre a oitava e a antepenúltima
tríade); e N (Neberverwandt – outra transformação), que mapeia uma tríade menor na
sua dominante maior, ou uma tríade maior na sua subdominante menor, por meio do
movimento de duas vozes por semitom. 84
Assim o compositor procede numa condução de vozes por transformações
triádicas compostas resultando num discurso que não se encerra nos limites da
tonalidade diatônica. Para visualizar ainda melhor o caminho desenvolvido,
utilizaremos a ferramenta da Tonnetz ou “rede de tons” (Cohn, 2012) que será útil no
decorrer das análises. A Tonnetz estabelece uma rede de acordes vizinhos,
demonstrando graficamente como eles se relacionam por notas comuns e por qual tipo
de transformação. Note que as retas horizontais estabelecem ciclos de quintas; e que
(olhando de cima para baixo, por exemplo) as retas diagonais para direita estabelecem
terças menores e aquelas para a esquerda descrevem terças maiores. É justamente o
cruzamento dessas retas que configura graficamente os acordes. Com relação às
tríades, os triângulos apontados para cima são tríades maiores e aqueles apontados
para baixo são tríades menores. Cada tríade maior está sempre circundada por três
tríades menores e vice-versa:


84
Introduziremos outras espécies de transformações triádicas ao passo que se tornar necessário nas
análises. As transformações triádicas básicas mostradas acima, que mapeiam tríades maiores em
menores e vice-versa, bem como outras transformações importantes encontram-se descritas num
estágio bem desenvolvido em: LEWIN, David. Generalized musical intervals and transformations. 1
ed. Oxford and New York: Oxford University Press, 1987.
52

Figura 1-20: Tonnetz da seção A.

Os triângulos vermelhos são as tríades utilizadas na seção A e os números


dentro deles indicam em que compassos da seção ocorre cada tríade. Já os triângulos
negros com linhas reforçadas são as tríades intermediárias presentes nas
transformações triádicas compostas. A Tonnetz demonstra graficamente um caminho
claro com relação ao discurso harmônico da seção A, que será expandido quando esta
variar-se na seção A’. Entre ambas, no entanto, Moacir insere a seção B, contrastante
em relação a elas em vários aspectos importantes.

Seção B

O primeiro aspecto de contraste nesta seção com relação à seção A diz


respeito à sua linha melódica (tocada por sax tenor, trombone tenor e trompa). Ela é o
elemento mais imediato de variação dentro da cartilha clássica de Moacir do
equilíbrio entre unidade, variedade e proporção. Seguindo essa cartilha, a seção B
mantém os movimentos de segundas nas vozes do acompanhamento e também a
levada da bateria e ostinato do baixo como elementos de continuidade, ao passo em
53

que traz a variação na melodia. Vejamos a redução abaixo para discutir essas questões
(cifras reproduzidas a partir do songbook):

31

35

Figura 1-21: redução da seção B.

Ernest Dias (2010) observa que o “contorno melódico arpejado em B se opõe


85
à linearidade da melodia em A (...)”. Esta colocação indica um aspecto que
antecede a análise de notas específicas: o contorno musical. Straus (2013) considera
que “para compreender o contorno musical, não precisamos saber as notas e
intervalos exatos; precisamos somente saber quais notas são as mais agudas e quais as
mais graves.” 86 Nesse sentido, ele propõe analisar a coerência de uma linha melódica
através dos segmentos de contorno. Um segmento de contorno é tão somente a
configuração de um fragmento melódico, a ordem em que nele aparece cada uma de


85
ERNEST DIAS, Andrea. Mais 'coisas' sobre Moacir Santos, ou os caminhos de um músico
brasileiro. 2010. Tese. Universidade Federal da Bahia, Salvador. p.191.
86
STRAUS, Joseph Nathan. Introdução à teoria pós-tonal. 3 ed. Salvador – São Paulo: Editora
UNESP – EDUFBA, 2013. p.107.
54

suas notas, contando da mais grave à mais aguda. Dessa forma, as notas de um
segmento são determinadas por números: a nota mais grave é 0, a segunda mais grave
é 1, a terceira mais grave é 2; e assim por diante. A nota correspondente ao maior
número, evidentemente, será a nota mais aguda do segmento. Aplicando os segmentos
de contorno (distinguidos pela sigla SEGC) à melodia da seção B, apresenta-se a
análise abaixo:

Figura 1-22: segmentos de contorno na melodia da seção B.

Percebe-se que, caso se coloque o contorno do primeiro segmento de maneira


retrógrada, tem-se o segmento <3210>. Retirando apenas a primeira nota (mais
aguda) deste segmento, tem-se como resultado <210>, configuração esta que inicia o
segundo e resume o terceiro e quarto SEGC. O quinto e último SEGC apenas repete o
primeiro. Essas relações de retrogradação e de repetição do primeiro SEGC ajudam a
ilustrar a unidade da melodia da seção B quanto à percepção do seu contorno.
Mas o aspecto melódico promove outro contraste importante dentro da seção
B: seu acompanhamento harmônico parece ter sido construído fundamentalmente a
partir das notas da melodia (revisitar figura 1-21). Se na seção A as notas melódicas
nem sempre integravam os acordes subjacentes, aqui Moacir optou por construir, em
cada compasso, blocos que basicamente organizam a melodia de maneira vertical,
com acréscimo de poucas notas. Observe que esses poucos acréscimos garantem as
relações por segundas maiores e menores entre as vozes do acompanhamento. Já as
únicas notas melódicas do trecho que não constam na harmonia resumem-se às duas
semicolcheias do penúltimo compasso, de função meramente ornamental.
Desta origem fundamentalmente “horizontal” dos acordes resulta que nem
todos eles podem ser dispostos em tríades maiores ou menores e o exame de suas
55

relações enquanto blocos harmônicos, seja funcionalmente ou por transformações
triádicas, torna-se improvável. Mais uma vez, a cifragem reproduzida na figura 1-21,
embora presente no songbook, pode ser aqui totalmente descartada do ponto de vista
analítico. Nosso argumento é de que o pensamento horizontal da melodia foi de tal
modo determinante nesse trecho que as relações harmônicas compreendem-se melhor
caso analisadas a partir de escalas e não de blocos. Aqui seguimos a proposta de
Tymoczko (2011) de demonstrar como a relação de parcimônia também atua na
dimensão horizontal da música. Tal proposta relaciona-se diretamente ao conceito de
Coleções referenciais trabalhado por Straus (2013), cujo livro Introdução à teoria
pós-tonal aponta algumas coleções de classes de notas como sendo importantes na
música pós-tonal: 87 coleção diatônica, coleção octatônica, coleção tons inteiros e
coleção hexatônica. A coleção diatônica é assim definida:

A coleção diatônica é qualquer transposição das sete “notas


brancas” do piano. (...) Todas as escalas maiores, escalas menores
(naturais) e modos eclesiásticos são coleções diatônicas, também
comuns em músicas do Século XX. Grandes trechos da música de
Stravinsky e outros podem recorrer a uma ou mais coleções
diatônicas. Na música pós-tonal, entretanto, ela é usada sem a
harmonia funcional e o encadeamento tradicional da música tonal.
88

Assim sendo, uma coleção diatônica pode passar a designar-se não mais pelos
termos da teoria tradicional, mas pela quantidade de acidentes decorrentes de sua
transposição a partir das sete notas brancas do piano. A coleção designada como 1-
sustenido, por exemplo, pode referir-se a: Dó Lídia, Ré Mixolídia, Mi Eólia, Fá#
Lócria, Sol Jônia, Lá Dórica ou Si Frígia. 1-sustenido, portanto, refere-se a uma
determinada coleção de classes de notas onde a identificação de uma nota
“fundamental” da escala torna-se menos importante. Indo um pouco mais longe,
Straus considera que “a música pode mudar de uma coleção para outra e passagens
musicais podem ser entendidas em termos de interpenetração de umas pelas outras”,


87
Genericamente, a teoria dos conjuntos trata o conceito de classes de notas como alturas designadas
por números (e não por nomes de notas como Dó, Dó#, Ré etc). Se o Dó é designado pelo número 0,
por exemplo, este é o número que irá designá-lo independentemente de a nota ser chamada de Dó, Si#
ou Rébb; e independentemente também de que altura ela se encontre (Dó2, Dó3, Dó4 etc). Uma classe
de notas contém, assim, do ponto de vista da análise, tanto uma equivalência enarmônica, quanto uma
equivalência de oitavas, configurando uma forma mais genérica de referir-se às alturas. Veremos esse
conceito com mais detalhes adiante.
88
STRAUS, Joseph Nathan. Introdução à teoria pós-tonal. 3 ed. Salvador – São Paulo: Editora
UNESP – EDUFBA, 2013. p.153.
56

89
processo que o autor define como Interação intercoleções. Seguindo tais conceitos
ligados as coleções diatônicas, podemos compreender a relação harmônica da seção B
da seguinte maneira:

Coleção Acústica
- Láb Menor Melódica
- Sib Frígio 6
- Dób Lídio #5
5b - Réb Lídio b7/Mixo #4
- Mib Mixolídio b13
- Fá Lócrio 9
- Sol Esc. Alterada

Sol

Solb

- Sol Eólio/Esc. Menor - Solb Jônio/Esc. Maior


- Lá Lócrio - Láb Dórico
- Sib Jônio/Esc.Maior - Sib Frígio
2b - Dó Dórico 6b - Dób Lídio
- Ré Frígio - Réb Mixolídio
- Mib Lídio - Mib Eólio/Esc. Menor
- Fá Mixolídio - Fá Lócrio

Dó Dób
Ré Réb
Sol Solb
Lá Láb

Coleção Diatônica

Figura 1-23: Interação intercoleções no discurso harmônico da seção B.

Acima, portanto, encontram-se relacionadas as coleções que na seção B


aparecem nessa ordem: 6 – bemol (quatro primeiros compassos), 5 – bemol (5º
compasso), 6 – bemol (6º compasso), e 2 – bemol (7º e 8º compassos). A coleção do
sexto compasso, portanto, repete a dos quatro primeiros. Moacir conecta as três
primeiras coleções da maneira mais parcimoniosa possível, com a alteração de apenas

uma nota por semitom: Solb – Sol – Solb. Na última conexão, entretanto, ele
abandona a parcimônia por meio da alteração de quatro notas da escala por meio tom,
resultando na coleção 2 – bemol. Essa conexão final brusca talvez se explique pela


89
Ibidem, p.164.
57

preferência de Moacir em estabelecer um modo definitivo na conclusão de suas
seções. No caso de Coisas no.2, o artista opta pelo modo de Bb Jônio ao final de todas
elas, sendo que sua maneira de atingi-lo não se dá pelas regras da tonalidade mas por
uma constante dubiedade modal.
A relação por parcimônia entre coleções diatônicas, portanto, descreve o
discurso harmônico da seção B de modo a revelar sua lógica. Conforme já dito, essa
lógica apresenta contraste com relação à seção A estudada anteriormente. Entretanto,
a seção B também guarda pontos de ligação com aquilo que a antecede e a sucede no
decorrer da peça, incluindo dois detalhes:

1) Vimos que o acompanhamento harmônico da seção A dividia-se em duas


camadas: a linha melódica da ponta e as tríades abaixo dela (vide p.50, figura
1-18). Esta mesma linha melódica aguda da seção A reedita seu contorno na
voz da ponta do acompanhamento da seção B.
2) Esta voz da ponta, por sua vez, é melodicamente igual ao solo de vibrafone
que aparecerá mais adiante na peça.

Vejamos essas relações na figura 1-24:

Figura 1-24: comparação entre melodias da ponta (acompanhamentos das seções A e B) e solo de vibrafone.
58

Além de sua lógica horizontal, de seus pontos de contraste e de ligação com
outras seções da peça, a seção B de Coisa no.2 também possui seus aspectos
simétricos. Para apresentá-los será necessário se ater um pouco mais aos acordes
enquanto construções verticais. Antes de enxergar nesse ponto uma contradição,
consideramos que nossa abordagem se mantém querente com a colocação de
Tymoczko (2011) segundo a qual harmonia e contraponto (condução de vozes) se
interconstroem (vide citação p.43). Assim, nosso argumento sobre a origem
“horizontal” dos acordes da seção B não se contradiz caso os examinemos
verticalmente. Esse exame, entretanto, prescindirá totalmente das cifras, que aqui
serão citadas apenas como referência.
O primeiro detalhe importante advindo desse aspecto diz respeito à disposição
dos blocos harmônicos. O que ocorre de novidade na seção B é um acorde central –
cifrado no songbook como G7/Bb – a separar dois acordes à esquerda e dois à direita:

Figura 1-25: acordes do piano na seção B.

As notas acima foram escolhidas por Moacir para os acordes do piano. Antes
de analisá-las, porém, é prudente detalhar alguns conceitos já citados em relação a
Straus (2013) e à Teoria Pós-Tonal:

• Equivalência enarmônica, equivalência de oitavas e classes de notas:


diferente do que ocorre na música tonal, a Teoria Pós-Tonal considera que
duas notas enarmonicamente equivalentes são também funcionalmente
equivalentes. Em Sol maior, a nota Si natural (3ª maior) e a nota Dó bemol (4ª
diminuta) têm funções diferentes na escala e, diatonicamente falando,
separam-se da tônica uma por dois passos e outra por quatro passos. Numa
música que não mais obedece de forma estrita às normas do tonalismo
diatônico, essa distinção deixa de fazer sentido. Assim, em Teoria Pós-Tonal,
59

Si natural, Dó bemol e Lá dobrado sustenido são funcionalmente a mesma
nota. Isso é válido, inclusive, não importando em que oitava se encontram
essas notas, já que “notas relacionadas por oitavas (...) soam muito
semelhantes e porque a música ocidental as trata como funcionalmente
equivalentes.” 90 Temos, assim, que notas enarmonicamente equivalentes e
notas separadas por oitavas correspondem à mesma classe de notas, que nada
mais é do que uma forma mais genérica ou “abstrata” como a Teoria Pós-
Tonal designa as alturas. Assim sendo, as notas passam a não mais ser
chamadas pelos termos da teoria tradicional e são designadas por números
inteiros que indicam a que classe de notas elas pertencem. Devido à
equivalência enarmônica e de oitavas, restam apenas 12 classes de notas
distintas, tal como mostra a tabela retirada de Straus: 91

nome com inteiros conteúdo da classe de notas


0 Si#, Dó, Rébb
1 Dó#, Réb
2 Dó×, Ré, Mibb
3 Ré#, Mib
4 Ré×. Mi, Fáb
5 Mi#, Fá, Solbb
6 Fá#, Solb
7 Fá×, Sol, Lább
8 Sol#, Láb
9 Sol×, Lá, Sibb
10 Lá#, Sib
11 Lá×, Si, Dób

Figura 1-26: 12 classes de notas distintas.

Tratando os acordes da parte B (vide figura 1-25), portanto, como conjuntos


de classes de notas, percebe-se que eles detêm relações de simetria tanto à esquerda
quanto à direita do acorde central. Nos conjuntos da esquerda, caso se disponham as
notas em intervalos de segundas, teremos que o primeiro conjunto obterá dois
intervalos de semitom separados por trítono, enquanto o segundo conjunto obterá dois
intervalos de tom separados por terça menor. Ou seja, os dois intervalos de tom do
segundo conjunto são o dobro em tamanho dos intervalos de semitom do primeiro, e a


90
Ibidem, p.1.
91
Ibidem, p. 2-3.
60

terça menor que os separa é a metade do intervalo de trítono do primeiro conjunto. A
figura abaixo esclarece essa relação:

Figura 1-27: relação de simetria nos conjuntos da esquerda.

Os conjuntos da direita estabelecem relações simétricas de outra maneira.


Caso sejam organizados por segundas e dispostos horizontalmente, ambos revelam
uma simetria por dilatação – os intervalos de semitom são separados de maneira
crescente por dois, três e quatro semitons: 92

Figura 1-28: simetria por dilatação nos conjuntos da direita.

Por fim, Moacir opera, nesta seção B, o procedimento de posicionar um


conjunto simétrico num momento chave da seção – neste caso, em sua conclusão. Isto
se dá da seguinte forma: tomando o conjunto completo das classes de notas dos dois
últimos compassos (piano, vibrafone, contrabaixo e a melodia de sax tenor, trombone
tenor e trompa), obtém-se o conjunto abaixo. As notas pretas à esquerda
correspondem às intervenções do vibrafone, incluindo o arpejo descendente do
compasso final (vide figura 1-21). Tal conjunto está cifrado no songbook como
Bbmaj7. Excluindo suas notas repetidas, observe os intervalos que ele descreve
quando disposto horizontalmente:


92
Os intervalos na Teoria Pós-Tonal são estabelecidos simplesmente pela distância de semitons entre
uma nota e outra. Há mais de um tipo de classificação intervalar estabelecido nesta teoria, não sendo
necessário agora descrevê-los todos. Pontue-se, por enquanto, que os intervalos expostos na figura 1-28
são classificados como Intervalos Não Ordenados Entre Classes de Notas, que é quando se mede a
distância entre duas classes de notas importando sempre a menor distância.
61

Conjunto [5,7,9,10,0,2]

Figura 1-29: conjunto simétrico por classes de notas conclui a seção B.

Note que os intervalos entre as classes de notas formam um palíndromo


horizontal (lê-se da mesma forma da esquerda para a direita e da direita para a
esquerda), caracterizando o conjunto como simétrico por classes de notas. Tal
simetria é percebida num nível menos imediato e, estando posicionada na conclusão
da seção, compõe novo ponto de equilíbrio a ser abandonado em seguida. Em outros
momentos chave desta e de outras composições, Moacir voltará a utilizar conjuntos
com esse tipo de qualidade simétrica. Ainda com relação a acordes situados em
pontos-chave, talvez um último detalhe se mostre importante no discurso harmônico
da seção B. Conforme já dito, não seria o mais adequado analisar esta seção
utilizando transformações triádicas, e seria impossível tentar compreendê-la como
discurso funcional. Entretanto, justamente pelo caráter pós-tonal de Moacir Santos, é
possível seguir tomando os acordes como conjuntos de classes de notas, de modo a
investigar seus encadeamentos “pós-tonalmente”.
Se formos analisar as relações entre acordes em pontos-chave (início, meio e
final da seção), constataremos que eles se relacionam por operações simples de
transposição. Em teoria pós-tonal, transpor uma classe de notas em outra é
simplesmente adicionar à primeira certa quantidade de semitons. É importante dizer
que, devido à equivalência enarmônica e de oitavas, as distâncias possíveis entre duas
classes de notas ficam reduzidas à gama entre 0 e 11 semitons. O mostrador de
relógio abaixo esclarece essa lógica. Observe, por exemplo, que para ir de Dó (0) a
Mi (4), tanto se pode caminhar 4 semitons como 8 semitons:
62

0
11 1
10 2

9 3

8 4
Mi

7 5
6

Figura 1-30: mostrador de relógio de classes de notas.

Para observar as relações de encadeamento entre acordes da seção B, vamos


transpor (adicionar semitons a) cada uma das classes de notas desses conjuntos:

(Cb/Bb) (G7/Bb) (Bbmaj7)


5 5 2
11 11 9
6 7 5
10 10 10
*T0 *T11
(1) (2)

Figura 1-31: acordes posicionados em pontos chave da seção B (encadeamento harmônico).

As setas acima indicam os mapeamentos de classes de notas de um conjunto


em classes de notas do outro. Os conjuntos inicial e central da progressão, como se
vê, são quase idênticos (relação de T0; onde T significa transposição e 0 é a
quantidade de semitons que estão sendo acrescidos). Observe-se que o número entre
parênteses logo abaixo do símbolo T0 indica que apenas uma classe de notas do
primeiro conjunto não se relaciona por T0 com a classe de notas do conjunto seguinte
(detalhe indicado pela seta pontilhada). Entretanto esse desvio é mínimo, de apenas
um semitom. Ou seja, ambos os conjuntos estão quase totalmente relacionados por T0
(daí o asterisco colocado antes do símbolo T0). Em teoria pós-tonal, esse tipo de
63

relação é definida como uma T0-difusa (em inglês: fuzzy, termo que remete a
“resultados que assumem valores parcialmente verdadeiros ou falsos”). 93
O mesmo tipo de relação se observa entre os conjuntos central e final da
progressão: se acrescentarmos 11 semitons ao conjunto central obteremos quase
totalmente o conjunto final. Os dois únicos desvios observados ocorrem por apenas
dois semitons e por um semitom (vale recorrer ao mostrador de relógio da figura 1-30
para entender melhor como isso ocorre). Temos, portanto, uma relação de *T11 ou T11-
difusa.
O aspecto valorizado com esse tipo de análise é o encadeamento harmônico tal
como tratado na teoria pós-tonal. Não havendo na condução de vozes obediência às
regras da harmonia funcional, torna-se útil colocar os acordes escritos verticalmente
como conjuntos de classes de notas, de modo a observar como as classes de notas de
um conjunto mapeiam-se nas classes de notas do outro. Isso nos dá, principalmente,
uma ideia da semelhança de sonoridade entre os conjuntos (pense, por exemplo, em
como soam semelhantes duas tríades maiores separadas por certa quantidade de
semitons). Se considerarmos a relação entre os conjuntos colocados nas extremidades
da seção (primeiro e último), veremos que eles também estabelecem esse tipo de
relação:

(Cb/Bb) (Bbmaj7)
5 2
11 9
6 5
10 10
*T11
(1)

Figura 1-32: encadeamento harmônico entre acordes das extremidades.

Se o primeiro nível de análise estabelecia relações de transposição entre os


acordes inicial, central e final da progressão; aqui temos um segundo nível que a
enxerga como um único movimento transpositivo entre o primeiro e o último
conjunto. Ambos estão relacionados por *T11 com apenas um desvio de 2 semitons.

93
STRAUS, Joseph Nathan. Introdução à teoria pós-tonal. 3 ed. Salvador – São Paulo: Editora
UNESP – EDUFBA, 2013. p.117.
64

Tal maneira de tratar o encadeamento harmônico será uma ferramenta útil também na
análise da seção A’. Nela, entretanto, a abordagem triádica utilizada na seção A
deverá retornar.

Seção A’

Rememorando, Moacir utilizava na seção A um procedimento que


contrapunha uma melodia modal a uma sequência de acordes relacionados por
transformações triádicas. Na verdade, ao reeditar essa abordagem, a seção A’ opera
uma espécie de “expansão harmônica” da seção A. Antes, porém, de ilustrarmos esse
processo, a redução abaixo demonstra algumas variações percebidas em primeiro
plano: se na seção B tínhamos a continuidade dos movimentos de segundas nas vozes
da harmonia junto com uma melodia arpejada e contrastante, aqui ocorre o contrário –
a melodia volta a executar a linha estática da seção A, enquanto a condução
harmônica por segundas sofre alterações. Segue a redução (cifragem deste
pesquisador): 94

39


94
Note que, aqui, evita-se tratar em demasia das variações texturais e instrumentais entre as seções de
Coisa no.2, de modo a evitar uma análise excessivamente descritiva e também porque essas variações
já se encontram suficientemente descritas em outros trabalhos que analisam a mesma peça (Ernest
Dias, 2010; Vicente, 2012; Improta, 2007). Em todo caso, tais variações de instrumentação e textura
estão resumidas na Forma esquematizada nas p.34-35.
65

43

Figura 1-33: redução da seção A’.

Pela partitura, nota-se uma maior densidade sonora empregada no


acompanhamento harmônico, cujos acordes enceram estruturas de tríades sobrepostas
ou entrelaçadas. O processo a que nos referimos de expansão harmônica, entretanto,
vislumbra-se num nível mais profundo. Na seção A utilizamos a Tonnetz (rede de
tons) pra visualizar o caminho harmônico escolhido por Moacir naquele momento.
Empregando a mesma ferramenta sobre a seção A’, é possível observar na figura
abaixo que todos os acordes são compostos por diferentes tríades maiores, menores e
diminutas, resultando em diferentes figuras geométricas. Os acordes estão traçados
em cores distintas para facilitar a identificação e dentro de cada um deles um número
com a mesma cor indica a que compasso (s) cada acorde pertence. Note que no acorde
do compasso 44 consideramos o Lá bemol como uma terça omitida da tríade de F
menor que integra o acorde. Pontue-se também que o acorde do compasso 40,
identificado pela cor lilás, é o único cujas tríades não são vizinhas: Bb diminuta (cujo
empilhamento de terças menores produz uma reta à esquerda da Tonnetz) e C maior.
66

Figura 1-34: Tonnetz da seção A’.

Se transformarmos as figuras acima em uma só figura, poderemos visualizar


como a harmonia da seção A’ contém inteiramente a harmonia da seção A. Na
próxima Tonnetz, cada triângulo contendo sinais de cruz ou asterisco corresponde a
uma tríade daquela seção.
67

+ Bb maior; acordes 4 e 6 da seção A.


++ B maior enarmônico; acordes 3 e 5 da seção A.
* Db maior e C maior; respectivamente acordes 1 e 2 da seção A.

Figura 1-35: expansão harmônica da seção A.

Fica claro, pela figura acima, o processo de expansão harmônica operado por
Moacir Santos ao variar a seção A na seção A’. A figura única revelada pela Tonnetz
expressa, por assim dizer, a “harmonia total” das duas seções: trata-se de um grande
paralelogramo com adição de dois paralelogramos menores acima e abaixo (veja
próxima figura). Num terceiro nível de análise, percebe-se que esses dois
paralelogramos menores, já por sua aparência visual, demonstram uma relação
simétrica de inversão. Abaixo, essa relação está expressa graficamente e também por
nomes de notas. Note que quando empilhados a partir de sua única nota comum, os
dois paralelogramos menores revelam um palíndromo intervalar vertical.
68

Figura 1-36: figura única da Tonnetz (“Harmonia total” das seções A e A’) com simetria inversional dos paralelogramos
menores.

Posta dessa maneira as relações harmônicas entre as seções, também é válido


observar os blocos harmônicos da seção A’ tal como fizemos na seção B, utilizando
as cifras apenas como meio de referência. Embora não houvesse na seção A um
acorde central a dividi-la em duas, nesta seção A’ torna-se viável eleger o Amaj7/Bb
como tal, sobretudo, devido ao destaque de sua sonoridade ao longo do trecho. Ele
também se torna central por considerarmos que o discurso se “resolve” no acorde de
69

Bbmaj7, quando finalmente a dubiedade harmônica atinge um ponto “conclusivo”
(vide figura 1-33). A última mudança para o Bb6 é uma variação muito sutil, que nos
permite considerar os dois últimos acordes como sendo um só. Dessa forma, voltemos
a analisar as relações entre os conjuntos de classes de notas situados em pontos chave
da progressão (início, centro e final): 95

Bb7(#9) Amaj7/Bb Bbmaj7(6)

10 8 2
5 4 10
1 1 9
8 9 7
2 10 5

*T8 *I6
(1) (1)

Bb7(#9) Bbmaj7(6)

10 2
5 10
1 9
8 7
2 5
*T9
(1)

Figura 1-37: encadeamento harmônico da seção A’ (acordes situados em pontos chave).

Acima, portanto, temos as relações entres os conjuntos inicial, central e final


da progressão; e também entre aqueles das extremidades. No primeiro caso, os dois
primeiros conjuntos estão relacionados por *T8 com apenas um desvio de dois
semitons. Já os acordes central e final relacionam-se por operação de inversão. Sobre
essa operação, vale novamente conferir a figura 1-30 (p.62) do mostrador de relógio
de classes de notas para constatar que cada intervalo entre duas classes de notas


95
Note-se que por se tratar de conjuntos de classes de notas, as notas repetidas de cada conjunto foram
excluídas, visto não alterarem a relação.
70

possui sua contraparte na oitava. A título de comparação, por exemplo, na teoria
tradicional, 3ª maior e 6ª menor são intervalos complementares na oitava, assim como
5ª justa e 4ª justa, 7ª menor e 2ª maior e assim por diante. Analogamente, na teoria
pós-tonal, quaisquer dois intervalos entre classes de notas (medidos em semitons) que
somem 12 são também complementares: 1 e 11, 2 e 10, 3 e 9, 4 e 8, 7 e 5, 6 e 6 (o 6
corresponde ao intervalo de trítono que divide a oitava ao meio). Posto isso, a
operação de inversão, em teoria pós-tonal, é uma operação dupla: ela envolve tanto
inversão quanto transposição. Primeiro inverte-se cada classe de nota de um conjunto
em torno de si mesma, o que faz com que cada uma se transforme em sua contraparte
na oitava: 1 vira 11; 2 vira 10; 3 vira 9; 4 vira 8 e assim por diante. Na relação entre
os conjuntos central e final da seção A’, primeiro invertemos o conjunto central, o que
resulta em:

4
8
11
3
2

Em seguida transpomos o conjunto resultante adicionando a cada classe de


notas certa quantidade de semitons. Consultando o relógio mostrador de classes de
notas, poderemos verificar que adicionando 6 semitons a cada classe de notas desse
conjunto, obteremos o conjunto final da seção A’ com apenas um desvio de um
semitom: 10 invertido dá 2, que somado a 6 semitons = 8 (apenas 1 semitom de
distância em relação à classe de notas correspondente 7). Os conjuntos central e final
da seção A’, portanto, estão quase completamente relacionados por inversão: uma
relação de *I6 ou uma *I6-difusa. 96
Uma última forma, mais abstrata, de enxergar o encadeamento harmônico é
enfocar a relação entre cada classe de conjuntos referente aos acordes. Por definição,
todos os conjuntos de classes de notas que estiverem totalmente relacionados por
transposição ou inversão fazem parte da mesma classe de conjuntos. Uma classe de


96 Para uma explicação mais detalhada sobre operação de inversão, consultar: STRAUS, Joseph

Nathan. Introdução à teoria pós-tonal. 3 ed. Salvador – São Paulo: Editora UNESP – EDUFBA, 2013.
p. 41-55.
71

conjuntos, portanto, contempla vários conjuntos que soam de maneira semelhante
pelo fato de possuírem essas relações. 97 Na seção A’, caso excetuemos as notas do
ostinato do baixo (camada que permanece constante sublinhando a progressão),
veremos que os acordes pertencem a classes de conjuntos com estreita relação entre
si:

Acordes Bb7(#9) C(b9)/Bb Fm7(9)/Bb Amaj7 Fm7(9)/Bb F7sus4(b9,#11) Bbmaj7(6)

Classe de 5-32 5-31 5-27 4-20 5-27 5-19 5-27


conjuntos
(01469) (01369) (01358) (0158) (01358) (01367) (01358)
a que
pertencem

Figura 1-38: classes de conjuntos referentes aos acordes da seção A’.

Note pela tabela acima que o terceiro, quinto e o último acorde pertencem à
mesma classe de conjuntos, o que significa que estão relacionados inteiramente por
transposição ou inversão. É possível representar o encadeamento entre as classes de
conjuntos acima através de um mapa de encadeamento (figura 1-39). O mapa abaixo
mostra que toda a progressão da seção A’ dá-se por relações entre pentacordes com
apenas uma tetracorde posicionado no meio (justamente o acorde central Amaj7). O
procedimento visa expor a quantidade de semitons que precisariam ser ajustados para
que uma classe de conjuntos fosse igual à classe seguinte. Dessa forma, percebe-se
que as classes de conjuntos de todos os pentacordes da seção A’ estão separados por
apenas 1 semitom de diferença entre algumas de suas classes de notas:


97
Allen Forte (1973), em seu The structure of atonal music, estabelece um lista de todas as classes de
conjuntos de três notas (tricordes), quatro notas (tetracordes), cinco notas (pentacordes) e assim por
diante, até os conjuntos de nove notas (nonacordes). Straus (2013) escolhe duas formas de identificar
as classes de conjuntos: 1) pela definição de Forte (ex: o conjunto 3-4 seria um conjunto de 3 notas
localizado na quarta posição da lista de Forte); 2) pela Forma prima do conjunto, que é a maneira mais
compacta de representar a classe de conjuntos a que ele pertence, sempre entre parênteses começando
pelo 0, ex: (015).
72

Figura 1-39: mapa de encadeamento entre classes de conjuntos da seção A’.

Ainda tratando de encadeamento, agora apenas do ponto de vista da simetria,


percebe-se que o acorde central Amaj7/Bb está circundado por dois acordes idênticos:
Fm7(9)/Bb (relação de T0); e que os outros acordes equidistantes do acorde central
também guardam relações estreitas entre si: o C(b9)/Bb é dominante de
F7sus4(b9,#11) (relação de *T5); e o Bb7(#9), como vimos, mantém com o acorde
final uma relação de *T9:
73

Figura 1-40: relação entre acordes em torno do acorde central.

Com relação à simetria dos próprios conjuntos individuais, esta seção A’ traz
algo mais claro que as seções anteriores. O que se tem nos conjuntos central e final da
progressão não é apenas uma simetria por classes de notas (espaço abstrato entre
classes de notas do conjunto), mas sim uma simetria por notas, ou seja, levando em
consideração os registros em que as mesmas se encontram na partitura. Falando em
intervalos tradicionais, o acorde central sobrepõe duas terças maiores separadas por
uma terça menor. Falando sobre distância em semitons da teoria pós-tonal, tem-se
dois intervalos 4 separados por um 3. Note que aqui se está desconsiderando a camada
inferior do Si bemol (ostinato do baixo) e contando os demais intervalos. Entretanto,
após o trecho concluir-se no Bbmaj7 (também simétrico por notas), o último
movimento harmônico em direção ao Bb6 mostra uma simetria que inclui o pedal.
Vejamos:

Figura 1-41: simetria por notas nos conjuntos individuais dos acordes.
74

Tem-se, assim, na seção A’, um discurso que avança em direção a um acorde
central simétrico, desestabiliza-se em seguida, para reencontrar a simetria ao final do
trecho.

A seção A’, por assim dizer, “fecha” a Forma de Coisa no.2. Claro que várias
outras seções virão em seguida, contando outras variações da seção A e também da
seção B. Porém, nenhum outro material inédito em termos de harmonia e melodia será
apresentado (com raras exceções que já se verão). Uma das variações ainda a
apresentar-se diz respeito à modulação da seção A uma terça menor acima, quando a
progressão deverá concluir-se no modo de Db Jônio em vez de Bb Jônio.
Curiosamente, este intervalo de terça menor ascendente empregado na modulação é o
mesmo utilizado por Moacir na próxima peça analisada neste trabalho: Coisa no.3,
que, como veremos, realiza uma modulação de C Maior para Eb Maior (campos
“tonais” tampouco articulados com clareza). Se poderia confabular sobre a
preferência de Moacir Santos em deixar sempre ambígua sua linguagem harmônica
entre modos maiores e menores, já que ele opta nas modulações por saltar de um
modo maior (ainda que difuso) para a sua terça menor: Bb Maior – Db; C Maior – Eb.
De mais concreto, no entanto, podemos fazer aqui um resumo da abordagem
harmônica de Coisa no.2 de modo a seguir adiante.

Resumo da abordagem harmônica

Vimos, portanto, que Moacir Santos emprega em Coisa no.2 linguagens não
apenas distintas, mas complementares ao longo das seções, operando um progressivo
adensamento ou “expansão” de procedimentos. Essa variação de linguagem, vista por
Ernest Dias (2010) como mediação entre tonalismo, modalismo e atonalismo foi aqui
situada na ampla categoria do Pós-Tonalismo Triádico. O discurso harmônico daí
extraído pode ser organizado, de maneira resumida, segundo a tabela abaixo:
75

Introdução Seção A Seção B Seção A’
- Melodia modal. - Melodia modal. - Melodia - Retorna melodia
contrastante que não modal contraposta ao
- Caráter “tonal” difuso da - Linha melódica se atém a um modo acompanhamento.
harmonia (dubiedade contrapõe-se ao único.
harmônica quanto às acompanhamento - Expansão harmônica
funções tonais). harmônico (nem todas - Linha melódica em relação à seção A.
as notas melódicas integra totalmente o
- Divisão entre dois polos integram a harmonia). acompanhamento - Acordes construídos
distintos separados por harmônico. pelo empilhamento e
transposição. - Harmonia organizada intersecção de tríades
por transformações - Origem relacionadas por
triádicas (não há mais “horizontal” dos transformações
caráter tonal). acordes triádicas.
(empilhamento
- Acompanhamento vertical da melodia).
dividido em duas Os poucos
camadas: linha da acréscimos de notas
ponta e tríades no acompanhamento
inferiores. justificam-se por
manter as segundas
maiores e menores
na condução das
vozes.

- Voz da ponta do
acompanhamento
harmônico relaciona-
se com aquela da
seção A (contorno).

Figura 1-42: resumo da abordagem harmônica em Coisa no.2.

Posto esse breve resumo da harmonia, analisamos até agora alguns aspectos
principais da composição: 1) Forma com descrição das variações instrumentais e
texturais; 2) Material melódico e sua construção a partir do motivo principal (variação
sobre pouco material, relação de contorno entre as seções, organização dos temas etc);
3) Linguagem harmônica; 4) Simetria relativa a diversos elementos da peça.
O exame desses fatores já deixou clara a orientação de Moacir Santos voltada
ao ideal clássico da unidade, variedade e proporção – ainda que este ideal seja
conquistado por meios próprios à linguagem do artista. Os aspectos restantes a
analisar operam um papel importante no que diz respeito à variedade e
complementam a estética musical da obra. Referimo-nos aos voicings e aos
contracantos.
76

1.2.4. Voicings

A utilização dos sopros em voicings é algo, em geral, feito com economia por
Moacir Santos. Das 16 sessões de Coisa no.2 (aqui incluindo todas as variações),
apenas quatro delas utilizam os sopros dessa forma. Resumidamente falando, é
possível estabelecer os seguintes traços principais na maneira como Moacir trabalha
esse procedimento:

• Nítida preocupação horizontal: este é um ponto de ligação importante com a


estética empregada no restante da composição. Quando dispostas numa
estrutura de voicing, as linhas melódicas de cada um dos sopros são
individualmente compactas, “lógicas”, e escritas preferencialmente em graus
conjuntos com poucos saltos. Pode-se mesmo dizer que a abordagem de
Moacir a respeito dos voicings é uma espécie de “linear writing” que não se
encaixa rigidamente neste conceito. 98 Esta valorização das linhas individuais
se estende à própria melodia, pois Moacir dá preferência em seus blocos por
dobrar as notas da melodia principal, mesmo quando se trata de uma tensão do
acorde.
• Preferência pela textura aberta das vozes: em Coisa no.2 podemos separar
esse aspecto em duas categorias: o uso de spread voicings nas ocasiões em que
eles apenas pontuam os finais de frases; e as variações dessa técnica, as quais
já veremos, nas seções onde os blocos acompanham a melodia.
• Cuidado com as regiões dos instrumentos: Moacir Santos costuma escrever
seus voicings em regiões sempre confortáveis para cada um dos instrumentos
de sopro, o que obviamente contribui para a textura cheia e equilibrada nos
trechos onde ocorre o procedimento.


98
Por definição, “a principal característica da técnica de arranjo linear está na horizontalidade das
vozes que compõem os blocos de notas do trecho musical em que a técnica é aplicada. Esta
característica é obtida a partir da não-explicitação da sonoridade básica dos acordes nas voicings e
por não ser desenvolvido um encadeamento acórdico-funcional dos blocos resultantes no decorrer de
um trecho linear.” [grifo meu] A preocupação horizontal de Moacir, entretanto, não deixa de incluir as
notas que caracterizam a sonoridade básica dos acordes (sobretudo terças e sétimas), daí não ser
possível classificá-lo rigidamente no conceito de Linear writing ao menos no que tange à Coisa no.2. A
definição citada para este conceito encontra-se em: BARBOSA DE OLIVEIRA, Joel. Arranjo linear:
uma alternativa às técnicas tradicionais de arranjo em bloco. 2004. Dissertação. Universidade
estadual de Campinas, Campinas. p.75.
77

• Papel da variação (incluindo seção transposta): conforme já ressaltado, os
voicings possuem fundamentalmente em Coisa no.2 um papel ligado à
variação, estabelecendo contrastes em relação a seções adjacentes no que
tange à dinâmica, textura e coloração. Tais variações são muito importantes, já
que na maior parte da peça – como, aliás, é do feitio de Moacir – há
preferência por simplesmente dobrar a melodia principal em uníssono ou
oitavas. Especialmente em Coisa no.2, os voicings servem também à produção
de clímax, que ocorre na seção que modula para Db Maior com transposição
da seção A’. Porém, esta transposição não se dá de uma maneira exata nota
por nota. Isso parece ressaltar um aspecto óbvio: apesar da abordagem
horizontal de Moacir Santos no que tange aos voicings, é evidente que também
há uma preocupação com a textura vertical produzida.

Partindo dos traços gerais acima, vejamos como Moacir trabalha seus voicings em
cada seção onde eles ocorrem.

1) Na seção B’ (primeira variação da seção B, c.49-64 no songbook) ocorrem


voicings de maneira discreta nas regiões assinaladas abaixo pelos
quadrados (entre trombone tenor, trompa e sax tenor, além do sax alto e
flauta, que executam a melodia). Note que os voicings apenas pontuam os
acordes conclusivos da seção, fundamentalmente construída em torno da
melodia e dos contracantos, enquanto o sax tenor executa uma linha-guia:
78

Figura 1-43: presença dos voicings na seção B’.


79

Reduzindo os dois voicings conclusivos da seção, tem-se a figura abaixo (note
que o piano também participa dos acordes, sendo que no primeiro ele acrescenta duas
notas no grave que não são tocadas pelos sopros, Si bemol e Fá, as quais são
dobradas, no acorde final, pelo sax barítono e trombone baixo):

Figura 1-44: redução dos voicings da seção B’.

O voicing acima, se observado de cima para baixo a partir do Sol3, é uma


tradicional close position a quatro vozes (tensões substitutas: décima terceira no lugar
da quinta e nona no lugar da fundamental) com acréscimo, no grave, da fundamental e
da quinta do acorde para dar “chão” à sonoridade e aproximá-la da ideia de spread
voicing. Como acréscimo, a segunda nota mais aguda da close position (Ré3, em vez
da nota da ponta Sol3) é dobrada uma 8ª acima pela flauta, pois se trata da nota da
melodia que Moacir deseja reforçar. Essa dobra na terça do acorde reforça, ainda, sua
qualidade de acorde maior, tendo em vista seu caráter conclusivo num trecho
harmônico ambíguo, aonde o Bbm7(11) aparece primeiro na progressão.

2) Na primeira apresentação da seção B” (c.99-106 no songbook), os voicings


ocorrem entre trombone baixo, trombone tenor, sax barítono e sax tenor.
Os demais sopros tocam a melodia e, nos compassos assinalados pelos
quadrados, se unem ao voicing, executando a mesma divisão rítmica.
Segue abaixo a partitura seguida de redução:
80

Figura 1-45: partitura da seção B” seguida de redução dos voicings.


81

O piano só acrescenta uma nota nova aos voicings do segundo e do último
acorde. Nesta seção, as tradicionais categorias usadas para classificar técnicas de
voicings se mostram insuficientes para entender Moacir. Sobre o primeiro acorde,
considerando do Fá3 para baixo, pode-se entendê-lo como um drop 3 (tensão
substituta décima primeira aumentada no lugar na terça maior) que, aqui, serve para
justificar o posicionamento do Sib no baixo pedal. Acrescenta-se, por fim, o Fá4 na
flauta reforçando 8ª acima a nota da ponta (melodia). No segundo acorde, mais uma
vez considerando da segunda nota mais aguda (Mib3) para baixo, pode-se inferir uma
close position a quatro vozes (tensão substituta décima primeira no lugar na quinta)
com acréscimo da nota fundamental no baixo e da nota da melodia 8ª acima. Sobre o
terceiro acorde, nenhuma aproximação com classificações tradicionais é possível,
apenas Moacir decide inserir, entre as notas das pontas, notas características da
tétrade G7, omitindo a quinta Ré, pois caso esta fosse incluída, poderia gerar uma
sonoridade indesejada de Bb maior com sexta e nona menor. No acorde seguinte,
Ebm/Bb, Moacir repete exatamente a mesma estratégia, posicionando as notas da
tríade entre as notas das pontas (baixo pedal e dobra da melodia 8ª acima).
Finalmente, no Bbmaj7(9) que encerra a seção, ocorre um tradicional spread voicing.

Diante dessa insuficiência das categorias tradicionais para explicar os voicings


de Moacir Santos, nota-se uma única técnica recorrente nos acordes acima: em todos
eles o compositor opta por posicionar as notas características de cada acorde de
maneira mais fechada (voicing fechado no meio), enquanto posiciona as duas notas
das pontas de maneira mais aberta em relação àquelas, sendo a ponta mais grave o
baixo pedal e a ponta mais aguda a dobra da melodia. Devido à recorrência desse tipo
de armação em Moacir e à sua pouco tradicional classificação, a denominaremos
daqui por diante de Voicing MS 1. 99

Aqui se reafirma a distinção de que essa técnica (fechada no meio e aberta nas
pontas) é uma das variações de estrutura aberta utilizada por Moacir em seções onde
os voicings acompanham a melodia, tal como nesta seção B”. Em seções onde eles
apenas pontuam os finais de frases (como na seção B’ comentada anteriormente), o

99
Agradeço ao arranjador Douglas Fonseca pela ideia em assim batizar algumas técnicas de voicings
de Moacir Santos, numa direta referência aos Ritmos Moacir Santos, utilizados didaticamente pelo
próprio Moacir com seus alunos. Para checar os Rítmos MS, procurar: ERNEST DIAS, Andrea. Mais
'coisas' sobre Moacir Santos, ou os caminhos de um músico brasileiro. 2010. Tese. Universidade
Federal da Bahia, Salvador. p.77-83.
82

compositor mantém a ideia de um spread voicing, porém de maneira ligeiramente
mais compacta. Vale comparar as duas últimas reduções para conferir essa distinção.

No entanto, mesmo com a melodia acompanhada pelos voicings, Moacir foge


do óbvio e não utiliza o bloco durante a melodia inteira, mas sim alternando a função
de alguns instrumentos entre compor os voicings e executar variações rítmicas.

Por fim, note pela última redução como o artista se preocupa em reforçar as
notas das pontas, operando uma espécie de simetria envolvendo a orquestração: são
sempre quatro instrumentos distintos tocando a melodia (três em uníssono; mais a
flauta oitava acima) e dois tocando a nota mais grave. Há, portanto, constantemente
na linha aguda o dobro de instrumentos da linha grave. Esta preocupação com a
melodia principal, ao lado de uma escrita confortável para os instrumentos é o que
parece justificar as dobras escolhidas na construção dos voicings. 100

3) Outra seção onde ocorrem sopros em bloco é a reapresentação da seção


B’’ (c.139-46 no songbook). Nela apenas muda a distribuição entre os
instrumentos que compõem os voicings e os que tocam a melodia, mas
permanece a mesma estratégia criativa.

4) Finalmente, há a seção onde ocorre a modulação. Nela se desenvolvem


voicings entre todos os sopros e o vibrafone (próxima figura, a partir da
barra dupla, c.123-30 no songbook). Aqui, há a nítida intenção de encorpar
a textura sonora, favorecendo um aumento na dinâmica da música para
forte no preciso momento em que ocorre a modulação para Db Maior.
Trata-se do clímax de Coisa no.2. Segue a partitura com a redução:


100
Sobre escrita “confortável”, note, por exemplo, que a dobra oitava acima da flauta a mantém numa
região onde sua sonoridade adquire boa projeção e acrescenta harmônicos agudos ao conjunto.
83

Figura 1-46: partitura da seção A’ modulada e redução dos voicings.


84

Percebe-se o sax tenor e o trombone tenor dobrando o Si natural no terceiro
acorde e cruzando as vozes a partir do quarto acorde. Percebe-se também que, nesta
seção, as dobras das pontas de igualam: dois instrumentos tocam a melodia principal
em oitavas; e dois instrumentos dobram a linha mais grave em uníssono.
Alguns elementos manejados por Moacir contribuem para que esse trecho soe
como o clímax da peça: a própria modulação uma terça menor acima para Db Maior;
a subta dinâmica forte junto com o tutti dos sopros (que, ao contrário das seções
anteriores, funcionam em bloco durante todo o trecho, apenas com exceção dos dois
últimos compassos, como veremos); e, por fim, o nível de tensão que Moacir confere
aos voicings, sobretudo, àqueles destacados pelo movimento ascendente da melodia
(segundo, quarto e sexto acordes).
No primeiro acorde, considerando a partir do Réb4 para baixo, é possível
inferir um drop 2+4 com a nota da melodia dobrada duas vezes, 8ª abaixo e 8ª acima
– um voicing de cinco notas diferentes mais duas dobras. 101 O segundo acorde é o
que começa a aumentar o nível de tensão, sobretudo, pelo posicionamento da tensão
nona bemol no grave: considerando do Mib4 para baixo, trata-se, digamos, de um
five-part voicing com drop “2+5” e melodia dobrada duas vezes, 8ª abaixo e 8ª
acima. Levando em conta que o ostinato do contrabaixo, transposto para Db, continua
soando nesse trecho e que, portanto, temos um Réb2 soando junto com o voicing, o
nível de tensão aumenta ainda mais (o Réb no baixo de todas as cifras diz respeito ao
ostinato). Esse nível de tensão (sétima do acorde no contrabaixo e nona bemol na
ponta grave do voicing) empresta dissonância extra e uma interessante “estranheza” à
sonoridade do acorde, refoçando o caráter de clímax nesse trecho.
No terceiro acorde, do Láb3 para baixo, trata-se de uma close position a quatro
vozes com melodia dobrada 8ª acima e a quinta do acorde acrescida na ponta mais
grave. No quarto acorde, novamente, aumenta o nível de dissonância com o
posicionamento da tensão décima terceira maior na ponta mais grave do
Cmaj7(13)/Db. Aqui, nenhuma aproximação com técnicas tradicionais é possível,
mas percebe-se uma nova técnica recorrente em Moacir, indicada pelos arcos traçados
na redução acima: ele dobra a nota da ponta (Dób4) 8ª abaixo; depois dobra a nota


101
O chamado five-part voicing com drop 2 – ou seja, uma técnica próxima ao drop 2+4 usado por
Moacir Santos neste acorde – é uma das marcas dos arranjados de Thad Jones para Count Basie, tendo
se tornado uma das sonoridades características da big band deste último, cujo trabalho tornou-se
referência para Moacir. Ver: WRIGHT, Rayburn. Inside the score. New York: Kendor Music, Inc.,
1982. p.49.
85

imediatamente inferior (Fáb3) igualmente 8ª abaixo no Mi2; em seguida, a nota
imediatamente acima do Mi2 (Lá2) é também dobrada 8ª abaixo, gerando a nota mais
grave do voicing; por fim, no centro do voicing, Moacir posiciona uma nota
característica do acorde, nesse caso, a fundamental Dó3. Essa estratégia se repete
idêntica nos próximos dois acordes, sendo que no primeiro (Abm7/Db) a nota central
é a terça menor Si natural; enquanto que no segundo (Ab7sus4(b9)/Db) é a nona
bemol Lá natural. Temos, assim, uma segunda variação recorrente da ideia de spread
voicing operada por Moacir, mais uma vez, num trecho onde os voicings
acompanham a melodia. Igualmente por sua classificação pouco tradicional e por sua
recorrência, denominaremos essa técnica de Voicing MS 2.
Note, ainda, no último acorde Ab7sus4(b9)/Db, o posicionamento da sétima
bemol (Solb1) na ponta grave do bloco, conferindo novamente uma sonoridade mais
dissonante a um acorde destacado pela subida da melodia.
Fica óbvia mais uma vez nesta seção a insuficiência das categorias tradicionais
para analisar os voicings de Moacir Santos. O que se pode inferir, no entanto, como
regra geral de sua estratégia são três pontos principais: 1) o aumento pontual de
tensão nos voicings que acompanham os acentos agudos da linha melódica,
reforçando o clímax da peça com uma sonoridade diferente em relação às seções
anteriores; 2) o já discutido controle sobre as linhas individuais de cada instrumento.
Sobre este último ponto, vale dispor abaixo uma redução do trecho inteiro para
melhor observar as melodias individuais e o cuidado lógico em suas construções. Um
detalhe, inclusive, é percebido: Moacir divide o trecho em duas linhas descendentes
por movimentos de segundas na base dos voicings: c.123-25 sendo “Fá - Mi natural -
Mib”; e c.126-28 sendo “Lá natural - Láb - Solb”. O pedal do contrabaixo em Réb
está omitido das cifras para facilitar o entendimento:
86

123

127

Figura 1-47: redução geral dos sopros na seção modulada.

Os dois últimos compassos na redução acima correspondem, justamente, ao


acorde conclusivo de Db Maior, única exceção do trecho onde os voicings não
ocorrem, substituídos pelo contracanto de trombone tenor e trompa.
Devido a todos os aspectos comentados acima – preocupação horizontal,
dobras nas linhas das pontas, variações específicas da ideia de spread voicings etc –
utilizar as tradicionais técnicas de armação em bloco para harmonizar Moacir Santos
costuma representar uma alteração estilística drástica, sendo este um dos principais
motivos pelos quais torna-se difícil rearranjar suas peças sem descaracterizá-lo.

Por fim, vale aqui uma última observação sobre o caráter de clímax desta
seção modulada: ele é reforçado também pelo contraste com a seção anterior, quando
a bateria toca sozinha durante seis compassos até o retorno dos sopros. Antes mesmo,
porém, do solo de bateria, temos outra seção de enxugamento sonoro. Trata-se de uma
das variações da seção A, quando a melodia é reforçada em uníssono por sax
barítono, trombone baixo e contrabaixo acústico na região mais grave de toda a peça
(altura do Sib1). Não à toa, esta é a única seção A onde o contrabaixo não executa o
ostinato que permeia a música. As dobras do piano na melodia, devido à sua menor
87

projeção sonora, não chega a desqualificar a coloração grave do trecho. Aqui, mais
uma premissa de Guerra-Peixe parece materializar-se no que tange ao “ponto
culminante total – inferior e superior (clímax)” (vide citação p.29). Tem-se na peça,
portanto, uma sequência “clímax inferior – solo de bateria – clímax superior com
modulação”. Segue abaixo a variação grave da seção A (c.107-14):

Figura 1-48: variação grave da seção A (clímax inferior).

Além da maneira própria como Moacir Santos trabalha seus voicings e sua
dinâmica, é possível citar outro traço de sonoridade particular relativo à
instrumentação. Em Coisa no.2, especificamente, temos: bateria, contrabaixo
acústico, piano, guitarra, vibrafone, trombone baixo, trombone tenor, trompa, sax
barítono, sax tenor, sax alto, trompete e flauta. Tal formação, embora remeta a outros
conjuntos de inspiração erudita influentes para Moacir (Gerry Mulligan Tentet ou a
88

banda de Miles Davis em Birth of the cool), não encontra equivalência entre grupos
identificados com o jazz dos anos 1950 e 1960. A formação instrumental de Moacir
Santos, portanto, surge como mais um traço estilístico peculiar do compositor de
Coisas em meio à produção musical de sua época.

1.2.5. Contracantos

A já comentada função de variação, contraste e clímax atribuída aos voicings


pode ser igualmente estendida aos contracantos. Estes, ademais, são igualmente
utilizados de maneira econômica: em Coisa no.2 eles só ocorrem em duas seções – na
modulação da seção A’ para Db Maior (c.123-30) e na seção B’ (c.49-64). No
primeiro caso, Ernest Dias (2010) identifica “uma pequena citação a um conhecido
cromatismo da Rhapsody in Blue, de George Gershwin, tocada pela trompa e pelo
trombone”: 102

Figura 1-49: contracantos na seção modulada (trompa e trombone).

Já na seção B’, os contracantos ganham maior evidência. Excetuando-se o


rápido comentário do trompete fora dos quadrados abaixo, eles ocorrem nos quatro

102
ERNEST DIAS, Andrea. Mais 'coisas' sobre Moacir Santos, ou os caminhos de um músico
brasileiro. 2010. Tese. Universidade Federal da Bahia, Salvador. p.205.
89

primeiros compassos da seção (trombone tenor, trompa e trompete) e se repetem nos
quatro últimos (trombone baixo, trombone tenor, trompa, sax barítono e trompete):

Figura 1-50: contracantos na seção B’.

Tendo em vista a melodia mais estática da seção B’ (tocada por flauta e sax
alto), os contracantos servem aqui para gerar movimento, compensando a ausência do
dinamismo que havia na melodia da seção B. Eles também evidenciam, mais uma
vez, a preferência de Moacir pelas já comentadas dobras em uníssono e oitava.
Podemos reduzir assim as linhas dos contracantos nesta seção:

Figura 1-51: redução dos contracantos na seção B’.

Uma estrutura muito simples de nota-contra-nota, como se vê, incluindo


oitavas paralelas em todo o último compasso (deixando aí de obedecer ao próprio
princípio contrapontístico de independência da vozes). Observa-se, com exceção
dessas oitavas finais, que o trecho segue estritamente as regras do contraponto a duas
90

vozes, tendo as dissonâncias sempre postas em tempo fraco e entre duas
consonâncias, que são atingidas por movimento contrário. Há ainda um espelhamento
envolvendo os dois primeiros compassos. Caso coloquemos a voz inferior ao lado da
superior, veremos que ambas retrogradam-se perfeitamente. Para melhor vizualização,
coloquemo-las iniciando na mesma oitava (note o Dób enarmônico em relação ao Si
natural que aparece à esquerda):

Figura 1-52: espelhamento entre vozes dos contracantos na seção B’.

1.2.6. Pós-escrito de análise (Recapitulação)

Percebe-se ao longo da presente análise que Coisa no.2 é uma peça de extrema
simplicidade em sua superfície musical e que se constrói, num primeiro plano, por
variações melódicas, instrumentais e texturais a partir de suas primeiras seções A e B
(além da Intro). Constata-se também um progressivo adensamento de procedimentos
harmônicos, melódicos e simétricos como originários de relações musicais mais
profundas da estrutura. Por fim, tem-se o uso pontual dos voicings e contacantos
como elementos de variação que ajudam a compor o ideal de Moacir Santos de
unidade, variedade e proporção, gerando novos momentos de interesse e produzindo
pontos de clímax. A questão da economia de meios e da exatidão em todos os
pormenores criativos desta peça fica clara na abordagem composicional de Moacir. A
partir de todas as observações realizadas neste primeiro capítulo, portanto, produziu-
se abaixo um Mapa Conclusivo que, junto com o mapa do próximo capítulo, servirá
de ferramenta de planejamento para o primeiro movimento da Suíte Ouro Negro – do
Sertão à Califórnia, peça autoral deste pesquisador. Assim, o mapa abaixo nos traz as
seguintes orientações e procedimentos composicionais.
91

1.3. Mapa conclusivo

Forma simétrica A-B-A’ com acréscimo de Introdução e Coda.

Princípios de unidade, variedade e proporção no sentido da


teoria clássica e romântica seguida por Moacir Santos.

Destaque para estrutura de melodia acompanhada.

Variação melódica e motívica como elemento gerador da forma


Características da composição.
gerais Mudanças texturais e instrumentais ao longo das seções como
fonte de variação em primeiro plano.

Aplicação de simetrias em momentos chave das seções, apenas


como ocasional patamar de estabilidade.
Inclusão de clímax inferior e superior (controle das variações
dinâmicas). O clímax superior dá-se por meio de modulação,
adensamento orquestral, textural, intensidade e aumento na
dissonância dos voicings.
Melodia modal escalar descendente em seus pontos de apoio,
configurando um modo específico, sobre harmonia modulatória.

Divisão em dois polos harmônicos separados por transposição


literal.

Melodia de cada polo cita acordes cujas fundamentais estão


separadas de suas respectivas tonalidades pelo mesmo intervalo.

Introdução Ciclo de quintas ligeiramente alterado no baixo.

Intervalo constante de quinta justa entre as notas da ponta dos


acordes e as notas da melodia.

Paralelismo presente na melodia dobrada oitava abaixo.


Movimentos das vozes da harmonia sempre por segundas
maiores e menores.

Simetria por notas surge com um arpejo em quartas no centro e


no final da seção.
92

Levada ternária de jazz na bateria e ostinato no contrabaixo.

Continuação da abordagem melodia modal escalar descendente,


prosseguindo no mesmo modo específico da Introdução.

Movimento por segundas maiores e menores continua nas vozes


do acompanhamento harmônico.

Seção A Intervalos das pontas mantêm-se constantes com poucas


variações e ocorrem no acompanhamento, não mais entre
acompanhamento e melodia.

Melodia não inteiramente contida nos acordes.

Acompanhamento dividido em duas camadas: linha superior +


tríades abaixo dela.

Relacionamento entre tríades por transformações triádicas:


caráter harmônico pós-tonal.

Prossegue levada ternária de jazz na bateria e ostinato no


contrabaixo; pedal é reforçado por outro instrumento da seção
rítmica além do contrabaixo.

Permanecem no acompanhamento intervalos de segundas


maiores e menores nas vozes individuais.
Melodia de contorno arpejado e contrastante em relação à seção
A, não se atendo mais a um modo específico.
Seção B Unidade da melodia constrói-se pela retrogradação e repetição
do primeiro seguimento de contorno (SEGC).

Acordes do acompanhamento contêm totalmente as notas da


melodia (origem horizontal dos acordes); pontuais adições de
notas mantêm os intervalos de segundas nas vozes harmônicas.

Discurso harmônico por meio da relação parcimoniosa entre


escalas (conceito de Interação intercoleções utilizando
Coleções referenciais comuns na música pós-tonal).
93

Contorno da linha da ponta do acompanhamento da seção A


repete-se na linha da ponta do acompanhamento na seção B. O
mesmo contorno reaparece em momento posterior da peça.

Os blocos verticais da harmonia, resultantes das notas


melódicas, compõem uma progressão dividida em duas partes
por um acorde central; os acordes da esquerda e os acordes da
direita estabelecem relações simétricas entre si.

O conjunto de classes de notas conclusivo da progressão é


simétrico por classes de notas.

Conjuntos de classes de notas situados em pontos chave da


progressão (inicial, central e final) mantêm relações estreitas de
transposição ou inversão (total ou com poucos desvios mínimos,
não mais que dois semitons).
Melodia retorna à configuração da seção A; notas melódicas
novamente contrapostas (e não totalmente pertencentes) ao
acompanhamento harmônico.
Condução harmônica não mais confinada às relações de
segundas.
Maior densidade sonora empregada no acompanhamento
harmônico; os acordes enceram estruturas de tríades sobrepostas
ou entrelaçadas.

A harmonia desta seção deve conter inteiramente a harmonia da


seção A (processo de “expansão harmônica”).

A harmonia resultante contém relação simétrica inversional


entre acordes.
Seção A’

Conjuntos de classes de notas situados em pontos chave da


progressão mantêm relações de transposição ou inversão (total
ou com desvios não maiores que dois semitons).

Classes de conjuntos relativos aos acordes mantêm relações


estreitas com no máximo dois semitons de ajuste.

Conjuntos equidistantes do acorde central da progressão


também mantêm relações estreitas de transposição ou inversão.

Simetria por notas ocorre nos conjuntos central e final da


progressão.
94

Utilização econômica; objetivo de criar contraste, variação e


clímax; adensamento progressivo.

Distribuição das vozes, incluindo dobras, favorece as linhas das


pontas e as regiões confortáveis para cada instrumento.

Primeira utilização: para acordes conclusivos / Técnica


utilizada: próxima a um spread voicing tradicional (close
position a quatro vozes com acréscimo no grave da fundamental
e quinta do acorde para dar “chão” à sonoridade). Como
acréscimo, a segunda nota mais aguda da close position (terça
Voicings
do acorde) é dobrada 8ª acima.

Adensamento 1: harmoniza a melodia em bloco (alguns


instrumentos alternam entre execução da melodia e construção
dos voicings) / Técnica utilizada: Voicing MS 1.

Adensamento 2: bloco durante toda a melodia da sessão


modulada / Técnicas utilizadas: Voicing MS 2 / Outros aspectos:
aumento de dissonância; maior intensidade dinâmica; foco nas
linhas individuais dos instrumentos; predominância de
movimentos por grau conjunto com poucos saltos.

Escolher formação de big band reduzida incluindo instrumentos


Instrumentação
menos recorrentes em formações desse tipo: flauta, trompa,
clarinete, fagote, entre outros.
534

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Apresenta diversas informações, catálogos e textos sobre o artista. Disponível em:
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Moacir Santos e sobre o Festival em sua homenagem. Disponível em:
www.festivalmoacirsantos.art.br.

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