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POLITICOS COílT[MPORAn1;:os

LINIO SALGAD

OSE' OLTMPIO-
RIO~JANEIRO
tDITORA
PLINIO SALGADO


A o
QUARTA
HU~NIDADE
f
• o-st
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º-1>:.
'9'>

1934
J,..lVHARIA Josr. OJ.Yi\ti>ro - MDl'l'OHA
RUA DO OUVlll O H, ll ~

I\TO DE JAl\' BtRO


~·1811náo ,.olu111e dd série que initi(; cot11
O so/frimento uni.,·t'rsttl'', c1tds p.·Jsi;ias 11ão fo~
• r"'" ta1nbe111 estriptas no re111duto 111navtl de
,,"
,,
"'''ª txi;tc1ui<t tranquil/,1; ellítS expri1ncnt t't4!t:lw1
~1/vos á<1 1nin/;a luct~t />crn1ct11e11I<' e lc\•tt111 o cdlQr
tl'1s a111J~,~~ôts r11pidds e111csr1u<1nas gitadot nat
,,"' l1ortt.r tlc inqc•Íet:tcle•
Q:t.i,itlo es<rt')'Í "Psicologit1 rln RevoÍ11(do",
• ro,uprehcndi rnclhor o drauu1 in1erjo1 de 1t1i11/1'1
• <>'Oct:ção cdJJ/rtUidJtf: 11unr~ o destino 111( deu so·
celJO p41a dcsenvolt•er o pltmo s1sft'1tdlÍ(.:tdo de
•u1:a obrct 'l''e ttt Je:sej41i11 1tdlitd1; "'°tc11Jo-mt
• c6Mr• a faJ.tiJ.u!e, .uda ...,;, 1<•11'> poJido f<>-
" t.tt, sindo stn1ogrctpho met• r<n111111t1110, nwm
<onpnscto dt /Wros qut sdo fragmCJJtos, tm
tad<J qu:rl as geraróef f11t1tra1 tnconlrdtiio um
trt:íO ée rmlá<tde idmtificdÂor. }lJ1ltf$n<lo colu1n·
t1-dJ, ccrpitéir, blóco; tle btJ1e1, vtro1e-á que txistt,
1101 ele1nt1Jt<1t erpcrr101, 11111 ptcino <Jl'thitecto11ico.
- '

"A Quarta H111nttnidade" é um livro para


a America do S11/. A 1.• e a 2." parte são consti-
tuídas pelas canferencias que realizei, respe~tiYa­
mente; nas Faculdades de Direito de S. Paula e
de Recife, a primeira em. 193 I e a segunda en1
193 3. Esta 11/tima eu a reli na Associ.tção Uni·
Ycrsitaria da Bahi<t, e no Theatro José de Ale11-
car, em Fortaleza. Os d<Ji; trabalhos se com.ple-
fdm,

Os escriptos da 3.• pttrte elucidam o pcn1a-


mento político deste livro. I Pi\RTB
Ao proximo vo'lume dei o titulo: "Desper-
temos a Narão!". Será mais uma clarinada con- l'ulvtl11 l1mo · Monot1i1mo . Atheismo -
clama11do os 111oços a Yirem fonnar a grande for-
ça capaz de construir a grande Patria. lnte9reli1mo

S. Paulo, 1 de noYetnbr<J de 1934.

PLr~ro SALGAoo
l

A concepção do Estado e da Sociedade está


ligada á concepção do proprio Universo.
1 E' da idéa do Cosn1os que deriva o senso das
1
~ finalidades humanas. E' do sentido das finalida·
1
1 dcs hutnanas que procede o pensatnento da orga·
ni:tação social. B' do pensamento da organização
,,
..
social que decorre a oricl\tação politica, coin influen·
eia, por sua vez, na Sociedade e no Estado.
1
Nós estamos vivendo, hoje em dia, o começo
•,, de uma grande E'ra I-iwnana, que, sob todos os
o
ti pontos de vista, apresenta uma notavel semelhan·
,
ça cotn o pedodo longo e crepuscular da formação
dos primeiros nucleos sociaes antecipadores das pri·
.
,' meiras nacionalidades.
f' Nunca fomos tão ligados, oomo agora, ao
sentido profundo do Cosmos, ás mysteriosas leis
que regem o Universo. Chegá111os ao limiar do
Seculo da Machina e esta nossa inquietação e est:i
nossa angustia, já nada têm de con1n1um com aqull
1
10 P L 1N 1O SALGADO A QUllRTA · HUMllNIDADI! 11
1
lo a que poderemos chamat· o cqnilibtio estavel da humanizarant". E, inais adiattte, acctescentci no
civiliznção, cujas expl'essões encontramos nos dois mesmo livr<>: "Agora, a Nature:za foi superada pcl?
oppostos: <> naturalismo hellenico e o mysticismo l Iomem. Novo desequilibrio. Mas o hon1cm esta
oriental.
Mndo esrnagado pela propria objectivação do. se:
Ligamo-nos, realtnenre, na época do Aeropla- aubjectivo. O sobrenatural que nos apavora nao "
no, da Electricidade e do Radio, á Noite Prin1iriva, mais 0 que provinha dos trovões, do~ ra~os, ~os tre-
d.os terrores indefinidos, em que o Sêr Humano se mores de terra, das tempestades e d1luv1os: e o que
Í11$tabiliza no immen90 desamparo. 'be de nós. Nesta sociedade sem Deus e sem ter·
ror cosmico, nós crcámos o terror de nos
so , inesmos" .
Tive essa impressão na Acropole de Athenas,
onde nada nle falou á angustia de ho1ncm do meu
Século. Eu sentia alli o naturalismo hellenico, "gue ALGUMA COUSA ESTA' NASCENDO · · ·
nunca admittiu sinão idéas naturaes acerca de todas
as cousas, porque buscou sempre a solução dos pro- · - da Hu.
Encontramo·nos na mcsn1a siruac;ao
ble~as da natureza huniana no "eu", na experimen· manidade ent inicio.
taçao e na historia, limitando-se á observação dos Porque somos uma Huinani<lade Nova. As
phenomcnos para os interpretar co111 precisão e ui· Humanidades que nos antece<lera1n procurar:.•n o
tidez". (Schlegel, "Ph. de L'hist."). Infinito no "objectivo". A nossa procura-o no sub·
"E,,, . .
nos - escrevi no meu livro "O Oriente" jcctivo". As primeiras viera111 do úniverso p~ra o
- "nunca vivem<>s unia época tão parecida com 1-l:otnem. E, tendo chegado ao Homem, a tnats re-
ague/la cm que se forjaram os primeil'os deuses. N o cente Hu111anidade tratou de dissecai-o, para lhe
começo, o Homem foi superado pela Natureza. estabelecer o seu valor intl'Ínseco. Somos forçados,
Houve o desequilíbrio. Era o crepusculo aterrador. agora, a partir do Homem para o Univer~. Hou·
A projecção sobrenatural do objccrivo . . . Na civi- ve uma marcha do Exterior para o Interior. E o
lização grega, deu-se o equilíbrio perfeito. O Ho· H omem realizou a marcha para o Homem.
mem e a Natureza se equ ivaleram. Os deuses se Essa inarcha correspondeu a uma continua
12 PLINJO S n' L GADO A QUART A HUMAN IDADE )3

negação do valor da idéa E f . • hoque de forçai residuarias, fazc11do um rumor,


tamento gradativo d . o1, tambem, u1n afas-
. . e causas p · · que não é ainda o rumor dos tempos novos, 1nas
1 a inte11 tgencia cheg , runarias. E quando
ou a neg • ' 1Lpenns o do sepulta1nc11to das Bdades.
nascer a Nova H . açao total, con1eço
' uman1dade . Que e, a nossa. u a
CREPUS'CULO DE CIVILIZAÇÃO
*
**
Ha unt sentido de vida, que é novo, e que pre·
1 Alguma cousa está na
da nioderna. Pr . scendo no cáos da v·1 cisamos decifrar.
cc1samos d l"b d - Fala-se geralmente num crcpusculo de civili-
prehendel-a. Libe d d - e l er ade para con1-
I1c11sao,
- de conq . rac,naono senti'd o de "PP i~ção. Eu prefiro falar num crepusculo de I-Iu·
tusra, que , l'b .. re·
passado. Mas libe ·d d e a t erdadc do século 1nanidade.
mento, de coragem1 dª e no, sentido
, de dcsprendi· Não é uma civilizaçã.o que está ternünando o
mais d ' e amor a verdad i.cu cyclo: & uma Hu1nanidade que está em face
d d , 0 que a scie11cia, por . e, que vale
~ e e, por assim dizer o d que a scrcncia da ver- de outra Humanidade. Não é u111 systema cco-
sc1encia. ' esapego á verdade da nomico que está isoladamente em jogo: é um senso
Je vida, de concepção cosmica ( l )- Não se trata de
Tudo o que nos to/h rumos políticos, mas de algo mais profundo, de
peso inutil de um P der essa libertação será o
ra d , 1 assa o' preconcertos
os secu os mortos.
. de cultu- que dependem os rumos politicos.
Temos, diante de nós, problemas moraes, cul-
Os Séculos
. morrera1n no seu lou · 111racs, multiplicando-se cm problemas pedagogi·
A Vida renovou-se b go caminho.
morte.
E'
so re um espectaculo d
e -
( t} O rnol~vo pelo qual considera1no1 o "marxisuw" co•

gustia.
o que vemos n h
a ora agitada da nossa an- •• 1 lll\1 phcnome.10 do s.eculo XIX ~ a idtotidadc de "'est~do de
,.,,,' lto .., de conc;tpção do mundo, que foiz de Marx um refor·
1 1~ r, 11!io llITT creador; uni subOrdirl<'ldO á cconotuia burgucza
No panorama da confusão univer1al ha um (t 1forn~r ellc 111esn10 o c9nfC$S.t\), e 11io otn rc,·olucionarlo.


r,,
14 PLINJO SALCAoo A QUARTA HUMANIDADE 15

cos, estheticos, juridicos e administrativos. E to- Humanidade, totalista,


f / dahi que nasce wua Nova . lista O espírito da
dos esses problemas não podem ser tratados segun- . - a, ou tra• pareia
em oppos1çao .
do a mentalidade das civilizações extinctas, mas se- Grecia está agonizando ...
gundo o sentido de uma época que se desdobra em
• novos planos e novas finalidades. A THEORIA D OS MOVIMENTOS
HUMANOS
O ESPIRITO DA GRBCIA d historia segunito uma
Nós costuma111os estu ar a D duzimos uma
apreciação cmpirica dos factos. e
O senso da civilização helle11ica, que tão notavel
preponderancia exerceu, d~sde a Renascença até critica formal.
, . d1'(atar o cri'terio
. da Historia.
aos dias de l~je, é um senso de abdicação, uma in- Mas e preciso h dennos as
f d Para surpre en
capacidade de rasgar fronteiras. B' uma limitação, Dilatar e apro un arhm. h nos theoria dos
. d ryt os uma, 3
não é uma solução. leis essenc1aes os d Absoluto.
. d Homem em torno o -
Esse criterio restrictivo, que dominou a nossa movunentos o as posiçoes do
. · deve revelar-nos
A H 1stor1a . • No
1 cultura moderna, já não satisfaz a ansia do nosso manente grav1taçao.
• Sêr Hun1ano na sua per hm é que va1nos sur-
espirito. Temos chegado ao individualismo, com to-
dcsenvolvimento desses ryt ospoderemos denomi-
das as suas consequencias e delle derivaram con· h d s tres etapas, que ~
ceitos de vida que se affirma1n num sentido de Ab- pre en er a . • usão e de desaggregaçao.
soluto. A ai1tithese da concepção sobrenntural atin- nar: de addtçao, de f .edades obedeceu a esses
- das ooc1
ge uma zona de negaçã_o, onde a affirmaçíío tam- A f o1·1naçao H .d de veiu da ca·
1 . . A Pri1
neira un1an1 a
bem se cnco11tra. Os extre1nos se tócam. A Nova n ovlll1ent,os. • do Polytheismo; a Segun~a,
Hu111anidade não se conforma con1 o relativismo verna, ate a crc.açao Monotheismo; a Terceira
1 das conclusões experimentaes, com o espírito grego vein do Polythe1s1'.10 a.oao Atheismo; e a Quarta
e o do Renascimento. Os campos oppostos se con- vem do Monothc1smo ma situação tragi-
, a nossa encontra-se na mes
fundem numa mesma physionomia espirituaL E' ca . . ' diante do mysterio universa1.
quedae Prune1ra,

A QUARTii. HUMANIDADE l7
16 P LINI O SALGADO

Depois da addição, da fusão e da desaggre· ., 1Iomem Primitivo com1nunga no conju11cto das


1 gação, chegou a hora da synthese. , pressões naturaes. Mais rapido o totem se ttans-
Que cousas mais semelhantes do que o Ho- (,irma em tabú, quanto n1ais expríma phenomenos
mem diante do raio, e o Homem diante da Ma. 1111iversaes.


china? ae
E' ahi que começa um rudiinento organização.
Existe um pensamento na Machina, como exis· <'.ida clan ten1 o seu totem (animal ou planta)'
te um pensamento no Ra4o. E' a natureza desse. 11
ma cspccie de deus itnmcdiato, tangível, compre·
pensamento que interessa á interpretação do mun- hcnsivel. Essa concepção do deus totemico corres·
do. ponde á traducçáo da autoridade faniiliar, que é
TOTEM E TABU' exercida pelo mais velho, ou o mais forte.
No instante em que essa confeatcrnização de
O Ho111en1 Primitivo fundou a tribu e engen- núcleos individuaes con1 outros seniclhantes se ef·
drou o totem. Os totems se addicionaram, con1 a fcctiva, garantindo a defesa e o trabalho_ com·
addição dos dans. Essa phase hu111ana tem um muns realiza-se a hegemonia do totcn1 mais for·
caracter de addição contínua. E' o individuo que te, q~e se torna o cabú da ~r~nde tribu, embora
• se junta ao individuo, o clan que se junta ao clan, outros continuen1 a pres1d11·, . particularmente,
05
alargando as areas da tribu e confraternizando os os destinos do clan respcctivo. A organização pre·
totems com n prioridade do fetichc do clan predo- social se accentúa, parallela :í organização religio-
minante, até á sua transformação e1n tabú. sa, pois a sociedade rudimentar está li~ada intitn.a·
O totetn traz consigo u111a interpretação da mente á aoncepção cosmica. E o tabu, como d1s·
idéa revelada. semos, é tanto n1ais predominante, nessa phasc de
O significado imtnediato do animal rotemico, actividades prc-politicas, quanto melhor traduza a
attingida a extensão do do1ninio tl'Íbal, começa a interpretação dos phenomenos que interessam a
ampliar-se, na correspondencia com os phenomenos tnentalidade e as preocupações tribaes em lucta ~0111
cosmicos, através dos processos analogicos, en1 que 0
meio physico. E' esse senso u1tiversalizante, onun·

-- -----
18 A Q\J/\RT/\ HUMAN I DADE J9
P L 1N 1ô SAL G A O O .
. (( ,, D tt _,, • t'Tu-
do da propria concepção da divindade, que "tape" veiu o nome tupy . e tupy ve1u
deter111ina os 111ovimentos das tribus, num sentido pan", idéa já quasi abstracta de Deus.
de cohesão e de finalidade cornmum. E' a interpre-
tação dos deuses que determina a interpretação dos EVOLUÇÃO DOS TABU'S
• destinos humanos. Um exetnplo curioso é o de Horus, 110 Egypto.
- O totem não se transformou em tabú, sem que Cumpre notar que de todos os totems do Delta, do
trouxesse consigo u1na ·capacidade de universaliza· Vale e do Planalto Meridional, be1n poucos che·

çao. garam a attingir a supremacia, como tabús; e, den-
A idéa de Deus precedeu a idéa do Cosmos, tre estes, poucos lograram sagrar-se na dynastia dos
porque o tabú succedeu ao totem. • deuses nacionaes.
Horus é totem de algum cla11 do Baixo Egyp·
.. to. Elle figura como protector de varias tribus.
**
Atravessa 0 longo periodo da organização dos nu·
O totem existiu pruneiro, como idéa pura. A 1nes, ou provincias, mantendo un1a prestigiosa he·
sua predominancia sobre seus similes é que depen- gemonia. E quando as organiza.ções se tr~nsfor·

deu da nlais exacta traducção do universo material, matn en1 instituições, elle apparece como d1v111dade
trazendo caracteres mais tangiveis de viabilidade, suprema, co1no o Saturno dos gregos.
como teôr pratico da concepção theorica, na re- Foi o trabalho mental da analogia, da harmo-
velação nascente. nização do fetiche com os phenomenos cosmicos.
j E' o caso da raça tupy. De todos os seus to· Horus é representado por u111 falcão, o pas·
tems, o predominante foi o tapir, que, por ser o a.iro que e.rguc o seu vôo orgulhoso sobre as pia·
1 maior animal da Amcrica M eridional, symbolizou uicics descampadas. Elle fére a i1naginação do Ho-
a inuncnsa terra. Venceu o jaboti, o jaguar e a co- mem Prllnitivo, é tomado como totem, depois co-
bra·grande na imaginação de todas as tribus e a 1110 tnbú e divindade. Porque a sua analogia é per·
sua hegemonia deu o no1ne á raça. D a palavra tri tn co1n o cosmos.
20 P L 1N 1O SA L C A DO A QUARTA HUM A N 1 D J\ DE 21
11
, Que são os olhos de Horus? O sol e a lúa.
Que exprime a curva de sua cabeça,· que se prolon·
ga no bico adunoo, como se quizesse forn1ar uma
111~, embora vencedor de todas as batalhas, não pó·
clr evitar as noites sem lúa, ou as phases da lúa, em
•1uc esta quasi desapparcce.
curcurnferencia? O firn1runento. Do dualis1no feiticista procede o dualismo po-
l
• Elle paira sempre na altura, porque está aci· htico, origem da affirmação nacional.
ma das contingencias do homem e da terra. Suas Uma nação não será organizada, sem a lucta
azas se abrem como as so;nbras da noite. Suas gar- das forças contrarias.
1 ras poisarn nas palmeiras, como si elle tomasse pos· Sem negação não póde haver affirmação. A
se do 1nw1do. Seus gritJOs são cotno o rumor do d:a. vida dos cfons proscguiria indefinidatnente, si os
Horus é a Causa Suprcn1a. Horus é tambem o Uni· totems, passando a tabús e a deuses, não formas-
verso. sem systemas de causas contrarias. (1)
Seu inimigo, Seth, senhor das trévas, habir:i as As tribus se unen1 por algum 1noti''º· Esse
terras mcridionaes, de onde vê1n as tempestades, os motivo é o combate ao inimigo con1mum, ao deus
fudosos tufões. Tambcrn foi totem de um clan. inimigo do deus do nume, ou dos numes confede-
E' uni animal, especie de galgo, de antilope ou ta· rados. O Alto Egypto luctará com o Baixo Egyp·

manduá. Seu prestigio procede, naturalmente, da to; um deverá absorver o ou tro. Um será vencido,
sombra que parece devorar o sol ou a lua (os olhos outro vencedor, mas serão distinctos, e é essa dis·
de Horus) durante os eclipses. E' uma tradição tincção que une as provincias de cada qual.
que até hoje se conserva, nas camadas supers·
1 ticiosas das populações ignorantes, essa que vê, no (1) Não s.e t0ucebcndo nem o rC!pouso, >icnt o moviJncnto
especraculo dos eclipses, um animal devorando o ah'°luto no uni~erso, a lei da contr.\dição torna.se imperativa
çomo cond:ç.ão de n1ovirnentos. Xem tudo, por6In, .se rcdu:Z ~
1 astt·o. lt i díl conttaclfc;.ilo, ccni-o querem os fanaticos dai dialcet!cn de
E Serh torna-se a antithcsc de Horus. E' o 1ltccl. Porque tudo se suborditla, C1U ultirua ratio, a uma lei
1lt• l':irmonia. O ~pirito hti:t"100 soffrc as ~tingcocias da lei
deus das trevas, das trovoadas, dos raios, da noite d 1 contradiç."ío por n:'io haver ainda ' '1pcrado 1l íataltd~dc do
tenebrosa. O poder de Seth é enorme, pois Ho· tu lianie matel'iai.
22 P L IN IO S /\ 1. G A OO A Q 'U h R T /\ H U M h N 1D h O E 23


Até hoje, nesta nossa Civilização, que attin· CONCEPÇÃO POLYTHEISTA DO
giu plana tão alta, a verdade inicial continúa: não UNIVERSO
haverá unidade de uma Patria, si as correntes de
povos que a compõem não tiverem um inimigo cotn· A psychologia das nações dessa Primeira Huma·
• mum. E' preciso crear esse inimigo, quando elle 111dade deriva im1nediatamente da concepção poly·
não existe. 1licista do universo. Cada effeito procede de uma

Nos povos primitiV()s; a lucta dos contrarias ~ r~usa propria. Os deuses 1nultiplicam-se. O seu
o começo da organização definitiva. "As organi- rulto estabelece as castas, explica os ritos, justi-
zações rudimentares se desenvolvem em instituições fic:i as guerras, como no caso de Troya, em que
os clans constituen1 provincias, ou nu1ncs, onde os '" deuses dirigen1 exercites. Con1plica-sc a theo·
emblemas primitivos, sendo fetichcs ou rotems se i1onia, diversificam-se os ritos liturgicos, traça1n·
transforman1 ein divindade. Parallelamente ' ou •t prcrogativas e direitos, fixa-se o apparelho insti·
numa plana immediatamente inferior, os patriar- ' tucional complexo.
chas se elevam a chefes unicos, depois a reis. Os O Homem está inteiramente subordinado á
numes se agrupam em reinos, primeiro multiplos, N atureza. Esse é o caracter fundamental da Pri-
depois concentrados, wtifícados sob um s6 monar- meira Humanidade. Porque a idéa unica de Cau-
cha. Nesse momenro inicia-se o periodo dymnasti- <4 Prin1cira encontrou nu1nerosas expressões cos·

co e inscreve-se na Historia. A cscripta esculpe já micas de traducção. Essa traducção cosmologica


nns pedras os apellidos dos soberanos, as guerras, romplexa da idéa essencial tetn o prestigio das cou·
os grandes feitos politicos, as tradições, até então i as formaes e dctcrtnina a interpretação da vida.
oraes, as doutrinas religiosas. A Sociedade H uma- Ha intimas analogias entre o totc1n tribal e
na tornou-se um Estado". ( 1) os elcn1entos da natureza; depois, esses elementos
Bbsorvetn completamente o totem. E' que os ele-
mentos naturaes são mais impressionantes e pas·
(1) A. ~foTct - ••te Xil ti la Civilitation Eg1pcicne ". aiveis de traducção inunediata.
r
·2 4 P L 1N l 0 S i\. L G A O O A Q U A R T i\. H U M A N 1O A O E 25

A evolução do abstracto para o concreto, en· nem a porção territorial; a Nação, agora, é o scn·
tretanto, prosegue ainda mais. Nessa altura, a tido de uma cultura, a somma das instituições, dos
concepção cosmica se exprin1e em for1nas humani· conhecimentos accumulados, da civilização realiza·
zadas. E' um afastamento de idéa pura, mas é un1 da, que tudo se crystaliia nas leis.
• • retorno rambem á sua natureza humana e ao seu Para chegar a essa etapa, desde o H omem
sentin1ento de revelação. Primitivo, foram precisos muitos séculos, milhares
1 Hon1s 1 Seth, A1u1b'is, Osiris, conservam apc· de att11os. Os tabús nasceram e fizeram sua carrei·
nas as cabeças de passaros, ou animaes; o corpo já ra até ao polytheis1no perfeita1ncnte estylizado, de
é humano. Essa evolução se1·á mais completa na que são paradigmas pecfeitos os individues da 1ny·
Greda, onde os deuses realizam a suprema harmo· t hologia grega. Mas é exactamente quando esses
nia da forma humana. deuses adquirem lincanientos harmoniosos na repte·
Por outro lado, o hon1en1 se diviniza. Os rnor· .1 cntação humana, que começa a e11cerrar-se o mais
• ros con1eçam a exercer sua influencia. A Historia vasto cydo da marcha do Homem sobre a T erra.
se inaugura effectivamente. Os monardias pas·
satn a constituir semi-deuscs. A chróníca da vida A MORTE DOS D EUSES
• material prosegue 11a chronica da vida sobrenatu·
ral. O Monardta é o centro das províncias e das Absorvidos pelo senso jurídico do Estado, vul·
tribus, porque elle é o filho dos deuses. Acccntua· ll·'rizados pela literatura, enfraquecidos pelo conta·
se a idéa do Estado. , to con1 os povos conquistadores ou conquistados,
E o mesmo pheno1neno que se verifica na ab- '1 llc trazem o seu conti11gc11te de divindades, os tlcu·
sorpção do totem pela natureza, da ttatureza pela eJ perdem seu mysterio e passanl a orientar muito

f for1na humana, effectiva-se pela absorpção do sys·


tema social baseado no rei, pelo systema politico
pouco os destinos sociaes.
E co1neça1n a germi11ar, sin,ultaneatnente, as
, ~mentes das duas humanidades, as proxitnas anta·
baseado no Estado. ·
A Nação 11ão é mais o conjuncto das tribui, .
llonista~, - -
que se perpetuarao e se revesarao no cor·
'
~- .,. = 'WWW:\ . . _ _ _... --- --- - ---- . -


1
26 PLINIO SALGADO A QU/I RT A HU).IANIDADE 27

j 1
rer dos tempos: a humanidade monotheista e a pressões formaes da natureza, o monotheis1no orien-
humanidade athcista. tal abstrác a consideração dos pheoomenos immc-
t Podemos representai· graphicamente o largo diatos, para se deixar absorver pelo magnetismo so- J
periodo polytheista conto as nascentes de um rio. bi·enatural.
As causas são numerosas, todas convergem para Atnbos vieran1 do polytheis1no, pelo mesmo ca-
uma causa uníca, para uma larga e profunda cau· minho, mas separaram-se porque cada um deveria
dal. E é curioso como o mesmo espírito que fun- constituir uma força na eterna dialectica. . Essas
• diu todas as correntes para uma unica concepção duas humanidades deveriam exprimir as duas faces
de Deus, é o mesmo espirito que prosegue, tentan- da verdade, porque impossivel seria comprehender
do a destruição do proprio Deus. E', em ulcima uma sem a outra.
analyse, o mesmo cspirito naturalista, que faz com· O bom não será bom sem o mau; a luz não
prehender n1'elhor o Universo formal. E' a procu- será luz se1n a tréva; o agradavel não o será sem o
1
ra da causa unica. desagradavel, o alto s·e1n o baixo, o preto sc1n o
O polytheismo está entre dois fógos: o he//e- branco. E do mesmo n1odo como a recta é que faz
nismo, que proscguc nos methodos naturalistas de comprehender a cunra, embora a recta seja apenas
• interpretação e explicação dos elementos; e o orien- uma illusão, como observa Einstein, o Sêr só se
talismo, que proscgue no rumo sobrenatural, esta- compreheude em relação ao N ão Sêr, a affirma-
belecendo em Deus o centro do Universo e do mun- çií.o em relação á negação.
do interior, co11scquenten1ente o centro dos movi- Qual é a unica forma de negar? B' abstrahir.
tnentos sociacs. E' não considerar. Negar, considerando, é uma
maneira de affirmar. Eis porque a civilização hel-
EVOLUÇÃO DOS CONTRARIOS lenica, e a sua successora greco·romana, têm u1n
Eruquanto o hcllcnis1no, a cultura grega, abs- caracter de negação, que é a não consideração dos
tráe a consideração dos phenomenos espirituaes phenomenos sobrenatura·es. E' o paganismo epicu-
1nais profundos, limitando-se á apreciação das ex- rista, que tolera os deuses e não se prcoccupa com
-----~~~·------------~-=----------·,.--,---...-

28 P L l N 1O S A L G AO O A Q l:I A R T A H U M A N 1 O A O E 29

a vida delles. Esses deuses não passam de motivos judaico. E essa é a. grande premissa de que deflue
artisticos de esculptura, architectura e poesia. A vi- roda a organização nacional dos hebreus, toda a i
da social está absorvida pelo Estado. O Estado legislação civil, o 1·egi1ne politico, o destino histo·
.
rico.
1

é o espírito das leis, e as leis são apenas a systema-


1 t. 1
tizaç.ío do bo1n senro, a crystaliiaçií.o verbal de um
oonceito de harmonia de relações em face da expc-
Para a H umanidade .l\rionotheista, que se des·
dobra dos hebreus para o amplo domínio do Chris-
ricncia objcctiva dos factos sociaes. tianismo (e em cuja concepçã.o da existcncia temos
A lei é 1nais uma commodidade do que uma de incluir os mahotnetanos e os budhistas) , Deus
finalidade. O culto do direito é o rito da nova é a causa ,a razão, a finalidade unica do Homem.
religião profana, materialista e tradicional. E' unia O Ho111en1 procede de Deus e vac para Deus. A
synthese de cultura. E' esse culto que justifica o terra é uma passagem, o caminho entre dois Infini·
• Estado e crêa o itnpositivo da civilização. E' esse tos. A vida huinana uma contingencia 1naterial do
impositivo que determina a idéa do Imperio. Pois Espirito. E é desse pensamento central que se ori·
si os deuses justificava111 as guerras de conquista, gina a organização do Estado, das classes, das fa-
• é agora a idéa do Estado e da Civilização que jus· milias, das communas geographicas. E' desse pen-
tificam a marcha dos Exercitos. samento que decorre o conceito da autoridade, da
1
obediencia ás leis moraes e ás leis civis. E' a Se-
gunda Huinanidade, que se desdobrará, dominan·
l Contcmporancamentc, desenvolve-se um outro
do os an1bitos dos Imperios, até crystalizar-se na ci·
vili~ação christã da Edadc Media, em que a com·

! senso da vida. E' a outra Humanidade, na qual o


Estado é um prolongame11to do Sobrenatural. "Eu
prcbensão das contingencias economicas, 1nateriaes,
se hannonizou corn n idéa das fu1alidades sobrena-
sou o Senhor teu Deus; não terás outros deuses turaes.
diante de inim!" fala Jehovah a Moysés, no Sinai, En1quanto essa civilização se an1plia e api·o·
entregando-lhe as taboas da lei, fonte do direito funda ,vem nascendo a 'ferceira Humanidade. EUa
30 P LINIO SALGADO A QUART A HUMANIDADe 31

germina na Grecia. Dentro della se encontran1 movimentos humanos. Fonte remota desse syste·
1 elementos da Quarta Humanidade, elementos que ma de n1ovimentos, é o povo hebreu, antithese do
1 estão tambcm na expressão contraria á do espirito povo grego. EUe será a origem da civilização chris-
grego. A idéa essencial está dentro de todas as tã e influirá na civilização sarracena. Dará ao
civilizações e forn1as de mentalidade. mltndo um conceito de autoridade, urn objectivo
• Realincnce, já Oliveira Martins, antecipando final, wna esrructura social. A Nação Judaica não
os n1ethodos de Spengler, ·possivelmente co111 1nais tem base physica ao nascer. S eu fundamento é
1
agudeza, escrevia ("O hellenismo e a Civilizacão exclusivamente moral. A legislação 111osaica nasce
Christã") : "cada civilização é wn sysretna ou ·sé- no deserto. "Na viagem que fiz do Cairo ao Ca-
rie; e da mesma forn1a que succede com os organis· nal de Suez" - escrevi no meu livro "O Oriente"
mos naturaes cada syste1na co111tem num gráo mais - "pelo caminho dos hebreus, pude comprehen·
ou 1nenos r11din1entar todos os rnomentos de todas der a formidavel força estatuci.onal que se tornou
as séries''. o unico ponto de referencia da Nação perdida no
panorama branco de saibro, sem o apoio da orga-
nização econon1ica e da fixação á gléba". E accres-
• CAUSAS MORAES E CAUSAS
centei: "A tradição historica é todo o patrimonio
GEOGRAPHICAS
israelita no doloroso nomadistno da travessia. Elle
O segundo typo de Humanidade ( a IVIono- se estampa na téla coruscante da planicie núa. E'
theista) apresenta um caracter de fusão, cotno a a solidão que destaca e focaliza o apparelho insti-
primeira (Polytheisra) apr esentou uma índole de tucio11al. Esse agente cós111ico· continua a actuar,
addição. Na primeira sommam-se os clans, som- como um sustentáculo do dogma theologico e da
1nan1-se os deuses, sommam-se as provincias, som - legislação civil, através da expressão geologica da
man1-se as causas. Na segunda, todos esses ele- província que tóca a Judá e Benjamim, na par-
menllOs se fundem numa idéa totalitaria, que abar- tilha de Josué. E amplia a hegc1uonia da velha
ca toda a cornprehensão do Universo e todos os Jebus oobre as doze tribus de Israel" .


32 PLINIO SALGA DO A QUARTA HUMAN I DADE 33

Co1no se vê, o factor physico é considerado •empre um pedaço de snar". ("O Oriente"). "Não
como u1na circumstancia ambiental, o condicionado c ~istc1n dístnncias immensas para o grego". "Dahi
' , geographico da these moral, um scenario vasio e a ~usencia de rnysterio". (Ob. cit.) "Tudo ahi foi
l sc1n vida, onde predonlina a idéa de Jehovah. Na
ausencia da paizagem viva, no desamparo da am·
condicionado - na csthetica, na phüosophia, na
politica, na religião e nos costumes - oos impe-
plidão arenosa, Jehováh é a paizage1n, con10 é a rativos do lirnite e d;i exacridíío de todos os n1ovi·
11 Providencia, que derrama 'l!S nuvens de maná e co· 1nentos. A perfeita euphoria. O homem de pazes
dornizes ás tribus esfaimadas; é a finalidade da Na· feitas com a naturc7-a. Sen1 a interrogar demasia·
ção, que accendc a colwnna de fogo para a mar· damente" (Ob. cir.) .. "0 Universo n5o tem pen·
cha nas trevas do deserto; é a tradicção, que se samentos occultos para o grego. O homem grego
conserva na Arca da Alliança; é a lei, que procede nunca poderia comprehender a transposição in1pre·
do Decalogo; é a sociedade, que se organiza, se· vhita de unl elemento do segundo plano, para a fo-
gundo o culto divino, en1 levitas, guerreiros e tra· calização immediata do primeiro". (Ob. cit.) .. J
balhadores. Tudo procede da idéa cenct·al, rudo Consegucnda do ambiente geographico, o que
nclla repousa. Tudo é deduzido de um sentimento poderemos ehamar a "!'1mp1'dez" do 1'd ca lismo d e
do Sobrenatural. ( 1) Platão, em contraste com a meia sombra do mysti·
Ao co11trario1 a civili?,;1ção hellenica é filha da cismo oriental.
proptia geographia. "Mares onde o ho1nem vê Na elaboração da Hwnanidade Monotheista
sen1pre un1 pedaço de terra; terra onde o l10me1n vê ha o gcrmcn do materialismo, que 1nais tarde vae
se aninhar no grupo sectario dos sadduceus, cuja
(1) A nação juda:ca cun1priu o seu destino historico. até recusa á acceitação dos espíritos, anjos, archa1ljos,
ao Christ:nnis1no. Dalti por diante, porque não comJ>rehendeu
n sua grandiosa n1iss?lo, qiie hnvla termiu a.do, tornou~se unta il:á ser repetida mais de vinte seculos depois, pelo
forc;a destructlva. l-Jôuvc sen1prc unia Judéa de I'rophctas e racionalismo philosophico e pelo experimentalismo
outra de Doutor~. Os prophclas lcv3.m :í vida, os doutores lc·
\•an1 á n1011c. Os doulorcs são :l t>estc dos Po\•os, a a1lseacia
scienrifico, em que influirani tanto os inteltectuaes
do cspirito crcador. SllJ)rida. pela controversi:t e pelo sophiswn. da raça hebrea. Tambem no desc11volvi1nento da
.. --
34 PLINIO SALGADO A QU A R T A H U ~I AN 1D AD E 35

H unianidade Atheista, cujo en1brião está no ca· duvidas, como o espirita de Deus "que paira sobre
racter objectivo, do 11aturalis1no grego, encontra· as aguas".
mos a scn1cnte do espiritualis1no na linha pura que Ha um momento, porém, en1 que se encon-
evolve de Sócrates a Platão e Aristoteles. tra1n as duas Humanidades. São os primeiros sécu·
Essas duas Humanidades, que, das linhas con· los da Era Christã. Esses dois caracteres universaes
vergcntes do Polytheismo, para as definições sim· do espirito vão se misturar, quasi fundir-se, sepa·
plificadas das ooncepçóes dualista e monista, ca· rar-se de novo, caminhar em sentido óra parallefo,
1ninham através dos séculos, óra se encontram, óra óra divergente, refluindo ou confluindo, através
se separam em contrastes profundos. do longo periodo que vae da quebra dos padrões
das "civitas" romana, prolongando-se nas sombras
NO CAMINHO DOS SECULOS da Edade Media, até á Renascença, e desta deri-
vando até aos tempos modernos.
As sociedades espiritualistas accusam indices
de materialismo; das sociedades 1naterialistas des- São, realmente, duas 1-íumanidades que, rotu·
pontam traços de espiritualismo. E' esse o aspecto !adas com as designações 1nais variadas das cor-
geral dos scculos e nenhu1n pôde fugir dessa fa- rentes philosophicas, reduzem-se, en1 ultuna aualy·
talidade. se, á Hu1nanidadc Monotheista, totalista, integra-
E' que não se comprcheudc a these sen1 a anti- lista ,deductivista, e á Hutnauidadc Athéista, epi-
these ( 1) . A certeza cm transiro, paira sobre as curista, 11ominalista, estoica, experin1ental. São
duas H umanidades, uma co11cebe11do o Homen1
( 1) N~o '\'A.o nc:s1r1 J)h•·nsc t11tta st1bordirutç.lio a l'iegel. A na sua expressão integral, na sua capacidade de e11·
dialectlca hegelennn é o:nda, conto ns "\'tr<lades 11 do secufo gendrar idéas reaes; outra lançando a duvida sobre
X IX, u111n verdade ,, ~ rcinl. Do 1ncs1no 1nodo ro1no a lei de
Newton ufio fica destruida, 1nris c;ontilla no relativisn10 de Poin.. a capacidade do conheci1nento e pondo em cheque
1 caré (- de Einstein, t:i.111bc1n a dialectica de H<'gcl ó un, dos nu- a prccedencia da idéa e o seu valor intl'inseco.
merosos asptctos que o uculo XX tota.lix.a, num esforço çrea..
dor de s.ynthcscs integr.acs, su1>er com11rcl1<'ndcndo todos os pr<r Essas duas Humanidades, que produziram,
cessos de movimt ntos nu111 rrande syste11\a w1iv~rsaJ. uma 'º Estado rvl'.edieval, a outra o Estado Modcr·

36 PLINIO S ALGADO A QU ARTA HUMANIDA DE 37

no; que realizaram as Nações, uma segundo um corrente nominalista. Sómente a coincidencia das
principio de causa, de filn e de autoridades trans· manifestações mais adiantadas do pensamento no-
cendentaes, outra conforme o principio da sobera- minalista, traduzindo-se nas formas do humanismo,
nia popular e de sub-finalidades sociologicas em com o retrocesso da arte 1ncdieval aos 1nodelos re-
transito ( 1) - essas duas Humanidades vieram cobrados da antiguidade pagã, explica a confusão
se revezando até nós, na predoininancia sobre os que identificou este ulti1no aspecto do Renascimen-
l1
aspecr.os gcraes da cultura e da' politica dos séculos. to co1n a sua orientação philosophica, na qual se
E' co1n muito acerto que o nosso Azevedo nos depara apenas um desdobramento de idéas 111e·
Amaral escreve: ("Ensaios Brasileiros") : "Nes· dievaes levadas a 1nais altlO nível de desenvolvitnell·
se aspecro das suas manifestações cspirituaes, o Re- to logico, sc111 que occorresse, enc.retanto, tuna que·
nascimento continuou a seguir o curso das idéas bra de continuidade no processo inrcllectual".
que vinham sendo elaboradas na Eclade Média. O Essa marcha do espírito humano, que pode-
humanismo pragmatista do século XX representa riamos remontar aos proprios primordios bíblicos,
o dcsenvolvilnento logico do human.ismo esthetico evocando os "filhos do ho1ncm" e os "filhos de
e ethico da Renascença, tal con10 este fôra a ex- Deus", tendo confluído, na alvorada do Christia-
press.io da etapa de definitiva affirinação das ten- nismo, sem nunca, enttetantio, ter-se confundido de
dcncias que, a partir dos séculos XII e XIII, vi- uma n1a11eira absoluta, co1ncça a separar-se, en1 li-
nha1n sendo elaboradas no pensamenoo medieval, neamentos mais n itidos, depois do século IV. O
pela evolução progressivan1entc 1nais audaciosa da Concilio de N icéa não é apenas o palco das contro·
versias e1ttre os estudiosos da theoLogia dog1natica.
(1) 1\s J:uhas 111estras das democracias 1nodernas inspi·
E' u1n iudice tamben1 revelador do livre exame, de
rfl1n•se no Yelh() epicurismo e 110 velho estoicisn\O. Toda a dou- que Ario representa possivelmente a primeira ex-
trina cco1>011~ica de Adam Smith é eit:oica: o Est~do cruza os press.io. E' unia depuração de residuos. As fontes
1
l>ra('O.s. E' c.ssc o ntcstoo st:!1t:do do C\'01ucic.1ismo sptnccrea.no
e do po.siti\•ismo comtis.t.a. Rcsurgiram, do1ntnado~s_ Zcn011 e originarias da Edade Media, da Reforma, da Re-
l!?iaaro. Os go,·erno:s si? estoicos, a sociedade é cpiauista. nascença, do Humanismo, e finalmen~ do Arheis·
,
't
38 PLINIO Sll.l.CADO A QUARTA HUMAN I DADE 39

mo, vêin, na verdade, se revelando através das con- sentimento monotheista, e civilizações eminentemen·
troversias dos Séculos. A idéa essencial paira so· te atheistas. E isso, que se dá 110 espaço geogra-
bre as controvcrsias. phico, verifica-se no espaço chronologico. Só por
Mas, apreciemos, desde logo, a T erceira Hu- unia questão de metl1odo, póde·se dividir a H isto·
1uanidade. ria en1 periodos nitidamente demarcados. Feitas,
entretanto, estas considerações, podemos apreciar,
de um nwdo geral, as características dominantes dos
CONCBPÇÃO SCIENTIFICA
tempos. E não podemos negar hoje que foi o
DO UNIVERSO
Atheismo que construiu o inundo moderno. Sim,
foram os "filhos do homem", nã.o foram os "filhos
Dissemos que a primeira Hun1anidade, Poly-
de Deus".
theista, Pantheista, teve um caracter de addição. A
S egunda, Monothcista, tem um caracter de fusão. A índole naturalista determina a creação de
A Terceira, a Atheista, tem uma indole de ~isso· tm1a civilização de realidades ob jectivas. Chegan1os
ciação, de desaggrcgação. ao pragmatismo humanista 'e é e1n plena expansão
Cun1pre assignalar que, em rigor, não ha eta· desse conceito do Universo e cio seus movimentos,
pas chronologicas para estas tres Humanidades. que assistimos, hoje e1n dia, a essa cousa surpre-
Como os rios que scccan1 no tco1po do estio, para hendcnte: as conclusões ultimas do materialismo
transbordar nas estações pluviaes, cada uma dcllas buscam uma fo1·ma de definição absoluta, no cri·
não desapparccc co1npletame11te. Corre seo1pre u1n terio da negação absoluta, que se torna un1 indi-
f ilete no leito vazio, e esse filete p6de engrossar e ce impres.~ionante de affirmaçiío. Partindo do cri-
diminuh-. Tal phe110111eno se verifica no Tempo 'e terio dubitativo e relativista do 11ominalis1no, a ex·
no Espaço. A geographia espiritual não conhece tren1a esquerda desse pensamento chega ás con-
etapas, ignora o que significam os séculos. Dcn· clusões de u111 idealismo ás avessas, en1 que a idéa
tro do n1esmo tempo, nias nos differentes espaços, readquire o seu valor inicial, na nega~ão1 e isso cor-
ha selvagens polytheistas1 populações de profu!ldo "
40 PLINIO S ALGA DO /\. QU ARTii. HUM/l.NIDADE 41

respo11de á rehabilitação da idéa, reenceta a linha das tyrannias. Negando a realidade. do mundo
do processo apriorista ... ideal, negando ;lté a conscicncia, onde esse mundo •
A Terceira Hun1anidade funda-se nas con· se nos revela, destróe, ao mesmo tempo, a Mo;al
dusões scientificas, nas verdades cn1 transito, da e o. Direito; começa por abafar o 111undo interior,
hypothese para a thcse e da these para ;?. hypo· e logo a sua obra se traduz numa oppressão e as-
these. ( l). E' o caracter do expel'imentalismo, a phyxia de todas as creações sociaes, cujo fundarnen-
feição extrema do humanismo. to é a Justiça". (Ob. cit.).
"Fazer da vida" - escreve Oliveira Mar- Essa a grande catacteristica da Humanidade
tins (Ob. cit.) - " uma co1nbinação particular de Atheista, cujas expressões inais definitivas come·
tnovitnentos de atontos e tn oleculas organicas, é des- ça1n no Renascinten!Xl, attingem elevada .?ltitudc
thronar, decerto, etn beneficio da autoridade céga no E11cyclopedisn10 e na Revolução Franceza e pto-
da Materia, o D eus da Theologia e do Espiritua- seguem nos panoramas dos dias da Grande Guerra
lismo. A necessidade e a eternidade da materia e do Após Guerra.
presci11de1n delle, para explicar o principio das cou- A psychologia dessa H umanidade Atheista é
sas; e o espirito scientifioo, soberbo e cheio de si, exacta1nente aquella que surprehende Fierens Ge-
repele, com ironia, com desprezo ou com o odio vaert ("A Tristeza conten1poranea"): "A scicn-
proprio do escravo emancipado, o antigo tyrano, cia affirn1a categoricamente a pe1·petuidade da fot-
cujo prestigio se fundava apenas na ignorancia ... ça - mas não nos ensina cousa algLuna sobre a sua
"Quando a 111oder11a in1piedade pensa etnancipar- origem. Pouco in1porta, de resto, que o mundo te-
se no atheisrno, prepara, inconscientemente, a peor nha ou não co1neçado a existir; os matedalistas que-
rem ignorar taes problen1as e desdenhan1 daquel·
( 1) Nada n1cll1or exprhne e-sse e~tado .de espírito do qt~c les que cotn clles se preoccupam".
a philosop~lia de Vall'. ng('.r, o "como se fosse", isto é, o ~licc::r .. O mundo cáe no terreno das superstições
ça1nento de todo o c<lific;o da ci\•ilizaçã'o n~s bases das llypo·
theses, que se re11dcrn, Có?llO stt\tinelta~, no orgulhoso Cluartel sciçntificas, ou da abstração das causas. "Sabe·
<la s<.:ieocia.
• aa JS 0§ . AS 1@!!1 :W W o

~r ·
"~-

42 PLtN!O SALGADO A QUARTA HUMANIDADO 43

mos, por ventura, melhor que outróra, o que é o desenvolvendo-se na esphera do pensamento ( l) . B'
• espirito, a força, a materia, o tempo, o espaço? o espaço cambiante da philosophia dos séculos
Essa potencia illimitada e multiforme, que em todo XVIII e XIX. O crepusculo dos philosophos a
o tempo e en1 toda a parte revela a sua presença, que se refere Papilli.
continúa impenetrável. Dize1n que o Universo é A Humanidade, entretanto, entristece. Por-
unicamente uma resultante do movimento dos ato- que ella não se conforma com as conclusões scien-
n1os; explicatn a vida pela vibração constante das tificas, 11ern com as divagações philosophicas. E ess11.
moleculas; pretendem que a sensação p1·ovoca os é a Te1·ceira H umanidade, atheista nos seus cara·
phenomcnos moleculares, ol'igillando-se destes os ctéres mais typicos. E' a HtUnanidadc, que desap-
phenomenos phisiologicos __ . Mas qual a força parece na Era da Machina, corn todo o seu cabedal.
que agita constantemente esses elos estreitos e sem E a força que a destróe nasceu do seu proprio
fim? Qual a formidavel operação que precede a seio; é a conclusão idealista de um criterio nomi-
• natividade dos mundos?" (F. Gevaert, ob. cit. )- nalista; é a essencia metaphysic.a de uma indolc
A sciencia não sabe responder. Elia ignora naturalista.
tudo. E, entretanto, nenhuma religião abusou mais O Humanismo tornou-se apenas o envolucro
do que a sciencia da credulidade das 1nultidóes. A vasio, o casulo inutil de que a larva sahiu, quando
sciencia, que prometteu tudo dar, não pôde crear adquiriu azas. O absolutismo da concepção mate·
nada que substitu isse no Homcn1 o seu Deus. Des- rialistn do Universo consagra o valor do idealismo
locando-se do seu plano, a sciencia debalde tentou e confunde-se co1n a expressão do finalis1no.
dccifr:ir o Eterno Absoluto. Ha urna zona do es-
pirito ctn que ella se desfaz e se i1nprecisa. E, não
podendo avançar, néga. E' o instante da transfor- (1) Prefaciar.do os "Principio$ de Phitoso1,hia" de Con1-
rnação da sciencia em philosophia. ~ systematiza· tc, cscrt\'C Litll!~. f:ilando de $C'U rncstre: "conto o antiao pro-
fc!!or que afnslava de !U3 escola os tspirítos txtrangciro.s i
ção dos conhccin1entos baseados na expericncia e
gc:omelrla1 Comtc aparta\'ª da sua todos os que 1lão tivcsstm
q1terido cl,egar à philosophia sem pauar pela scle.nc:li ".
44 PLINJO SALG/\DO A QUARTi\ HUMANIDADE 45

HUMANISMO são, sob a inspiração dos egoísmos reivindicadores;


e tirou dahi as conclusões geraes do direito e da
O humanismo que vae buscar sua origei.11 na economia que inspirara1n todas as legislações; e en-
Grecia Antiga e que gerou a Revolução Franceza; gendrou novos procesros pedagogiros fundamen-
que dominou nas correntes de pensadores e philo- tados no transito continuo das verdades ephemcras
sophos, partidarios do rnechanismo cégo das for- e da superstição scicntifica a que se reduz toda a
ças nacuraes; que desfechou ·o evolucionismo, co- systematização pragmatica; e que quebrou, conse-
• quentemente, os padrões n1oraes inspirados num
mo uma catapulta oontra os reductos do finalismo;
que arrancou o Homem do seu centro commum de senso de finalidade humana; e, organizanck> a eco·
gravitação, dissociando o systema de movimentos nomia e a civilibação modetnas, partiu das recom·
com base na idéa espiritual; que, rendo despontado posições nacíonaes do começo do scculo XIX para
em Descartes, vc1n culminar no pragmatismo mo- a hecatombe da Guerra Universal - esse huma-
derno; que desenvolve uma nova thcoria politica nismo vê destacar-se de si proprio a fonte de sua
a qual se funda no individualisni.o, repellindo, en- propria negaçã.o.
tretanto, o personalismo; que crêa o Estado como E' o "n1aterialismo dogmatico", extremo op·
posto da theologia, elle proprio uma nova theolo·
1 a expressão da som1na elos individualistnos, com
gia, uma nova religião, a religião do atheismo cuja
1 origc1n e f inalidade (si podemos charnar fina li·
dade), no individuo; que estabelece o suffragio lirhurgia é a violencia de Sorel.
universal cotno o i11stru1nen.to da rnanifestação da
soberania, sua expressão "real", objcctiva, em op- O VALOR DAS EXPRESSÕES NEGATIVAS
posição a quaesquer outras expressões "idcacs"; e
redui> os governos a um joguete do tnechanismo A proposito, escrevi no meu livro "O sofri·
social como redu7.iu a sociedade a um joguete do mento universal":
n1echanismo natut·al; que creou o sentido da liber· "A estatua de Lenine e a adoração das n1as-
dade, cotno expansão e conquista, como apptehen- sas em torno do grande idolo, longe de ter unia
46 PLINJO SALGADO A QU/\RTA H UMA NID/\DE 47

significação negativista, exprime através da subli· Na concepção infinita do universo, cabem to·
r mação politica, a crystalização do phenomeno reli- das as extensões susceptiveis de seretn ideadas, quer
gioso sob a co1npressão dos 1nethodos e processos em subtracção, quer ein addição. E, por isso, a

'
'' i
da .sociologia experimental, do materialismo im·
pondo um systema de vida e procurando enqua-
drar uos seus postulados todo o complexo da aspi-
affirmação e a negação se encontram e se fund~m
numa mesma phisiononlÍa interior. Ambas se tra·
<luzem pelos tnesn1os processos.
ração humana. · Néga, na verdade, apenas o que não pensa,
O phenomeno russo já não póde ser rotnado, o que se desintereos.a i:)ela cancepção do n1undo e
en1 hypothese_alguma, com.o unia expressão de ne· pela finalidade da existCllcia. Negam os que só
gação de espirito, de aspiração trascendenta!. ( 1) cogitam do en1pirico, do positivo. Esses é que cons·
A lucta que se abriu no pai« dos soviets con· tituem, na forma apparente de suas actividades pra·
era todas as religiões foi un1 n1ovimento ao qual gmaticas, os legitimes representantes do materialis·
podemos sern receio de erro de1101ninar: .o grande nlo".
movin1ento religioso da .Rtissia. E' "a serpente, mordendo a propria cauda, sym·
Em mathen1atica, equivalem-se o signal rnais bolo etn que a sabedoria rnillenatia das civilizações
l e o signal 111enos; arnbos consideran1 quantidades exprimiu os movimentos eternos, a eterna dialecti·
em possibilidade, o que representa, etn ultin1a ana· ca, o problema de ser e do não ser".
lyse, quantidades ern af f irincrção. O marxismo póde ser expresso pelo signal
menos; o espiritualismo, pelo signal mais; só o
( 1) Far3a$ Brito cSçrcve, c1u .. O n1\u1do interior'': •• ),fas positivistno da burguesia do occidente será ex·
conto affirrt)ar oo 11egar <1ualquer cousa, sen1 reconhecer~se a presso por zero. Porque, só nega quem não consi·
si proprio COJJ \O espirito, aquetle que nega• 0 11 11ffirn1a, tuna "·ez
que. s6 uni tspirito, isto é, urna conscieocia1 J)Óde af firlnar ou
dera as cariscrs e as f inalid<tdes ultimas.
11egar? 11 E, aos cnre rci>clen1 Deus ~a 1\hna1 repli't~a: ''A Jna- Vemos, realmente, 11este começo de Século,•so·
teria t>Óde se1· negada, porquanto o que se nos apresenta no cs·
bre o panorama de mais de cetn annos de experi·
pa-ço e!- «lli o«upa u1n loga.r (' se 111ove, p6de ser un1a illusão,
oon10 acontece no dcl:rio da febr~ ou Jtos p}1a11tatmas do sonho ". mentação scientifica, de inquietação philosophica, l
1
48 PL!NIO SALGADO A QUARTA HUMANIDADE 49

de uma agitada literatura e uma polit' eihica, teremos de concluir que o n1arxismo é uma
viinent · d ica em mo-
?5
contmucs e Iíherração, tres expressões de reacçOO idealista contra uma cultura materialista.

'1 humarudad: ':em


distinctas. Duas de affirma ão Nessas condicções, o lado opposto, o outro lado
de concepçao integral, de nitido finalismo· umaç d: da verdade ideal não é a philosophia de ttcção d e
uegação, ·de concepção parcial de "llt1' f' ' 1· Karl Marx, mas o anti-finalismo da philosophia
' "' ~ 1na istno.

' O ANT'I-PINALISMO BURGUEZ


E' .
burglteza. Indo ao fundo da questão, só e11con-
tramos 1naterialistas na burguezia do occidente.
Porque, distinguindo-a um caracter de abstracção,
. aqui que eu quero declarar, co111 a mais a sua 1nentalidade póde ser expressa pelo zéro, en·
. , .. .
sincc~a convicção, que o materialismo histot'ico o qua11to o conunun1smo e uma expressao negativa,
manasmo, está no mes ' pol'tanto ideal. Dizendo-se continuador das esco-
tr .. mo campo ein que se encon-
a o espir1tualismo, o senso rota lr's•a do . las economicas da burguezia, adoptando o mesmo
O " universo.
notavel escriptor brasilc1'ro, T rtstao
· - de criterio naturalista dos physiocratas e manchesteria·
Ah t ayd e demonstrou , · d nos, subordinando-se ao materilismo burgucz de
r17 d numa serie e conferencias
rea .a as em São Paulo e no Ri . Danvin, Larnarck, Buchner e Haeke!, Marx avan·
- o, que o marxismo
n_ao pa~ ~e uma phase nova da propria civiliza- ça tanto nesse mesmo materialismo, que chega ao
çao cnp1tal1sta, iun desdobramento da extren10 opposto. Torna-se o marco de onde nós
cias d · 'f' ' • s consequen-
. o sc1cut1 ismo experimental dos nosso. d ' partimos para u1na concepção espiritual do uni-
Isso é w f s ias • verso.
. bl na pro unda verdade, considerando-se o
p1·0 ema do pont d · .
, o e vista ccono1n1co, ou do 'o.
go ce~o das forças da producção wna vez queJ o NIETZCF-IE, LEOPARDI E NIARX
propno Karl M · f f
. arx a ttina ser mn continuador da
econo1n1a dassica.
Te111-se dito que o n1arxismo erra pela unila-
Mas, si considerarmos 0 niarxismo - teralidade, erra pela subordinação que pretende fa-
sua l - . ' nao nas
s cone usocs sc1entificas e siln na sua .
' essenc1a zer da sociologia á economia, erra pela apreciação
50 PLJNJO SALGADO
A QUARTA HUMANIOAOB 51
do hon1em apenas como uma força de producção.
E wo é verdade, urna vez que o Ser Humano se so Ente-Plural, agindo segundo os impulsos desen-
distingue e manifesta por rres expressões distinctas freiados dos sentidos animaes. O Homem, que
fundidas na sua integralidade: a espiritual, a intel- se hypertrophia em Nietzche e se amesquinha em
lectual, e a material. Schopenhauer, desapparece na concepção de Marx.
De facto, considerado sob esse ponto de vista,
o communisn10 i11cot·re no 1nes1no erro do indivi- MARX, I-IEGEL E KANT
dualisn10 de N ictzche, que a~ranca a creatura hu-
mana do seu plano natural, para projectal-a na ex- O marxisino é 0 erro, na verdade, porque né-
pressão n1onsttuosa do Supct·-Hon1cm. O collecti- ga a finalidade do Espirito e o valo.r ideal da co~­
vismo n1arxista deforn1a o individuo e crêa a massa cepção mystica; e fab mais: relega a uma co.nd1-
en1 que este deve desaparecer. Ao p:!sso que Nietz- ção secundaria as proprias aspirações esthet1cas,
cbe arranca o Homem do seu plano natural, para tentando crear o padrão do homem segundo o que
projectal-o na expressão dominadora do Super-Ho- podemos denominar a "psychologia da machina''.·
mem, e emquanto o poeta Leopardi (que terá co- No entanto ha um aspecto que cumpre ass1-
gnalar no n1arx~1110: é o seu ponto de partida, de
nto Musset, Heine e Byron, seu grande theoriza-
dor cm Schopenhauer), arrasta a Creatura Hu- . negaçao.
desassombrada, coraiosa -
inana de seu nível, para rolar com ella para os O marxismo procede directameute de Kant e
nbysmos do nihilisrno, da anarcltia e do tedio, Karl de Hegel. Ao passo que Kant considera o 1nun·
Mat·x idealiza a Super-Collectividadc, ton1an.d.o o do oomo elle é, Hegel trata de explicar o seu des-
instincto, o sangue, a carne e o espirito de todos os envolvimento. Nada ha im1novel. A idéa nbsoluta
componentes da Massa, para fixar o typo unifor- traduz-se no inovin1ento continuo. Do movi1nent~
me do Homem Mediocre e plasmar nessa argila, constante da idéa absoluta, procede o dcscnvolv1-
em que se fundem os contornos do Dominador Ap- mento do Uitivetso. A these géra a anrithese, am-
Polineo e do Quasimodo Misantl1ropo, o monstruo- bas se fundem na synrhese, e esta se divide nova-
mente. Hegel é um idealista, mas o seu systema en·
52 PLIN!O SALGADO /\ QUl\RTA HUMANIDADU 53
t

cerra o pensamento rcvolucionario. E' Fuerbach, ns valores philorophicos e sociologicos de sua épo·
seu discípulo, que absorve, a um tempo, o processo ca, do genio de Emanuel Kant.
dialtctico e o senso evolucionista, materialista, expe· Obscuro, con1plicado, profundo, Kant expri·
rimental. Elle inoscra - resume didacticamcnte me, na verdade, a cahotica nebulosa do cspirito do
Riazanov ("iWarx et Engel") - "que rodas as nos· seu tempo, da qual se haviam de destacar as grandes
sas idéas sobre Deus, os diffecentcs systcmas reli· idéas nucleares de systemas geradores de novos tll•
j
giosos, comprehendido o Chl'istianisn10, são o pro· mos scientificos, sociologicos, religiosos e politicos.
dueto do hornem 1nes1110; que não foi Deus qucn1 Kant é como essas iiun1ensas e transcendentes sy1n-
crcou o ho1ne1n, 1nas o homen1 quem crcou Deus á phonias wagnerianas, que parece111 usinas animado·
sua imagem". "De sorte que o ll()me1n é o prin- ras de extranhas har:nonias, contendo na sua grande
cipio fundamental da philosophia de Fuerbach. A massa coroo que o limbo de todos os rythmos. Des·
lei suprema para o mundo humano não é a lei de envolvtm-sc em Kant as forças parallclas da moral
Deus, mas o bem do homem. Por outras palavras, dogmatica e do systema critico. Elle vem de Leibnitz
ao antigo principio tboologico, clle oppõe o prin- e de Wolff, de Rousseau e de Newton; é o grande
• cipio anUcopologico". (Ob. Cit.) .. complex1u despertado por Hume do sonho dog1ná-
Marx con1pleta a evolução do pensamento tico, de que derivarão constellações de philosophos
gcrmanico, crcando a sua philosophia de acçã.~. Elle e pensadores. O século XIX accorda con1 essa lin·
se baseia na dialcctica de I-:Iegel, no matcrialisino de guagem, que vae traduzir-se na lei dos tres estados
Fuc1·bach1 no utopismo de Saint Simon e seus dis- de Augusto Con1te; na sociologia cosmica e 1ne-
cipulos, na theoria dos inipulsos de Foul'ier. Ba· chanica de Spencer; no 1nonismo de Hacckcl e La-
seia-sc, sobretudo, na precedencia da 1natcria sobre 1narke; no scicntifisnw evolucionista de Darwin, de
o cspit·ito: houve tempos en1 que o ho1nem existiu Buchner, de que Virchow deduz a linha politica do
sem consciencia; esta veiu depois. socialismo. Desse impulso inicial procede, de cer-
ta forma, o individualisrr10 de Nietzche, de Carly-
Poréln Karl Marx procede, coino quasi rodos
le, de Schopenhauer; o socialismo de Blanqui, de
54 PL!N!O S A L GADO A QUARTA R \JMANIDADJi 55

Lassale; e toda essa galeria do anarchis1no, que vae 1ado pelo cerrado nevoeiro de Kant, para brilhar,
de Proudhon e Max Stirner, a Bakounine, Kropo· <lc novo, en1 I-iegel e Schelling.
tkine e Tucher. Realmente. De que prova rigorosamente scien-
1
Karl Marx, tambem, sahiu dessa irnmensa llC· tifica, parte o n1aterialismo para negar a Deus e
r bulosa. Elle parte de Hegel, guardando sempre a no Espirito? Si esse materialisn10 procede nlais
linha do desenvolvimento diafoctico, no que o seu remotamente de Kant, e si este demonstra que a e.-
systcma ten1 de philosophia; n1as, com Fuerbach, scncia das cousas nos será sempre inatingivel, en-
clle se rransporta para o campo do evolucionismo tão, conto podem Fuerbach e Marx affirrnar a
experime1ital, caminhando parallelamente oom inexisttncia desse inallingiye/? Si a prova da af-
Spencer; e é no utopismo quasi mystico dos fran- firmação é tão i.Jnpossivel como a da negação, se-
1
cezes que elle · vae buscar sua indole politica. Fal- gundo os processos experinlentaes, nesse caso a ne·
tava ao socialismo francez, que tão grande influen- gação ten1 um ya/or ideal, esse valor repudiado
cia exercia na Allemanha e na Russia, o pensamen- pelos nominalistas e acceito pelos finalistas.
to philosophico, harn1onizado oom o pensamento Considerado o conceito do Universo e do Ho-
scienrifico. O marxismo fundiu todos os elcn1en· 111c1n, como uma ooncepção ideal; apreciada a idéa
tos e traçou suas grandes conclusões. negativa segundo o seu valor essencial; considera·
da a philosophia marxista como "philosophia de
A NEGAÇÃO COMO "IDÉA" acção", con10 dia propria se denomina, porque dá
um sentido social á philosophia de Fuerbach; exa·
O senso scientifico, porém, era uni desdobra- minando 0 caracter finalista da doutrina de Marx,
mento do nominalisrno; e Marx, entrando nesse chegamos á conclusão de que o ma1·xismo é, ape·
campo, desvia-se do idealisrno de H egel. Nesse des-
.. ,
nas, o myst1c1smo as avessas.
vio, corno que traça um circulo e torna a Hegel, E' 0 n1ysticismo da raça judaica. Para se com-
ao velho idealismo, que já tinha vindo rcmotamen- prchendcr a esscncia recondita do socialismo de
fe de Plí!táo ~ e.ntrava no seculo XlX, tendo p<1s· Marx, é preciso oonhecer 0 "Talmud" e os Proto·
56 PLINJO SALGADO A QUARTA llUMANIDADll 57
colos dos Sabios de Sião. Em ultima analyse essa
tt 1 . ,, ,
at 1eocrac1a , que do1nina a Russia, niio passa da O CAVALLO DE ATILA
1
v.elha theocracia hebréa revestida da forma nega·

'
1
tiva. O autor de "O Capital" espera o Messias que
nã~ é um hon1cm, mas uma raça. O seu go~erno
sera con1 verga de ferro, oomo diz o "T~lmud".
E eis porque considero o phenorrieno marxis·
ta dessa Russia Santa, para tomarmos a denomi·
nação que lhe dão os poetas revolucio11arios, con10
a avalanche de Deus, o cavallo de Atila, que amca·
0

. O materialismo historico, não é, pois, crn ui·


tm1a analyse, uma negação do "ideal", nem mesmo ça esmagar uma civilização esquecida das superiores
1
d brena~ur:il"'
o "s~ : e wna forma de affirmação, na e eternas finalidades do Homem.
negaç;;o. Pois, negando, confirma, no p6lo oppos· Essa Humanidade, que denom inei i10 trans-
tio, o idealismo de I-Iegel, e repel!e a cl'itica de Kant. curso deste estudo, a T erceira Hu111anidade, a I-Iu·
E vae tnais longe: fit'n1ando o dogma materialista, 1na11idade Atheista, está agonizando entre as duas
den1onstra a viabilidade do dog111a theologico . . . forças que a con1primem: a força dd a/firmação e
n forçd da negação, ambas finalistas, contrarias ao
Eis porque, 11ão tendo o marxismo vencido nos
paizcs materialistas e industriacs do occidente onde sentido anti-finalista dos povos que esqueceram a
0 capital e a mac11ina expulsaram, de ha inu{to, a sua origem e, tendo cónsagrado os seus direitos, não
se lembraram de rcaffirmar os seus deveres.
• s e ao Es''
Deu p1r1to das fba ricas .e das melropolcs,
pôde vencer na velha Russia n1ystica, onde as nllrl· Das trevas dessa nova Edade Media, de que
tidões se ajoelhavam chorando diante do genio de Nicolas Berdiaeff ("Un nouveau Moyeu Age" )
J)ostoievski, que lhes inostrava no céu o oobjectivo desdobra o panorama de angustias, vae nascer uma
de uma raça agitada nos seus dramas seculares, e Nova Hun1anidade.
trazendo no fundo da nacionalidade o substractuin Nada poderá conter o esboroamento da Civi·
do sobrenaturalisino oriental. lização Occidental, porque ella traz em si mesma
os germcns das suas ruinas. As forças moraes sub·
metteram-se ao dominio completo dos interesse$
58 PL!NIO SALGADO A QUARTA HUMANIDADE 59

cconom icos, baseados nas mal(imas expressões das mento dos poderes nas democracias occidentaes
libccdades individuacs. obedece ao rythrno desse n1etabolismo e dessa con·
cepção formal dos movimentos da machina. Essa
O IMPERIO DA MACHINA psychologia passará á sociedade, oomo já está pas-
O libcralisn10 economico deu forças sufficien- sando, e o reflexo condicionado, sem finallsmo, o
tes iÍ machina, que a sciencia e o gcnio inventivo ideal 111<1is pratico, mechanizarão todos os rythmos,
aperfciçoaran1 nos mini1nos d~tal11cs; e as invenções segundo o imperativo0 da evolução scientifica. A
c~erceram sobre os homens aquelle nlagnctismo pre- casa do ho1nem não será mais o lar espiritualizado,
visto por Gabriel Tarde. A 1nachina enxotou o ho· n1as a "n1achina de 1norar", e as linhas da archi-
' ~nem ~as cidades, depois de o ter chamado para a tecrura serão as de tuna com1noda co1n gavetas,
illu~o~1a fartura. A machina produzirá muito; pro- porque esse é o sentido do1ninanre do seculo. A
duzira para o fogo e para o mar; não prod~irá arte do ho1nem será a arte da defor1nação, como
para o seu crcador. A machina crcará castas 50 . observa Bcrdiaeff, arte de que os expressionistas fo·
berbas que fulgurarão no luxo e no explcndor mas ram os adivinhos; ou a arte da decomposição geo·
- 1
que cstarao sempre inquietas, pois cada dia ha no- mettica, de que os cubistas foram os annunciadorcs
vos con?eni_?ados por ella, a descer para a forçosa e Picasso o vidente; ou a arte da electricidade, dos
proletar1zaçno. Tudo se mechanizad. e os gover- discos, das alavancas, dos espectros solares deco1n·
nos não mais governarão, porque a machina· con- postos, no dynamisn10 dos fututistas; ou essa cousa
ffrina o imperio do individualis1no cconornico e os complexa, frag1ne11taria, como u1n belchior, que é
governos, lirnitados pelo senso precavido dos velhos o surrealisn10. A alma do ho11'em será essa cousa
nomi11alis1nos, não trazem deritt·o de si, já não dizc- confusa do relativismo psychologico de Pira11dello;
n1os o finalistno dos princípios cheologicos, mas e será esse nirnbo soturno, onde a psychanalysc de
nem mesmo o apriorismo kantiano. A machma teni Freud penetra com uma lan1pada, como uin ladrão
1 a sua psychologia, te1n sua philosophia, tem 0 seu de noite,
orgulho, tem os seus processos; e o funcciona·

'
60 PL I NIO SALGADO
A QUARTA HUMA NID A DE 61

UMA HUMANIDADE EM AGONIA monia das actividades productoras e dos oppresso·


res princípios da chamada "liberdade contractual",
E' a Terceit-a Hunianidade que encerra o seu prosegue num rythmo de violencia e de odio, se·
cyclo. Ella perdeu o seu centro ideal de 1novimen- gundo as prescripções de Sorel, de accorclo
tos; já não ha uma gravitação social, rnas rota- co1n \l these da evolução das Especies e o
ções de individoos em torno de si 1ncsn1os, crea11- jogo dia lectico das forças sociaes. Proletarizam-se
do nos dominios economicos os grandes tri4sis e as classes 1nedias, os pequenos burgueses e acé os
monopolios, e creando nos do1ni11ios politicos os detentot·es de menores som1nas de capital, phe110·
grandes nucleios oligarchicos, fundados 110 proprio tneno esse subo1·di11ado á fatalidade do "struggle
cspirito individualista do século passado. E' a épo· for life" darwiniano, transformado en1 dogma na
e.a dos sy.ndicatos financeiros e dos partidos poli- ethica de Marx.
t1cos; do Jogo das bolsas e do suffragio universal.
O desespero entra por todos os lares.
Que doloroso quadro o dessa triste 1-Iuma-
• nidade! A miseria opprime os trabalhadores intellec·
tuaes e manuacs. O jogo dos negocios dcsorgi niza
Tendo chegado aos extremos progressos ma-
a economia publica e a privada, abala todos os dias
teriaes, as Naçóeli debalde tentam pôr orde1n nas
as pequenas fortunas, as modestas ccono1nias e at-
suas relações mutuas e nas suas actividades inter-
tenta contra o principio christão da propriedade.
nas. A liberdade tornou-se o 1nonopolio dos egois·
tas, dos iuescn1pulooos, dos potentados. O co1n- O dinheiro, ele1nenro estatico expressivo de li·
n1ercio i11ter11acional, que foi uma das causas das tnitadas quantidades de ouro, contrastando co1n a
desorganizações da estructura economica de cada producção, cujo dyna1nismo se accelcra na razão di·
povo, opera-se agora nun1 sentido de individualis- recta dos aperfeiçoamentos tcchnicos, torna-se o
n10 ou "chauvinisn10", desequilibrando completa- grande bolchevista, o anarchizador de todo o ry·
n1cnte a producção e o consumo universaes. A th1110 do trabalho humano. A escravidão dos juros
"I ucra de classe ", cousequenc1a
· da ausencia de har- pésa sobre todos os esforços do labor honest.o, op-
~·~·~-~ - ---~----.......--------.----,

62 P L 1 N 1O S AL G ADO A QUARTA HUMAN!DADTl 63

prime os orçamentos das Nações e solapa a econo- As crises economicas multiplicam-se. A qué·
mia privada. da da libra cm 1931 repercute como a fallencia de
Os povos estão sobrecarregados de i1npostos. princípios financeiros que pareciam indestructiveis.
Os governos se encontram em situação de insolven- A Nep, na Russia, desmoraliza, ao mesmo te":'~·
cia. A angustia das niassas populaL"es deflagra·se 0 communismo e 0 liberalismo, fortalecendo a 1d~a
cin revoluções sern objectivo, en1 desorientadas in· do Estado, que paixa, sobre as ruínas da economia
surreiçõcs e mashorcas arbi'trarias. classica e da• economia marxisra, inaugurando un1
De 1918 a 1934, tivemos, aléin da grande re. regímen pharaonico de csct·avização do. proletaria·
volução russa, as revoluções na Italia, na AJ!ema· do. Nos Estados Unidos, a N. R. A. investe con·
nha, em Portugal, na Austria, na Hungl'iaJ na Bul- tra velhos n1ethodos que tren1em nos alicerces, des-
garia, na Grecia, na Hespanha, nn Irlanda, no de a quéda ostensiva do dollar. .
Egypto, cm Chypre, em Marrocos, no Perú, na Bo- O estrondo das fallencias em massa; a dieta·
lívia, no Chile, no Paraguay, no Equador, no Uru- dura immoral das bolsas; a tyrania do cambio; a
guay, na Argentina, no Mexico, na America Cen- agonia da producção, cujo apparelho circulat~rio se
tral, cm Cuba, no Afganistã, nas Indias, na China, esclerozou, perdendo a elasticidade; a angustia dos
no Brasil, sendo que en1 muitos desses paizes as governos insolvaveis; o problema do desemprego .e
revoluções se repetiram e se repetem, cotn as indo· da incapacidade de acquisição das massas c.onsum~­
lcs ns 1nais variadas. doras· a miseria que se inultiplica, - tudo isso esta
No panora1na internacional, tc1ne1n·se as inostr~11do o panorama tragico de unia civilização
guerras. O Japão demonsti·a a inutilidade da Liga que 1norre ...
das Nações, no caso da Mandchuria; a guerra sul- Inutil todo o esforço dos governos. A Con-
americana entre Paraguay e Bolivia está desafian· ferencia Economica de Londres, em 1932, fracas-
do o prestigio n1oral dos povos. A Europa, sof- • sou vergonhosaiuente, por falta de autoridade mo·
frendo de 1na!cs incuraveis, trata de preparar·se pa- ral no mundo dos negocios. O mesmo tem aconte·
ra a prox1ma guerra. cido com as conferencias para o desarmamento. A
1 64 PLINIO SALGAD O
A QUARTA HIJMANIDADB 65

guerra aduaneira corre parelha com a fabricação mina a injustiça" (1). E comincnta ainda o gran-
de sub111arinos e cruzadores, aeroplanos e canliões. de pensador brasileiro: " ... ao absolutismo do pa·
Um pavor reciprooo arrepia os povos. pa e dos reis, succedeu, 11as democracias o absolu·
A Humanidade é tomada do rerror de si 1nes· tismo dos capitalistas e banqueiros, mil ve1.es mais
• 111a.
detestavel" (2) .
•l No. ca111po do pe11sa111c11co, a desordem é po· O desprestigio das forças moracs, a incapaci-
rém, maior. Podemos ainda passar para estas linhas dade de acção da intelligencia humana em face do
as palavras de Farias Brito, escriptas no começo desenvolvimento cégo das forças materiaes da so-
deste século: "Todos sentem, no estado presente ciedade são uma oonsequencia do extremo indivi·
do mundo, um mal-estar indefinível, uma agonin dualismo, que donlina ta1nben1 as actividades do
tre111enda. ] á não é sómente uas camadas inferia· pe11same11to. "A québra do se1uido de unidade es-
res da sociedade que isto se nota. Ta1nbem os che· piritual" - escrevi em "Psychologia da Revolução"
fes, tan1bem os que se acham á frente dos movi· - determinou, no transcurso do seculo, a fragmen·
mentos politicos dos povos, constancemente estão a ração da Intclligencia Humana e seu oonsequente
se queixar" ( 1). desprestigio en1 face de uma unidade econoniica
,
"Qual o cspectaculo" - prosegue Farias Brito cada vez maior".
- "que nos offerece111 presentemente as luctas dos O seculo XIX foi de analyse, de fragmentação,
povos? <?bservae e vereis que é o n1ais desespcra- de individualismos agudos e unilateralidades arbi·
~or e terr111el, sendo que jatnais passou a conscie11- trarias, tanto na sciencia conto nas artes, tanto na
c1a, humana por tão violentas agitações. En1 pd· 111oral e no direito 001no na politica.
1ne11·0 logar, debaixo de wna certa apparencia de Cada capitulo de derern1inada sciencia trans-
desenvolvimento e de cultura, em toda a parte do· formou-se em sciencia particular. As especializações
exprimem, não só um grande sentido technico, mas,

( 1) Farius Brito, ob. cit.


(1) l•arias Brito, "FíuaJidade d~ 1n1111do".
(2) Farins Brito, ob. cit.
66 P L IN I O S ALGADO A QU/\RT/\ HUMAN I DADE 67

principalmente, u111 sentido de divisionismo e de , rc:irá um novo processo de relações sociaes e eco·
parcialismo característicos de uma época historica. 110111icas. E creará o·Estado I ntegralista, consultan·
O panora111a que nos offerece este começo do do, a um tempo, a aspiração de Infinito da crea·
século XX é de ai1archin, de confusão cahotica. Al- tura humana e as contingencias da vida material.
1 guma cousa está morrendo. . . E' a T erceira Hu- O Estado, que salve o hon1en1 ~a diccadura c~uel
manidade, a Humanidade Atheista. do 1naterialismo finalista e da dtctadura sem fma·
Sobre a Terra inflammada de odios combu- !idade da plutocracia democratica e das olygarchías
rcntes, perpassa o geniido do Homem! Atravessan- politicas e financeiras. O Estado, que defenda o
do os espaços planctarios, a Terra leva consigo, pe- Individuo contra a Sociedade e a Sociedade contra
los roteiros gelados do Infinito, a tl'agedia do Pen· o I ndividuo. O Estado que seja o impositior do
sarnento e o desespero dos corações. E' a flôr da equilibrio, o mediador 1naxinlo, o juiz, o orienta·
vida, que sobre os escombros e as dôrcs de um in· dor, o propulsor. O Estado capaz de renovar-se,
verno melancolico, renasce numa inysteriosa pl'i1na- por si mesmo, "de conforrnidade com as novas e
vera de angustias ... crescentes necessidades da vida humana" ( 1) . O
•. E' do seio da Noite que nasce a Madrugada. Estado que procure suas origens na propria orige1n
Ja se notam os pritnciros signnes da aurora, na es- do Universo e do Homem. E rume para a fina-
pessa treva gemente! lidade suprema do Espírito, integrando nas suas
proprias forças todas as forças humanas superiores.
OS TEMPOS NOVOS O Estado que faça circular as producções estagna-
M as, os que são n1oços pertencem á outra das e arranque da avareza accun1uladora do ouro
Hwnanidade, que está nascendo. E que saberá, o sceptro con1 que esta impéra sobre os governos do
en1 cada paiz, crcar novos padrões de cultura, de n1undo, anesthesiados pela democracia.
moral, de direito, de administração e de politica. Esse Estado realizará a possivel f elicidade na
E creará wna nova autoridade, baseada numa con-
t cepção de origem e de finalidade do n1undo. E ( 1) "' P sychologia da Re\'olução '', do autor.
~..,,.,---------- ~

68
PLJNJ O SAI. GADO
A QIJAR'fh H tlMA~IDAO E 69
Terra, baseada na confiança cm Deus, no amôr
do proximo, sem precisar c11cluir os valores scienti- mu nh-ao cosmtca.
. E' a inter-correspondencia
· entre
ficos, mas subordinando a sciencia a um pensamen- os complexos psychologicos e o complexo cosmolo-
to superior de finalidade humana. .
g1co. ~ é apenas na mythologia que devemos
N:;,.. · l 1·
A philosophia, a sociologia, a econornia, a d .
esru ar a 111 od le polytheista ' n1as no matcria
. 111-
• sciencia, a literatura, as artes, a politica terão no guistico, nas raizes vocabulares, na analog'.a das
novo Estado a sua expressão i11teg1·al. image11s que estabelece intintas correspondc11c1as elt·
No Brasil, esse Estado será realizado muito trc o "concreto'' e o {' abstrac t o" .
em breve e marcará o inicio de uma éra em que se A raça brasileira e, de un1 l~odo ~e~al, a sul-
affirmará a Quarta Huma11idadc. .
a1nericana, t e1n unt sentido
• cosm1co or1gu1ado ddas
fontes etbnicas. Cumpre observar que a~ on as
A QUARTA HUMANIDADE imigratorias aryanas e sen1itas, que se .espra1~1n em
nosso coutir1cntc, não alteram a phys1onom1a pro-
A primeira Hunianidade foi polytheista; a funda da alma americana. Assinl como existe .um
segunda monotheista; a terceira atheista. Como meio physico, existe wn "meio ethnico" impcrauvo.
será a quarta?
Essa origem proxinla da Terra apresenta-nos
O "homem telurico" de que fala Kcyserling como que a transposição de planos historicos, trans·
no seu estudo sobre a An1crica Latina, está muito fadando as éras prinlitivas para o seculo da Maclu-
proxirno, pelas suas rai?.es ethnicas do selvagem po- ,;a, A idade de pedra convive com a idade do ra·
lytl1eista do Novo M undo. E' pi·cciso não ton1ar- dio. O luxo n1oder11issitno de Copacabana é con·
mos o polytheisn10 de um modo superficial, segun· temporaneo das n1al6cas e tabas selvagens.
do as expressões meramente formaes dos toten1s e
tabús. Ha qualquer cousa mais profunda na ado- *
ração dos fetiches: ella é, ao mesmo tempo, um **
signal da revelação divina, e um índice de oom· Isso, que parece não ter irnportan~ia appar_e~·
te, é um factor decisivo na massa social. Po$S111·
70 PL I NI O SAJ,G AD O t.. QUARTA HUMAN I DADE 71

mos, em plena virgindade de inteUigencia, a sub- O estudo das manifestações religiosas das po·
til penetração, a percusciencia, a acuidade de ins· pulaçóes brasileiras, em que se 1nesclal·am a n1y·
tinctos, que revelam a infancia ainda sob a in1prcs· d1ologia tupy e os ritos africanos, revela-nos o for·
são forte dos quasi imponderaveis segredos da na- midavel potencial de energia mystica expressivo
tureza.
1 notada1nente nos grupos sociaes do nordeste. Ha
As idéas nitidas do espiritualisn10 christão que rm nossa raç1 lllll notavel poder religioso.
nos trouxeram os jesuítas, ·Jogo após a descoberta,
~anharam uma forte vitalidade, impregnando-se do
mgenuo espirito de uma raça cosmica. O christia·
nismo, como revolução espiritual p!'ofunda é a Essa physionontia gera l da "''primeira buma·
religião por excellencia destinada ao gentio.' Em nidade", a polytheista, ten1 uma profunda analo·
outras zonas do globo, o gentio possuia já uma re· gia coni o estado de espírito da E'ra da MachiJ1a,
ligião organizada: el'am os romanos, os gregos, os 11!ti1llo estagio da "terceira huma1tidade" 1 a atheis·
gaulezes, os germanos, os celtas, finalmente os meu· ta. O complcxus cosmico, predominante naquella,
ros e os chinezes. Na America, era o homem no ,: semelhante ao complexus subjectivo que nesta
polythci.srno nascente, ainda não estylizado, por prepondera. A conjuncção dos dois phcnotnenos
c~nsegwnte, corn urn accwnulo de energia subjec· d:í ao espiritualismo brasileiro uma for~ nova.
tiva poderosa. Através do processo de cruzamen· O nosso christianismo tem um sentido de huma·
tos ethnicos, de amalgamas sociaes, o u1onotheismo nidade profundo, urna delicadeza incornparavel,
christão absorveu as forças barbat·as e refulgiu n u· 4ue expritne, de urn tnodo eloquente o proprio tern·
ma expressão inedita. Si para ser perfeito, 0 ho- 1 rarnento de urn povo.
mem deve tornar-se uma creança, conforme affir· A influencia que sobre nós exerceu a cultura
m~ _os .Evangelhos, a raça atnericana entra para 0 do século X IX e o cxperimentalislllo scientifico, lon·
d1r1st1an1sn10 cm toda a innocencia candida de uma r.c de apagar os traços caracterizadores da nossa
infancia sclvageu1. pt"tsonalidade espiritual, filtrou-se através das ca·
72 PI.IN!O SALGADO
A QUARTA HUMANIDADl:i 73

thcdras divulgadoras, abrindo inunensas possihili- para aqui se dirigem encontram o meio moral pro·
d~d~s ao ~osso poder de pesquizas e ao nosro ge- picio aos caldeamentos fecundos.
1110 tnvcnt1vo, sem abalar o alicerce de nossa indole Do ponto de vista do n1eio physico, é a Ame-
~oral. O n1aterialismo grosseiro ficou, apenas, no rica Latina o theatr<> onde se verificará, da 1na11ei-
litoral, em alguns aspectos das grandes metropoles.
• ' ra inais promissora, o nascimento de un1 typo no·
Uma unidade sentinlental assombrosa fixa-se vo de humanidade. "A zona inter-tropical" - cs-
cm todas as latitudes. Elia é a base sobre a qual Cl'eve Alberto Torres ( l) - "é o berço do animal
assenta a nossa superioridade de vistas, a largueza humano: foi em. climas medios, ou calidos, que se
de nossos gestos fraternos e hospitaleiros nosso fixou o typo mais perfeito do reino animal; ahi fio·
dcsprendin~ento a ltruísta. Nenhum po~ é mais rcsceram as primeiras e mais luxuriantes civiliza-
amavel, mais coração-a~rto. Eivado de defeitos ções; para ahi converge111, naturahnente, as aspi-
de educação, ~e caracter persiste cm nossa gente, rações e desejos dos homens de todas as regiões. Só
num vasto senttdo de universalidade. o exgotan1ento do solo, a proliferação das popula-
ções, as incursões barbaras e as guerras consegui-
ram arremessar grandes 1nassas de populações pa·
ra zonas frias. E' natural que o hon1em tente voltar
A 'extensão territorial da An1erica Latina, 0 para seu berço, sempre que ahi encontre terras fer·
desdobran1ento dos horizontes, a Q1·igcm proxinla te is e climas ptopicios á vida".
do no1nadismo das tribus selvagens, tudo isso con- Em seu livro "Raça Cosnlica'', o sociologo
col're p:ira crear L1111 'espirito novo ao proprio co11- mexicano José de Vasconcellos estabelece, para a
ceill0 de propriedade. O desbravamento continuo "quarta humanidade", para a civilização do futuro,
das florestas, os amplos latifundios pastoris, a ra- o trecho da America comprehendido 1 entre as ba-
refacção den1ographica, cream no fundo de nosso cias do Amazonas e cio Prata. E', mais ou menos,
espirito um desejo forte de cooperação humana e a opinião de Keyserling.
as correntes inunigratorias de t.odas as raças que ---( l) " Orpnizaç5o nacional •.
74 PL!Nro SALGADO
A QUARTA HUMANI DADE 75

Cumpre ainda notar que a 1narcha das civili-


•eus credores, para justificar a opprcssão e o latro·
zações, desde os tempos historicos, realiza-se no sen-
cinio, divulgaram a falsa tlieoria da superioridade
tido do Oriente para o Occidente. Agora, que a de.
racial. Esse typo dolico-louro, que nos tempos
cadencia da civilização européa é proclamada pelos
c1n que a navegação nos "mares tenebrosos" depen·
propt'Íos pensadores do Velho Mundo, aproxin1a-se
• o dia da America Latina, uma vez que a Ainerica
dia de heroismo, não descobriam nenhuma terra,
passarain a ter a hegemonia dos ma~es já descobc~·
Anglo-Saxonia floresceu dentro da agonizante civi-
lização da Europa. tos, quando o heroísmo foi substitu1do pela mach1·
na a vápôr. Então, para explicar os seus progress?s,
*** começaram a 1nedir os craneos, proclatnando a UI·
Si apreciarn1os o aspecto economico do inun- fcrioridade dos povos 111orenos, inclusivé da raça
do, verificamos que a civilização da Terceira Hu- latina.
manidade, a atheisca, teve uma base na hulha e no
petroleo. As industrias se desenvolveram e os ca· Hoje, a applicação da electriddade vae derru·
pitaes se accumularam nas regiões do globo onde bar definitivamente o orgulho das raças que se di·
e~es combustíveis se encontravam em maior quan· ze1n superiores. A electricidade, affirn1ei em 1923,
tidade. Consequentemente, a concentração do ou· num discurso na Escola Superior de Mecanica e
ro nessas regiões do planeta. Dentro do espírito da Electricidade de São Paulo, vae ser a grande fra·
crescente intei-nacio11alização do commcrcio, e subor- tcrnizadora dos povos. Realmente, o progresso tech-
dinando-se o conceito do "meio circulante" aos pa· nico torna-se cada vez 1nais assombroso. Isso trará,
drõcs fixos e cstaticos do ouro, a civilização da hu- como 1·csultado, o crescente aperfeiçoamento da
lha e do pcrroleo .produziu o desequilíbrio econo· Machina, o augmento, cm proporção geon1ctri~~':
mico do n1undo, dividindo as nações em cathegorias da sua cfficiencia na Producção e na perfect1b1h·
de grandes potencias capitalistas e indust1·iaes e dade dos artcfacoos. O producto industrial, cujo
pr~o é mais elevado que o do producto agrícola,
1 ' povos coloniaes e semi-coloniaes. A America do
Sul rornou·se uma seuú-colouia. Nessa sin1ação, os torna-se hoje mais caro por d?is motivos ~uc a m;·
china vae eliminando progressivamente: 1. ) A mao
' 76 Pl.INJO SALGADO A QUARTA HUMANIOADB 77

de obra, cujas necessidades, até agora, ten1 exigido a )-A agudeza dos ínstinctos, pela pr~ximi·
n1aior nun1ero de trabalhadores do que a agricul· dade ethnica com o selvagem, intimamente hgad~
tura; 2. º) O nieuor volume de producção etn con· a subtis íntcr-oorrespondencias con1 o me10-cos1n1·
fronco com a producção agrícola. Essa fina intelligencia do nosso caboclo, des·
Quanto mais a machina se aperfeiçoar, quanto co. f' d
con1ao,a' rguto capaz; de comprehender tudo por .

mais cfficientc clla se tornar, teremos como conse• um simples olhar, é um:t expressão humana genut·
quencia: a vulgarização em massa dos artefactos, namente nossa.
o augmento da offerta, pelo barateamento e per- b )-A extrema bondade, que tem ~ candura
fectibilidade dos productos. infantil dos povos-crcanças, e que nos da uma ca·
Dentro das proprins leis da Economia Clas. pacidade moral ínigualavel para considerar os pr~·
sica, a predominancia do producto agrario sobre os blemas socíaes e internacionaes de um ponto de vis·
productos industriaes vae ser uma fatalidade neste ta superior, isento dos pavores e odios que solapam
século. Uma fatalidade que virá c!o proprio pro- os povos antigos.
gresso technico. Bis porque este novo seculo, aiu. c)-A profunda espiritualidade, que ~onf:re
da nisso se parece oom os ten1pos primitivos das ao nosso sentimento chrístão uma pureza mattm·
sociedades hull!anas: elle retornará á grandeza da gida por outros povos. .,
agricultura. Nesse dia, que não está longe, os pai. d)-A tenacidade na lucta, Jª provada e1n
zes de vastos latifundios te1·iio licgen1onia econo1ni· , los de desbravamento das florestas,
quatro secu b . da .
ca. Não deve assaltar-nos a meno1· duvida cm af- escravidão 'economica, da pobreza de com ust1Ve1s,
firmar, que antes do ct·epusculo do século XX, a numa obra sem igual no inundo.
Ametica do Sul, e parricular1nente o Brasil, terão
wna importancía economica decisiva no mundo.
Os caldeainentos ethnicos que aqui se proces·
sam, ·estão produzindo u111 novo typo de humani· A organização da nossa agri~ulcura e da ~ossa
dade. Seus característicos funda1ne11tacs são: . e, o n'aior
pecuaria • milagre racr.al destes ulnn1os
.,
f ,
78
PL!NIO SALGADO
A QUARTA HUMANIDADB 79
tempos. Quasi igual porção de territorio s6 foi
desvirginada pelos Estados Unidos da Am:rica do
1
Norte, porém, em circumstancias cconomicas mui-
Vae se approximando a hora em que surgirá
to mais favoravcis. Quando da independencia do
n grande civilização atlantica. Desde já precisa·
Brasil, c1n 1822, só o Estado de Virgínia, nos Es·
• n1 os preparar as novas gerações, para um: larg~
tados Unidos, extrahia 50.000 toneladas de hulha,
avolumando-se essa produ~ção até attingir a nieta- policica continental. A America Latina est: destt·
dc de toda a producção do mundo. Isso facilitou nada a formar uma verdadeira confederaçao. A
0 união mais intima entre os americanos meridionaes
desenvolvimento das ''ias-férreas, cujo criterio de
penetração era o opposto ao nosso. No Brasil s6 dará a cada povo de nossa America uma segura
se const:?e a via-férrea, quando a zona a ser ;ro· indcpcndencia economica. A i1nplantaç~o de Esta-
curada Jª te1n valor economico. Antes dos trilhos dos Integralistas em cada uma das naçoes do Con-
tinente será o pri1neiro passo que temos de dat:
ia o homem, com seus carros de bois e tropas de ' ~. . .
burros. Nos Estados Unidos, dava-se o conrral'Ío: cm conjuncto. Esse tnovimento, que se lntctou. no
ia1n primeiro os trilhos, dada a facilidade do com- Brasil deverá cxtender-se pelos paizes sul·amenca·
b_'.!Stivel e do aproveitamento do ferro. A organiza. nos. A suspensão de todas as barreiras alfandeg~­
çao, portanto, da agricultura no Brasil, foi uma rias entre esses povos e o mais intimo inter':m~IO
obra lieroica, sem precedentes no niundo. cultural e espiritual devem ser a preoccupaç~o tm·
tnediata dos Estados Integralistas Sul Amencauos.
Com essas características, podemos affitmar
Cont essa solida cstructura economica e moral, po·
sem 1·eceio de engano, que u111 grande destino esti
derc1nos nós, povos escravizados, erguer a cabeça e
reservado a este Continente, logo que se quebrem
solucionar conjunctatnentc as nossas insolvabilida-
os ptincipios po!iticos orientadores do mundo occi-
des, a nossa situação de tributarios explorados pelo
dental e sob cujo prestigio, os povos tê1n sido es-
cravizados. Super-Capitalismo anti-christão.
Lucrando pela libertação da An1erica, devemos
realizar 0 sonho de Bolivar.
80
l?.LTNJO SAI.GADO
f
A QUARTA HUM!INJOAD B 81
A "Iucta de classe", que atormenta a Europa
' ~~
n~s 1-""'eremos evital-a, fazendo o que a Europa
' -e"; na esphera da politica interna é a lei do suffra-
nao fez quando era ten1po. A onda syndicalista de gio, estabelecendo a "lucra dos partidos''.; no~ do·
forte sentido soreleano desencadeou.se no V:lho minios da política externa, é a lei do nac1onalismo·

.' Mundo favorecida pelo stoicismo do Estado Libe- economico-militar, sem base ethíca, estabelecendo a
bera!, indifferente diante do espectaculo tragico "lucta das alfandegas" e a lucta surda das diplo-
de.lucra e~tre oppressores e opprimidos. E' que unia macias hypocritas e das secções secretas dos estados·
ph1losoph1a rnateria!ista ·dominou as nações euro· maiores dos exercioos.
péas. Todas as injustiças foram justificadas pelo A "lucra pelo du:eito", que Von Ihering des-
"stniggle for lífe" de Darwin, systc1natizado pelos dobra, nun1 iinpressionante panorama, revela tod?
evolucionismos spencereano e haeckeleano. E' essa o aspccto de uma civilização cm que .º Hon~em esta
~esma philosophia atheista, que nega o valor espi- entregue a si mesmo sem uma ph1losopl~a, um~
ritual do Homem, a que serve de base ao socialis- crença que lhe forneça regras para as acçoes. Evi-
mo experimenta! de Marx. dencia ao tnesn10 tempo, o sentido profundo de
batalh~ permanente en1 que o Estado libe~al-demo­
cratico materialista e stoico, lançou a sociedade.
j, lei do Século XIX é a lei da vio-
lencia. E assini conio 0 individualismo desen-
Em philosophia, a Terceira Humanidade
freiado e egoista inspirou os oodigos civis e com-
adoptou a palavra magica "evolução". Etn
1nerciaes abrindo nas arenas dos fôros a degradan-
política, adoptou a palavra "lucra". E, assiin,
te batalÍia dos sordidos interesses, elle inspirou a
todo o especraculo do n1undo moderno é um es·
revolta das classes trabalhadoras cuja lucra Serei
pectacu!o de cn1bates de antagonismos inconcilia- ·1cnc1a
.,,'
systematiza em suas "Reflexões sobrc a v10
veis. No campo da econotnia, é a lei da concor·
que se tornam a biblia dos agitado1·es das massas.
rencia, estabelecendo a "lucta conunercial"; a liber-
dade de contracto estabelecendo a "lucta de das- O combate não é apenas entre o Capital e o
Trabalho. Elle se desdobra, estabelecendo terriveis
82 PLINIO S A L. GADO A QUA R T A H UMAN I DADE 83

disputas entre o Capital e o proprio Capital, se- "bteppe" , a bandeira vennelha desfraldou-se com o
gundo o proprio rythn10 exposto por Marx; e en· velho espirito semita de totalizações humanas, num
tre o "trabalho" e o proprio "trabalho", que fica ~tntido de materialismo; aqui, no Brasil, P homem
entregue ás leis da concorrencia. arguto, cheio dos instinctos percuscientes que her-
dou de seus proxilnos avós selvagens, o "homem
'1 telurico" de Keyserling, plasmado dentro dos pu·
ros sentimentos espiritualistas e christãos, defralda
• Contta essa cr~el civilização, que já agoniza a bandeira do S igma. Essa bandeira affirma a su·
nos cstertorcs dns crises econoinicas, levantar-se-á a prema synthese e desdobra-se num largo sentido
• nova civilização. Depois da I-:Iumanidade Atheista humano e universal.
virá a Humanidade Integralista. Nascerá aqui o oovo Direito, a nova politica
E' a "quarta humanidade". do Estado Revolucionario, com finalidade moral
Como u1n sol que vae nascer, elfa já projecta prefixada. Não será apenas o Estado T otalitario,
seus primeiros darões. de u1n absolutismo absorvente, mas o Bstado ln·
Uma nova luz se annuncia no inundo. tegral, indice elle proprio das relações dos n1ovi-
E' a Atlantida que rcsurge. mentos sociaes. Nelle, a "revoluçã.o " deixa de ser
A nova civilização realizará a grande synthe- a desordem individualism, d assista ou partidaria,
these. para ser o direito do espírito de intervir no desen·
Synthese philosophica. Synthese politica. Mas, volovimento das forças materiaes da sociedade, re-
principalmente, synthese das Edades Humanas. cou1pondo equilíbrios segundo um pensamento de
No velho berço da latinidade, ergueu-se o justiça.
"fascio'', conto addição de "forças nacionaes"; no A lei deixará de ser o tabú rigido, a crystaliza·
Baltioo, onde estão ~ remanescentes aryanos, er· ção do direito despotico, para ganhar aquella pias·
gueu-se a "c1·uz swastica", expressão de um senti- ticidade preconizada já remotatncnte no Evangelho,
do racial e syn1bolo de movimentos hu111anos; na quando J esus affirn1a: "0 sabbado foi feitio para

J
84 P L l N 1O S A L O A D O

o homem e não o home1n para o sabbado" (S. Mar·


cos, Cap. II) .
Partindo de uma concepção espiritual do
Universo, o Novo Estado será, ao mesnlo tempo,
reaüsta e pratioo. A contribuição experimental e
scientifica do seculo XIX, o subsidio ele conheci·
mentos naturaes que ad\•ieram da Hurnanidade
Atheista, dará ao Estado Integral os elementos com
II PARTE
que jogará no esforço continuo de impôr cquilibrios

' moraes oo mundo material. A scicncia não é rc·


negada, mas passa a ser a servidora do Estado, em No Limiar do Scculo XX
vez de ser o tyrano que o subjuga.
Por isso que esse rnovitnento que se processa
nas vesperas do apparecimento do novo typo de
Humanidade, começa por uma obra de revisão do
Passado, servindo-se de todos os elementos hurna·
nos para a realização da grande synthese.
Em meio ao tropel cambaleante de un\ mun·
do que niorre, escutamos já nitidamente os passos
da Quarta Humanidade.
--

O movin1c11t.o integralista brasileiro é um 1no·


1 virnento de cultura que abrange:
i.•) - Uma revisão geral das philosophias
dom inantes até o começo deste seculo e, consequen·
tcmen te, das sciencias sociaes, economicas e poli·
ticas;
2.°) - A creação de um pensamento novo,
baseado na synthesc dos conhecimentos que nos le-
gou, parcelladamente, o seculo passado.

O inregra lis1no, pois, no Brasil, é bem diverso


do integ1·alis1no francez de Charles Maurras, por·
que esse não passa de um "nacio11alisn10 integral",
com a prcoccupação de restaurar as tradições; di·
verso é, tambcm, do integralismo lu:iitano, que
transplantou o sentido tradicionalista da corrente
gauleza, com a tendcncia de reatar o processo so·
cial moderno ao espirito medievalista; e differente
é, por outro lado, não só do "racismo" allemiío, cuja
88 PLINIO SALGADO
A QUARTA HUMANIDADE 89

these da superioridade ethnica exprime um prejuizo Nos dois campos, a visão dos problemas é unila·
de cultura, como, ainda, do "fascismo" italiano
, ' teral, de sorte que o Velho Mundo (ao qual pode·
ao qua1somente nos ligamos no concernente á no· mos juntar os Estados Unidos da Amcrica do Nor·
va attitude do Estado, en1 face da lucta social.
te), tc1n hoje uma vista vasada, e os que itão vêent
Trata-se, portanto, de um 1novime11to origi- as oousas u11ica1nente pelo ôlho direito, vêem-nas,
• nal, g~nuiname~t~ brasileiro, com unia propria phi-
• losoph1a, um rucrdo senso destacado na confusão
tão s6mente, pelo esquerdo.
Falta, pois, ao Velho Mundo, o senso das
do mundo contemporaneo.
perspectivas exactas, o equilibrio visual, o sentido
das proporções, razão porque nos encontra1nos em
VISÃO POLITICA DO VELHO MUNDO circumstancias especiaes para dizer uma palavra
nova aos povos.
Até ha bcrn pouco ternpo, os 1novir11e11tos de Essa palavra, nós a diremos, si conseguir1nos,
idéas, que se effectuavam na Europa, repercutiam livra11do o povo brasileiro das theorias capciosas e
110 Brasil vinte ou trinta annos depois; desta vez, das influencias dos sectarismos, organizar uma opi·
podemos ter a mais absoluta certeza, vae se dar 0 nião publica sensata, disciplinada, capaz de deposi·
con~a~io: nós é que iremos influir na Europa, cujas tar confiança na elite cultural que estamos, de ini·
c.o~d1çoes da_qui a dez ou vinte annos lhe pcrmit· cio, creando, com a "Acção Integralista Brasileira".
t1rao comprehender-nos.
A Eu1·opa sofft·e hoje de n.umerosos 111alcs,
ELITES DIRIGENTES
pore1n o peior de todos é o apego a vicios de cul·
t~ra, a inveterados habitas, preconceitos de dou· A formação das elites dirigentes é o escopo
trma e costumes sociaes e politicos difficeis de se·
da primeira phase desta campanha. Elia deve fir·
rem removidos. Aos prcjuizos culturaes de uma
mar certos princípios, que servirão de base á nossa
civiliza~~º capitalista e burgueza, contrapoz..se a consideração do inundo e dos phenomenos sociaes.
supersnçao e o fanatis1no das correntes socialistas.
Ao mesmo tempo que as linhas geraes do pen·
'
90 PLINIO SA LG ADO A QUARTA HUMANIDA DE 91

sarnento novo forem se crystalizando nessa corren- A Verdade está no Abso/11to das cousas e nós
te de espiritos livres e fortes, devemos ir formando a attingiremos, pela concepção integral do Uni-
a nova consciencia das massas populares, pela di- verso.
vulgação dos conceitos tnais elementares, en1 for-
mas simples e accessiveis. Dessa 1na11eira, chegarc- Eis ahi como o nosso integralismo supera to-
• ":1ºs. á fixação de ideaes definidos, num povo dis- das as correntes de idéas que costwnam eV10car, pa-
ciplinado e consciente de seu destino. ra estabelecer comparações, os pouco versados en\
A inobilização de pensadores ,estudiosos, intel- nossa doutrina.
lcctuaes, é condição fundamental do exilo desta Não nos limitamos ao terreno economico e so-
campanha. São elles que devem transmittir ao po- cial, porquanto pattimos da esphera phüosophica
vo o conceito sereno da verdade. e estabelecemos um systema de consider:ição do

' VERDADES_DA "DIREITA" E DA


mundo, segundo o qual subordinamos o nosso pen-
samento politico. Esse systema não se submette ao
"ESQUERDA" angulo estreito das concepções unüateraes, nem tão
pouco se restringe ao agnosticismo debilitante da
. Bn1 vos falando da verdade, pergunto·VIOS: burguezia epicurista ou empirica.
existe uma verdade da "direita" e outra da "esquer- - O nosso pensamento tem o sentido expressivo
da"? Onde está a verdade? Coino attingirinos a deste século, cujo espirito os pensadores da Europa
verdade? ainda não apprehenderam. Esse espirito é de Syn-
Respondo-vos, dizendo que não existe uma ver- thest.
dade d a "d'1re1ta
- " ou d a " esquerd a", porque no sys-
tema do nlundo, na essencia do cosmos, não exis· LIBERTAÇÃO D O HOMEM DO
te nem "esquerda" e nem "direita", e sim condições SECULO XX
de movimentos e processos de expressão de forças O integralismo brasileiro, portanto, não vem
eternas, de u1n n1odo immutavel. condcmnar e proscrever, de wn modo absoluto, as
92
j PLINIO SALGADO
A QUARTA HUM!\NIOAD B 93

1 philosophias do seculo passado; vem ampliar-lhes 0 Essa a natureza do pensamento do século


ang~lo de visão, ~em subordinai-as a um oonjuncto XIX, o seu grande preconceito e a fonte origina·
considerando-as sunples annotações subsidiarias ao
ria de todas as suas contradicções.
novo pensamento constructor.
A nossa preoccupação é libertar 0 homenl do O século passado foi de analyse, em todos os
século XX dos preconceitos do século XIX. Não campos do conhecimento. Durante nlais de cem
se trata ~e destruir completamente o seculo passa· ann<>s, as sciencias se dellinitaram e, dentro dessas
do, rn:s u1augurar um novo sentido, que é o da sciencias, os objecoos do conhecirncnto foram consi·
noss~ epoca. Para readquirir o senso de indepen· derados segundo aspectos isolados. Esse processo
denc1a da verdade social, declara Iienri de Man. applicou-se, desde a chimica ao direito, e desde a
q.ue teve de libertar-se, não só das conclusões mar· geographia á psychologia experimental. E, ao 1nes·
x1stas, m~ do modo de pensar marxista, isso por· mo tempo que a sciencia dividia e subdividia o inun-
qu~ (exphca elle) essa maneira de pensar "não é do na sua expressão objectiva, as philosophias su-
ma.is do que uma forma particular de uma men· bordinavam a apreciação oo Absoluto a quadros
talidade geral, herança oo século anterior, que obs· fixos e estreitos do experimentalismo scientifioo.
curecc quantos têm soffrido sua influencia intel- Era natural que a politica recebesse a influen-
lectual. ( 1) cia desse processo de considerar e de pensar. B,
O processo do pensamento do seculo XIX to· con10 a philosophia, derivando da sciencia, renun·
nlou. sua base nas sciencias naturaes "e consiste em ciava todas as suas prerogativas e restt·ingia o seu
applica~· o principio da casualidade n1echanica, que. poder, pouco, ou quasi nada poderia offcreccr á
se ma~1fcsta na technica, á interpretação dos factos política, de sorte a dar-lhe uma capacidade suffi.
psych1cos". (2) ciente para conter o co1nplexo phenomcoo social
segundo as concepções de origem e finalidade, de
espaço e de tempo, de acção e reacção.
( 1) Henri de ~fan, "1ias alá deJ ruarxismo ••.
(2) Henri de àhn, ob. cit.
Assim, o século passado, que foi um dos mais
1
9+
'l PLINJo

fecundos da Hwna "d d


SJILOAoo
A QUARTA HUMANIDAD E 95

1 neceu dru a e, pelos elementos que for·


ao nosso na a po d d . A sciencia, pelo seu caracter experimental, 1na·
H ; ' u e ar a s1 proprio. terializou a philosopbia, e esta, pela sua índole me·
. ~,e, que contemplamos á distancia a .
g1osa ~1bração mental do século XIX ' prod1-
taphisica, logo contagiou a sciencia, perdendo a
conclwr 0 que não con 1 . .' podemos primeira a sua transcendentalidade e a segunda ga·

·'
tro dcUe i t • c uiram os que viveram den- nhando um tom supersticioso, que passou a domi
?
daqueile ' s e, f>'.'demos definir o sentido geral nar o mundo, á força de generalizações e prophecias.
. per1odo, Ulco11testavel1ne11tc g'- .. d
H u1nan1dade . wlloso a Como consequencia, as ulti1nas décadas do
época pr ' e apreciar a grande determinante da século XIX foram governadas pelas hypothests, iis
' esente.
quaes se emprestou 1nais vak>r do que aos dogmas. )
1
E a humanidade que, no dizer de Kant, despertára
do sonho dogmatico, adormeceu, de novo, 110 so·
' Por ahi se vê q
oon·ide d
·~ ra o como pensa
·
ue o 1ntcgralis1no brasileiro
. '
nambulismo agitado das supposiçóes rransitorias.
rhodo d .. mento phrlosophico e me- Taes supposições, no emtanco, fora1n uceis,
e crrrtca nem
do passado ' se apresenra como destruidor consideradas como pontos de partida para a apre·
. ' nem como inimigo do século XIX • ciação objectiva e particularizada dos phenomcnos.
sun como uma natural continua • d ' •
ta-se, principalmente d çao e ambos. T ra- Abriram-se novos capitulas ás sciencias, que adqui· •
.
pectiva. ' e urna quesCao d e nova pers- riram maior vitalidade, justamente por se torna-
ren\ aprioristicas, máo grado a affecração de seus
methodos inductivos, cn1 consequencia de suas pre-
PHYSIONOMIA DO SECULO XIX
occupaçõcs "de provar", "de demonst.rar''. Origi·
A ultima metade do século XIX . na-se desse hybridistno philosophico scientifico, a
se pelos nun . . d caracterizou· cxtraordil1aria contribuição das pesquizas experi·
coll - os ongma os de uni só facto que foi a mcntacs. O detertninismo materialista mobilizou
. ocaçao, no mesmo plano, da pl1ilosoph1'a e da
screncia. un1 cabedal enorme e inaugurou sciencias novas,
que vêm desde a geograpbia oocial e a anthropologia,
1 96 PLINIO SALGAÓO 97
A QUARTA HUMANIDADE

até aos recentes methodos pedagogicos e psycho- Saint Siinon; o detern1inismo evolucionista; e a dia·
analyticos. lectica de Hegel. A corrente contraria, dos néo-he-
O espirito da philosophia readquire o sentido gclianos, idealistas e dialecticos, prosegue nu1n se~·
grego da consideração do universo, abandonando tido realista na considera~ão do inundo, approxt·
completame11te a co11cepção theo1ogica. mando-se da oorrente espiritualista, cuja expressão
Nem por isso, a propria tendencia ao 1nate- dominante é a néo.-escolastica.
rialismo hellenico (que já se esboçára 1nuito antes
De um lado, desenvolve-se a lmha que, par·
e fôra o proprio sôpro animador da Encyclopedia),
tindo da dialcctica de Hegel, se mclina para o evo-
deixaria de transportar, para o seculo passado, o
lucionismo, depois de transitar pelo conceito do n1a-
conceito, tambe1n gr.ego, do idealismo de Platão.
tetialismo dynrunico de Fucrbach, por sua vez pre·
Constitue este a cssencia profunda de um dos
so ao tnaterialismo de Buchner. De outro lado, de-
n1ovin1cntos mais notavels da philosophia: o he-
senvolveu-se a corrente que, partindo tambem da
gelianismo, que trazia as n1ais graves e surprehen-
dialectica, setn rejeitar o prirnado da idéa que repre-
denres consequencias.
senta a propria essencia do néo-platonismo hege-
liano, approxima-se de certa forma do sentido es-
DEPOIS DE HEGEL piritualista da existencia. Opera-se, gradarivamcn·
te, neste catnpo, a conjuncção de dois mundos, a
Representa Hegel u1na encruzilhada de que har1nonia de dois cooceiros: o da "idéa em si", e o
partirão dois advcrsarios irreconciliaveis: os 1nate- da "idéa segundo seus n1ovime11tos"; a logica for-
rialistas e os idealistas.
1nu l não constitue u111a contradicçií-0 com o novo
Os matcrialisras-evolucionistas, co1n a contri- processo de pensar e conceber o universo: a logi:a
buição da dialectica hegeliana, se chamarão "mar- hcgcleana não é mais do que uma nova expressao
xistas". Karl Marx traz comsigo tres procedcncias dymnamica de velhos conceitos estaricos. ~ quand~,
que o marcam: o mysticismo anarchista, embora finalmente, o seculo XX, com uma n1a1or capaci-
Marx affirme ligar-se ao utopismo socialista de dade de comprehender "conj unctos de movimen-
98
PLlNIO S A LO AI> Q
1 A QUARTii HVMAN!DAD E 99
tos'', colloca Hegel no seu Jogar cxacto, como um
formado em novo dogma. Negando o primado da
trecho apenas das expressões totalitarias do mundo
a tradição aristorelica está de pé. E, emquanto um: idéa afasta-se de Hegel, deste acceitando, apenas
'
0 processo dialectico, que constitue o novo f anatts-
.
corre~te ~o pensamento do seculo XIX vae ligar-se
ao epicurismo e ao panrheisn10 dos gregos, 3 outra mo marxista. Originando-se indirectamente de
Kant contradiz os methodos kantianos, pretenden-
vem restaurar 0 prestigio da concepção aristoteli-
ck> c~nsiderar provado aquillo que o relativismo do
c~, aproveitando~sc do$ novos cabedaes de conhe-
cunencos que o seculo XIX lhe foi·nece. systema critico declarara inaccessivcl de p1·ov~ . Cáe,
assirn, mais do que no idealismo !1éo-platonrco de
. São as duas faces extl'cmas do pensanicnto
Hegel, no proprio apriorismo dogmatico, e e1n-
occidental: uma de affir1nação ein todos os senti-
dos, outra de negação completa. quanto declara 1uotta a philosop~i~ antiga, ~lle
1nesmo, o marxismo, reata a trad1çao thcologrca,
partindo de mn presupposto intransigente, que é a
CONTRADICÇÕES DE MARX negação da precedencia da idéa e do espirico sobre
a materia. E' a religião do atheismo, intransigente
. E' aqui que se evidencia a contradicção mar- como os maiores fanatismos. Aliás, Sorel procura
xista. A ph~osophia de Marx parte do principio desculpar o socialismo marxista, escrevendo: "A re-
da precedencia da materia sobre o espirita. No co-
ligião não é a unica occupante das profundezas da
meço existiu apenas a 1nateria; depois veiu a vi- '
consciencia: os mythos revoluciona rios assentam-se
da; finalmente a idéa, e, ein ultimo plano, 0 espí- alli com as mesmas prerogativas" (1). Essa phrase
rito, o qual não passa de um nicro clarão da tna- de Sorel rnostra como os marxistas acrcditarn pou-
teria. A doutrina do materialisn10 historico baseia·- co na sua sciencia. ...
~e. no prcsupposto da idéa da neg<tç® d<t propria Os discípulos de Marx pretenderam defen-
idea. Elia te1n, portanto, uma orige1n idealista. dcl-o, dizendo que elle puzera de pé a dialectica de
Afastando-se do api·iorismo dogmatico, vae cahir,
por sua vez no apriorismo scientifico, logo erans-
( 1) . ' .
.. R~fkxÕC's sobre a ..·10.cnaa "·
100
1 PL!NJO SALGADO
A QUARTA HUMAN!DAD'E 101
Hegel, que até então andára de cabeça para bai-
xo. Nada mais errado, porque o idealismo é a es-
sencia da dialectica; esta não passa das duas per- A dictadura do proletariado seria já uma s~n­
nas que ca1ni11harn. Foi Marx, acccitando a dia- a these capitalista e a antithese soc~a·
lectica e rejeitando a idéa, que pretendeu uma phi- these, entre I li se transformaria,
lista. Realizada a synt iese, e a h 1· no em
losophia de pernas para o ar.
immcdiaratnente, seg_i1~ o.
d 0 processo cge ia '
antithese, prose-
O marxis1no é, não_ sómente, unilateral na these e desta se or1gmana nova
consideração do mundo, do homem e d:i sociedade, . d, cessar o desenvolvimento do proc~
que eUe só visiona do ponto de vista do desenvolvi- gum o, sem ' 0
arxismo pela intrans1-
dialectico. Entretanto, m - 'social e econo-
men.Do das forças materiaes, mas é, sobretudo, con- gencia dogn1atica de sua _conce~ao d nrolar da
tradictotio, porque a negação não passa, c1n ulti- . r· . d antemao, oI livre· d eseé um inter-
mica, e muna, e
• ma analyse, da pi·opl"ia affirmação. O conceito da
precedencia da matcria sobre a idéa, representa,
. . A dictadura do pro etan a o
d1alecuca.
ferente, que evt"denc1a
I d "d' a sua pri·
. o va' or a i ea,
.

elle mesmo, a expressão da primordialidade de uma mordialidadc.


idéa: a idéa da negação. *
"'*
Subordinando todo o seu methodo cririco ao
. - marxista é maior
Mas a contra dtcçao · . aw· dda'
jogo dialecrico das forças economicas e sociaes, o
' .d - d 5 contrastes soctaes, as
marxismo objectiva a realização da synthese hege- t°
porque, na cons1 er~ça~t e do Trabalho, abstráe
liana, numa sociedade que, depois de transitai· pela idéas oppostas do . ap•d: t hese fu11dan1ental gera·
dictadura do proletariado, possa abster-se dos go- todas as consequencias · · Essa the-
do a do conceito materialista da lustoria. .
vernos e da idéa .do Estado. Nesse ponto, o mys-
r q ue precedeu 1a "de'a do Capitalismo. e a antt- ·
ticismo anarchista collabora fortemente na theoria
se, . d , .déa do propno matena·
de Marx, mas a dialcctica de Hegel esbarra numa these do Proletarta o, e a 1 . . do es-
oontradicção. . . , a da negação da pre-cX1Stenc1a
!ismo, tSto e, . d"13!idade da idéa. Ora, antes des·
pirito e da prunor • d Capital e do Tra·
sa rhese gerar as concepçoes o .
102
PLr::-1 1 0 SALG.~oo A QUARTA HUMANIDADE 103

halho, e.lia teria de gerar a sua contraria, isoo é, a sociedade futura n1arxista é um erro, ou e.ssas leis
sua a~uthese, ~gundo o mcthodo hegeliano. Es· não são verdadeiras e, nesse caso, a economia mar·
sa a~t1thesc seria a idéa de aifir1nação da prece- xista não te1n base sdentifica. Ou então é que a
d~nc1a. do espírito sobre ~ n1atcria. Seguindo a philosophia de Marx tenta fugir ~ dog~11atis1no
d1alect1ca hcgel1~na, o espirito negaria o cspiriro e scientífico. Mas, si assiln é, o 1narXJS1no nao passa
a inater1a negarm a materia, produzindo-se a syn- de uma reacção idealista, portanto, contradiz a si
these, que seria a affirmaçã0 de ambos.
mesmo.
Mas.º marxismo, in:.pressionado pelo scienrifis.
mo ~xperunencal erigido em philosophi.a de vôo
UMA LUZ DO SECULO XIX
raste1~0,. abandonou a idéa primitiva da conccpção
~ater1alisra do mundo e partiu do dcgráo imme· Agora, um pequeno elogio ao marxis1n·o. .A
diat~. Incorre, as~ii~'. dentro da sua propria philo-
sua critica ao desenvolvimento cconomico da socte·
s~ph1a, n1m1 erro u11c1al; dahi a série de contradic- dade traz uma valiosa contribuição, sob 1101 ponto
çoes em que se emmaranha e o empirismo de seus
methodos. de vista restricto, embora. Para applical-a, temos
de partir do presuposto do predominio de uma ci·
vilização baseada no principio materialista. Isto
a.ssentado, verificamos que o marxismo prójecta
Cumpre, ainda, notar que os principios fun- intensa luz sobre o panorama da sociedade hurgue-
d:mentaes da doutrina eoonomica marxista se ha· za e capitalista. . .
seiam em carhegorias irrevoga veis, tacs como "o in- O erro do marxismo é acccitar como dcfm1-
teresse da acqu isição", a lei do "mais valor"; en- tiva e triumphante, a concepção burgueza da ~xi~·
t retanto, MaE.~ propõe uma sociedade futura em tencia. O que elle nos offcrece, como contribui-
no~as hases, o~de essas leis não terão mais appli- ção ao esrudo da economia modero~ é o des~n~ol­
caçao nem cabimento. Por oonscguinte, das duas vimento das consequencias do conce1to materialista
uma: ou essas leis são verdadeiras e a concepção da da Hist.oria. Aproveitando-nos de suas observa~ões,
10.+
PLINIO SALGADO
A QUARTA HUMl\NIDADE 105
~emos de ooncluir, entretanto, que o n1nrxisrno é
1nc~111pleto, é unilateral, não passa de uiu simples to os marxistas vão buscar suas raizes mais rem.o·
tas no pcnsan1c11co de Epicuro, nós podemos aff1r·
capitulo baseado numa sin1ples hypochese. Blle ·'
- • Jª mar que a burguezia nos aprese11ta certos traços
nao e uma ~beoria para ntoços, porque estes já per·
que a ideotifícain aos estoicos.
tencem ao seculo XX, que é de revisão geral de va-
lores e ~e synrb~tiza~o de conceitos. Depois de o estoicismo é a philosophia dos povos em
Marx, t1vernos Ernstern. O marxisn10 é a doutrina decadeocia, dos ultimos acoos crepusculare.s das tra·
do tempo da machir1a · de vapôr, dos reares e da gedias gloriosas das raças. E' a in~ifferença, .ª pas·
ilu~illação a gaz. O integralismo é do tempo do sividade, a incapacidade de reacçno. E esse e o es·
radio e das experiencias de Picard. Isso, que pare· pirico que domina o Estado. B.u~gu~z.. Os goverllo~
liberaes e materialistas assrsurao mdrffcreotes a
ce não ter relação, tem uma profunda relação com
passagtm victoriosa dos asiaticos destruidores da
os ~rocess~s de pi-nsamrntos. Por isso que Key·
personalidade humana, como os senadores de Ro·
serlrng affrrma corn muita observação e espírito:
"meu filho entende 1nclhor o auoon1ovcl do que eu 1113 hieraticos 11as suas cadeiras, contemplavam a
porque elle é do tempo do autornoveI". O marxis'. ma~cha invasora dos cxetcitos de Alarioo. E' ~
·
scepticismo anatol1ano, · · do agnostl·
fl'or exqu1s1ta
mo, pois, foi uma luz que já prestou um serviço.
B' contemporanea dos bicos de gaz e lampeões a ke- '""l'
cismo burguez e do "laissez-f arre , arsser-passer"
rozene. Hoje, preferimos a lámpada electtica. do liberalismo democratico.
A attitude anti-finalista das philosophias bur-
guezas crcou o grande sentido ~e absten~ão, de
O PANORAMA BURGUEZ
commodismo fatalista e conform~m? _estoico. !~­
possibilitada de viver sem a concr1~u1çao do. espir1·
Considereruos, porém, o terceiro aspccto pbi-
to, que é uma das trcs maoifestaçoes. essenc~es do
losopbico do seculo passado. E' a philosophia bur-
homem, essa civilização creou, co~o unpulsronado·
gueza. Emquanto os néo-hegelianos e os néo-esco-
res da marcha politica, pobres fctrches e deuses de·
lasticos se prende1u a Aristoteles e Platão; cmquati-
bcis, que deveriam co-honescar vagos principios de
106
Pl. INJO SALGADO
/\QUARTA MUM/IN!DADE 107

moralidade, de harmonia social. A religião da Hu.


O CONFORMISMO MATERIALISTA
~idade de Conlte, ou a philantropia do pragma·
O collectivismo marxista parte dessa prem~a
tismo americano t1ão passam de superstições, des·
tinadas a substitui1· o elemento espiritual abando· lançada pela burguezia e prognostica, oom ~dm1ra·
nado. vel segurança, as consequencias fataes. A ~1ffer.~n­
ça entre o marxismo e o integralismo ~sta, altas,
Desde a Bncyclopedia e, principalmente, de-
evidente neste ponto: o marxismo acceita a pre·
pois da Revolução Franc~za, a sociedade burgueza
.
missa b urgueza, nós integralistas nos . rebelamos

começou a crear ficções, que através de todo o sé·
culo XIX, até o começo deste, vieram denominan- contra ella. O marxismo verifica uma s1tuaçao, su·
bordina-se a eUa, e prosegue. Nós verificamos essa
do-se: "soberania nacional", "suffragio universal"
"civismo
· ", "liberd ade" , "l'1vre-pensamenro", pala-' situação, reagimos contra ella, primeiro pelo ?en·
sarnento e finalmente pela acção. O marxism~
vras que se transformaratn cm tabús, como iria
aoontccer, parallelameute, no rumo marxista ás
é w11a philosophía de escravot. O integraltsn10 e
phrases: "lucta de classe", "pressão das n\assas"' uma philospohia de homens livres. . . .
A visão estreita da burguezia capitalista e a
"socialização dos meios de producção", e outras. '
mesma do marxismo. Mas a burguezia passiva e
A phi&>sophia e a politica burguezas, de fun·
gosadora é muito mais materialista do que <> mar-
do estoico, afinavam-se no sentido de negar a pos· \
xis1110. Quem nega está affirmando a seu modo.
sibiiidade da intcrfercncia do homem na modifica-
Mas quem dá de hombros, quem é indiffercnte
ção da marcha social. Tudo devia subordinar-se ao
diante do drama do homem, esse é que sabe negar
rythmo normal do deterministno, não S{:ndo, de for·
con1 perfeição.
•na alguma possível a acção transformadora da
idéa. En1quanto o Estado é stoico, a sociedade ~ GIGANTES DA MONTANHA E ANÕES
epicurista.
NIEBELUNGBN
Entretanto, contrapondo·se á mediocridade ~o
pensamento burguez~ e ao opportunismo confortlll$•
108 PLIN! O SALGADO A QUARTA HUMANIDADE 109

t:i dos adeptos de Marx, ergueu-se uma vóz no Era preciso que apparecesse Marx, para mos·
seculo ~IX, que vibrou como um protes()() univer· trar as consequcncias de uma civilização materia·
sal. Foi a v6z de Frederico Nietzche. lista. Marx, por certo, é o proprio interprete da
Contra o individualisino rasteiro egoístico da burguezia, falando uma linguagem cxtranha, que
democracia liberal, e contra o oolleccÍvismo, a~nu· a sociedade materialista, etn pavor, não reconhece.
lador da personalidade hun1ana, o pensaniento gri· E a v6z de Marx, é a sua propria v6z! .
tante do creador de Zaracltustra tem o valor de uma Blle quer a destruição do individuo, que será
revolta, ~ihilando, como um chicote de fogo ás fa. assimilado, para sempre, no monstto Collectivida·
ces do seculo scientifico. de. O deus de Comtc, burgucz prudente e cauto,
. ~m Nietzche encontramos a attitude anti· transfigura-se no Moloch aterrador do socialismo.
chr1sta de desprez~ aos hwnildes, de glot'ificação O homc1n se animaliza; torna-se menos do que um
dos ho1nens superiores. Attitude condemnavcl de animal, porque é uma peça de machina.
orgulho, de superdivinização dos her6es elln teve o Sobre esse panorama da miseria, rebôa a vóz
tnerito, pcrém, (tão cerco é que De:s fala pela de Zarathustra que desce da montanha.
~ca de seus proprios inimigos), de mostrar, no Mas dle, sendo tambem o erro, é o contta-ve·
mstante em que se delineava a marcha collectiviza. neno de Marx.
dora, e annulação completa do individuo, prestes a O marxismo quer os anões do Niebclungcn;
Nietzche conclama os gigantes da montanha.
transformar-se em peça de machina, esta verdade
suprema: - O Homem existe! -
N6s, integralistas, não queremos ne1n o anao,
11e1n o gigante, n1as1 apenas, o Hornem.
ho E Nietzchc é a grande luneta de augmcnto, na
ra em que o homern começava a perder a esta· O Homem Integral.
tura moral e a desapparecer escravizado na massa.
O GRANDE SENTIDO DO SECULO XX
Eis parque hoje verificamos que Nietzche foi
tam.be~ um trecho da verdade, deturpada pelas • Acreditamos, como Hegel acreditou, que a
pro1ecçoes exaggcradas com que se apresentou. grande philosophia é, principalmente, a historia das
l lo
PLiNJO SA LG ADO
A QU ARTA HUMA N IDAD E 111

philosophias. E, por isso, tomamos de todo o ca-


be~al que nos forneceu o seculo passado, para cons- como perdemos de vista, na curva de 100 annos, a
liberal-democracia, filha da philosophia materialis·
truirmos, com elle, o século novo.
ra e irmã gemea do communismo.
Não somos eccleccicos; comprehendemos ape- 1
n~ que º. rythmo do século XIX foi o rythmo das *
un1latetal1dades, das visões parciaes. **
O unico sentido tota/irario do Universo é ain- Todas ecSsas concepçõcs foram parciaes, obe·
da. aquelle ao qual nos ligamos: o pensamento de deceram ao sentido de analyse do século XIX;
Ar1stote~es,_ ª. concepção da unidade diffcrenciada. mas, nós vivemos o século da unidade, o século in·
A co~tnbu1çao que trazemos, afim de adaptar a regra!. Somos de uma epoca' . .
em que as sc1rnc1as
essenc1a desse conceito do Universo ás condições reflue111 para um mesmo ponto commum. A chi·
do mundo _con~emporaneo é a mesma que nos for· mica, tendo caminhado até ao átomo, proscguiu
n~cem a ~c1enc1a do século passado e as considera- até os "ions", e na gravitação destes enoontrou os
çoes parciaes que nós procuramos synchctizar. segredos eternos das jornadas das estreUas. Na
Pretendemos realizar a synthese do pensamen· extrema subdivisão da materia, a chimica confun·
to e, por consequencia, a synthcsc politica. diu-se com a mechanica e enoontrou a essencia dos
. So~ este aspecto é que o integro !ismo brasi- mundos, expressões materiaes do movimento; e, no
leiro estn n1una plana muito superior a todas as mysrerio dos movimentos, a 1nagia eterna do nume·
correntes politicas européas. Somos mais avança- ro, que Pythagoras presencira. E1;sa n1cs1na unida·
dos do que o fascismo, no qual, diga-se de passa- de scientifica nos inspira a unidade philosophicn e
gem, te1nos muito que observar e aproveitar; deixa· a historia da philosophia adquire um valol' novo
~os atraz, ~om uma distancia de 50 annos, 0 socia-
l1s1no marxista, o sindicalismo revolucionario ( 1)' se tr:tns1>1antou c:rl111i11osa1nentc para o Brasil <lepois <la rcvo·
lLl(ão de 30. O ~finisttrio do Trabalho obedttc1ldo inconscicn· j
( 1) O syndkalisrno TC\"Olueionario es!ructurado _,....., lemcntc ls ordtt•s d~ lateroacional Communista. cscravitoU o
a .. lucta de cl ,, d s . ' "'"º .......º topC"r:ariado, a ~ r v i ço do botcltevisruo. Esses velhos timbram e:m
asse e o-rei, e um pbcnomtoo ck velhice que
cn,.clhttcr nossa P1tri2.

-- --~

112 PLINIO SALGADO A QUART/\ HUMANIDADP 113

esta na expressão do livre arbitrio, nós proclnma·


pa~a nós, integralistas brasileiros, que somos os pri-
meiros homens novos do século XX. O nosso pen- mos a existencia e continuidade de uma dynamica
social, cuja origem mais remota encontramos no
samen.ro t_otalizador offertce-nos os elementos para
a realizaçao da synthese sociologica de que resulta scnti1nento da moral e da justiça, com fundamento
a Nova Economia e a Nova Politica. espiritual ( l.) Acceitamos, em consequencia, o prin·
cipio da permanencia do phenomeno revolucionario,
. A nossa concepção do mundo, sendo tota!ita-
não sob o criterio marxista, porque este se afasta
rta e realislta, leva-nos a consider:ir o homem, não
da conccpção dyna1nica da socie.dade, subordinan·
u~ ~ruma superior, segundo o entcnde1n os ma·
do-a ao pacato dete1·minismo evolucionista, mas,
termlistas, nem .tão pouco unl "cidad"ao CIVJCO
. . ,, ' a,
sob o critcrio espiritualista, da dualidade das ex·
semelhança da lrberal-democracia, mas uni ser com-
pressões do Universo, do jogo entre o objectivo e
plexo, oo1n triplice aspiração: material, intellectual
e moral. o subjectivo, nun1a palavra, do movinlento de dois
tnundos: o da materia e o do espírito.
. Apreciando ainda o homem, segundo as suas
realidades, com~~ebendemos como suas projecções
.•
.,,.,

naturaes a Famrl1a e a Patria, impositivos tão evi- O desenvolvimento das forças economicas da
dentes como a propria existencU1· d o ser
N • h umano. sociedade, submettido ao fatalismo cégo da mate·
o trabalho e na luta pela subsistencia, reconhe- ria, crêa, en1 relaç."io w nosso interesse, situações de
cemos.ª justa aspiraç.io ao conforto material, o descquilibrio, pelo qual é indifferente a inconscien·
CJ~·~I nao deve estar á n1ercê dos caprichos do in- eia da materi.'I, que será sempre a inalteravel Pan·
c~v1dualismo oppressor, que caractc1·iza a civiliza. dora a que se 1·efere Machado de Assis nas pfigi·
çao bu~gueza e capitalista. Ap1·ehcndendo o de- nas de Braz Cubas. E' então que se verifica a in·
senvolv11nento econornico da socied•de e d rcrfc1·encia da idéa como manifestação do espírito.
d' ",sgunoos
ois f~~tores: do "movinlento das forças materiaes" A esse phenomcno, denominamos "revolução", a
e da mterferencia da força da idéa"' apreciando (1) E,tc pcnsi rntnto ycn1 esclarecido n<> livro li Psycholo·
aquclle do ponto de vista determinista, e tomando gia <I~ RcvoluçJlo •. do A.

114 Pl.INIO SALGADO A QUARTA l!UMA.NIDA.OE ll5

qual tem um caracter éthko, utn fundo moral, um Em philosophia segue a li11ha nitida dos n1ateria·

cunho espiritual. !iscas burguezes. En1 economia, declara-se oontinua·
Sen1 chegarmos aos exageros de Nietzche, ou dor de Adam Smith. Para ser1nos anti·capitalistas,
ao conceito absoluto da Idéa Força, desse magni· precisamos ser anti-communistas.
fico pensador da ltalia nova, que é Adriano TiJ.
gher, nós ampliamos o pensamento de Bergson, O NOVO CONCEITO DO ESTADO
quando affirma que cada um de nossos actos indica
certa inserção de nossa \'<lntade na realidade. "São Co1nprehe11dtndo assim o phenomeno revolucio·
as linhas da acção-possivcl", diz ·ele. E' a perma· nario como interferencia de uma idéa no sentido
nencia da revolução, dizemos nós. '
de restabelecer um equilíbrio, crêamos a nossa con·
Dahi declararmos nós, os integralisras, que o cepção de Estado, de finalidade prefixada, porém,
marxismo é contra·revolucionario, porque se subor· de plasticidade revolucionaria. O Estado, para nós,
\1
dina ao critcrio do fatalismo evolucionista da ma· inrcgraliscas é o interferente 1nodificador. Nos
teria inconsciente. '
séculos ante1·io1·es ao nosso (e eu incluo co1no li1ti·

A philosophia materialista que inspira o com· mos episodios de tun período que se exru1gue, a re· 1
munismo marxista é a 1nes1na adoptada pelo capita· voluç5o russa e todas as revoluções fascistas) a ta· l
!ismo para jusLificar n opprc5são do proletariado. refa revolucionaria cabia a individuos ou grupos de
A sociolo~ia mecha nica de Spencer, assim como aso· indivíduos.
ciologia positiva de Comtc baseiam-se na evolução O Estado que conceben1os conterá enl si as 1
natural Tudo foi negado ao espírito, tudo se su· forças novas, a potencia da idéa creadora e erans· l
bordina ao determinismo das forças naturaes. O formadora, porque não será um Estado unilateral
"struggle for life" de Darwin é a mesma lei inspi· oriundo dos caprichos da soberania popular e do
radora da Economia Liberal: o dominio do mais 1uffragio universal, uma simples projecção juridi·
forte foi o principio moral. Esse criterio é anti-re· r~ de um aspecto apenas da nacionalidade, e sim
volucionario. Entretanto Marx se. subordina a elle. 1 proprin Nação juridicamente organizada.
1 16 P,i.(NfO SALGADO
A QUARTA llUMANIDADIJ 1 17

A subordinação das forças economicas e so·


ciaes da nacionalidade ao Estado, a transposição faltando ao Estado capacidade creadot·a de inter·
da lucta social, do en1bate cconomico para o am- ferencia e de acção, surgiram os indivíduos, actuan-
hito estatal, o estabelecimento de normas plasticas, do nas massas populares, no sentido revoluciona·
de leis flexíveis ( oomo já preconizava Alberto Tor· rio, isto é, desempenhando um papel que cabia ao
Estado.
res) á adaptação do pensamento philosophico e do
conceito jurídico ás rea!idades e transformações do Ainda aqui encontramos um erro da theoria
organismo nacional, eis o escopo integralista. Essa 1narxista, quando inclúe seus proprios lideres na
concepção do governo dos povos, já preconizada massa proletaria. Essa massa nunca seria capaz de
por Santo Agostinho, ganha hoje opportunidade fazer a revolução; ella foi modificada, orientada e
e e.xprime uma actualidade palpitante. E' que o commandada por ideologos e caudilhos. Por isso,
mundo moderno nos offerece o espectaculo de uma que Henri de Man, que é insuspeito por ter sido
inexoravel marcha social, que se accelera á revelia marxista, conclue que não existem duas classes (Ca-
do poder do Esmdo. pital e Trabalho), e sim tres: Capital, Trabalho e
Intelligcncia.
De facto, as revoluções, até hoje têm sido obra
E isso se ~xplica. O Estado liberal é uma idéa de indivíduos, agindo f6ra dos cit·culos do Esta·
parada, emqunnto a sociedade é uma idéa tra ns- do, isto é, supprindo uma funcção do Estado.
formada cm facto e que se poz cm niovin1ento, se·
N ós concebemos a revolução como un1 direito
gundo as leis que pt·esidern á evolução determinis· do Estado.
ta da materia. Fixando-se o Estado 110 seu concei·
to formal, deixou de ampliar a sua capacidade de E ~os socialistas, que tudo querem socializar,
acção, cmquanto o progresso social ampliou o seu diremos que a primeira cousa que o integralismo 1

volume. Verificou-se o desequilíbrio. O Estado pretende ,não soci~lizar, n1as estat.icizar, é a dym•

l
namica revolucionaria,
não poude ma is conter as forças ern oonflicto. E,

j
118 PLIN!O SALGADO
A QVAR.TA HU~iANIDADll 119

FAMILIA E PATRIA
Só o Estado tem o direito de agir para manter
o equilíbrio social. A Familia é a defeza moral do Homem que, só
em razão della, não se animaliza e só pelo seu res-
Só o Estado rem o direito de distribuir jus-
tiça. peito nno se escraviza. Consequentemente, susten-
tamos o principio da propriedade. Porque ella é
Mas o Estado, para_ os integralistas, não é o
fctiche aterrador do socialismo absorvente. Ellc a garantia da Familia, a defesa u1aterial do indivi·
não dcs tr6e o Individuo e as suas pro jccções n10· duo e o élo concreto através do qual as gerações se
raes: a Família, a Propriedade, a Patria, a Religião. liga111. A propriedade é a esperança do trabalha·
dor. Molivo porque o Estado Integral se oppõe
Justamente porque o Estado Novo é finalista
ao sentido capitalista da civilização burgueza e li-
é que elle avoca o direito de ser revolucionaria. Pa-
beral, pois o capitalismo attenta contra o principio
ra destruir todos os factores que ameaçam situa·
da propriedade, absorvendo, dia a dia, as posses
ções de desequilibrio attentatorias da intangibilida-
de do Homem. dos pequenos, prosegnindo na sua obra 1narxista
O Estado Integral objectiva a sustcnta~ão do
de proletarisação das classes medias, suffocando as
Homein Integral. pequenas iniciativas com juros onerosos e escravi-
zando as nacionalidades através de operações fi-
O l Ion1en1 Integral exprime-se pelos caracte·
nanceiras leoninas. Sustentamos os principios da
res nrnteriaes, inrellcctuaes e cspirituaes que lhe são
Familia e da propriedade, na defesa do opetnrio,
inhercnrcs. U111 H.o111e1n sem fan1ilia está n1uiro
do pequeno artifice, do lavrador ou commer·cia11tc,
mais arriscado a ser absorvido e opprimido pelo
na defesa das classes medias e liberacs.
Estado. O conceito do affecro, da honra, da in·
violabilidade da familia collocam o Homem a sal- Con10 cousequeucia, o Estado Integral defen-
vo, niio só das arremettidas individuaes de seus si- de, violentamente a idéa da Patria. Sen1 a Patria
miles, mas das proprias arren1etidas do Estado. (razão cthica, imperativo espiritual, imposição do
affccro e da solidariedade de milhões de filhos de
120 PLi~IO SALOAOO
A QUARTA HUMA~lDAD!l 121

um 1nesmo Povo) não se comprchendc a defesa


efficiente, pelo direito e pela força, daqueUes do~ por um operario filho do Nordeste, que protestou
outros princípios fundamcntaes da felicidade hu- vibra ntemente contra a concorrencia do braço ex·
mana: a família e a propriedade. trangeiro naquelle porto. Eis ahi como o scntunen·
to da Patria é forte e como a chamada lucta de elas·
A Patria não é uma ficção, 1nas uma realidade
se pregada pelos marxistas é falsa ,artificial, nos
tangente e imperativa. A grande guerra constituiu
paizes novos e de immigração como o Brasil. Os
a fragorosa decepção dos anarcl1istas e socialistas
communistas se commovem com a situação do ope·
de todo o mundo. Quando rroa1·a111 os canhões na
rariio na China e fazem do 1nisero operar·io brasilci·
tremenda carnificina - observou con1 muita 'exa·
ro, tão soffredo1·, u1n instrumento da lucta de clas-
ctidiío Miguel Reale - debalde se fizerarn ouvir os
se internacional.
écos d.os grandes apóstolos internacionaes que di-
ziam: "operarios de todo o mundo uni-vos!"· ou·
Ct ·- 1 I•
o operar10 nao tem Patria!". Os eleitores de todos AS CONSTITUIÇÕES: RHBUMATISMO
os partidos socialistas do mundo e os adeptos de DO ESTADO
~os os anarcl1ismos, as massas proletarias syndi· O Estado Integral vem responder, neste mo·
calizadas - tudo, tudo partiu para a fronteira.
nlento, a uma angustiosa situação dos povos. O
A vóz da Parria foi uma realidade historica
liberalisrno algemou o Estado Democratico com a
muito mais forre do que a lucta de classe. Ainda
pesada cadeia das constituições e das forinulas ju·
ho~c, nos ~stados Unidos, existe uma liga de ope·
rarios nacionaes que desenvolve u1n combate sen
1
ridicas estaticas; e os governos representativos desse
Estado perdera1n toda a autoridade para resolver
1
treguas aos operarios extrangeiros. Na provinda
os problemas ma is simples de ordem interna ou de
1
de São Paulo, assistimos diariarnente ti lucra entre
caracter internacional.
operarias extrangeiros e nacionaes e ainda ha pou·
O Estado liberal teve a sua opportunidade his·
co, falando eu a uma grande n1assa de estivadores
de Santos e empregados das Docas, fui saudado rorica, num instante em que não existiam penden·
cias, sinão entre indivíduos. Fixados os direitos nas

122 PL!N!O SALGADO A QUARTA HUM A NIDADE 123

' leis, o Estado poudc derimir as luctas de indivi- França, consagrn·a Waldeck Rousseau. E' o con·
duos isolados, evitando que alguem praticasse jus· sentimento do Estado para que os grupos do tra·
tiça pelas proprias mãos. A justiça tornou-se como balho e do capital se degladie1n, procurando mu·
observou Miguel Reale, rnonopolio do Bsrado, re- tuamentc justiçar-se, á revelia dos governos. A
gulando as relações entre individuos. Mas, no de- lucta de classe é o cartel do século. O syndicalis-
curso .do século ~· foi.se verificando que o Es· mo torna-se revolucionario, no sentido marxista,
tado liberal soffna de um ·constitucionalismo rheu- vitali1.ando-se sob o impulso da concepção de Sorel,
matico, que 0 impedia de caminhar acon1panhando baseada nas leis do evolucionismo e do transformis· r
a .marcha do n1undo. A justiça abrangia liinites mo determinista.
ex1guos e phe1'..omenos muito simples, os quaes ga·
nharam extensao e complexidade. O ESTADO L[BERAL MORIBUNDO
Tin.h a ficado fóra da acção do Estado 0 phe· •
no".1eno econon1ico, o desenvolvimento dos grupos A guerra entre os ho1nens está declarada nas
sociaes. A revelação da existencia dessas novas "ca· barbas do Estado impotente e ridículo da democra·
thegor1as
. " teve o século xrx, já na sua primeira eia liberal. O Capital e o Trabalho, na sua lucta
metade, com a organização, na Inglaterra, da "Tra· desenfreiada e egoistica, não conhece1n autoridade.
de Unions", ou reunião dos opera rios. Surgiram, Chegámos no fim do seculo XIX, a uma si·
por outro Indo, entre os detentores dos meios de tuação curiosissÍlna: possuiamos 11111 direito para o
producção, as organizações capitalistas intcrnacio- mundo antigo e estavamos vivendo num mundo
naes, os grupos financeiros, que adquiriam uma au· moderno.
tono1nia cada vez maior. Em 1848, Karl Marx lan· Como nos casos de _desequilibrio organioo, o
Ç~ o cele~re manifesto, que il!um ina como um da· mundo estava soffrcndo de ins11f ficirncia jurídica.
rao d~ ~elampago os destinos de uma civilização O Estado se atrophiára, conservando·se como mn
materialista.. A constituição dos syndicaros prole· craneo de nticrocephalo para um corpo de gigante.
tarios foi-se alastrando pela E uropa inteira. Em "O Estado", affinna Engels, referindo·se ao con·


l 2'1 PL J N JO S A LGADO A QUAR T A HUMANIDAD E 125

ceito estatal da democracia burgueza "não s , • passa de uma "camouflage" habiln1ente exercida
. ºd li , era su
primi o; e e se extinguirá por si mesmo". pelos oppressores das massas trabalhadoras, pelos
A consideração do novo phenomeno social, desorganizadores da familia proletaria, pelos que
ql~e era o apparecimento cios grupos econo- attentam contra os principios sagrados do dever :Í
anicos, não inspirava ao Esta.do sinão medidas em- vida e á expansão affectiva, sentin1ental e intelle·
píricas de assistencia e philantropia. Quando 0 Es· ctual da creatura humana. N a attitude do Estado,
t~do se inqu'.ctava diante das gréves e den1onstra· que precisa soccorrer-se de expedientes philantro·
çocs proleranas, a burguezia offerccia-lhc as idéas picos, encontramos o cspirito ta1nbem philantropi·
altruisticas, con1 que mascarava a sua oppressão aos co das leis que, á semelhança do eltno de Alberico,
~abalhadores: montepios, caixas de pensão créches celebri1.~do no "Ouro do Rheno" de Wagner, Jinha
Jlospitaes.
. Era o sentido philantropico das' leis, cor:' por fim manter em estado de escravidão assalaria·
rendo, parallclo ao sentido das iniciativas particulares da as multidões de trabalhadores, co1no novos anões
atraves das quaes o capitalismo burguez se desobri- do N iebelungen.
gava dos crÍnles praticados contra a multidão sof· Toda a legislação do Estado liberalista em rela-
fredora. ção ás questões sociaes não passa de cafiaspirina
para as dôres de cabeça das Nações, méros trata·
~$<IS ridículas attitudes do Estado são com-
n1entos symptomaticos de en fermidades pro fundas.
parnvcas aos gestos altruístas das damas da alta
plutocracia, f '. ngindo se~tin1euros ele religião e pie· Dessa maneira, a lucta proseguia, tornando·
dnde, oo realizarem chas-dansantcs e kermcsscs se o Estado si1nples cspectador. Elle vae perden·
tombolas e recitaes, de puro exhibicio1lismo bur'. do, dia a dia, até a sua capacidade política. Tor·
1
~uez, em beneficio de necessitados, de um paupe- na-se u1n instrumento nas mãos dos partidos e estes
rismo c~eado e mantido pelos prop rios cruncs de são n1anobrados, consciente ou inconscientemente,
uma sociedade em que se consente a exploração do pelos grupos frnanceiros, ou pelos agitadores da
ho~e~ pelo homem. Em ultinla analyse, essa mag· massa proletaria.
nanun1dade exercida á custa do bolso alheio não São os grupos fmanceiros que govcrnan real-
126 Pl. I N I O S ALGADO A Q U ARTA H U M A N 1 DA DE 127
r
'

mente os povos, illudindo·os com a prestidigitação qur aggraval-01 quando pretendeu regular a exis·
dos ruinos e embates partidarios, explorando senti· "ncia dos syndicatos. Tomando a estes como en·
n1cntos populares. Em nosso proprio paiz, te111os tidades a-políticas, e permittindo a sua organização
exemplos disso, porque, em relação a varios acon· livre e plural dentro de cada profissão, o Estado Ji.
tecin1entos da política brasileira, podemos repe· bera! incorreu no mesmo c1·ro etn que havia já in·
tir a grande e eterna phrase: "ha entre o céu e a corrido, em relação ao individuo isolado, que pas·
• terra mais mysterios do que -sonha a nossa vã phi· sou a significar, nas democracias o "cidadão-civi-
1050.t"Ud.
-1..:-" •• • co", cujas necessidades materiaes o Estado igno-
rava.
No caso dos syndicatos, deu-se o contrario: o
1 Estado abstrahiu das faculdades poüticas, para só
Consentindo na organização dos capitalistas de
..
t
um lado e dos operarias de outro; assegurando-lhes considerar interesses cconomicos. E, do mesmo mo·
o direito de guerra; abstcndo·se de intromctter· do co1no o "ho1nen1 civico" foi agir á revelia do Es-
se na organizaç.'io social, segundo uma finalidade tado, na conquista da subsistcncia, vendendo o vo·
preestabelecida; repugnando dirigir a economia, tx>, tambem o syndicato foi agir á revelia do Es-
porque acredita na utopia de Adatn Smith, o Esta· tado, nas conquistas po!iticas, deixando-se escravi·
do Liberal consagra o direito das classes de fazerem zar pelos lideres bolchevistas.
justiça pelas proprios mãos, attenrando, assim, con· E' que o Estado liberal esqueceu-se de que o
tra o principio fundamenta! que rege, no proprio syndicato tem, não só um caractcr economico, 1nas
Estado Liberal, as relações entre os individuas, por· un1 caracter ethico e uma funcção política. E te·
gue a classe é uma reunião de indivíduos os guaes mos o contrasenso liberal: ao cidadão: "deves votar
- 1 '
nao podem, dentro dclla, fugir ás sanções do Es· e morrer de fome"; ao syndicato: "terás repre·
tado. sentantes de interesses materiaes, mas não serás po·
Entretanto, o Estado liberal, querendo timi· lítico, porque não tens alma nem civismo". E' sem-
damente enfrentar o problema, não fez 1nais do pre assim o Estado liberal: não concebe os pbeno·
A QUART A HUMAN IDAD E 129
128 PLINIO SALGADO

menos em con juncto; vê as coisas de um modo in· auí f1ci~nte para as consequencias dos progressos
completo. t«l1111cos, torna-se um entrave ao systema das tró-
Dahi a situação creada pelo liberalismo syndi· ' u, r um mobiliario velho atravancando uma cons·
1rurção nova. Mas o Estado liberal..democratico
cal: o desenvolvimento mais rapido da evolução
marxista da sociedade. nada p6cle fazer, porque algumas leis eoonomicas
e financeiras do século passado o algemam oomple·

*
** tan1ente. O numdo soffre todas as crises, desde a
dos 1neios circulantes até á dos "chaurnages" e at·
A fraqueza e insufficiencia do Estado liberal·
maienamento dos stocks de mercadorias.
democratico manifesta·se em todos os sentidos e,
O recente discurso de Daladier na abertura da
principalmente, nas relações internacionaes.
1 Conferencia de Londres foi expressivo. Dimit1ui·
O mundo soffre hoje de falta de ordem. Em·
ção das horas de trabalho e unificação da moeda,
quanto a justiça em relação aos indivíduos isolados
propoz o primeiro ministro francez. A' primeira
é monopolio do Estado, a Economia é o monopolio
vista, é um remeclio simples; porque, na realidade,
de uma classe que se superpõc ao Estado.
não existe superproducção de mercadorias e sim
Os banqueiros é que governam o mundo.
incapacidade de poder acquisitivo. Facultada a ac·
A velha econo1nia, baseando·se ainda numa
quisição a milhões de homens hoje sem trabalho,
concepção estatica da moeda, não p6cle conter <>
parece evidente que a situação do mundo n1cll10·
dynamisn10 da producção, que a technica accelera
raria. Entretanto, a Conferencia de Londres não
numa progressão geomettica.
passou de tuna assembléa de mediocres, e isso pelos
E' o carro de bois querendo apostar corrida
rnotivos expostos por Oliveira Salazar, quando af·
com o autotnovel.
firmou que de nada valeria assentar medidas quan·
A organização financeira do mundo actual é
do os governos não têm autoridade para cumpril·as.
um contraste ridículo com a organização cconomi·
O mundo moderno está enfermo por falta de
ca. A moeda insufficiente para as consequencias,
autoridade. Por isso os movimentos das juventudes
da racionalização e taylorizaçáo das industrias, in·
130 P LINIO SALOAOO
A QUARTA HUMANIOAD B 13 1

' da Inglaterra, de Portugal, da França, do Japão,


da Allemanha, da Italia, da Polonia, da China, da \ r 1 de ordem. Essa palavra é a mesma que está rea-
l indo o maior movimento do mundo actual, co-
Austria, da Suecia e Noruega, do Chile, da Argen-
mo extensão geographica e o mais profundo, como
tina, em favor do Estado Forte. Por isso, ainda, a
11i:nificação cultural e espiritual.
ultima crise na polirica franceza; o valioso de-
No limiar do século XX, alvorece a Civiliza·
poimento de Lloyd George, que declara 1norto o Ji.
• ç~o Adanrica. E' a v6z da A1nerica pela vóz da
bcralis1no; de Caillaux, de. Tnrdieu, de Boncourr,
Pntrin Brasileira.
que anuunciam a morte do estado libcral-democra·
tico. Por isso, ainda, a attitude recente de Roose- E' a Quarta Huma1üdade, que vae apparecer
11clt, tentando, nun1 supremo esforço e sem alicerce no Novo Mundo. Em 1914, antes da Grande Gucr·
• político preparado, impôr uma dictadura economi·
ra, Farias Brito propherizou o advento do Integra-
' oo-fi1lanceira, que tanta repercussão teve no mundo.
' !ismo Brasileiro, escrevendo estas palavras ( 1) :
"Ouve-se como que o ruído de uma musica distan·
te, a harmonia longínqua de um canto de guerra,
A VÓZ DA AMERICA LATINA como a annunciar a invasão de um exercito salva-
dor, em campo de batalha onde já con1eçavam a
E' o rythmo do século. Niío podemos fugir
Ia2er sentir os effeitos desastrosos da desolação e
dclle. Mas - e isto é o mais importante para n6s do terror, a previsão e certeza da victoria do initni·
- cmquanto os dcmnis povos se movi1neuta1n no sio. Despertam energias occultas que dormia1n igno·
sentido do Estado Forte, n6s vamos mais longe, rndas no fundo da consciencia".
porque desejnmos o Estado Integral, que co11teu1 Esse exercito são os "camisas-verdes", batcdo·
todas as forças e representa o equilibrio perfeito. rc~ cios Tempos Novos, annunciadores da proxima
O Estado Forte é a transição parn o Estado nlvorada humana.
Integral. Um dia, a Europa virá' aprender com o
Brasil.
Do Continente Sul-Americano sahirá a pala-
(1) "Mundo interior".

III PARTE
1

• • Pelo destino do Brasil • O sentido optimista


da obra de Machado de Assis • A Resposta
da Atlantida


r

• PELO DESTINO DO BRASIL ( l)

Destino dos povos, vontade desconhecida, que


1
ages no fundo das E'ras, através das transf-ol'mn·
• ...
.. ções numerosas e constantes do Espírito do Tcrn·
po e das physionomias da Terra;
Força providencial, que determinaste ns mi·
grações das raças e tangeste nações cm 1narchas
de conquistas, fundando as rdigiões e estabeleccn·
do os impcrios;

(1) F.stn o:ot~o foi hd• na Radio Educadora Paulist• e


n·nb1icada no Correio Paulistano", cn1 1926. Elia c011tcn• o
j,

pens:'lntt.nto que esbocei e111 1928 e1n discursos 11a C:intarn dos
íJeputado3 de S. Paulv ç na conferencia que íiz en1 llibcirtio
l'r<:to, sob o tilulo "O hon1em do Brasil"; <-1ue c·nnuncici na
1;i can1pl\nha chn111ntla u yerdamarcljsta " ; que fixei melhor no
n11r.iíesto que J'Cdiai paro a Legião Re~·o!ucio:taria en1 J!)Jl:
r1t,10 toniei dcfinitiYa111tnte 11it!do JlO manifesto ele outubro"
f(

1 01 que lancei o inlcrraJisrno t-tn 1932. E' o tn(Stno penq,men·


1u que inc absor,·c e quç c.slí. 1,=-~sa1tt ern todos os meus li\'ros.
f~ti. oraçlo cabe pt.rfc.itammte 11c1tas pagin~1 e SU\'e para c~ta
lM son~bria qut só os incouscitntes náo ptrtebem.
136 PLJNJO S/.LGADO A QU ARTA HUM/.N!DADE 137

Tenhas partido da Asia, ou hajas alli renas- nas guerras das religiões; na epopéa das descober·
cido da morte de civilisações millenarias, és tão tas illuminando o caminho dos navegadores; no des-
eterna como o roteiro dos astros, e és agora tão vi- bravamento das mattas virgens dos continentes vir-
va no nosso amargurado século XX, como estavas gens; nos rios de sangue da Revolução Franceza; no
presente quando nasceram os primeiros deuses. grande sonho romantioo do século passado; nas
Destino dos povos, revelado na ancia de des· descobertas scientificas, que vieram do 1nachado
truir dos exercitos de Tan1erlão e de Ca111byses, de de pedra á época do radio; e chegaste, até nós, nes·
Gengis-Kban e de Atila; ou annunciado na febre te momento angustioso para a sociedade contem·
das construcçõcs que deixaram no Egypto, em Ba- poranea ...
bylonia, na Grecia e em Ro111a, os signaes das gran- Tu, Destino dos Povos, dá ao Brasil, o seu
des épocas ... instante de affirmação, proporciona-lhe a hora da
Tu, que conduzes os povos, que modificas as sua palavra no Mundo.
cartas geographicas, que derrubas e ergues os ry-
ranos, que opprimes as multidões cm obediencia AS FORÇAS INTIMAS DA NACIONAL!·
a teus secretos desígnios, e, como as opprimes, as DADE
elevas, na gloria das civilizações.
Tu, Destino Mysterioso, que conduziste, pelo Que missão estará reservada a esta grande
deserto, Moysés e o seu povo, dando-lhes agua e Patria? Que contribuição trará ella á Humanida-
1nnná, mas, sobretudo, offertando-lhes a delicio· de do Futuro? Tudo nos indica que se desafoga·
sa dadiva da esperança; tu, que estiveste presente rão em nós, e aqui desapparecerão, todos os odios
de raças ou de religiões, de classes ou de nacionali·
. -
cm todos os te111pos, na guerra ou na paz, na destruí-
çao e na construcçao; nas catacumbas de Roma· dades, e um typo de hun1anidade melhor poderá
no anoitecer do i1nperio latino; no lusco-fusco da' surgir na Terra Jovem.
Edade Media; nos laboratorios dos alchunistas· nas E' preciso, entretanto, para que um dia tenha·

meditações dos philosophos; nas rivalidades dos reis; mos o dom da palavra, que não deixemos aqui pre-
138 PLINIO S ALGADO A Q 1J ARTA HUM A N 1 DA DE 139

dominar nenhuma das feições já definidas da ve- tar intimidar o passo de sete-leguas, de Raposo Ta·
lha civilização que ngoniza, depois da Grande Guer- vares, descortinador de horizontes ...
ra, porque o seu cyclo está definitivamente encel'· Então, a meiga ingenuidade do índio, raça in-
rado ... fantil c1n pern1anente communhão cosmica, raça
E' necessario que o brasileiro se expanda de constituida de homens-arvores, virginaes nas suas

' forma que não se annullem, sob as influen.cias cos·


mopolitas, as forças intimas qiie estão no recesso
do seu espírito e são a garantia da sua propria per·
in1pressóes e nos seus raciocinios porque vinham
agora mesmo da terra, misturava-se á onda negra
trazida das florestas da Africa no bojo dos navios,
sonalidade. para reiniciar o dialogo de Cham com seus irmãos,
interrompido na Asia, depois do Diluvio. E o bran·
co arremessou de si todos os preconceioos para abra·
A CONFR-ATERNIZAÇÃO DAS RAÇAS
. -
çar seus 1rmaos.
Nós somos um povo que começou a existir
desde a morte de todos os preconceitos, quando as
•••
ires raças se fundiram, irmanadas, no exercito seJ. Nossa Patria nasceu da confraternização das
vagem de negros, de indios e de brancos, na aven- raças, das grandes nupcias historicas que fundiram
tu~a guerreira de Camarão, Negreiros e Henrique numa só aspiração ·e num só sentimento as tres hu-
Dias. Ao casamento dns tres raças presidiste 6 manidades. Dahi, talvez, a origem do temperamen·
Destino Eterno dos Povos, sob a forma de todo; os to brasileiro, do nosro genio hospitaleiro e meig~,
soffrimentos, na lucta bravia contra a Natureza pacifico e bondoso; da nossa sensibilidade langui·
trahidora; na conquista, palmo a palmo, da terra da e doce; dos nossos costu1nes suaves, da nossa. ca·
que suou o ouro de Minas Geraes; e derramou es- pacidade para o sacrificio. Deu-nos a conq~ta
meraldas como lagrimas verdes, nas mãos de Per· da terra o habito da lucta, o destemor dos perigos,
não Dias; e ergueu-se eriçada de catadupas, de on- a coragem persistente; porém, a fusão das tres ra·
ças, de insectos letaes, de flcxas e tacapes, para ten- ças iniciaes ensinou.nos o amôr da humanidade, e
140 PLINIO SALGADO /\QUARTA MUM/\NIDADE 1-+I

• de ral modo ampliou a nossa possibilidade de amar remos nas canôas vagarosas dos largos rios, - nós
que ~eante desse sentimento, ruiram todos os pre·' bem o sentimos, - possuem a mesma alma, porque
conceitos, todas as prerogativas, como deixaram de mysteriosas forças, que vieram desde as pri1neiras
existir todos os odios. Povo criança, não conhece· transfusões de sangüe, trabalham se1n o perceber·
mos ainda os rancores que separam as nacionalida· mos, pela unidade do espirito brasileiro.
des velhas e crêam antagonismos de cultura e cbo·
qucs permanentes de doutrinas, de religiões ou de O RUMOR DAS MARCHAS IGNORADAS
politica. Estamos na nossa infancia, e, ao oll1ar·
mos para a nossa brava historia, sentimos a mesma As correntes immigratorias, que nos procuram,
origem de soffrimentos, e verificamos que todo o terão de renunciar o Passado, condição que foi im·
nosso patrimonio custou o esforço commum dos posta aos nossos avós, quando pisariun a terra ai'.':·
nossos antepassados. Nada nos separa. A nossa ricana. B nós devemos acolhel·as, sem nos sUJCl·
gcographia, escreveu-a o branco, com nomes indi· tarmos a quaesquer imposições que tragam o cunho
genas, e consolidou-a com o suor do negro. Nosso de velhos prejuizos europeus, ou que tenham em
idioma foi amaciado e reuniu cabedaes de expressão mira perpetuar, dentro de nossa Patria, feições na·
oriw1dos da selva a1ncricana e das florestas da Afri- ciortaes estrangeiras. Assim, nosso espirito nacional
ca. O nosso apêgo á terra é tão forte, no extremo deve estar alerta, para que um_cosmopolitismo no-
Amamnas, onde o tapuya contemplativo ouve o civo não venha retardar a palavra que ao n~'lsil
segredo cochichado das Yaras e da Cobra Grande, compete dizer um dia ao mundo.
qua~to ~o extrcn10 patnpa, onde o gaúcho galopa a A Ti, Espirito Immorta!, que presides aos des· '
sua 1nqu1etude DO rastro luminoso dos boitatás das tinos dos povos e que tantas vezes renovaste a face
coxilhas. As populações pastoras de Minas Geraes da Terra, não deve ser extranho esse rumor sur·
o garimpeiro do Araguaya, o homem do café ou d; do das marchas ignoradas da nossa Nacionalidade,
herva matte, os que trotam tangendo tropas em lon· esta inquietação dolorosa do Brasil Pr~sente, que
gas estradas, ou se conduzem ao rythmo longo dos desperta num momento tão angustioso para a V e·

f P'
.Jl
A QUARTA HUMANIDADE 143
142 PLINIO SALGADO

l
lha Humanidade. As gerações detentoras de uma APELLO A UMA NOVA GERAÇÃO
cultura importada ,que nunca representou a reali·
Entretanto, Geração Nova do Brasil, cumpre
dade nacional, não comprehenderão jainais este af.
encetar a grande obra de affirmação brasileira.
flictivo instante de procura de nós mesmos, este
E' o terceiro cydo historico, a terceira batalha a
despertar de energias no nieio das duvidas.
vencer. Vencemos, no Passado, a ficção politica
européa do Tratado das Tordezilhas, conquistando,
palrno a palmo, o territorio; vencemos a Santa AI·
liança, oonsolidando a nossa Independencia Politi·
Destino dos Povos, qual será o nosso destino?
Que eternos designios nos fazem passar por esta pro·
ca. E agora nos cumpre vencer a mais decisiva das
batalhas, que é conquistar o direito de ter physio·
l!
vação, que é o despertar da Nacionalidade, car· nomia propria, de ser alguma cousa no mundo, de 1
regando, como Zarathustra, um cadaver ás cos· representar um papel na I-l11111a11idadc.
tas? Que faremos de todo este patrimonio cultural E' doloroso contemplar-se o panorama brasi·
que tem o peso de tantcs seculos e que nos quer leit10 neste momento: os espiritos estão separados,
• esmagar? E, si a carga é pesada, e si cheira a mo· quando, deveriarn estar, mais do que nunca, unidos
fo e a 1norcc, como enfrentar, corn clla, i.tnperialis· para a grande obra; impera nas cidades um cosmo-
mos de doutrinas, imper·ialismos cconomicos, costu· politismo dissolvente; embriaga111-nos os prazeres
mcs, habites, aspirações adventícias, influencias da de uma civilização materialista, que nos inspira a
sensibilidade dos povos decrepites? Con10 poderá ambição pessoal e ensina, como o mais bello cami·
• 1
além do mais, marchar o Brasil com animo e fé, si nho do triumpho, o caminho mais curto. Esquece·
u111 gelido sccpticismo nos paralysa, si uma educa· mo-nos de que seremos indignos da Humanidade,
ção materialista restringe as nossas aspirações quo- si não cumprir1nos uma missão que nos cabe; e, cs·
tidianas a un1 circulo de interesses pessoaes? quecendo, acceitamos todas as expressões da civili·
zação extrangeira, copiando sen1 cessar, contrarian·
144 PLINIO SALOADO A QUARTA HUMANIDADE 14S

do tendencias proprias para que pareçan1os um po·


A BATALHA DA MOCIDADE
vo de refinados. Timbramos em mostrar-nos co·
nhecedores da geographia, da historia e da litera- Esta batalha será vencida, custe o que custar.
tura dos outnos povos, porque s6 assim pareceremos E' que ru, 6 Destino dos Povos, estás, mais do
cultos e civilizados, não nos lembrando que nos ve· que nunca, presente na angustia da Nova Geração
lhos paizes os homens mais representativos ignoram Brasileira. E' que estás presente em toda a ex·
até o nome da capital do nosso pai.i:. Orgulhamo- tensão do paiz, na lucta do cearense contra a in·
nos de mostrar ao cxtrangeiro a cidade 1nais illu· clemencia da terra, voltando a cada anno para o
minada do mundo; porém o immenso paiz é para theatro do seu eterno martyrio, com energias que
n6s uma grande noite, porque nelle nada queremos se renovam a cada sacrificio; na irrequieta caval·
enxergar. gada dos entreveros nos pampas do Sul; na auda·
E' no meio dessa sociedade futil, no meio des· ciosa força paulista; no estoicismo do tapuya asso·
ses letrados que conhecem o grego e o latim, a his- berbndo pela selva an1azonica; no garimpeiro, no
toria das linguas e os dassicos, desde Sophocles a •
vaqueiro, no boiadeiro e no tropeiro, no carreteiro
Racine, mas que ignoran1 con1pletan1ente a reali- e no peão indomito; no caiçára, no negro, no cafuso
• dade nacional; no 1neio das correntes immigrato· e no caboclo, nessas grandes reservas nacionaes.
rias, que trazem para aqui, oomo uma projecção do E' que accendes o teu fogo immortal, Desti·
Velho Mundo, feições que tentam conservar; e é, no dos Povos, no risco phosphoreo do Boitatá, nas
sobrerudo, deante de uma Nação plena de elemen· fagulhas da Mãe de Ouro, na brasa do cachimbo
tos de affirmação, mas abandonada pelas classes do Curupira e do Sacy, nos largos sertões, como
cultas, que a Nova Geração Brasileira, tem de tra· ai fôsse a propria aln1a do Brasil, ignea e palpi·
f balhar, reunindo todas as forças da Nacionalidade tante.
que nella residem, para completar a obra dos nossos Vieste da nossa Historia, vives na nossa ter·
.
maiores. r11; és a 1neiguice das 1nães brasileiras, és a bondade
Jo rude homc1n do Brasil. E's o rythmo das nossas
146 P l 1N JO S A LC A OO

canções tristes, és a volupia dos nossos maxixes e •


c3terctês, compasso rragioo dos sambas, vóz de vio-
las, de urucungos, nas noites quentes dos tropices.
E quando o jangadeiro affronta as ondas do mar
bravo, ou quando o caudilho rompe as florestas,
na marcha guerreira, e o jagunço can1peia o novi·
lho nas disparadas pelos a~ys1nos das caatingas, cs·
tás presente, ó Espfrito Imn1o0rral, que u·aças os des·
ti11os dos povos sobre a face da terra.
Por isso, a Geração Nova do Brasil não teme
O optimismo na vida de Machado
fracasso na sua lucra, porque clfa está procurando
interpretar todas essas vózes, todos esses rumores, de Assis (1)
signaes de presença de um povo, para que consti-
• tuam um dia a vóz dara e definida do seu grande
paiz.
• Destino dos Povos, arraza-nos com um cata·
clysma, si tivertnos de ser, com tudo isso, mu povo
tl'ibutorio; si tivermos de ser un1 ngglomerado de
advcnticios; si tivermos de legar aos nossos descen-
dentes um cxen1plo de passividade, que é uma trai· •
ção ao sacrifício dos nossos an tcpassndos.

( 1) ]•~"' 1·1ns de 1"31


.,. ' foi l'do
· este trabalho na Acndemia
1 ..
li '' clt°' Letras F.lle desdobra o panoran1a tragieo da < «.rc
1 • dr unla g~açlo, da Cristcza e decadencia das forças ti·
1 1..a 1 ia1 noss.1 P"tr .3 · Nas vcsperas da grande· alvorada,
! li
1 l na rcn1"mora.r o crcpuscuk> .cinzento d~ d•.t <e On·
1 •t•• Pll i"ª' csclarec:e:n o sent·do d".s1e l1n o.


O dia 7 de setembro de 1930 amanhecêra cin·
t~nto sobre os quarteirões cinzentos de Paris. Che·
11avnm·me aos ouvidos os nlesrnos pregões rnatinaes
rle todos os dias, e, ao sahir á janella, o meu "arron·
disscment" que se extendia na enc,osta de Montmnr·
rre, offerecia·me o aspecto habitual do "square"
Montholon, com as suas arvores, as suas crcanças,
us velhos frequentadores, de capotes coçados, em-
litbidos na leitura monotona dos jornaes. E, en·
rrrtanto, para mim, era um dia de festa, uma data
~ rujo prestigio eu não podia fugir, embora sentisse
11n proprio ar cosmopolita de Paris a atmosphera do
1'•intincnte, onde agonizava uma civilização. Aguei.
l1 dvili1.ação, que declinava em todos os paizes da
1 11rC\pn levaria, por certo, com o seu desappareci·
111rnro, vclhae- concepções de Patria e de Naciona·
h lide; o conceito classico e theocratico fôra já ven·
1 i.ln t'l'ln idéa lyrica da soberania, que illuminára os

111 •nno1 de democracia liberal, e esra cedia ter·


150 PLINIO SALGADO A QUARTA HUMll~IDADI! 151

reno ao primado absoluto da Economia. A Pa- 1 udcularcs; mas as emoções geraes, consciencia de
tria política era, realmente, uma idéa convencional, 1111egraçáo no todo coUecrivo, rytluno nacional de
alimentada pelo interesse do capitalismo cm manter vida, communhão de costumes, tendencias, aspira-
sobre os alicerces da n1entira da "vontade geral" a ~ocs, defeitos, esperanças, modos de ser, physiono·
contradição monstruosa do seu regime. Diante do mia intima. E tudo isso constituía a Parria, mais
p1·oblcma universal dos desocupados, do espectaculo
profunda e tnais humana do que o formalismo cxe·
de esplendor e de miscria âas grandes n1etropoles, cravei da "vontade geral", 1nais subtil do que o a111-
eu não podia n1ais comprchcnder essa oonccpção de plo conceito absorvente da jurisdição polidca. Cum·
Parria que a Revolução Franceui nos legára, fur· pria dar u111 sentido novo á idéa da Patria brasilei·
tando-nos á disciplina do espirito, para sub1netter ro, um sentido proprio e bem definido.
a humanidade a uma minoria detentora dos meios
de producção e de circulação das riquezas. Entre-
MACHADO DE ASSIS E AS GERAÇÕES
tanto, naqueUe dia 7 de setembro, na indifferença
DO BRASIL
da paisagem urbana que Paris 1nc offcrecia, eu inti-
mamente ia sentindo que amava o Brasil ...
Esse o meu pensamento, na manhã de chum-
bo de 7 de setembro, quando u1n amigo, co-csta·
••• cluano de São Paulo, veiu procurar-1ne para os abra·
ços e as congratulações do dia. E resolvemos fes·
Eu n5o o tomava atrav~s do conceito f'Orma1 tcjnr a data, lendo Machado de Assis.
da sua republica burgueza; o Brasil não era Abri, ao acaso, as "Me111orias posthun1as de
para n1im, tambem, o vasto rerritorio desti· Braz Cubas". E surgiu a pagina do "Delirio". Co·
11ado a uma larga utilização e socialização
1nccei a ler cn1 vóz alta. Queríamos sentir a nossa
de benefícios e, sim, alguma cousa mais, que vivia
trrra e estavamos nos envenenando. A leitura pro-
no meu coração e estava sempre no meu espirita. 1cg11Íu. Machado era uma affirmação da intelli-
E niio era unicamente a reminiscencia das emoções
11rnc1R brasileira, que nos orgulhava, sob o céu ex-
152 P LINJO SALGADO A Q V ARTA HUM A N 1 DA D I? 153

trangeiro. Mas o philtro nocivo ia calando, como


si a propria alma do céu cinzento penetrasse com
•••
as suas sombras tristes pela janella aberta para o Porque capricho do accaso foramos abrir Ma·
"S9uare" quasi silencioso, onde havia velhos melan· chado de Assis exactamente nessa pagina? O dia
colicos curvados sobre seus jocnaes e governantes era de festa interior, para nós. Queriamos sentir o
\ conduzindo em berço de rodas creanças que vinham Brasil, que o nosso grande compatriota soubera ma·
olhar mudamente as arvores, E o delicio de Braz gistralmcnte surprehender em tantos flagrantes de
Cubas. A angustia suprema do niinuto diante da costumes e en1 tantos traços da nossa psychologia
eternidade. Machado de Assis fallava: "A jorna· de povo. E, no entanto, tinhan1os alli a vóz univer·
da entrou a parecer-me enfadonha e extravagante, sal de un\ escriptor extrangeiro, que nada tinhe com
o frio incouunodo, a conducção violenta, e o resul· o Brasil, que estava cheio do espírito nmargo do
tado impalpavel". "Ecclesiastes" aggravado pelo fél que distillou do
(E nós tinhamos sonhado, pouco antes, dar flanco do experimentalismo scientifico do séci..lo
uma finalidade ao Brasil! T inhamos pensado em XIX. E como aquillo nos acabrunhava!
trabalhar, em construir ... ) . "Os séculos desfilam num turbilhão" - con·
"Pobre minuto!" exclamava Machado de As- tinua Machado - "e, não obstante, porque os olhos
1 sis pela bocca de Pandora - "Para que queres tú do delicio são outros, eu via tudo o que passava
mais alguns instantes de vida? Para devotares e se· diante de mim, flagelos e delicias, desde essa cousa
res devorado depois? Não estás farto do espe· que se cha1na gloria, até essa outra, que se chama
ctaculo e da lucta? Conheces de sobejo tudo o que miseria, e vac o amôr multiplicando a miseria, e vac
1 eu te dei de n1enos torpe ou tnenos afflictivo: o ai· a miscria aggravando a debilidade. Ahi vinhanl a
vor do dia, a 1nelancolia da tarde, a quietação da cobiça que devora, a colera que inflanuna, a inveja
noite, os aspectos da terra, o somno, emfim, o maior que baba, e a enxada e a penna, hUJnidas. de s~r, e
beneficio de minhas mãos. Que mais queres tú, su· ,1 ambição, a fome, a vaidade, a melancolia, a r1que·
blimc idiota?" ,~, o amôr, todos agitavam o homem, como um cho·
15+ PLINIO SALGADO A QUARTA H UMAN IDA D E 155

calho, até destruil·o, como um farrapo. Eram as voluc;ão, aquelle rapaz era um dos mais enthusias-
fónnas varias, ele um mal que, óra 1nordia as vis· tas. Agora, elle se levantava irritado, afflicto, ell·
ceras, óra mordia o pensamento, e passeava eterna· tregando-me um volume que apanhara de sobre a
mente as suas vestes de arlequim, ern dertcdor da mesa. "Leia isto". Era o vo1ume d, "Os Sertoes " ",
especie humana. A dôr cedia algu111a vez, mas ce· de Euclydes da Cunha.
dia á indifferença, que er3: um somno se1n sonhos,
ou ao pra:i:er, que era uma dôr bastarda. Então, o A GRANDE BATALHA
homem flageUado e rebelde, corria deante da fatali·
dade das cousas, atraz de uma figura nebulosa e Então, eu senti todo o drama da minha ge·
esquiva, feita de retalhos, um retaU10 de iinpalpa- raç.'ío. Nós, de trinta e poucos a~nos, crar~os a ge·
vel, outro de imp110vnvel, out ro de iuvisivel, cosi- ração que lêra Machado de Assis. Que lera Ana·
dos todos a ponto prccario, com a agulha da ima- tolc Francc. Que se estylizara oom Rnea11 e accres·
ginação; e essa figura, nada menos que a chime· ccntára á peçonha do satanismo o toxico do n~·
ra da felicidade, - ou lhe fugia perpetuamente, ou turalismo. A geração que passára por todas as ph1-
deixava-se apanhar pela fralda, e o homem a cin· losophias, para regressar com um sorriso de desil-
. ao peito
gra . ... ',
lusiío e desencanto. A geração que encontrava a
Páral Piira! gritou angustiada a vóz •ua predecessota preoccupada com as formas ver·
do meu amigo. Isro só com uma bala no ou· h.1cs da litteratura e satisfeita com as formas syme·
vidol " 1dcas de um regimen político absolutamente alheio
O lhei-o e não pude deixar de sorrir. Blle con· 1 vida real e ao espirito da Nação. E que teve de

tava vinte e quat ro annos, era já uin conceituado , rnrer em si mesma o scepticismo que lhe deixára
pintor da nossa terra, cheio de sonhos para o futu· ., " Braz Cubas" e 0 "Qumc~ Bo~b~'', o diletan·
1
ro. Nas confabulações em que uma turma de jovens 11 1110 que lhe deixára a poesia off1c1al, o commo·

brasileiros gastava longas horas nocturnas, a dis- ,h mn que isolou os intellectuaes da vid;i da Repu·
cutir os problemas do Brasil, a idear utna grande re- l•ho U1na geração que via a sua precedente es•

156 PL I N J O SALGADO 157


A QUARTA HUM A NIDADll

tiolada á superficie dos problemas fundamenraes gurando a silhueta espiritual do pae de Phelippe,
do p.iiz. E que, principalmente, julgava tudo inu·
pe rsonagem do seu ultimo romance. "Por aquelles
til, com um sorriso amarello que lhe vinha da amar· tempos" - escreve o notavel creador de "Cana;ui"
ga philosophia do escriptor maximo da sua época.
e da "Viagem Maravilhosa" - te tres mov1me~to,• •
Depois de remover todos os escombros de um libertarios coincidiram no Recife. Nenhuma c1da· ••
j periodo de artificialismo verbal, de inconsciencia
dé brasileira teve tal previlegio. O ~aiz. inteiro e~­
politica e de scepticismo philosophico, demonstl'an· tava agitado pela abolição e pela asp1raçao re~ubh­
cio que a prosa de Ruy Barbosa não tem profundi·
cana. A estas duas correntes políticas .e se.ntune~·
dndc, e que os sonetos parnazianos não têm expres·
taes veiu juntar-se no Recife a emanc1paçao espt·
são humana duradoura por lhes fakar sentimento,
ritual. Miranda, adolescente foi abolicionista, re·
côr e rythmo da terra e da raça, e que a liberal-de·
publicano e monista. Era 3 libertação integral. ~
mocracia não passava do Estado sem finalidade,
idéas tornarrun-se sentimentos e o estudante attin·
descobriamos entre outtos grandes valores nacio·
giu ao absolut10 da paixão moral. Libertou escra·
naes, a figura de Eudydes da Cunha.
vos acoutou cm sua pobre "republica" negros fu-
E o gcnio de Machado de Assis não escapára gid~ e os fez partir nas barcaças libertadoras. ~IU·
1t noss.i furin de geração vingadora e precursora. Eu pirou contra a monarchia, escreveu ~la. Republica.
tinha, n~orn, nlli, o fructo da no~sn cnmpanha, na Venceu o terror religioso, negou o direito natural,
prcdilccç:ío do meu amigo, que j& pertencia á mais comprehendeu a relatividade que determina a e;o·
recente das gct'ações nacionaes.
lução juridica. Repetiu a these famosa ~e ~ue so o
monistno dá o verdadeiro conceito do d1re1to. Re-
A GERAÇÃO DE CABELLOS BRANCOS cife, chato, longo, com o piotoresco dos rios e pon·
tes Recife de mar quebrado, de luar espectral, ex·
Nós, que fizemos a revolução !iteraria de Após· haÍa esses fógos f:ítuos da intelligencia, que percor·
Guerra, tinbamos sido precedidos por aquella ge· riam 0 p.tiz, e levavam aos reconditos obscuros phos-
ração da qual Graça Aranha traça o perfil, confj. phorescencias sublimes".
158 PLINIO SALGADO A QUARTA HUM A N 1 DA O E 159

. i:issa exaltação libertaria, que Graça Aranha phicos, ás polcmicas no terreno do direito e da so·
glorif1ea com essas palavras, é exactamcnte a fonte ciologia, e até mesmo a politica jamais o interessou;
d~ todos .ºs males brasileiros, a origcrn da indisci· e, e1nbora Alberto Torres assegure ter possuido o
phna da mtefligencia, da complexidade confusa da grande mestre unia arguta percepção dos nosros pro·
exprc~são geral da nossa mentalidade. Foi aquella blemas, Machado de Assis não se enthusiasmou nem
geraçao exactamente que, julgando-se a mais jovem pela Abolição, nem pela Republica, nem pelas novas
e a mais forte de todas, ettvelhcceu de subito o concepçócs sociologicas. Viveu uma vida interior e
l3r~sil. B, no crepusculo doloroso dessn velhice no viveu, principahnetire, em função da sua mcdiuin·
meio do desconjunctamento das peças funda~1en· . nidadc. M ns tenho quasi cotno certo que, 1nuito
taes da estructura brasileira, da dissociação de todos 1nais cio que o amargor do Ecclesiastes, 1nais do que
os traços iniciaes da harrnonia do lineamento de as influencias de Montaigne, Swift, de Sternc, de
uma physiono~ía n~cional propria, na decrepíruqe Meriméc, que nelle quizeram ver os biographos e
pre1~1atura da mtel11gencia, o velho Machado de os critioos, Machado de Assis, com as antennas do
Ass~s avultou oorn o prestigio supremo de um gran· seu genio, soffria subconscientemente a pressão da
de interprete do scepticismo da sua gente. alma brasUeira do seu tempo, deslocada do seu pia·
no natural, deformada pela transplantação de um
estado de espírito que não respondia ao nosso bar·
ORIGENS PROXIMAS DA l)IiCOMPOSI·
baro caracter de povo nascente e sem a capacidade
ÇÃ.O DRASDJ:!IRA
de resistcncia dos paizes de longa historia. Aquillo
n que Graça Aranha denotnina cmphatica1nentc
Chamam a Machado de AssL~ a "flôr cxotica
da cultura brasileira", e, encarado sob certo po t "phosphorescencias sublitnes" eran\ signaes de de·
1 d . li 110 oomposição pre1natura de unia geração que não
e vista, e e o foi. Mas nós precisamos tornar o
phcno~ieno Machado oomo um genio que traduziu nprchendera o sentido da terra e não fôra capaz
o. senrido de uma época na histori'a d o esptrito
.. na· de lançar os fundamentos de uma cultura genuina·
cional. Dlle sempre foi alheio aos debates philoso· mente nossa.
-
• 161
l 60 PLINIO SALOADO A QUARTA HUMANIDADB

O estado de espirito dessa geração não era ·


negocios cqu1vocos. Uma materialidade absoluta
optiinista. Continuava a constituir aquella timidez unia sol1'd anamente
. moços e velhos" -
a que Euclydes da Cunha se refere no prefacio aos
"Poemas e Canções" de Vicente de Carvalho em O CHOQUE
relação aos poetas satanicos ou byroneanos. A~uel­ Realmente, essa "n1acerialidade absoluta", que
les, ao menos, foram revoltados. E esta geração, "unia moços e velhos", era a consequencia logica da
agora, era sceptica. Todo o movimento de liberta· concepção scientifica da existe11cia, agindo sobre o
Çiio conduziu a intelligcncia brasileira n um plano nosso tcrnpcran1c11to tropical e cheio ainda dos ves·
de escravidão sob o imperativo scientifico, o impo- tigios das raças selvagens. Faltava ao Brasil, um
sitivo do determinismo, que embebedaram todos os sentido de finalidade, clara e definida. Na auscn·
cerebros, até ao lethargo das indifferenças glaciaes eia della, cahiamos no pessirnismo de Machnclo ~e
e os delirios dolorosos de Braz Cubas. Assis, indice de toda a angustia de um povo desvia-
Quando o proprio Graça Aranha, que exalta do do seu curso normal na historia.
o movimento espiritual daquella ger.- -~ >, descreve Quando publiquei o meu livro "0 extrangei·
o quadro doloroso que antecedeu a Revolução de ro", senti o grande choque de duas gerações oo meu
1930, clle proprio nos offerecc a conscqucncia des- espírito. A figura de Ivan procedia ainda do mal
se periodo de dis5olvencin 11ncionn l n que o Estado de antes da Guerra; e Juvencio era já o retorno ao
ngno\tico a1sistiu de braço3 cruzados. "A mocida- seruimento da terra e da raça, esboçando urna fi.
de"- diz clle - "esteve no Brasil longo tempo ser- nalidadc. En1 redor de mini, eu vi crescer os 1no·
vi.!, dando tristes signaes de decrepitude. Elia esta· ços de 1ni11ha idade, realizando oom suas obras o
va na indole11cia e formava na clientela dos politi· mais notavel movimento intellectual da America do
cos. Não era mais a mocidade desinteressada, que Sul. Tinha ainda wn carl\cter de libertação, como
fez a Abolição e a Republica, era u1na massa indi· aquelles da geração que nos precedera.
gente e miseravel, viciada pda volupia e procuran- Mas agora, queriamos nos libertar da liberda-
do o dinheiro no jogo, nos empregos publicos, nos .J, 1 da indisciplina, de todos os falsos caractéres que
162 PL JNIO SAL G ADO /\ Q V /\ R T /1 H lJ M /\ N 1 D A D E 163

revestiam as nossas expressões de cultura !iteraria r • uros dos destinos do seu povo. Esse homenl ex·
e politicn. Acreditavamos já e1n alguma cousa. trJordinario, já em 1873 tem uma comprehensão
Acreditavamos, por exemplo, no Brasil r racta das possibilidades de affirmação de uma Pa·
A revolução !iteraria determinou a revolução cria. "Quem exan1ina a actual literatura brasilei·
politica. De Alberto Torres, exduiamos os prejui- ra" - escreve o mestre - "reconhece-lhe logo, co-
t zos do tenlpo e serviamo·nos do seu processo de mo pdmeiro traçio, certo instincto de nacionalidade.
observação, De Budydes dn Cunha, regeitavarnos Poesia, romance, todas as formas !iterarias do pen·
o que havia de exhibicionismo scienrifico, e toma· aamente, buscam vestir-se co1n as côres do paiz, e
vamos a formidavcl e~pressáo da Terra e do Ho· não ha negar que semelhante preoccupação é symp-
mem onde residem "as grandes reservas nacionaes", toma de vitalidade e abono de futuro".
na expressão de Oliveira Vianna. Farias Brito tra·
Machado de Al>Sis é aqui o optimista. Blle crê
zia-nos a inquietação espiritual.
no seu paiz. Crê e traça UJn ru1no que s6 muito
Machado de Assis, que até então, no periodo tarde vem a ser adoptado. Elle fala em indepcnden·
agudo da iconoclastia, da revisão violenta de valo·
cin mental, com o rncsmo enthusiasmo com que nos
res, cstiver.R, não propria1ncnte condcmnado, por· referiamos a ella ern 1923, 50 annos mais tarde! E
que não tínhamos força para oondcmnar um genio, é com firnlc confiança, que elle, o chamado scep-
mas pelo menos e~quecido, Machado de Assis, na tico, o triste, o taciturno, se ilhunina de fé, de gran·
segunda phnsc, na phase constructiva que a nossa de esperança, escrevendo: - "Interrogando a vi·
geração emprehendeu, avultou de novo, como um • da brasileira e a natureza americana, prosadores e
espirito actual. poetas acharão alli farto manancial de inspiração e
irão dando phisionomia propria ao pensamento na·
UMA PROPHECIA dona!. Esta outra ind~pendencia não tem sete de
E é ahi que apparece o Machado de Assis bra· Setembro, nem campo do Ypiranga; não se fará
sileiro, o grande espirito que a Providencia illu_mi· 11'u1n dia, mas pausada1nc11te, para sahir mais du·
nou com a capacidade de devassar os nle3lldros tnais r~loura; não será obta de uma geração, ne1n de
164 PLINIO SALGADO J\ Q U J\ R T /\ li U .MA N 1 DA DE 165

duas; muitas trabalharão para ella, até perfazei-a 11rande medium da angustia nacional, produzindo
de todo". o "Ecclesiastes", brasileiro, que é constituído pelo
1
O MEDIUM DAS RAÇAS "Braz Cubas" e pelo "Quincas Borba".
No tempo em que traçava esse ru1no, que veiu ga· "Ecclesiastes" barbaro da terra jovem, enve·
nhar tão grande opportunidade em 1923, ( 1) Ma- lhecida subitamente, não é no humorismo inglez ou
chado de Assis estava ainda na sua primeira phase no aticismo da sua forma trabalhada como a phra-
de escriptor e de poeta e elle mesmo continuava com 5f de Luiz de Souza que eu quero encontrar o se·
vigor a affirmação da alma nacional, atravéz de gredo de seus effeitos. E' certo que n cultura deu a
seus livros. Seus contos têm um sabor profunda- Machado certas attitudes de exteriorização mental
mente brasileiro. Seus romances rcçumam a psy· ou verbal, e possivelmente influiu nos seus proces·
chologia dos typos apanhados oos flagrantes ria sos. Mas o que cu sinto etn Machado é a acção do
vida nacional. Suas poesias têm o sentido da Pa· meio ethnico, o in1perativo cosmic:o do paiz tropi·
tria, já nas "Phalenas", e culmina nas "America· cal, que puzera na bocca do .selvagem que pales-
na~"· A sua admiração por José de Alencar e, ttára com Jean de Lerry as palavras de Salomão:
notadamcnte, pelo cantor de "I J uca Pira ma" são - "Para quê?". O índio não comprchendia qual
altas expressões do sentimento brasileiro. Macha· o motivo porque os francezes, levava1n daqui tanto
do está no esplendor da sua mocidade. A ·sua as- páo-brasil. "V ocês", diúa o tamoyo philosopho
censão é glorio.o;a como a de um sol, através de suas "vocês, peros e luizes (portuguezes e francezes) ,
obras admiravcis que proseguem, até "Yayá Gar· são loucos". Era a previsão de um Karl Marx agres·
eia", ultimo degráo de sua juventude forte opti· te ou o lyrismo de un1 Sermão da Montanha, que j
mista, exemplo de trabalho e de fé. E é nesse apo· Christo punha na bocca do homem primitivo. Esse
geu que Machado de Assis começa a agir como o tom sardonico da raça tupy, a um tempo amargo e
(1) E1n J9ZJ íoi Q'Jc 1c processou o n1ovi1ncnfo liter~rio 111perior, funde-se em MachaUo de Assis con1 o sar·
ntod~rnista e hrilsilcirista, com Graça Aranha, ]\•(enotti del l'ic· r11smo do escravo africano; e o elemento aryano,
chia, Ronald de Cat'valho. J.1arJo de :\odrade, GtdlJ1erme de AI·
111cida, Cassiano Ric::ar<lo, e ou:ros. que entra no sangue do genio da nossa terra, dis·

'
166 PLINIO SALGADO A QUAR TA H UMA NIDAD B 167

ciplina-o com o senso logico de uma velha cultura. sim, pelos famosos methodos scientificos e experi-
O agudo senso da vida do homem brasileiro, nunca mentacs, o grande drama de mediumnidade que os
' se revelára tão prodigiosamente num só homem. Foi
nesse espirito, que a cultura poliu e policiou, mo-
homens índices representam. Um genio não é pro·
priamcnte u1n caso pathologico. A doença póde
delando-o ao rythmo exacto das expressões classi· influir para crêar meios propicios, para determinar
1 cas, que a alma da nossa gente fallou, como um certa feição dos instantes vividos. Mas eUa é menos
pheD0111cno de reacção ao ambiente philosophico · e uma causa do que um instnunento. Ha q11alq11er
scicntifico do século das supre1nas indisciplinas e cousa superior aos estados n1orbidos, que deternli·
dissoluções. na a utilização desses estados 1norbidos. A descar-
ga nervosa submettida a u1na disciplina e a un\ es·
A FORÇA l\1YSTERIOSA DO ENFERMO tylo, obedientes a u;na tendencia e oondicionados a
No fundo de Machado de Assis perrnanece o um modo de ser é phenomen~ mérainente adjectivo.
optimismo que elle revelava, quando escrevia pa· Não ha definições para o genio, nem catalogações
ra o jornal de Nova York, com tanras esperanças posstveis.
nurnn affirmação da Parria Brasileira. E' essa for· O genio é inexplicavel como o "absoluto"
ça que o equilibra nn 11i..Jn. é incomprehensivel.
E' c~sa crença que o sustenra de pé, n despeito Machado é um homem normal na sua vida,
de todas as amarguras que se elevam no seu tum~l­ exemplo de honestidade, de modcstia, de simplici-
tuoso sub·consciente, onde vêm falar ás vózes de dade, de trabalho, de dedicação ao lar, de a1nôr á
uma angustia que era n1eoos delle do que do seu esposa, de affeição aos amigos, pequeno bu1·guez das
tempo, da triste humanidade que assistiu o alvore- virtudes perfeitas e possuindo 1nuiro a tocante do-
cer do século X X. çura dos costumes brasileiros. E' o exemplo para
Attl'Íbuetn á enfermidade de Machado o seu o~ moços que Ruy Barbosa aponta nestas palavras:
pessimismo. Mas o phenomeno desse cscripror é "Modelo foi de pureza ' e correcção, temperança e
muito mais complexo. Não é possível explicar as- doçura; na família, que a unidade e devoção de seu
168 l'LINIO SAJ, GADO
A Q U ARTA HUM A N 1 DA O E 169

an1or converteu em santuario; na carreira publica, acceitou de bom grado a disciplina social do t.raba·
f onde se extremou pela fidelidade e pela honra". E lho e foi o mais exemplar dos funcionarios. Elle
o Brasil vivia, ao tempo de Machado, uma época
concordou com a possibilidade da amizade, e culti·
que é ainda Ruy Barbosa quem define, qualifican·
vou amigos, inalteravelmente, durante longos annos,
do-:i "de lassidão e violencia, de hostilidade e fra·
até seus ultirnos dias. Elle acreditou na Patria Bra-
'1 queza, de aggressão e anarchia nas cousas e nas
idé11s". sileira e traçou para ella um destino literario, che·
gando a estabelecer tarefas, "não a uma, nem a
Machado de Assis, doente e dcbíl, trazia con· duas, n1as varias gerações", como affirmavn no seu
sigo mna fo1·ça que era aquella n1csma de que usá- artigo "Insti11cto de Nacionalidade". Elle cornprc-
ra, para galgar, vindo da pobreza e da condição hendeu a utilidade das instituições, fundou n Acn·
social mais obscura, o mais alto degrau da cultura demia Brasileira de Letras, e não descançou um
nacional. Essa força modelava o cidadão, o func· minuto em insuflar-lhe vida. E tudo isto não é opti·
cionario, o erudito, o chefe de família, e sustinha de mismo? E tudo isto não é sentimento de fé?
pé o enfermo, para que recebesse as irradiações mys-
Na propria expressão formal da obra de Ma·
terio.s.is de um estado de espírito que falava nelle,
chado, ha uma grande crença: a crença nas ex·
como um11 reJpo!l.1 da Ra\3 ao &cntido dn cultura
do século. pressões perfeitas, na correção, no rythmo. Pois
esse homem era uma suprema expressão de for·
ça consciente. E era essa força que tomava a onda
O l IOMEM QUE ACREDITOU tumultuosa de sua tragedia interior, crystalizando-a
nos livros, unpondo·lhe uma grande finalidade hu-
O que havia de consdente, de bem accordado mana: a finalidade da interpretação dos phenome·
en1 Machado de Assis, era o seu oprirnismol Elle nos, a traducção particular de um estado de espi·
conheceu o amôr e poude amar, e acreditou no rito geral, resultante das reacções culturaes do seu
ainôr. Elle imaginou uma obra !iteraria, iniciou-a tempo.
nn mocidade e não a abandonou até á velhice. Elle
Machado era fiel á verdade e nisso residia mai$
170 PL!NIO SALGADO A QUARTA 1-IUMANIDADB 171

uni signal de crença nesse espirito originalissimo. E geração, que para não negai-o, pôl-o de parte e que
a verdade, no seu tempo, era a duvida. Machado só agora vem examinai-o. E a sua figura resiste.
não fez mais que expôl-a, com sentimento racial, Resiste e ganha uma actualidade exrraordinaria.
embora sem intenção nacional, nos livros que mar- Nos dias cahoticos que vivemos, encontram·se ain·
1
cam a sua trajecroria de amarga philosophia. E, da varias gerações cujo raio de acção foi curto, ou
por isso, o chamado pessimismo de Machado de As· cujas actividades se affirmam numa co-existencia
sis não pertence a elle, mas foi um pessitnismo q11e decorrente da propria velocidade trepidante dos
passou por elle, conto passa a musica de Beetho- nossos dias precipitados.
ven ou de Wagner pelas mãos de um interprete ge- A geração que agitou o Recife, de 011de, no
nial. O nosso grande escriptor foi um "virtuose" dizer de Graça Aranha parrira1n "clarões phospho·
que interpretou o amargurado século XIX. O pessi-
rescentes" para illuminar o Brasil, foi a grande gc·
mismo de Machado é mais duvida que pessimismo; ração das supremas inconsequencias e das co11rta·
e nessa duvida existe menos audacia de indagar do
dicções sociaes mais pasmosas. Paradoxaltnenre,
que timidez em conhecer. Elle foi um tímido, di-
creou essa cousa absurda que poderemos denominar
zem os seus biographos. E essa tin1idez mesma é • experimenta
. I'', ou t•o
"o apriorismo da concepçao
preciso tomnr·se, não como cxprcssiio de temor, mas empiris1no com fundamento thcorico". Foi uma
como espirioo do seu tempo, em que Nietiche aberra
geração que estabeleceu a sua premissa e foi bus-
de todas os precavidas phHosophins coevas. Conto
car a conclus5.o numa outra premissa diffe1·entc.
é difficil o phenon1eno Machado de Assis! E
Foi a geração da liberal-democracia, absurdamente
co1no el!e é u1na expressão do com plexus nacional!
ajodhada diante da superstição naturalista e do
dogma scientifioo. A geração, que no dizer de Gra·
FI!VI DE SECULO E CREPUSCULO DE
NACIONALIDADE ça Aranha, rompeu corn o terror religioso, mas não
teve animo de systc1narizar esse rompunento em
Por isso ntesmo é que o autor do "Braz Cubas" princípios politicos definidos. A geração que creo~
I . .
cresce hoje dentro da nossa propria geração, desta a idolatria das formas consntuc1onaes, que o esp1·
• -QUARTA
172 PLINJO SA LG ADO A HUMA>llDAlll l '

rito divorciado da nacionalidade encarou se1npre sub-consciente de Machado de Assis, que o grantlr
como uma insignificativa lithurgia de 1nacumbas medium nacional traduziu nas expressões dos seus
politicas. Os institutos legaes passaram a ser con· proprios estados de espírito, nas auras do "grande
siderados como o ritual inoffensivo de uma religião mal" e nos instantes envenenadores de tcdio.
eictincta. E a Nação, que não teve a coragem de se
affirmar no sentido franco do scientifismo mate· A LIÇÃO DA DISCIPLINA
rialista, da concepção monista ·do universo, tam·
ben1 não teve n firmeza de se conservar dentro do Esse Machado de Assis, consciente, exacto,
espírito da tradição, da raça e dos itnperativos espiri·

1
tuaes da educação brasileira.
equilibrado, esse Machado de Assis a quem Alber·
to Torres attribuia a maior argucia en1 rclaçiio aos '
Essa geração vciu se crystalliz.ando no cultivo proprios problemas administrativos, esse fundador
das forn1as, até que, ao rebentar a Grande Guerra, da Academia Brasileira, esse oomem que acreditou
já não atacava os problemas philosophicos funda- na família e nos amigos, esse critico, que teve uma
1nentaes e se contentava con1 o culto da poesia par· visão tão perfeita dos verdadeiros c;uninhos a serem
naziana e da republica democrntica. Era a men· palmilhados pela literatura nacional, esse puro es-
talidade da indiífrrrnç:i, no '''ºl"'r lx·a1ifico dn· piritualista, que respondeu ao naturalismo de Zola
quclla alluc 1111~ 10 q .1 r nnn dr M,chado dr As- e de Eça de Queiroz, que o maguaram tanto, com
sis nos traça nns paginn• d10< ~ntrs do "Delírio". a nota sccptica e profundamente dolorosa do seu
E, emquanto rMc phcnomeno se verificava nas cs-· "Braz Cubas", em que eu vejo mais rancor oontra
pheras da cultura nacional, o paiz marchava a mar· 0 Seculo do que despeito pela humanidade, esse
cha rapida dos crcpusculos inevicaveis e a nossa so· varão de excelsas e solidas virtudes cívicas e priva·
ciedade, lacerada por todos os vicios, submertia ca· das reve a tarefa providencial de offercccr á alma
da vez mais o Brasil ao domínio excrangeiro, á sa· brasileira o grande espelho em que ella hoje, mais
nha do capitalismo internacional, sem nenhuma ca· do que nunca, se mira, num instante tão grave pa·
pacidade de resiste1wia. B' a indefini~áo ela obra ra os destittos da humanidade.
174 PL INIO SALGADO

J
Nosso Brasil não tem hoje consciencia poliri·
ca e a sua conscicncia nacional é ainda um conjun·
cto de elementos esparsos, onde não impera nenhu·
ma disciplina cultural (1). Nosso Brasil, é, porém,
tão grande, ou maior, no seu tumultuoso oomplexus
cio que os instantes somnambulicos de Machado de
Assis, quando elle exprimia o conceito do Universo
e o senso das finalidades, em meias so111bras phan·
tasmaes. E é no proprio Machado de Assis que o
Brasil confuso e enorme de hoje deve ir buscar a
lição admi.ravel de affirmação de personalidade.
Na disciplina que se impoz aquelle grande espirita, A respoJta do Atlantida (1)
naquella fé que jamais lhe falrou através de todas
as duvidas, naquella confiança cm si mesmo; na·
quclla reacção contra o meio, depoi~ oontra o Srculo.
Ao tumulto do sru rrmpo, Machado oppn1 n rigi·
dez do ~eu rspirito cl•u~ico. Ao ddirio llbcrtario,
contrnpoi a fi.rmcin da di'!Ciplin.1.
• E não será de outra fonnn que o Brasil de
1931, nüsero Braz Cubas delirante, - poderá cotn·
prehender o idioma extranho nos labios de Pan·
dora ...

( J) J-::a.ta t)agina é de 1931. Trcs annos depois, S(ntc•s.c e


despertar da con!<icncia da Patria tm mais de SOO cidades bra· ( 1) J\tl :go pt1bllcado r~ •· A Of fensiva "~ <m 7 d(' junl>0
silciras, n3S quacs, existem n'.ltlros in1cgr.a1istat . de 1934.

\
Essa lendaria Atlantida, de que falam os mais
remotos papyros, de q11e se occupou a i1naginação
dos poetas e que tem servido de thema aos investi·
gadores das éras primitivos, terá sido uma rcnlida·
de do passado, ou será uma realidade do futuro?
Quando a Europa começa a envelhecer oo es·
plendor da civilização do chamado Occidence;
quando a mão do historiador já se fatiga na consi· 1
deração dos factos sociaes; ~esta hora de ('()rmenra
do mundo, em que os problemas se complicam, na
\
trama subtil tecida por mysteriosas forças que têm
governado as paixões dos Povos, - eis que o sonho
da Atlantida se desloca para uma visão do futuro,
e a America do Sul ganha uma ilnportancía jamais
attingida.

Este Continente esteve á margem da Historia


Universal até aos dias presentes. Primeiro, immer-

178 PLIN!O SALGADO A Q U A RT A H U M A N 1 D A O I! 179

so no lethargo dos tempos, conservou-se como um *


**
féto irrevelado á consciencia universal, ou vivendo
fóra dos ambitos da Asia e da Europa, num rudi- O ~olamento da America do Sul é um facto
mento de consciencia propria. Depois, saudado pe· inoontestavcl durante os cem annos ultimos. A Eu-
las caravellas portuguezas e hespanholas, t.ornou-se ropa e a Amcrica do Norte trataram-nos como a
apenas um thearro, a arena selvage1n para as aven- um comn1ensal incommodo, un1 intruso no convi·
turas desbordantes da Renasce11ça. vio das grandes Nações.
A grande terra americana, com milhões de ki· Por 1nais que se queira provar o contrarie, o
lo1netros quadrados, foi sempre considerada como desprezo que temos soffrido correspondeu a uin
um supplemento geographico da humanidade, um escorraçamento systematico. Terra de negros, de
appendice de medíocre importancia para a historia mestiços, de caboclos, nunca a Europa nos levou a
da Civiliiação. Atravessou, assim, todo o periodo sério. A attítude dos velhos paizes, em relação a
da colonização aryana, a phase dos cruzamentos nós, foi sempre de desdem profundo, a ponto de
cthnicos, da iniciação agraria e da fundação das ignorarem, os homens mais cultos, a noss.-i geogra·
cidades. phia. Pomos tratados como parentes pobres, como
O srculo XIX deu-lhe indeP"ndencia política. compadres da roça, embasbacados ante as maravi·
Mas a situação colonhl continuou, quer do ponto lhas do compadre da cidade. Fomos olhados com a
de vista dn cultura, quer rob o aspecto economico. ironia co1n que se olli:un os imita dores ridículos, os
Mas esse 1nesmo seculo XIX, que amarrou ns treze plaginrios e falsificadores de objectos authenticos.
Nações do Continente á perna da 1nesa do festim Por 1nois que se diga que Santos Du1no11t foi
balthazaresco do capitalismo super-nacional, assis· grande oousn nn Europa, não é verdade que esta
tiu {t .for1nação dos typos raciaes pre-definitivos, se "curvou ante o B1·asil'', como affir1nou o nosso
(1 ordenação de um modo de vida genuinamente Eduardo das Neves, pois o nome de nosso patrício
original, anti-europeu, com características oriundas nem figura nos compendios do Velho Mundo. Por
do nosso proprio isolamento. mais que se queira provar que Ruy Barbosa bo-
180 Pl.INIO SALGADO J\ QUART A HUMANIDADE 181

quiabriu os juristas e oradores ern Haya, isso está Essa chusma de carhedraticos, de poetas, de
muito longe da verdadeira realidade. O Rio de Ja· legi.51adores, de economistas, de technicos fínancei·
neiro continuou a ser a capital de Buenos Aires, ros, de jornalistas, de pintores e n1usicos, sempre
apesar de toda a petulancia dos almofadinhas lite· teve em alta conta as consagrações das palmas co·
rarios da Argentina e do Brasil. Nós, todos os po· lhidas nas salas de aluguei da Sorbonc, os distioos
vos da Amcrica do Sul, continuân1os a ser iniseras em relevo dos institutos scientificos extrangciros,
Guyanas infestadas de cobras e de macacos. as cartas de Renan, as criticas das revistas france·
Só uma cspecie de gerttc nos co11heda na Eu- zas e as referencias do "Tinles" sobre a honorabi-
ropa: os banqueiros. Esses, garantiam que não era· lidade nacional . ..
mos uma phantasia geographica, porque um argu· Em literatura, esses titeres era1n lacaios dos
inento lhes falava bem alto: os juros que pagava· 5alóes de PoriJ e cm finanç;i5 niio passavam de cn·
rnos, trabalhando como escravos. pachos ás portas dos Bancos do Tami!a. Em phi·
losophia, eram divulgadores medíocres de obra
,. alheia, em política, sovados serviçaes das democra·
** cias in1perialistas n1anobradas por occultas forças
Nadn foi mais util :í America do Sul do que escravizadoras.
e facto do lluropa nos ter feiro o inuueuso favor Toda essa fauna, que pedia idéas a Cornte, a
de nos de~pre1.ar. Pudemos, assirn, compôr uma Spencer e Haeckel, como pedia figurinos a Jean
physio11om ia propria, aparte, bern distincta. Os Ji. Patou, que irnitava o scepticis1no de Anatole, e to·
teratos, os juristas, os governantes da Arnerica do mava emprestado o canivete com que Heredin cn·
Sul, esses ficaram convivendo com a Europa, mal talhava seus sonetinhos, e furtava uns cinzentos de
tratados, ridicularizados, hunülhados. Esses enve· Carriére para compôr uns versos á Samain e se en·
lheceram com a Europa. Esses trazem no rosto e ternecer deante dos canaes de Bruges, e rransfor·
na alma as rugas precoces que um minletismo fatal mava o chá com torradas em "five-ó-clok-tea", para
insculpiu. dizer paradoxos de Wilde e mais tarde as graçolas
182 PLINJO SALGADO A Q U A R TA HUM A N 1 DA DE 183

de Shaw, essa fauna immensa eta apenas uma cas· "homem tcllurico", que aqui se formou á revelia
ca engeU1ada, que está caindo de pôdre. da Europa.
O isolamento da America do Sul foi oomplc· Já o sr. Keyserling affirma que vae sair ai·
to, apesar dessa gente cosmopolita. guma cousa dist<>. Sim; tem razão. lst<>, afinal, vae
Não tomaram ccnhecimepto de nossa eids· pronunciar-se. Um espirito novo nasceu na Ame·
tencia.
rica do Sul. Nasceu no Brasil.
Po1· isso, nós, os caboclos & Brasil, pude1nos
O espirito do sertão está invadindo as cidades.
desenvolvor·nos á vontade e hoje, da Europa, só
A alma da Terra encarnou-se numa geração imprc·
queremos uma camisa, con1 a qual exigiremos vio·
vista para aquellcs que cresccra1n comendo gcléa
lentamente que saibam de nossa existcncin, do nosso
de 1nora11gos cm jejum para krem agradavcis ás
drama, da nossa dôr, e escutem a palavra nova que
governantes i11glc11s.
queremos dizer e diremos neste alvorecer de seculo.
U1na força nova levantou-se, c~pantando os
mocinhos pallidos das portas das livrarias e os rn·
tos de bibliothecas que ainda cultivam o sporl facil
da anecdota, do trocadilho e da perfidiazinha em
Já os "touristes" da literntur:i ratão sabendo que se comprazem as senectudes burocraticas e as
que existinto.!. Já niio rcpontnrn por aqui os Ana· insufficiencias glandulares dos decrepiros.
toles pnra 1·ccebcr homenagen~ e fn~er chacotas do . A Amcrica do Sul vae erguer-se, pelo milagre
nosso paiz. De Anatolezinhos estamos cheios, be1n do Brasil. O B1·asil calxido, o Brasil fone, o B1·asil
rid ículos 110 seu scepticismo de sin1ios risonhos, e do se1·tão, o Brasil barbaro e honesto, nutn impeto
desses sabcreuios o que fazer dentro cm breve. Os selvagen1, vestiu uma farda côr das martas e des·
que nos visita1n agora são os srs. André Siegfried fraldou wna bandeira da côr do céu.
e Hermann Keyscrling, o primeiro com fumaças E' o despertar de uma Nação.
de advinhador de problemas econonticos, e o scgun· E' um destino que se cumpre.
1
do cotn faro de perdigueiro, muito alarmado ante o E' a resposta da Atlantida. Não mais a mys·
184 P L l N 1O S AL GAOO

teri0$3 terra que emergia no Passado, mas a glo.


riosa terra que está emergindo no presente, para
dominar o Futuro, com a força de uma nova civi·
lização.
INDICE DE NOMES

ADAM SM!1'H - 36, 115, 126.


Al.UERTO l'ORRES - 7J, 116, 159, 162, 173.
ANATOLI> l'llANCR - JS5, 181.
ARISTOTl>LES - J4, 104.
ARlO - 37.
AZEVEDO AMARAL - .ló.

llACKOUNINP. - 54.
BERDIA EFI' - 57, 59.
BERGSON - 114.
DLANQUI - S3.
BQJ, tVAR - 59.
BONCOURT - JJO.
BUCllNER - 49, 53, 97•
. JlYRON - 50.

CAl l-LAUX - LJO.


CARLYLI> - 53.
CAHRIP.HE - 181.
CASSIANO RICARDO - 16'.
COMTE - 4-l, 53, 106. 114, 181.

DALADIER - 129.
OAR\VIN - 49, SJ, 80, 114.
DESCARTES - 41.
DOSTOIEVSKI - 56.


EÇA DE QUEIROZ - 173.
EDISTJ::IN - Zl. 34, 104. l.EOP·\1101 - 49, 50.
EMILIO ZOLA - 173. l.lTTRf,; - 43.
ENGl!L - 52, IZJ. Ll.OYD GEORC.E - l.JO.
EPICt;RO - 36, 105. l.t.:IZ DE SOUZA - 16S.
EVCLYDES DA CUXHA - 155, 156, 160, 162.
MACHADO OE ASSIS - 113, IJJ, f.17, 1ir, 1 l, 1~'• 11!.
' 156 158. 159, 161. 162, 163, 164. 165. 161., lt:>R, 1711, 11.1.
FARIAS BRITO - 46. 64. 65, 131, 16Z
17,1, 174.
.FIEllENS GAEVAERT - 41, 42.
l'OUIHl~R 52. ~fARlO 01:: ANDRADE - 164.
• MAURRJ\S - 87.
l"R EUO · · 59.
l'UEIUlllCll - 52, 54, 55, 97. MAX STJ RNER - 54.
MENOT1"1 DC::J. PICCl-111\ - 164.
MER IMEE - 159.
GAIJRJE~
TARDE - 58.
MIGUEL RP.ALI:: - 120, IZZ.
GRAÇA ARANHA - 156, 15&, 159, 164, 171. MONTAIGNl·: - 159.
MO!l l(T ZZ.
HA ECK.F.L - 49, 53, 181. )llJSSET - SO.
HEGEL - 21, 34, 51, SZ 54, 55, 56, 97. 98. 99, 100. 109.
HE!NE - 50. .)IEWTO.)I - 3<1, 4J.
HENRI DE MAX - 92. 117.
HF.REOIA 181.
NlETZCHE - 49. 50. sr. SJ. 108. 114. 170.

JP.AN Ili 1 f· l<Y IM 01.IVEIRA MART!l'\S - 30, 40.


JOSE' UI· \1 1 N< \li lt.1 OLIVEIRA VJANNA - 162.
JOSE' IJI \ \ ~< UNC 1 1 r.o:; - 7J
PAPINI - 43.
KAN1' 51, 51, SS, Sb, IJ~. 99. PICARD - !Ool.
KARi, Mil ltX - IJ, 4~. 49, 50, SI, 52. 5•1, 55, ól , 00. 8Z, 96, P ICASSO - 59.
98. 99, HlO, 102, 10.1, 10.I, 108, 114. 122, 165. l' lliANOEl.LO - 59.
KF.TSEl~ l.ING - 68. 73, SJ, 1()4. 182, 183. P ITHAC.OHllS - Ili.
KROPOTl<INE - 54. !'LATÃO - JJ, 34 54. 96, 104.
P ODIC/\ R(,; - 34.
LAMARCK - 49, 53. PROUDHOM - 54.
LASSAI.E - 54.
LEIBNIZ - 53. RENAN - 155, 181.
LENINE - ~S. RIAZANOV - 52.
RONALD DE CARVAL HO - 164.
ROOSEVELT - IJO.
RUY BARBOZA - 156, 167, 168, 179.
SAINT SIMO:>: - 52, 97.
SALAZAR - 129.
SAMAIN - 181.
SA~TO AGOSTINHO - 116.
SANTOS DUMONT - 179.
SÃO MARCOS - 84.
SCHELLING - 55. INDICE GERAL
SCHLEGEL - 10.
SCHOPENHAUER - 50. 51. 53.
SllAW - 182.
Prefacio
SIOOl'!UEO - 182.
SOCRATES - 34.
SORF.L - 45, 61, 81 , 99, 123. 1 PARTI'
SPENCER - 53 54. 114, 181.
POL YTHJJISMO /\-10NO'l l ll'ISMO
Sl'ENGLl'R - 30.
STEll.'lP. - 159. ATH flISMO IN 1 l •C,JtAI ISMO
SIVIFT - 159.
A conceprão do B.studo 9
TA RDIEU - 130.
Alguma cousa cst6 naictndo 11
TllÃ.llER 114 Cr•pusculo da civilização . 13
'rRl"rAn DI· '\li\ YOP. - <IA O espiriro da Gr~ia . 14
TUC Kl·.I! 5~ A t htaria do.s movimentos humanos 15
Totem e tabú 16
VAlllN f,J·'.R -!il
Evolução dos rabús 19
VIC J;N'J 1\ J)J; CAkVAI 110 li.O
VlltCllOW - 53. Conccpção J>Olytheista do Universo 23
VON llll!RING - SI. A morto dos dcttscs 25
Evolução do$ c.onrrarios . 26
WAGN!>R - 125. 170. Causas 111oraes e causas geographicas 30
WALDECK ROUSSEAU - 123. No caminho dos secu/os 34
WlLDB - 181.
\VOLFF - 53. Concepção "°icntifica do Uniwrso 38
H um<Jnismo 44
ZENON - .l<í. O wlor da& expreuõe.s ncgatiws .45
l'ag.
III PARTE
O anti-finalismo burgurz -48 PELO DESTINO 00 BRASIL - O SENTIDO
NittzcM, Leopardi e }.farx -49 OPTIMISTA DA OBRA DE MACHADO DE
Mar.>:, Hegrl e Kant . • 51 ASSIS - A RESPOSTA DA ATLANTIDA
A negarão como "idéa" 54
O cavai/o de Atila 57 Pllg".
O imperio da Machina 0-stino dos pouos l 35
58
V m<1 humanidade e111 agonia As forças intimas da Nacionalidade l 37
60 A confraternização das ra;as . 138
Os ltmpos novos 66
1\ Qurtfla liumanidade O rumor das marchas ignoradas 141
68 Apeflo .1 wna novit geração 143
ll
PARTE A batalha da moâdac/e l 45
NO LIMTAR DO SECULO XX O dia 7 de setembro . 149
/,{achado de Asiii e as gerações do Brasil 15 1
O 1novimento integralista . 87 A grande butalliu 155
Visáo política do Velh.o Afundo 88 A guaç{lo de cabrito branco. 156
Elites dirigentes 89 Orig,·n1 prox1nia1 da d<'COmpo•1rão b1 1ulrire1 158
Verdades da "direita" e da "esquerda• 90 O choque . 161
Libertação do homem do serulo XX 91 V ma prophecia 162
Ph111ionomiu do ~ cu/o XI X 94 O medium das raças 164
D••po11 c/r li rgd ()6 A força mv61erio$a do cnfecnJ,o 166
Contrud1r{t1<1 tlt f.f ar.\ 98 O hon1cm que acreditou . 168
O pa11oramc1 hurgul!.t 104 Fim do seculo e crtpusculo de nacionalidade 170
O c.onformismo mmcriali'sta 107 A lição da disrip!ina . 173
Cigantes da rnontimha e anões do Niebolu11gc11 107 A resposta do Atlantitla . 177
O grande sont itlo do seculo X X 109
O novo conceito de Estado . 115
Família e Patria . 119
As Constituições : rhwmatismo do Estado 121 1
O Estado Liberal moribundo 123
A voz da America Latina . 130

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