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@ ARTIGO A condicao limiar dos trabalhadores com Deficiéncia Intelectual no mercado de trabalho: um retrato singular Entrevistas com empregadores de Portugal evidenciam a nao participacdo, a exclusio, a desqualificacao, a invisibilidade e 0 isolamento das pessoas com Deficiéncia Intelectual nos locais de trabalho Carlos Veloso da Veiga’ RESUMO: Este artigo retrata os procestos de inclusto profssional dos trabalhadores com Deficigncia Intelectsal (DI) no ‘mercado de trabalho em Portugal, com base nos testeraunhos de 30 empregadoresde pessoas com DI, cujos contratos de trabalho se mantém hi vérios anos em vigor A acetacio das pessoas com DInoseio das onganizagdes empregadoras se compae de rejeigbes, contradicGes, ambiguidades e dualidades que permitem considerar que a inclusao completa de facto nfo acontece, ficando esses trabalhadores nom estado permanente de transigie, nem verdadeiramente incuidos, nem completamente excluidos, no umabral do mundo do trabalho eda participacao sock. As contradioes, paradoxos e dualistmos que definem.a condigao limiar das pessoas com DI nao decorrem de uma separacio institucionalizada, mas da negacio pritica de um estatuto social equivalente aos dos outros atores sociais com quem partilbam os tempos e espacos de trabalho. Palavras-chaves Deficiéncia intelectual; Limiaridade; Mercado de trabalho; Contrato de trabalho sem termo. Jesquisador do Centro de Estudos de ComunicacSo « Socledade da Universidade do Minho (UMINHO}, ‘omosabemos,ainclusdo profissional &um dos prinei- pais objetivos da maioria dos membros da sociedade aul sejam ounso pessoas com Deficincia intelectual (D1) oude qualquer outro tipo. Digamos que as poli- ticas piblicas e as priticas de formagio profissional ¢ apoio ao cemprego atingem o seu sucesso quando-as pessoas que delasse beneficiam conseguem obter um emprego e manter-se nele 20 longo do tempo, se for essa a sua vontade. Neste artigo inten- tamos retratar os processos de inclusio profissional dos traba- Ihadores com DI no mercado de trabalho, a partir do conceito de limsiavidade, Fazemo-lo com base nos testemunhos dos ‘empregadores e outros responsiveis das organizagées (aqui _genericamente denominados empregadores) que contrataram pessoas com DI por meio da celebragio de contratos de traba- Iho sem termo. Nao se trata, portanto, de emprego temporirio ‘ow a tempo parcial. Esses trabalhadores (homens e mulheres) sobre quem se pronunciaram os empregadores foram contra- tados come efetivos nas mesmas condigSes dos demais taba Thadores, em termos formais de direitos e deveres profissionais. ‘Vale a pena relembrar que, tal como ¢ sobejamente reco- nhecido, 0 exercicio de uma atividade profissional é um dos fatores que contribui mais eficazmente para a melhoria da qualidade de vida das pessoas com deficiéncia (EKLUND; HANSSON; AHLQVIST, 2004). Ter um emprego remune- rado fornece as melhores oportunidades de reconhecimento social, contribuindo para a inclusio social e pertenga a um coletivo e, mais especificamente, para ser reconhecido pelo contributo das suas habilidades pessoais para o bem-estarcole- tivo, reconhecimento esse que sustenta a prépria autoestima dos individuos (HONNETH, 2000). A inclusio profissional alimenta também os sentimentos de autocontrole e autorrea- lizacdo, devendo funcionar, no caso das pessoas com deficién- cia, em termos pessoais como meio de empoderamento ou éemaneipasao ¢, em termos sociais, de acionamento dos senti- mentos de estar na posse de um estatuto socialmente valor zado (PROVENCHER et al, 2002; CORBIERE; MERCIER; LESAGE, 2004). Além disso, exercer um trabalho remunerado significa aceder a uma identidade profissional, possiblitando a perda da identidade estigmatizada que tendeaa seratribuida As pessoas que no contribuem parao bem-estar geral. Exercer ‘uma profissio oferece ainda oportunidades de contatose rela- cionamentos sociais, fora do Ambito familar, criando espago 4 cxiagio de relagGes de simples conhecimento, companhe rismo, amizade on amorosas. Neste artigo, énoss0 propésite conteibuirpara uma melhor compreensio da stuagao das pessoas com Dlincluidas no mer cado de trabalho “normal” ou “aberto’,a partir daforma como cos empregadores percepcionama sua presenga e participacio nas organizagBes empregadoras em Portugal. Em concreto, ppretendemos mostrar que a inclusio profssional dessestraba- Thadores estagnou na condigio limiar com base na percepsio/ opiniio dos empregadores sobre um conjunto de fatores rla- cionados com o trabalho que realizam e com os coletivos de trabalho de que fazem parte. Procuramos mostrar que a acei tacio da sua presenca no seio das organizagbes empregadoras iguidades e dualidades que permitem considerar que a inclusio completa se compoe de varias rejeigdes, contradigdes, am defacto nio acontece,ficando esses trabalhadores num estado permanente de transicio, nem verdadeiramente incluidos nem completamente excluides, no umbral do mundo do trabalho e da participacio social. Portanto, procuramos mostrar que os trabalhadores com DI ocupam uma posigdo periférica no interior dos sistemas rolacionais e de trabalho das organizagoes empregadoras. Faremos isso recorrendo a varios exemplos que evidenciam 2 ‘io participagio, a exclusio, a desqualficagio, ainvisiblidade € 0 solamento, nos tempos e espacos de vida quotidiana nos locais de trabalho, O nosso principal argumento vai no sentido de que as contradigbes, paradoxos e dualismos que definem ‘a condigio limiar nao decorrem de uma separagao instituci- nalizada, mas da negacio pritica de um estatuto social equi valente aos dos outros atores sociais com quem partilham os tempos e espacos de trabalho. 1ss0 mostra como os trabalha- dores em questio flutuam nos intersticios da estrutura social, estao na limiaridade, que é, em rigor, como se deve designar a configuracio social especifica que caracteriza a presenga de ‘pessoas com DI no mercado de trabalho, Mobilizando o conceito de limiaridade para retratar a situa «0 dos trabalhadores com DI no mercado de trabalho, pre- tendemos também obter algumas pistas para a melhor com- preensio e explicagéo dos processos de inclusio profisional ‘que os envolver, ATEORIA DA LIMIARIDADE Como marco tedrico da nossa reflexto, recorremos a Amold ‘Van Gennep (1981) ¢ a0 seu modelo de sequéncia de passa- gem paraanalisar 0 processo de inclusio profissional comoum itinerdvio de passagem, caraterizado por um conjanto de con tradigies, paradoxos e dualismos que dio mostras de como a perda do estatutoanterios,0 de pessoas potencialmenteexclui- das do mercado de trabalho devido & deficitncia, nao conduz necessariamente & aquisicao de um novo estatuto de pessoas socialmente inclufdas. Ou seja, a inclusio efetiva nas organi- zagées em que trabalham (e fora delas) continua por reali ar, permanecendo assim na designada por condigao limiat. [esse sentido, assumimos que os quotidianos da vida laboral revsrans wig 207 | sao espagos sociais em que a inclusio cruza com a exclusio, fazendo-se sentir fatores que sio 0 resultado do modo como 2 sociedade encara a deficiéncia sob a forma de viras prt ce representagdes, Fatores que, no essencial, advém das crencas socialmente instituidas que colocam as pessoas com deficigncia A margem da produgao de relagdes sociaistidas como adequa- dase que impelem os antagonismos cultura existentes entre a deficiéncia ea normalidade a manifestarem-se também nos angumentos que os atores tecem a propésito da sua presenca participagao nas organizagoes de trabalho. Para compreender ¢ explicar a condigdo limiar dos tra- balhadores com DI, o que tentaremos retratar com base nas percepgoes/opinides recolhidas pela anilise de contetide dos testemunhos dos empregadores, apoiamo-nos também no antropélogo Robert Mucphy (1990), que usou o conceito de limiaridade de Arnold van Gennep (1981) para explicar a situagio das pessoas com deficiéncia em todas as sociedades. De acordo com o conceito, essas pessoas esto aum estado dé suspensio social, permanecem num limbo de indefiniga0 « ambiguidade, colocadas perpetuamente entre ainclusio e a exclusio (BLANC, 1999; CALVEZ, 2000; GARDOU, 1996; 2000; 2001; GILLIAN, 1998; TURNER, 1990). Por exem- plo, ao ingressarem no mercado de trabalho, as pessoas com DiI saem da condigdo de pessoas excluidas do mercado de tra- balho, mas nao sio completamente incluidas nas organizagSes que as contrataram, Encontram-se na situagio de passagem da exclusio para a inclusio, vivem em rigor num estado de suspenséo social, na medida em que, hipoteticamente, tanto podem regressar& anterior situagio de exclusio como serem efetivamente inchuidas. Recorde-se queo conceito de limiaridade surgiu como alter- nativa ao uso do conceito de estigma desenvolvido por Erwin Goffman (1975), 0 qual tem sido bastante usado nos estados relacionados com a deficincia. Nesses casas, 0 uso da con-

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