Você está na página 1de 11

QUESTÕES METODOLÓGICAS METHODOLOGICAL ISSUES 1

Avaliação econômica no âmbito das doenças


raras: isto é possível?

Economic evaluation in the context of rare


diseases: is it possible?

Evaluación económica en el contexto de


enfermedades raras: ¿es posible?

Everton Nunes da Silva 1


Tanara Rosângela Vieira Sousa 2,3

Abstract Resumo

1 Faculdade de Ceilândia, This study analyzes the available evidence on O objetivo deste estudo foi analisar as evidências
Universidade de Brasília,
Ceilândia, Brasil.
the adequacy of economic evaluation for deci- disponíveis sobre a adequação do uso de ava-
2 Centro de Pesquisa em sion-making on the incorporation or exclusion liação econômica sobre incorporação/exclusão
Álcool e Drogas, Universidade of technologies for rare diseases. The authors de tecnologias para doenças raras. Foi realizada
Federal do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, Brasil. conducted a structured literature review in uma revisão estruturada da literatura, nas bases
3 Hospital de Clínicas de MEDLINE via PubMed, CRD, LILACS, SciELO, MEDLINE, via Pubmed, CRD, LILACS, SciELO e
Porto Alegre, Universidade
and Google Scholar (gray literature). Economic Google Acadêmico (literatura cinzenta). Os estudos
Federal do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, Brasil. evaluation studies had their origins in Welfare de avaliação econômica têm origem na Economia
Economics, in which individuals maximize their do Bem-Estar, na qual os indivíduos maximizam
Correspondência
utilities based on allocative efficiency. There is suas utilidades, fundamentando-se na eficiência
E. N. Silva
Faculdade de Ceilândia, no widely accepted criterion in the literature to alocativa. Não há um critério amplamente aceito
Universidade de Brasília. weigh the expected utilities, in the sense of as- para ponderar as utilidades esperadas, no sentido
Centro Metropolitano,
Conjunto A, Lote 01,
signing more weight to individuals with greater de dar mais peso aos indivíduos com maiores ne-
Ceilândia, DF 72220-900, health needs. Thus, economic evaluation stud- cessidades em saúde. Geralmente não se ponderam
Brasil. ies do not usually weigh utilities asymmetrically assimetricamente as utilidades; todas são tratadas
evertonsilva@unb.br
(that is, everyone is treated equally, which in Bra- de forma igualitária, que, no caso brasileiro, tam-
zil is also a Constitutional principle). Healthcare bém é um princípio constitucional. Os sistemas de
systems have ratified the use of economic evalu- saúde têm ratificado o uso de avaliação econômi-
ation as the main tool to assist decision-making. ca como principal instrumento para auxiliar na
However, this approach does not rule out the use tomada de decisão. No entanto, essa postura não
of other methodologies to complement cost-ef- exclui o uso de outras metodologias complementa-
fectiveness studies, such as Person Trade-Off and res aos estudos de custo-efetividade, como person
Rule of Rescue. trade-off e regra de resgate.

Cost-Effectiveness Evaluation; Rare Diseases; Avaliação de Custo-Efetividade; Doenças Raras;


Health Economics Economia da Saúde

http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00213813 Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 31(3):1-11, mar, 2015


2 Silva EN, Sousa TRV

Introdução Método e fontes bibliográficas

Pacientes com doenças raras geralmente sofrem Fez-se uso de revisão narrativa da literatura pa-
com a pequena oferta de medicamentos para ra selecionar artigos, documentos e relatórios
suas necessidades 1, causada, principalmente, relacionados à adequação do uso de avaliação
pelas baixas prevalências destas patologias 2. econômica no processo de tomada de decisão
Isso faz com que os investimentos realizados de incorporação de tecnologias para doenças ra-
em pesquisa e desenvolvimento (P&D) para as ras. Para tal, os seguintes descritores em saúde
doenças raras sejam repassados para um núme- foram selecionados: rare diseases; orphan drugs;
ro pequeno de potenciais consumidores, ocasio- orphan diseases; doenças raras; avaliação econô-
nando, na maioria das vezes, preços proibitivos mica; custo-efetividade; avaliação de tecnologias
aos pacientes e também aos sistemas de saúde, da saúde; economic evaluation; cost-effectiveness;
que relutam em disponibilizá-los gratuitamente health economics; health technology assessment.
à população. Nesse último caso, os tomadores de As bases de dados utilizadas foram:
decisão sustentam que as tecnologias ofertadas MEDLINE, via Pubmed, Centre for Review and
aos pacientes com desordens pouco prevalen- Dissemination (CRD) da Universidade de York
tes não cumprem todos os requisitos para serem (York, Reino Unido), LILACS e SciELO. Como esse
incorporadas e reembolsadas pelos sistemas de tema envolve o processo de tomada de decisão,
saúde, a saber 3,4,5,6: (i) não há evidências de boa em âmbito da gestão da saúde, torna-se neces-
qualidade sobre a segurança e eficácia destas tec- sário pesquisar em instituições voltadas a esta
nologias; (ii) as razões incrementais de custo-efe- finalidade. Nessa direção, optou-se por utilizar a
tividade, que sinalizam medidas de eficiência na ferramenta do Google Acadêmico, visto que esta
alocação de recursos escassos, geralmente são é mais sensível para captar documentos não in-
superiores aos limiares comumente aceitos pelos dexados. Não houve restrição de ano de publica-
sistemas de saúde; (iii) o elevado custo de opor- ção e de idioma.
tunidade em disponibilizar estas tecnologias aos
pacientes com doenças raras, visto que com o
mesmo recurso orçamentário poderiam assistir Desenvolvimento
um número maior de pacientes com doenças co-
muns, que acometem um quantitativo expressi- Os resultados deste trabalho estão divididos em
vo de pessoas (grande prevalência). subseções, relacionadas aos objetivos secundá-
Diante dessa situação, as doenças raras têm rios estabelecidos na introdução.
demandado atenção de pesquisadores e toma-
dores de decisão, no sentido de verificar se estas Definição de doenças raras e políticas
devem ganhar um status diferenciado em rela- adotadas para contornar suas consequências
ção às demais doenças, principalmente no que em saúde e econômicas
se refere à avaliação econômica de tecnologias
em saúde. O objetivo deste artigo é analisar, por Doença rara é uma condição de saúde que ocorre
meio de revisão narrativa, as evidências disponí- com pouca frequência ou raramente na popula-
veis sobre doenças raras e avaliação econômica, ção em geral. Parte expressiva das doenças raras
no intuito de sinalizar se esta se aplica àquelas. tem origem genética, representando cerca de
Ou seja, se há necessidade de uma nova aborda- 80% do total, segundo estimativas da EURORDIS
gem metodológica para questões relacionadas à 2005 8. Outras doenças raras são cânceres raros,
incorporação de tecnologias voltadas às doenças doenças autoimunes, malformação congênita,
raras, além das já estabelecidas na Lei no 12.401 doenças infecciosas e tóxicas, ou manifestações
de 2011 7. Como objetivos secundários, busca-se raras de doenças comuns, causadas por expo-
caracterizar as doenças raras, bem como as po- sição ambiental durante a gravidez ou ao longo
líticas adotadas a elas; analisar as doenças raras da vida 9.
em termos dos preceitos de ética em pesquisa; As manifestações das doenças raras podem
descrever os fundamentos teóricos das avalia- ocorrer tanto no nascimento quanto durante
ções econômicas; revisar a literatura afim sobre a a infância (como as síndromes de Williams, de
adequação da avaliação econômica como instru- Prader-Willi e o retinoblastoma) ou em qualquer
mento para a tomada de decisão no que se refere estágio da vida adulta (como a doença de Hun-
às doenças raras. tington, a doença de Creutzfeld Jacob, a esclerose
lateral amiotrófica). Cerca de 50% das doenças
raras manifestam-se na fase adulta. Na perspec-
tiva médica, as doenças raras são caracterizadas
por um grande número e ampla diversidade de

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 31(3):1-11, mar, 2015


AVALIAÇÃO ECONÔMICA NO ÂMBITO DAS DOENÇAS RARAS 3

condições de saúde e sintomas, que variam não síndrome de Guillain-Barré, o escleroderma ou


só de doença para doença como dentro da mes- defeitos do tubo neural. A maioria das outras do-
ma patologia. A mesma condição pode ter mui- enças acomete um número menor de pacientes
tas e diferentes manifestações clínicas de uma – algumas com menos de 0,1 por 10 mil pesso-
pessoa afetada para outra 8. as, como as hemofilias, o sarcoma de Ewing, a
É comum a quase todas as doenças, apesar distrofia muscular de Duchennne ou Doença de
de diferirem em termos de gravidade e expressão, von Hippel-Lindau, as quais são consideradas
a redução significativa da expectativa de vida. doenças “muito-raras” ou “ultra-raras”. A Tabela
Muitas doenças raras são complexas, degenera- 1 sintetiza os critérios adotados por países e regi-
tivas e cronicamente debilitantes, afetando as ões selecionados.
capacidades físicas, mentais, sensoriais e com- Na América Latina, a Colômbia restringiu
portamentais. No entanto, em alguns casos, se o critério de doença rara, que era de 5/10 mil
diagnosticadas a tempo e tratadas corretamente, habitantes e passou a ser de 2/10 mil habitan-
proporcionam uma vida normal 10. tes em 2011 (Lei de Regulação de Políticas para
Apesar da raridade das doenças, existe um Doenças Raras – Lei no 1.392 de 2010 e Lei no
grande número de patologias que podem apre- 1.438 de 2011). Contudo, o Peru, que aprovou lei
sentar essa característica: estima-se que há entre relacionada a doenças raras em 2011, não esta-
5.000 e 8.000 doenças raras no mundo 11. Infe- beleceu um critério epidemiológico específico
re-se que existem, somente nos países da União para elas, mas as definiu com aquelas que com-
Europeia, cerca de 30 milhões de pessoas aco- prometem seriamente a vida e cuja prevalência
metidas por algum tipo de doença rara, o que é baixa e que tem problemas em seu diagnóstico
significa 6 a 8% de toda a população; e 25 milhões e seguimento 14.
de norte-americanos 8,9,11. No Brasil, além de não haver estimativas ofi-
Não há uma definição única para doenças ra- ciais do número de pessoas afetadas por doenças
ras. Geralmente, no âmbito dos sistemas de saú- raras, também não há uma definição para estas
de, as doenças raras têm sido definidas com base doenças em termos epidemiológicos. Caso se
no critério da prevalência ou no número de indi- aplicasse as estimativas de 6 a 8% da população
víduos afetados. Na União Europeia, uma doença (União Europeia), teríamos de 13 a 15 milhões de
é definida como rara quando afeta menos de 5 brasileiros acometidos. Segundo a Agência Na-
em 10 mil pessoas; nos Estados Unidos, quando cional de Vigilância Sanitária (ANVISA) 15, “do-
acomete menos de 200 mil pessoas em todo o enças raras ou órfãs são aquelas que afetam um
país (ou 7,5/10 mil habitantes pelo Orphan Drug pequeno número de pessoas quando comparado
Act, aprovado em 1983 pelo Congresso Norte- com a população geral”. Essa definição existe em
americano) 12,13. função da necessidade de dispensação de medi-
Além disso, apenas algumas doenças raras – cação excepcional 16,17. O Ministério da Saúde,
cerca de 100 – estão próximas do limiar de 5 para contudo, já desenvolveu e publicou Protocolos
10 mil pessoas, como a síndrome de Brugada, a Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para

Tabela 1

Definição de doenças raras, por países ou regiões.

País/Região Critério para definição de doença Prevalência


rara (população afetada) (por 10.000 habitantes)

Austrália < 2.000 1,1


Colômbia - 2,0
Estados Unidos < 200.000 7,5 (7,0)
Japão < 50.000 4,0 (2,5)
OMS 6,5
União Europeia < 215.000 5,0
Reino Unido (ultrarraras) < 1.000 0,18

OMS: Organização Mundial da Saúde.


Fonte: adaptado de McCabe et al. 5.
Nota: valores entre parênteses baseados nos estudos de Rosselli & Rueda 14 e de Hughes et al. 19.

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 31(3):1-11, mar, 2015


4 Silva EN, Sousa TRV

26 doenças raras, como: esclerose lateral amio- tratamentos paliativos para quase todas as doen-
trófica, hiperplasia adrenal congênita, síndrome ças; quando havia a oferta do medicamento, as
de Guillain-Barré, doença de Gaucher, doença de empresas tinham perdas financeiras 12. Por esse
Wilson, entre outras. motivo, em 1982, o Food and Drug Administra-
Devida à baixa prevalência dessas doenças, tion (FDA) dos Estados Unidos criou um setor
o desenvolvimento de um tratamento é consi- específico para esses medicamentos e, em 1983,
derado pouco atrativo ao setor privado em ter- foi aprovado pelo Congresso Norte-americano
mos econômicos, o que pode criar uma situação o Orphan Drug Act, que além de caracterizar as
de acesso desigual entre pacientes sofrendo de doenças consideradas “órfãs”, criou incentivos
uma doença rara e de doenças consideradas co- para o desenvolvimento de medicamentos e ou-
muns 2. A população para drogas órfãs é muito tras tecnologias para essas doenças, na forma de
pequena, fazendo com que os custos para pes- linhas especiais de financiamento governamen-
quisa e desenvolvimento sejam cobertos pelos tal e impostos diferenciados. Também estabele-
poucos pacientes em tratamento 1. No entanto, ceu que essas tecnologias tivessem protocolos
auditorias nas contas da Genzyne Corporation especiais de investigação e aprovação mais rápi-
sugerem que os custos de desenvolvimento de da que os usuais, além de garantir monopólio de
drogas órfãs são menores do que os das outras sete anos para as drogas aprovadas 12,18.
drogas, por envolverem menor número de pa- Além dos Estados Unidos, outros países e re-
cientes em seus ensaios clínicos 1. No entanto, o giões vêm desenvolvendo políticas de incentivo,
pequeno número de pacientes reduz, também, pelo lado da oferta, para tratamento das doenças
a qualidade das evidências epidemiológicas, raras, como o Japão, a Austrália e, mais recente-
fazendo com que as projeções de longo prazo mente, a União Europeia (Tabela 2).
desses medicamentos, em termos de segurança As políticas, nesses países analisados, incor-
e eficácia, sejam menos confiáveis, dificultando poraram incentivos fiscais – exceto na Austrá-
a tomada de decisão quanto à incorporação ou lia –, agilidade nos processos de aprovação da
reembolso. droga para utilização, além de exclusividade de
Até a década de 1980, existiam poucas dro- mercado e assessoria para desenvolvimento dos
gas desenvolvidas para o tratamento de doenças processos de aprovação. O impacto dessas medi-
raras, o que deixava os pacientes apenas com das pode ser verificado por meio do número de

Tabela 2

Legislação específica para doenças raras, por países ou regiões.

País/Região Legislação Elementos da legislação para doenças raras

Incentivo fiscal Avaliação e Exclusividade de Assistência para Outros


aprovação rápida mercado aprovação
de drogas

Austrália Australian Orphan Não Sim Sim Sim Submissão


Drugs Program reconsiderada a
(1997) cada 12 meses
Estados Unidos Orphan Drug Act Sim Sim Sim Sim NA
(1983)
Japão Orphan Drug Sim Sim Sim Sim Ressarcimento
Regulation (1993) parcial dos
custos de
desenvolvimento;
período de
registro estendido
União Europeia Regulation n. 141 Sim Sim Sim Sim NA
(2000)

NA: não aplicável.


Fonte: adaptado de Panju & Bell 6.

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 31(3):1-11, mar, 2015


AVALIAÇÃO ECONÔMICA NO ÂMBITO DAS DOENÇAS RARAS 5

medicamentos desenvolvidos e aprovados após ter uma legislação específica, o SUS proporciona
as respectivas implementações das regulações anualmente mais de 72 mil consultas e mais de
(Tabela 3). Contudo, essas políticas não garan- 560 mil procedimentos laboratoriais para o tra-
tem a demanda, na forma que não são obrigados tamento e o diagnóstico de doenças raras, com
a ressarcir tratamentos a qualquer preço oferta- um investimento anual superior a R$ 4 milhões.
do pelas empresas. Cada país tem regras claras
sobre a incorporação dessas tecnologias nos sis- Doenças raras no âmbito da ética em
temas de proteção social, sendo que alguns con- pesquisa
sideram as razões incrementais de custo-efetivi-
dade, além da presença de evidências clínicas 19. Outro ponto que cabe ser ressaltado diz respeito
A Colômbia, em 2010, aprovou legislação às resoluções sobre ética em pesquisa, particu-
regulatória de atenção para doenças raras e ul- larmente no que se refere ao acesso a tecnologias
trarraras (Lei no 1.392 de 2010 e Lei no 1.438 de pós-conclusão do estudo. Com vistas à compen-
2011) que além da definição (Tabela 1), determi- sação dos sujeitos de pesquisa, que voluntaria-
na a atualização bianual da lista de doenças que mente assumiram o risco de submeterem-se a
atendam aos critérios estabelecidos e garante a um protocolo de investigação em prol do desen-
cobertura a todos os colombianos portadores volvimento científico e tecnológico, deveria ser
de doenças raras, por meio do financiamento assegurado a eles o fornecimento das interven-
para diagnóstico, tratamento medicamentoso e ções que se mostraram benéficas ao final do en-
procedimentos ou outros serviços necessários. saio clínico.
A legislação determina também a origem dos Desde 2000, a Associação Médica Mundial
recursos para tal, bem como autoriza o gover- tem se manifestado em relação ao acesso a tec-
no federal a adotar sistema de negociação para nologias pós-estudo para os sujeitos de pesquisa.
compra, que pode ser centralizado 14. Entre outros princípios éticos que visam a orien-
Rosselli & Rueda 14 destacam ainda que no tar os condutores de pesquisa biomédica com
Peru, em 2011, com a promulgação da lei rela- seres humanos, recomendou-se que “ao final do
cionada a doenças raras, não se estabeleceu um estudo, todos os participantes devem ter assegura-
critério epidemiológico para doenças raras, mas do o acesso aos melhores métodos comprovados
se indicou a importância do ensino nos centros profiláticos, diagnósticos e terapêuticos identi-
de educação superior para o diagnóstico precoce ficados pelo estudo” (Declaração de Helsinque,
dessas doenças e o estabelecimento de um re- 2000, parágrafo 30). Essa orientação é ratificada
gistro nacional de pacientes. Além disso, garante na revisão de 2008, a qual propõe que “após a
o tratamento por meio da aquisição de medica- conclusão do estudo, os participantes têm o direi-
mentos, como gasto prioritário (Lei no 29.698 – to de ser informados sobre o resultado do estudo
Congresso da República do Peru). e desfrutar de quaisquer benefícios que resultem
No Brasil, em 2009, o Governo Federal lançou dele, por exemplo, o acesso às intervenções iden-
a Política Nacional de Atenção Integral em Gené- tificadas como benéficas no estudo ou outros cui-
tica Clínica, que incluiu os PCDT ligados às do- dados ou benefícios apropriados” (Declaração de
enças raras no âmbito do Sistema Único de Saú- Helsinque, 2008, parágrafo 33).
de (SUS) e implicou a oferta de 45 medicamentos No Brasil, o Conselho Nacional de Saúde re-
e tratamentos cirúrgicos e clínicos. Apesar de não gula os aspectos relacionados aos estudos que

Tabela 3

Impacto da legislação específica para doenças raras, por países ou regiões.

País/Região Legislação Número de drogas órfãs


Desenvolvidos Aprovadas

Austrália Australian Orphan Drugs Program (1997) 180 (2010) 62 (2010)


Estados Unidos Orphan Drug Act (1983) 2.194 (2010) 350 (2010)
Japão Orphan Drug Regulation (1993) 167 (2004) 95 (2004)
União Europeia Regulation n. 141 (2000) 664 (2010) 51 (2010)

Fonte: adaptado de Panju & Bell 6.


Nota: o ano entre parênteses nas duas últimas colunas indica o último ano contabilizado.

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 31(3):1-11, mar, 2015


6 Silva EN, Sousa TRV

envolvem seres humanos como participantes de concepção, o bem-estar social seria obtido com
pesquisa. A Resolução no 196/96 faz menção, di- base na soma das utilidades individuais 25. Quan-
reta ou indiretamente, a esse assunto em alguns to maior o somatório agregado das utilidades,
dos seus parágrafos 20, a exemplo de “assegurar maior o bem-estar da sociedade.
aos sujeitos da pesquisa os benefícios resultantes Cabe ressaltar, no entanto, que essa funda-
do projeto, seja em termos de retorno social, acesso mentação teórica não faz julgamento sobre a jus-
aos procedimentos, produtos ou agentes da pes- tiça ou quaisquer outros aspectos relacionados
quisa” (Resolução no 196/96, parágrafo III.3.P). à distribuição do agregado das utilidades entre
Cohen et al. 21 analisaram 312 ensaios clíni- os indivíduos da sociedade 26. Basta que apenas
cos de intervenções relacionadas ao HIV/AIDS, um – ou alguns indivíduos – tenha(m) sua(s)
à tuberculose e à malária, em meados dos anos quantidade(s) de utilidade(s) aumentada(s) pa-
2000. Desses, 36 (12%) foram realizados em paí- ra que o Pareto-ótimo seja atingido, desde que
ses da América Latina, incluindo o Brasil (9 pes- os demais indivíduos não piorem em relação à
quisas). Levando em consideração a totalidade situação anterior.
dos ensaios clínicos, apenas 1% continha infor- Esse ponto torna-se controverso no contexto
mação sobre a provisão das intervenções após a dos sistemas públicos de saúde que adotam em
conclusão do estudo, o que mostra o descumpri- suas jurisdições noções de equidade, no intuito
mento deste princípio. de promover desigualdades justas: o tratamento
Essa orientação, no âmbito das doenças ra- desigual é justo quando é benéfico aos indivídu-
ras, torna a atratividade econômica mais restrita. os mais carentes 27. Nesse contexto, particular
Toma-se como exemplo a mucopolissacaridose atenção tem sido dada às doenças raras, pelas
tipo I, uma doença lisossômica causada pela ati- características salientadas anteriormente. Have-
vidade deficiente da enzima αL-iduronidase, pa- ria, segundo alguns autores, maior necessidade
ra a qual se estima que haja 87 pacientes identifi- de saúde por parte dos indivíduos acometidos
cados no Brasil 16. Caso o princípio de fornecer o por doenças raras, devido às suas fragilidades de
medicamento aos participantes da pesquisa fos- saúde e ao alto custo do tratamento, o qual se
se aplicado – e se este ensaio clínico tivesse um torna proibitivo para a maioria das famílias 16.
tamanho amostral representativo –, praticamen- Ainda se referindo ao estudo de Souza et al. 16 (p.
te toda a demanda potencial do medicamento 3450), argumenta-se que “a inclusão de medica-
seria beneficiada pelo acesso pós-estudo. Ou se- mentos para doenças raras em listas do Ministério
ja, o custo seria repassado aos pacientes que não da Saúde poderia ser feita, na opinião dos auto-
participaram da pesquisa, tornando o preço do res, por meio de critérios diferenciados, utilizando
medicamento ainda mais proibitivo. princípios menos utilitaristas e levando em con-
sideração tanto a vulnerabilidade da população
A avaliação econômica de tecnologias atingida quanto a posição da sociedade em rela-
em saúde ção a essa inclusão, com definição de prioridades”.
Um contraponto a esse argumento reside na
Cresce o número de países que adota estudos idiossincrasia sobre a definição dos critérios de
de avaliação de tecnologias em saúde nos seus necessidade de saúde adotados pelos tomadores
respectivos sistemas de saúde, nos quais estão de decisão 4, os quais nem sempre estão em sin-
incluídas as avaliações econômicas, inclusive tonia com os preceitos morais e éticos da socie-
formalizando-os em seus arcabouços legais 22,23. dade. Além disso, não há um critério amplamente
Em outros termos, a evidência científica sobre aceito na literatura que pudesse ser utilizado para
vários aspectos das tecnologias em saúde (segu- ponderar as utilidades esperadas dos indivíduos,
rança, eficácia, acurácia, efetividade, eficiência, no sentido de dar mais peso àqueles que têm as
factibilidade) é levada em consideração no pro- maiores necessidades em saúde. Por esse motivo,
cesso de tomada de decisão acerca da incorpora- geralmente os estudos de avaliação econômica
ção, exclusão ou alteração de condutas clínicas, não ponderam assimetricamente as utilidades
além dos aspectos éticos, sociais e políticos. dos indivíduos de uma sociedade 24; todos são
Particularmente ao que se refere à avaliação tratados de forma igualitária, que no caso brasi-
econômica, esta tem fundamentação na Econo- leiro, também é um princípio constitucional.
mia do Bem-Estar (welfare economics), na qual
os indivíduos maximizam suas utilidades. Para Os métodos complementares aos estudos
que isso seja verificado, um conjunto de condi- de avaliação econômica
ções deve ser satisfeito, conforme estabelecido
em modelos de equilíbrio geral (teoria da utili- Partindo da premissa de que os estudos de ava-
dade esperada, racionalidade dos atores econô- liação econômica sustentam-se em medidas de
micos sob incerteza, Pareto optimality) 24. Nessa eficiência – alocação ótima dos recursos escas-

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 31(3):1-11, mar, 2015


AVALIAÇÃO ECONÔMICA NO ÂMBITO DAS DOENÇAS RARAS 7

sos de uma economia – e em valores da socie- tabilidade pelo sistema de saúde – dado que a
dade, tem sido argumentada, na literatura de sociedade valoriza mais tratamentos de outras
economia da saúde, a possibilidade de os méto- doenças, mesmo que estes apresentem elevadas
dos convencionais – estudos de custo-utilidade razões incrementais aos padrões aceitáveis.
– não refletirem as preferências da sociedade, o O método de person trade-off coloca aos res-
que poderia enviesar a tomada de decisão. Por pondentes uma pergunta direta, do tipo: “Se exis-
exemplo, alguns estudos que teriam uma razão tem X pessoas em uma situação de saúde adversa
incremental relativamente pequena (remoção de A e Y pessoas em uma situação de saúde adversa B;
tatuagem, tratamento da impotência masculina) e o respondente só poderia ajudar (fornecer trata-
poderiam ser considerados não prioritários aos mento) um grupo, qual grupo ele escolheria?” 29.
olhos da sociedade; já as tecnologias com razão X e Y poderiam variar até que os respondentes
incremental acima dos limiares de custo-efetivi- se sentissem indiferentes em termos de desejo
dade convencionais poderiam ter uma aceitação de ajudar. Assim, obteríamos a “desutilidade” da
mais forte por parte dela 1. condição de saúde B em relação a A pela taxa X/Y.
Tal fato ocorre porque os instrumentos usu- Por exemplo, suponha que há dois grupos (A: in-
almente utilizados para mensurar os anos de vi- divíduos com doença moderada; B: indivíduos
da ajustados pela qualidade (QALY, em inglês) com doença severa), ao se aplicar o método de
– visual analogue scale, standard glamble, time person trade-off ao público em geral, chega-se
trade-off – restringem-se a perguntar aos respon- ao seguinte resultado: para um mesmo ganho
dentes a percepção deles em relação a determi- em saúde (1 QALY), o público em geral sente-se
nados estados de saúde 28. O problema emergiria indiferente entre melhorar a saúde (tratar) de 10
quando se utilizam os QALY para extrapolar as indivíduos com doença moderada e 5 indivíduos
preferências da sociedade sobre a alocação (dis- com doença severa; assim, conclui-se que a de-
tribuição) dos recursos escassos a diferentes gru- sutilidade em atender ao grupo B em relação ao
pos populacionais, visto que esta questão não é A é de 0,5; por ser menor do que 1, significa que a
contemplada explicitamente nesses instrumen- sociedade valoriza mais a condição de saúde B 32.
tos de mensuração de QALY 29. Outras variáveis Ubel et al. 32 propuseram um método em
relevantes para essa tomada de decisão estariam dois estágios para melhor captar os valores so-
ocultas: severidade da condição de saúde entre cietários. O primeiro estágio consiste em utilizar
diferentes doenças; existência de tratamentos al- os instrumentos convencionais de mensuração
ternativos; impacto do custo do tratamento no dos anos de vida ajustados pela qualidade na
orçamento familiar. percepção dos pacientes – daqueles indivíduos
Ademais, geralmente os instrumentos de que realmente estão no estado de saúde sob in-
mensuração dos anos de vida ajustados pela vestigação. O segundo, por sua vez, envolve atri-
qualidade são aplicados a indivíduos que estão buir pesos a diferentes ganhos em utilidade, no
vivendo no estado de saúde em questão (pacien- intuito de refletir as preferências da sociedade,
tes), em vez de indivíduos de um modo geral (so- levando em consideração o público em geral, e
ciedade). Esse fato traria possíveis vieses quan- não a visão de pacientes. Nesse formato, busca-
do se busca ter uma visão da sociedade, a saber: se obter as vantagens inerentes aos dois grupos
(i) as principais recomendações internacionais de respondentes: os pacientes – por possuírem
orientam que os estudos de avaliação econômica melhor entendimento sobre o estado de saúde
sejam realizados na perspectiva da sociedade, o – e o público em geral – por tomar decisões sob
que implica que os instrumentos de mensura- um véu de ignorância, ou seja, sem potenciais
ção das utilidades sejam aplicados à população conflitos de interesse aparentes.
em geral, não em um grupo específico 30,31; (ii) Além do person trade-off, a regra de resga-
os pacientes possuem seus próprios conflitos de te (rescue rule) tem sido usada como argumento
interesse, tendendo a superestimar as medidas 19 para recomendar o tratamento de pacientes

de QALY 32; (iii) a presença de doença pode com- com doenças raras. Essa é assim denominada por
prometer a percepção dos indivíduos 33. representar a obrigação social e humana de res-
Assim, novas abordagens poderiam ter papel gatar indivíduos em situação de risco de morte
importante nesse contexto, como, por exemplo, iminente, por exemplo, o resgate de um náufrago
o método de person trade-off. Essa ferramenta em alto mar ou de um montanhista perdido. Ou
teria a vantagem de captar os valores da socieda- ainda como ocorreu recentemente no Chile, o
de no que se refere à ponderação entre eficiência resgate dos 33 mineiros que foram soterrados a
e equidade 1,28. Em outros termos, a sociedade centenas de metros abaixo da terra e regatados
poderia abdicar de certo ganho de saúde – por ao custo de 22 milhões de dólares americanos 14.
exemplo, de tecnologias com razões incremen- A sociedade em geral valora esse tipo de ação:
tais dentro de padrões convencionais de acei- poucas pessoas usariam a lógica econômica nes-

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 31(3):1-11, mar, 2015


8 Silva EN, Sousa TRV

se momento ou questionariam o custo de opor- Comentários e considerações finais


tunidade de usar esse recurso para, por exemplo,
investir em programas de saúde infantil. Pretendeu-se, com este artigo, obter uma visão
A visibilidade/identificação da vítima frente a geral sobre as características econômicas das do-
uma morte evitável constitui um dos argumentos enças raras, a fim de verificar se os estudos de
da regra de resgate, assim como a dedução de avaliação econômica se aplicam a este contexto.
preferências por este tipo de ação em um mo- Para tal, fez-se uso do método de revisão narra-
mento de choque/comoção. Há uma tendência tiva para revisar aspectos como: (i) definição e
a dar prioridade para pessoas que sofrem ou têm implicações econômicas das doenças raras nos
algum tipo de inabilidade na vida normal, mes- sistemas de saúde; (ii) as políticas econômicas
mo se o tratamento disponível for menos eficaz realizadas no âmbito das doenças raras; (iii) as-
quando comparado com outras doenças 34. Ao pectos éticos relacionados às doenças raras; (iv)
priorizar indivíduos identificáveis em detrimen- fundamentação teórica dos estudos de avaliação
to de uma vida estatística, a hipótese de neutrali- econômica; (v) métodos complementares à ava-
dade distributiva é violada. liação econômica. A seguir, seguem as principais
A regra de resgate prioriza a gravidade da do- evidências encontradas.
ença em detrimento da efetividade e dos custos No que se refere à definição de doenças raras,
do tratamento, o que contraria a lógica/ética uti- o critério mais utilizado é o epidemiológico. Al-
litarista, inviabilizando a escolha de intervenções gumas jurisdições quantificam essa raridade (Es-
custo-efetivas de modo a maximizar a eficiência tados Unidos, Japão, Austrália, União Europeia)
do uso dos recursos (Tabela 4). e outras não, apenas se referindo a elas como

Tabela 4

Regra de resgate e visão utilitarista.

Pró-regra de resgate 19 Pró-utilitarismo 5

Status especial da Assegurar tratamento para doenças que A Legislação representa as preferências da
doença não existem tratamento; severidade da sociedade? A sociedade está disposta a pagar
doença. mais por menos pessoas tratadas com doenças
raras?
Evidência de Não é possível recrutar um número Há um número considerável de casos em
efetividade suficiente de participantes para ensaios algumas doenças que permitiriam estudos
clínicos; horizonte de análise pequeno para maiores: p. ex. doença de Gaucher – ensaios
doenças crônicas, é necessário o registro e clínicos com 12 pacientes e 10 anos após 3.000
o seguimento dos pacientes pós-início do pacientes usando medicação; o registro dos
tratamento. pacientes não resolve o problema, pois depois
da introdução da terapia há mudança no
histórico da doença.
Limitado impacto Dado que o número de pacientes é Necessário considerar custo de oportunidade.
orçamentário pequeno, o impacto orçamentário também
o seria.
Equidade Investir em pacientes com doenças raras Regra de resgate não é de fato uma regra, mas
é não ético do ponto de vista utilitarista, um instinto emocional para eventos trágicos
contudo, todos têm direito a um mínimo e não deve nortear políticas; apelo público a
de saúde. vidas conhecidas não devem valer mais que as
desconhecidas.
Opções para Peso diferenciado (QALY) para doenças São necessárias evidências de que a
recomendações de com diferentes prevalências; partilhar o sociedade tem preferências por doenças
políticas risco com a indústria; critérios clínicos e raras; dificuldades de estabelecer quando
farmacológicos de inclusão no tratamento. o tratamento foi entregue com sucesso;
dificuldade de estabelecer critérios clínicos a
priori que garantam ganhos em saúde.
QALY: anos de vida ajustados pela qualidade.

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 31(3):1-11, mar, 2015


AVALIAÇÃO ECONÔMICA NO ÂMBITO DAS DOENÇAS RARAS 9

aquelas que afetam um pequeno número de pes- Outro ponto importante no âmbito das doen-
soas quando comparadas à população geral (Bra- ças raras é a escassez de evidências de boa qua-
sil, Peru). Por ter o critério epidemiológico como lidade sobre os efeitos em saúde das tecnologias
parâmetro, esse conceito acaba englobando um disponíveis a essas enfermidades. Geralmente,
conjunto bastante amplo de doenças, podendo são apontados, como fatores que tendem a redu-
chegar ao número de 8 mil patologias. Algumas zir a robustez dos resultados dos estudos clíni-
características usualmente compartilhadas en- cos, o pequeno número de participantes incluí-
tre essas doenças são a causa genética (80%) e a dos em ensaios clínicos randomizados e o uso de
redução significativa da expectativa de vida. Em desfechos em saúde intermediários, sem analisar
termos econômicos, a raridade está associada os efeitos na sobrevida ou qualidade de vida dos
à baixa atratividade de investimentos privados, pacientes 1,36.
visto que haveria alto risco no processo de pes- Em relação aos aspectos éticos, critica-se a
quisa e desenvolvimento, associado à reduzida Declaração de Helsinque no contexto das doen-
demanda pelas tecnologias. Um contraponto a ças raras, pois esta reforçaria a redução da atrati-
essa questão foi publicado na revista Forbes, em vidade econômica desse mercado, por ter de for-
23 de agosto de 2012, sob o título Orphan Drugs: necer o tratamento após a conclusão do estudo
‘Rare’ Opportunities to Make Money 35. Nesse ar- aos sujeitos de pesquisa. Esse ponto é controver-
tigo, apontam-se os medicamentos órgãos como so, pois a maioria das indústrias farmacêuticas é
grandes oportunidades de investimentos, pois multinacional de grande porte, as quais podem
estes já representam 6% de todas as vendas do se- alocar pacientes em diferentes países em que
tor farmacêutico, com crescimento superior aos atuam, por meio de ensaios clínicos multicêntri-
medicamentos para doenças prevalentes (25,8% cos e multinacionais. Assim, seria reduzido o im-
vs. 20,1%, respectivamente). Ademais, em 15% pacto, em nível local, da obrigação de continuar a
dos casos analisados, um mesmo medicamento ofertar aos participantes da pesquisa tratamento
obtém registro para mais de uma doença rara, pós-conclusão do estudo. O papel dos registros
ampliando assim sua demanda potencial. também é um tema que necessita de um olhar
Uma possível explicação aos dados publi- mais atento do campo da ética, visto que estes
cados na Forbes refere-se às políticas adotadas poderiam ampliar o conjunto de evidências cien-
nos países desenvolvidos para fomentar a oferta tíficas disponíveis à tomada de decisão.
de tecnologias para as doenças raras, por meio Cabe frisar que os sistemas de saúde têm
de concessão de crédito diferenciado, isenções ratificado o uso de avaliação econômica como
fiscais, exclusividade de mercado, processo dife- principal instrumento para auxiliar na tomada
renciado para concessão de registro. Nesse senti- de decisão sobre incorporação ou exclusão de
do, percebe-se que os esforços despendidos pe- tecnologias em saúde. Ao afirmarem isso, impli-
los governos estão mais direcionados ao fomento citamente se assume que os estudos de custo-
da indústria farmacêutica do que no aprofunda- efetividade e suas variações (custo-utilidade,
mento dos critérios de incorporação e disponi- por exemplo) são a forma mais aceita de siste-
bilização dessas tecnologias aos potenciais usu- matizar as evidências de custo e desfechos em
ários. Em outros termos, concede-se o registro saúde. No entanto, essa postura não exclui o uso
(permissão para comercialização no mercado), de outras metodologias, complementares a esses
mas não a disponibilização desses medicamen- estudos. Tem-se aventado o uso de person trade-
tos de forma gratuita nos sistemas de saúde. Essa off e regra de resgate como complementos viá-
parece ser a estratégia dos Estados Unidos, país veis no processo de tomada de decisão. Assim,
que mais concede registro para tecnologias di- como sugestão para pesquisas futuras, recomen-
recionadas às doenças raras, sem haver o com- da-se que sejam realizados estudos baseados na
prometimento de incorporar ao seu sistema de metodologia de person trade-off, visto que ela
proteção social, visto que seu sistema de saúde permite quantificar as preferências e os valores
é caracterizado por ser voltado ao mercado, di- da sociedade quanto à alocação de recursos es-
ferentemente do sistema brasileiro, que segue os cassos na saúde, podendo servir de balizador aos
princípios da universalidade e integralidade. tomadores de decisão no processo de incorpora-
ção e exclusão de tecnologias em saúde, particu-
larmente no SUS.

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 31(3):1-11, mar, 2015


10 Silva EN, Sousa TRV

Resumen Colaboradores

El objetivo fue sistematizar las evidencias disponibles E. N. Silva e T. R. V. Sousa participaram de todas as fases
sobre la pertinencia de utilizar la evaluación económi- de elaboração do artigo.
ca para la incorporación/exclusión de tecnología en en-
fermedades raras. Se realizó una revisión sistemática de
la literatura en MEDLINE vía PubMed, CRD, LILACS, Conflito de interesses
SciELO y Google Académico (literatura gris). Los estu-
dios de evaluación económica se originan de la Econo- Este artigo é uma versão adaptada do parecer técnico
mía del Bienestar, en la que los individuos maximizan encaminhado pela coautora T.R.V.S. à Comissão Nacio-
sus utilidades, basándose en la eficiencia de asigna- nal de Incorporação de Tecnologias do SUS (Conitec/
ción. No existe un criterio ampliamente aceptado pa- MS), para o qual recebeu recursos financeiros desta
ra examinar las utilidades, a fin de dar más peso a los instituição. No entanto, não houve influência, de qual-
individuos con mayores necesidades. Generalmente, los quer espécie, da Conitec/MS na elaboração deste arti-
estudios no equilibran asimétricamente las utilidades, go. Ademais, as opiniões aqui expressas são de inteira
todas son consideradas iguales, lo que en Brasil es tam- responsabilidade dos autores.
bién un principio constitucional. Los sistemas de salud
han ratificado el uso de la evaluación económica como
la principal herramienta para ayudar en la toma de
decisiones. Sin embargo, este abordaje no excluye el uso
de otras metodologías complementarias a los estudios
de coste-efectividad, como la técnica de compensación
personal o la regla del rescate.

Evaluación de Costo-Efectividad; Enfermedades Raras;


Economía de la Salud

Referências

1. Drummond MF, Wilson DA, Kanavos P, Ubel P, Ro- 7. Brasil. Lei no 12.401, de 28 de abril de 2011. Alte-
vira J. Assessing the economic challenges posed ra a Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, para
by orphan drugs. Int J Technol Assess Health Care dispor sobre a assistência terapêutica e a incorpo-
2007; 23:36-42. ração de tecnologia em saúde no âmbito do Siste-
2. Denis A, Simoens S, Fostier C, Mergaert L, Cleem- ma Único de Saúde – SUS. Diário Oficial da União
put I. Policies for orphan diseases and orphan 2011; 29 abr.
drugs. http://ec.europa.eu/health/ph_threats/ 8. European Organisation for Rare Diseases. Rare
non_com/docs/policies_orphan_en.pdf (acessado diseases: understanding this public health priority.
em 23/Mar/2013). http://www.eurordis.org/IMG/pdf/princeps_doc
3. Drummond MF. Challenges in the economic eval- ument-EN.pdf (acessado em 21/Mar/2013).
uation of orphan drugs. Eurohealth 2008; 14:16-7. 9. European Union Committee of Experts on Rare
4. London AJ. How should we model rare disease al- Diseases. 2012 report on the state of the art of rare
location decisions? Hastings Cent Rep 2012; 43:3-4. disease activities in Europe – Part I: overview of ra-
5. McCabe C, Claxton K, Tsuchiya A. Orphan drugs re disease activities in Europe. http://www.eucerd.
and the NHS: should we value rarity? BMJ 2005; eu/?post_type=document&p=1378 (acessado em
331:1016-9. 21/Mar/2013).
6. Panju AH, Bell CM. Policy alternatives for treat-
ments for rare diseases. CMAJ 2010; 182:E787-92.

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 31(3):1-11, mar, 2015


AVALIAÇÃO ECONÔMICA NO ÂMBITO DAS DOENÇAS RARAS 11

10. Direcção-Geral da Saúde e da Defesa do Consu- 23. Perpiñán JMA, Martínez FIS, Pérez JEM. La
midor, Comissão Europeia. Doenças raras: os de- medición de la calidad de los estudios de evalu-
safios da Europa. Consulta pública. Direcção C – ación económica. una propuesta de ‘checklist’
Saúde Pública e Avaliação de Riscos. http://ec.eu para la toma de decisiones. Rev Esp Salud Pública
ropa.eu/health/archive/ph_threats/non_com/ 2009; 83:71-84.
docs/raredis_comm_pt.pdf (acessado em 23/ 24. Garber AM, Weinstein MC, Torrance GW, Kamlet
Mar/2013). MS. Theoretical foundations of cost-effectiveness
11. Kaplan W, Laing R. Priority medicines for Eu- analysis. In: Gold MR, Siegel JE, Russell LB, Wein-
rope and the world. http://whqlibdoc.who.int/ stein MC, editores. Cost-effectiveness in health
hq/2004/WHO_EDM_PAR_2004.7.pdf (acessado and medicine. New York: Oxford University Press;
em 21/Mar/2013). 1996. p. 25-53.
12. Villarreal MA. Orphan Drug Act: background and 25. McGuire A. Theoretical concepts in the economic
proposed legislation in the 107th congress. http:// evaluation of health care. In: Drummond M, Mc-
www.law.umaryland.edu/marshall/crsreports/ Guire A, editores. Economic evaluation in health
crsdocuments/RS20971.pdf (acessado em 20/ care: merging theory with practice. New York: Ox-
Mar/2013). ford University Press; 2001. p. 1-21.
13. Office of Rare Diseases Research, National Insti- 26. Tsuchiya A, Williams A. Welfare economics and
tutes of Health. Rare diseases and related terms. economic evaluation. In: Drummond M, McGuire
http://rarediseases.info.nih.gov/ (acessado em 20/ A, editores. Economic evaluation in health care:
Mar/2013). merging theory with practice. New York: Oxford
14. Rosselli D, Rueda JD. Enfermedades raras, huérfa- University Press; 2001. p. 22-45.
nas y olvidadas. http://www.afidro.com/Estudio. 27. Pôrto SM. Justiça social, equidade e necessidade
pdf (acessado em 06/Abr/2013). em saúde. In: Piola SF, Vianna SM, organizadores.
15. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Res- Economia da saúde: conceitos e contribuição para
olução no 16, de 13 de março de 2008. Diário Ofi- a gestão da saúde. Brasília: Editora Ipea; 2002. p.
cial da União 2008; 17 mar. 123-40.
16. Souza MV, Krug BC, Picon PD, Schwartz IVD. Me- 28. Nord E, Pinto JL, Richardson J, Menzel P, Ubel P.
dicamentos de alto custo para doenças raras no Incorporating societal concerns for fairness in
Brasil: o exemplo das doenças lisossômicas. Ciênc numerical valuations of health programs. Health
Saúde Coletiva 2010; 15 Suppl 3:3443-54. Econ 1999; 8:25-39.
17. Wiest R. A economia das doenças raras: teoria, evi- 29. Prades J-LP. Is the person trade-off a valid method
dências e políticas públicas [Monografia]. Porto for allocation health care resources? Health Econ
Alegre: Faculdade de Ciências Econômicas, Uni- 1997; 6:71-81.
versidade Federal do Rio Grande do Sul; 2010. 30. Drummond MF, Sculpher MJ, Torrance GW,
18. U.S. Food and Drug Administration. Orphan Drug O’Brien BJ, Stoddart GL. Methods for the econom-
Act. Excerpts. Public Law 97-414, as amended. ic evaluation of health care programmes. Oxford:
http://www.fda.gov/RegulatoryInformation/Leg Oxford University Press; 2005.
islation/FederalFoodDrugandCosmeticActFD 31. Gold M, Siegel J, Russel L, Weinstein M. Cost-effec-
CAct/SignificantAmendmentstotheFDCAct/ tiveness in health and medicine. New York: Oxford
OrphanDrugAct/default.htm (acessado em 20/ University Press; 1996.
Mar/2013). 32. Ubel PA, Richardson J, Menzel P. Societal value, the
19. Hughes DA, Tunnage B, Yeo ST. Drugs for excep- person trade-off, and the dilemma of whose values
tionally rare diseases: do they deserve special sta- to measure for cost-effectiveness analysis. Health
tus for funding? Q J Med 2005; 98:829-36. Econ 2000; 9:127-36.
20. Daines SM, Goldbaum M. Fornecimento de me- 33. Arrow KJ. Uncertainty and the welfare economics
dicamento investigacional após o fim da pesquisa of medical care. Am Econ Rev 1963; 53:941-73.
clínica – revisão da literatura e das diretrizes na- 34. McKie J, Richardson J. The rule of rescue. Soc Sci
cionais e internacionais. Rev Assoc Med Bras 2011; Med 2003; 56:2407-19.
57:710-6. 35. Silverman E. Orphan drugs: ‘rare’ opportunities to
21. Cohen ERM, O’Neill JM, Joffres M, Upshur REG, make money. Forbes 2012; 23 ago.
Mills E. Reporting of informed consent, standard 36. Diniz D, Medeiros M, Schwartz IVD. Consequên-
of care and post-trial obligations in global ran- cias da judicialização das políticas de saúde: cus-
domized intervention trials: a systematic survey of tos de medicamentos para as mucopolissacarido-
registered trials. Dev World Bioeth 2009; 9:74-80. res. Cad Saúde Pública 2012; 28:479-89.
22. La Torre G, Nicolotti N, De Waure C, Ricciardi W.
Development of a weighted scale to assess the Recebido em 18/Dez/2013
quality of cost-effectiveness studies and an appli- Versão final reapresentada em 28/Mai/2014
cation to the economic evaluations of tetravalent Aprovado em 18/Set/2014
HPV vaccine. J Public Health 2011; 19:103-11.

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 31(3):1-11, mar, 2015

Você também pode gostar